Decisão Arbitral
I - RELATÓRIO
1-A..., S.A., sociedade comercial anónima, com o NIF..., com sede na Rua ..., nº ..., ...-... ..., (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), apresentou em 2018-03-28 pedido de constituição de tribunal arbitral colectivo, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, 5º, nº 2, alínea a), 6º, nº 1 e 10º, nºs 1 e 2, todos do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT) em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do actos de liquidação de imposto do selo previstos na verba 28 da TGIS, no valor global de 106.892,67 €, com referência ao ano de 2015, bem como da declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2017... .
2- O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente da CAAD, e notificado à Requerida em 2018-04-04.
3- Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes nos prazos previstos, foram designados como árbitros os signatários, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a aceitação do encargo, no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do CAAD.
4- Em 2018-05-21, foram as partes notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade as recusar, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5- O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 2018-06-12, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66- B/2012, de 31 de Dezembro.
6- Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2018-06-12, a Requerida apresentou em 2018-08-27 a sua resposta, tendo nessa mesma data procedido à junção do processo administrativo.
7- Por despacho proferido em 2018-09-10, devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais, a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e a apresentação de alegações finais, foi indicada como data limite previsível para a prolação e notificação da decisão final o dia 30/10/2018.
8. A fundamentar o seu pedido, a Requerente invocou em síntese, e com relevo para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição);
8.1. (…) “ foi notificada da liquidação do Imposto de Selo (IS) previsto na verba 28 da Tabela Geral referente ao ano de 2015 no montante total de 106.892,67 Eur., incidente sobre o valor patrimonial tributários das unidades independentes do prédio urbano inscrito sob o artigo..., da união de freguesias de ... e ...(cfr. artigo 3º do pedido de pronúncia arbitral, documentos nºs 1 a 28 com o mesmo juntos e PA),
8.2.”As liquidações referentes ao ano de 2015 e incidentes sobre um prédio que não estava construído em tal data ocorreram na sequência de, no modelo 1 de IMI – apresentado em setembro de 2016 - , se ter declarado que a conclusão da obra do prédio foi na data de 28 de dezembro de 2015” (cfr. artigo 8º do pedido de pronúncia arbitral),
8. 3. “Em 2.05.2017, a Requerente foi notificada pelo Serviço de Finanças de Loures ... para proceder ao desdobramento do requerimento apresentado que versava sobre o IMI e IS, em duas reclamações graciosas referente a cada um dos tributos mencionados” (cfr. artigo 10º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 30 com o mesmo junto)
8.4. “Em 16.05.2017, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra os atos de liquidação e cobrança de imposto de selo relativo ao Imposto de Selo (IS) previsto na verba 28 da Tabela Geral referentes ao ano de 2015 no montante total de 106.892,67 Eur., incidentes sobre o valor patrimonial tributário das unidades independentes do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo...” (cfr. artigo 11º do pedido de pronúncia arbitral, documento nº 31 com o mesmo junto e PA),
8.5. “Em 3.11.2017, por ofício da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada do projecto de decisão final (…)”- (cfr. artigo 12º do pedido de pronúncia arbitral),
8.6. “Em 16.05.2017 [1], a Requerente pronunciou-se em sede de audiência previa (cfr. artigo 13º do pedido de pronúncia arbitral),
8.7. Em 2.01.2018, por ofício da Direção de Finanças de Lisboa datado de 29.12.2017, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento das reclamações apresentadas” (cfr. artigo 14º do pedido de pronúncia arbitral),
8.8. Tece ainda a Requerente, (sob o artigo 16º do pedido de pronúncia arbitral) as seguintes considerações: “A Administração Tributária não deu provimento à reclamação graciosa no ponto em que se requeria a anulação das liquidações de Imposto de Selo (IS) previsto na verba 28 da Tabela Geral referente ao ano de 2015 no montante total de 106.892,67 Eur, incidente sobre prédio constituído em propriedade vertical, por a liquidação ter considerado o VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente e individualizadas no artigo matricial, quando deveria ter sido considerado o VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação, sendo essa questão que ora de impugna a que constitui o objecto da presente arbitragem” .
