Decisão Arbitral
Processo n.º 244/2013-T
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. António Nunes dos Reis e Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30-12-2013, acordam no seguinte:
1. Relatório
A sociedade A…, EM, NIPC -… (doravante “A...”) apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-10-2013.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o Dr. António Nunes dos Reis e a Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 12-12-2013 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 30-12-2013.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, suscitando as excepções de incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de regularização de IVA e o pedido de anulação do acto de autoliquidação.
No dia 13-03-2014, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi acordado que a resposta às excepções e as alegações seriam apresentadas por escrito.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
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A sociedade A..., EM, NIPC ... (doravante “A...” ou “Requerente” ), é uma pessoa colectiva pública, dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, sujeita à superintendência do Município do ... (doravante Município);
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O objecto social da A..., segundo o disposto no artigo 3.º dos Estatutos que acompanham a sua criação, é o "exercício da actividade de gestão de obras públicas", para o Município, que nela delegou os poderes necessários à sua prossecução (Documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A relação entre a A... e o Município é disciplinada pelos contratos-programa celebrados anualmente, os quais definem pormenorizadamente o objecto e a missão da empresa municipal, bem como as suas funções (cópia do contrato-programa para 2008, que constitui o Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Nos termos do contrato-programa acima referido, o Município atribui à A... as funções de contratação, gestão, monitorização e fiscalização de obras públicas;
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A prossecução destas funções comporta a prática de todos os actos materiais e jurídicos necessários à perfeição das obras cuja gestão seja indicada pelo Município, envolvendo qualquer actividade, desde a sua concepção até à recepção das respectivas obras;
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No contrato-programa