8.9. Conclui a Requerente, como se retira do seu pedido, que devem “ser julgados nulos ou anulados os atos de liquidação de Imposto de previsto na verba 28 da Tabela Geral referente ao ano de 2015, no montante total de 106.892,67 Eur., incidente sobre o valor patrimonial tributário das unidades independentes do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo..., da união de freguesias de ... e ...”
9. Como já referido, em 2018-08-27 a Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu à junção do processo administrativo, e apresentou a sua resposta,
9.1. Onde, fundamentalmente, e em brevíssima síntese (que igualmente se menciona maioritariamente por transcrição) pugna pela manutenção das liquidações aqui em crise, argumentando, fundamentalmente para o que aqui releva, que:
9.2. “O imóvel encontra-se descrito na matriz no regime de propriedade total, constituído por diversos pisos e 14 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, todos afectos à habitação” (cfr. artigo 7º da resposta e páginas 107 e 108 do PA),
9.3. “À data a Requerente detinha a propriedade plena do prédio em análise, avaliado nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, descrito como “prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente”, com valor patrimonial tributário (VP) superior a € 1.000.000,00, (cfr. artigo 12º da resposta),
9.4. “Em cumprimentos e nos termos do disposto no artigo 6º, nº 2 da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba nº 28 à TGIS, com a alteração efectuada pela Lei nº 83-c/2013 de 31/12 e cuja respectiva norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI, com VP igual ou superior a € 1.000,000,00 e, nos termos do seu nº 28.1, afectação habitacional procedeu a AT à notificação dos documento de cobrança para o pagamento da liquidação em causa”. (cfr. artigo 13º da resposta),
9.5. (…) “ O que está em causa são notas de cobrança/liquidação que resultam da aplicação directa da norma legal, que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária” (cfr. artigo 15º da resposta),
9.6. “O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, nº 1 do CIMI, estando estatuído no seu nº 4 que no regime de propriedade horizontal, cada fracção autónoma é havida como constituindo um prédio” (cfr. artigo 18º da resposta),
9.7. “Decorre da análise do preceito normativo que um “prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente”é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por fracções autónomas, ou seja, vários prédios” (cfr. artigo 19º da resposta),
9.8. “Encontrando-se os prédios em regime de propriedade total, não possuindo fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque na noção de prédio do artigo 2º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – nº 4 do citado artigo 2º do CIMI” (cfr. artigo 20º da resposta),
9.9. “A previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituído em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações” (cfr. artigo 30º da resposta),
9.10. “O que se pretende concluir é que estas normas de procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade (horizontal) [2], isto porque, e como já se referiu, seria ilegal e inconstitucional” (cfr. artigo 35º da resposta),
9.11. “É assim consequência, de o facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. consistir na propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos de incidência do imposto, ser, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente” (cfr. artigo 37º da resposta),
9. 12.Termina a Requerida o seu articulado pugnando pela improcedência do pedido e consequente manutenção dos actos de liquidação impugnados.
Saneamento do processo
10. O Tribunal Arbitral Tributário Colectivo é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT,
11. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi, artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT).
12. Não foram suscitadas quaisquer excepções e o processo não enferma de nulidades.
II-FUNDAMENTAÇÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito suscitada, dão-se como provados e assentes os seguintes factos:
i- Em 31 de Dezembro de 2015 a Requerente era proprietária do prédio inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo nº ... da União de Freguesias de ... e ... e descrito como um “prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptível de utilização independente”, constituído por diversos pisos e 14 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, todos afectos à habitação (cfr. folhas 107 e 108 do PA);
ii- O valor patrimonial do prédio em causa é superior a um milhão de euros, não se encontrando constituído sob o regime da propriedade horizontal em 31/12/ 2015;
iii - Os VPT (s) dos andares (unidades económicas) do prédio em questão, com afectação habitacional são todos inferiores a 1.000.000,00 € (cfr. documentos nºs 1 a 28 juntos com pedido de pronúncia arbitral e PA);
iv- A Requerente foi notificada liquidações do Imposto do Selo, relativas ao ano de 2015, em relação a cada uma de tais divisões com afectação habitacional, no montante global de 106.892,67 €, constantes referidos documentos, que aqui se dão por reproduzidos;
v -A Requerente não efectuou o pagamento voluntário dos montantes indicados, tendo prestado garantia sob a modalidade de hipoteca voluntária unilateral com vista à suspensão da cobrança coerciva dos impostos ora impugnados (cfr. documento nº 34 junto com o pedido de pronuncia arbitral);
vi- Dos citados actos de liquidação que lhe foram notificados a Requerente apresentou, em 16/05/2017, reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças de Loures ..., a que coube o nº ...2017...;
vii - O projecto de decisão, consubstanciado em despacho de 27/10/2017, foi notificado à Requerente através do ofício nº ... de 17/11/2017, da Direcção de Finanças de Lisboa, tendo esta exercido o direito de audição em 20/11/2017.
viii - Por ofício datado de 29-12-2017, foi a Requerente notificada da decisão final que determinou o deferimento parcial da reclamação graciosa em questão;
ix - No parecer elaborado pela AT, que sustentou quer o projecto quer a decisão final incidente sobre a reclamação graciosa que culminou no seu indeferimento (no que toca ao imposto do selo objecto dos presentes autos) consta para além do mais, e para o que aqui releva, o seguinte:
“(…) “ 18. À data dos factos, estava em vigor a verba 28.1 da tabela geral, anexa ao Código do IS, que previa a tributação da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos – prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse para habitação, nos termos do Código do IMI – cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, fosse igual ou superior a € 1.000.000.
19. O imposto era liquidado anualmente, e relação a cada prédio, pelos serviços centrais da AT, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras do Código do IMI (artigo 23º, nº 7 do Código do IS, vigente à data),
20. Uma dessas regras consistia na obrigatoriedade do imposto ser liquidado com base no VPT existente na matriz à data de 31/12 de cada ano (artigo 113º, nº 1 do Código do IMI).
21. Ora, tendo em conta que a data de 31/12/2015 é a data que releva, para efeitos de liquidação do IS, de 2015, quanto à verba 28, e tendo ainda em conta que uma concreta fracção de território – in casu, prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse para habitação, nos termos do Código do IMI – só pode ser tributada uma vez, em cada ano, afigura-se-nos de concluir que, em face da declaração modelo 1 nº..., apresentado em 21/09/2016, em que se veio dar conta de um novo prédio (em propriedade total ou vertical) edificado sobre o artigo ... (artigo provisório P...) com efeitos a 28/12/2016:
i) a liquidação que incidiu sobre o terreno para construção (liquidação nº...) não é devida, pois na data de 31/12/2015, deixou de ter essa configuração (sem prejuízo, esclarece-se que, aquando da emissão desta liquidação nº ... [5/04/2016] não havia dados disponíveis quanto ao prédio em propriedade total ou vertical mas apenas quanto ao artigo..., terreno para construção, o qual reúne os pressupostos da incidência objectiva da tributação)
ii) a liquidação efectivamente devida é a incidente sobre o artigo..., prédio em propriedade total ou vertical.
22. Refere a reclamante que mesmo que se considere que, na data de 31/12/2015 , está em causa em prédio em propriedade vertical (ou total), este não pode ser tributado, pelo verba 28.1, porque, tal como vem defendendo a jurisprudência, a incidência deve ser determinado pelo VPT atribuído a cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente e não pelo seu somatório.
23. Relativamente a este ponto, duas notas;
23.1. decisões no sentido alegado pela reclamante só têm aplicação às situações concretas que aí foram objecto de apreciação (objecto e partes), não sendo extensíveis às que não foram;
23.2. a AT, no âmbito da informação Vinculativa referente ao processo 2013000226 – IVE nº 4599 com despacho concordante do Substituto Legal do Diretor – Geral da AT, de 11/02/2013, pronunciou-se nos termo seguidamente transcritos (apenas se transcrevem os pontos 6 e 7):
“6. Para efeitos de IMI e consequentemente para efeitos de sujeição a imposto do selo, verba 28 da Tabela geral, anexa ao CIS, por remissão daquele Código, o prédio em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente (dita propriedade total) e o prédio em regime de propriedade horizontal, são no que respeita ao conceito de “prédio fiscal” distintos uma vez que no último caso a fracção autónoma, para efeitos de IMI, integra o conceito de prédio. Trata-se de uma excepção à regra geral, dado que cada fracção autónoma de um edifício sujeito ao regime da propriedade horizontal pertence a um titular independente, o qual é proprietário da sua fração autónoma e comproprietária das partes comuns do prédio. § 7. Já relativamente ao primeiro caso (propriedade total) ainda que o prédio tenha partes ou divisões susceptíveis de utilização independente o conceito jurídico tributário é de que este prédio constitui uma única unidade, uma vez que a sua titularidade, sem prejuízo da compropriedade, apenas pertence a um único proprietário. Saliente-se que o facto de neste caso, cada andar ou divisão do prédio suscetível de utilização independente constar separadamente na inscrição matricial e com o respectivo valor patrimonial de cada uma delas, apenas releva, para efeitos fiscais, face ao conceito de matriz constante no artigo 12º do CIMI e na matéria regulada no mesmo código para a organização das matrizes. Na verdade, à semelhança do que acontecia nos anteriores impostos da predial e da contribuição autárquica, o que ainda se justifica no seu sucessor IMI, tal deve-se à necessidade de relevar a autonomia que, dentro do mesmo prédio, cabe a casa uma das suas partes, as quais podem ser funcional e economicamente independentes. Esta autonomização, justifica-se porque no mesmo prédio pode ocorrer a utilização para comércio ou habitação, com ou sem arrendamento, o que é determinante (já assim era nos anteriores impostos em que o valor patrimonial era determinado pelo valor da renda oi valor locativo) nas regras da avaliação fiscal no âmbito do CIMI, face aos diferentes coeficientes de afectação (artigo 41º do CIMI). Na verba 28 da Tabela Geral anexo ao CIS, a sua sujeição é, conforma expressão literal aí constante, ao “prédio” pelo que, por um lado, não cabe ao intérprete distinguir onde o legislador o não faz, e por outro, a matéria relativa à incidência tributária está sujeita ao princípio da legalidade tributária, conforme o disposto no artigo 8º da LGT”.
x - Em 2018-03-28 a Requerente apresentou junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. sistema informático de gestão processual do CAAD),
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, inexistem factos que devem considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importem para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [( cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT, e nº 3 do artº 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e d) do RJAT)].
Deste modo os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da (s) questão (ões) do direito (cfr. artº 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, alínea e) do RJAT.
Assim sendo, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos e o PA anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.
B.DO DIREITO
O objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, como definido e circunscrito pela Requerente no seu intróito, é a “impugnação dos atos de liquidação e cobrança de imposto de selo relativo ao Imposto de Selo (IS) previsto na verba 28 da Tabela Geral referente ao ano de 2015, no montante de €106.892,67, incidentes sobre o valor patrimonial tributário das unidades independentes do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo..., da união de freguesias de ... e ..., bem como do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada”.
Deste modo, a questão que constitui o thema decidendum, que tem sido a ser alvo de apreciação recorrente em sede arbitral, reconduz[3]–se em saber se, num prédio não submetido ao regime de propriedade horizontal, a sujeição a imposto do selo, nos termos da verba 28.1 da TGIS, é determinada pelo valor patrimonial (VPT) que corresponde a cada uma das partes do prédio, economicamente independentes e com afectação habitacional, como propugna a Requerente ou se, ao invés, é determinado pelo somatório dos VPT´S dos andares ou divisões de utilização independente e com afectação habitacional que o compõem, como sustenta a AT.
A jurisprudência arbitral tributária, tem vindo de forma pacífica e uniforme (ou pelo menos de forma significativamente maioritária) a decidir no sentido propugnado pela Requerente, em conformidade, de resto, com o mais recente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, quanto a este segmento.
Antes de afrontarmos a questão dirimenda que a factualidade convoca, impor-se-á, um breve incurso ao quadro normativo pertinente.
O imposto do selo (IS) sobre os prédios de significativo valor patrimonial foi criado pela Lei nº 55-A/2012 de 29 de Outubro que introduziu diversas alterações ao Código do Imposto do Selo, e procedeu, para o que aqui releva, ao aditamento à Tabela Geral do Imposto do Selo da verba 28.
A redacção ao tempo dos factos subjacentes era a seguinte:
“28- Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributária constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a (euro) 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI;
28.1. Por prédio com afectação habitacional – 1%;
28.2. Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministério das Finanças – 7,5%
Posteriormente, a Lei nº 83-c/2013, de 31 de Dezembro (LOE 2014), através do seu artigo 194º) alterou a redacção da verba 28.1 da TGIS, passando a ter a seguinte redacção:
“ 28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista , seja para habitação nos termos do disposto do Código do IMI – 1%.”.
Ora a interpretação da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS não poderá deixar de ser efectuada com base nas diversas directrizes hermenêuticas que fluem do artigo 11º da LGT e do artigo 9º do Código Civil, e a respeito da qual nos louvamos no quanto vem dito na decisão proferida em 2/10/2013 no âmbito do processo nº 53/2013-T do CAAD:
“ A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação das normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a um amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesas, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico que reclama a sua coerência global.
A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba nº 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela “troika”) e da fiscalização do Tribunal Constitucional.
Na verdade, embora da “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei nº 96/XII/2ª, em que baseou a Lei nº 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de “reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento” e ao ser empenho “em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho”, é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba nº 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa antever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.
Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba nº 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do nº 3 do artigo 9º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção imposta pelo mesmo nº3 do artigo 9º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Aqui chegados, desde logo se constata o carácter acentuadamente remissivo da norma da verba nº 28.1 da TGIS, face ao teor do artigo 67º, nº 2 do CIS: “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”. (sublinhado nosso)
Impor-se-á assim coligir, ainda que através de simples menção (sob pena de desnecessária redundância), as normas do Código do IMI, mais relevantes e pertinentes, que imbricam com a interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS.
Assim sendo, no CIMI o conceito de “prédio” surge definido no seu artigo 2º como segue:
1.Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstância normais tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados num fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.
Definindo de seguida o CIMI, nos artigos 3º a 5º as espécies de prédios, e sob o artigo 6º as espécies de prédios urbanos, estabelecendo o nº 3 do artigo 12º do CIMI que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.
Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, está subjacente às liquidações postas em crise, um prédio em propriedade vertical que engloba várias fracções destinadas a habitação, sendo que todas elas têm um valor patrimonial inferior a um milhão de euros.
Tal circunstância, e como tem vindo a ser decidido pela jurisprudência (estadual e arbitral) é impeditiva da aplicação de verba 28.1 da TGIS.
Podendo concluir-se, in casu, que só haveria incidência de Imposto do Selo (no âmbito da Verba 28.1 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a 1.000.000,00 €.
Com efeito da análise das convocadas disposições do CIMI em nenhuma delas é feita qualquer distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou total.
Como se salienta no âmbito do processo nº 125/2018- T do CAAD “, de 2018-07-06 (…) pese embora o nº 4 do artigo 2º, refira expressamente que as fracções autónomas dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal constituem, cada uma delas, um prédio, a verdade é que não exclui de tal classificação as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total ou vertical.
E, onde a lei não distingue, não pode o intérprete fazê-lo.”
Continuando a decisão em causa:
“Analisada, pois, a definição de prédio ínsita no nº 1 do artigo 2º do CIMI, não vislumbramos qualquer razão para aqui não incluir as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total, pois que estas constituem uma fracção de território que faz parte integrante do património de uma pessoa singular ou colectiva e que tem valor económico.
Assinale-se que a cada uma dessas divisões ou frações é atribuído um valor patrimonial tributário”,
Face ao que vem de dizer-se, não vislumbra este Tribunal razões, quer de facto, quer de direito, para subscrever posição diversa da que vendo sendo sufragada (para além da jurisprudência arbitral tributária) pelo Supremo Tribunal Administrativo, aderindo-se sem quaisquer reservas, ao decidido no Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 29/03/2017, tirado por unanimidade e relatado pelo Exma. Conselheira Ana Paula Lobo, no âmbito do processo nº 0596/16, cujo sumário, por conclusivo, se toma a liberdade de transcrever:
“ I- A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aditada pelo artº4 da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros.
II- Não tendo a verba 28 da Tabela Geral efectuado qualquer distinção entre prédios em regime da propriedade horizontal e total/vertical e reportando-se ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, não competirá ao seu aplicador introduzir qualquer distinção, tanto mais que se trata de uma norma de incidência.
III- Se fosse intenção do legislador tributar os imóveis que tendo um único artigo matricial por serem constituídos por partes susceptíveis de utilização independente têm atribuído diversos valores tributários, e pretendesse que para efeitos de tributação em sede de imposto do selo, se atendesse à soma desses diversos valores patrimoniais tributários, não teria acrescentado a parte final do preceito: sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
IV. Nada na lei impondo a consideração de qualquer somatório de todos ou partes dos VPT atribuídos às diversas partes de um prédio com um único artigo matricial, também se mostra desconforme com a lei fazer-se tal operação aritmética apenas para efeito da tributação consagrada na verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo”
Já após a prolação do acórdão cujo sumário se acaba de transcrever, e no mesmo sentido, pode ver-se o aresto de 22/11/2017, relatado pela Exma. Senhora Conselheira Dulce Neto, no âmbito do processo do STA nº 01090/17:
“ A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012 de 29 de Outubro, não tem aplicação aos prédios urbanos com um único artigo matricial mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a às quais foram atribuídos, de forma individual e separadamente, valores patrimoniais e tributários autónomos, cada um deles de valor inferior a um milhão de euros”.
Retirando-se ainda do acórdão do mesmo Tribunal de 14/03/2018, no âmbito do processo nº 0158/18, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Pedro Delgado, o seguinte:
“I- Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.
II- Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação “
Concluindo-se também aqui, à semelhança do vertido no âmbito do processo arbitral nº 93/2017-T de 2017-06-26 de que nos apropriamos data venia, “que em sintonia com esta jurisprudência, as liquidações impugnadas são ilegais, por vicio de lei, já que não cabem na campo de aplicação da verba 28.1 da TGIS os prédios em regime de propriedade total ou vertical que integrem fracções destinadas a habitação susceptíveis de utilização independente que não tenham qualquer delas valor patrimonial superior a € 1.000.000,00”
Face ao que vem de dizer-se, e sem necessidade de quaisquer outras considerações, adicionais procede o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente, por claro vício de lei e erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
IV- DECISÃO
Em face do que vem de se expor, decide este Tribunal Arbitral Colectivo em:
a. julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações do imposto no selo do ano de 2015, referentes à verba nº 28.1 da TGIS, efectuadas à Requerente no montante de €106.892,67, números 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016... .
b. julgar procedente o pedido de anulação do citado despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações sob impugnação e
c. condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
V- VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no art. º 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €106.892,67
VI- CUSTAS
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (a cargo da requerida Autoridade Tributária e Aduaneira conforme decidido supra).
*
[Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelos árbitros].
[A redacção do presente acórdão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas].
Lisboa e CAAD, 29 de Outubro de 2018
O Tribunal Arbitral Colectivo,
José Poças Falcão
(Presidente)
José Coutinho Pires
(vogal)
Adelaide Moura
(vogal)
[1] Quererá dizer-se, decorrente do PA, 20/11/2017.
[2] Certamente por lapso no artigo 35º da resposta é referido propriedade “vertical”.
[3] Entre outros e referindo apenas alguns dos mais recentes, poderão destacar-se os seguintes: Processos nºs 77/2017-T, de 08/09/2017; 82/2017-T, de 17/07/2017: 93/2017-T, de 27/06/2017; 123/2017-T, de 24/07/2017; 124/2017-T, de 09/10/2017; 147/2017-T, de 14/07/2017; 164/2017-T, de 21/09/2017; 245/2017-T, de 27/11/2017; 315/2017 e 438/2017-T, de 31/10/2017; 370/2017-T, de 10/01/2018 e 128/2018-T, de 06/07/2018, consultáveis em www.caad,org.pt.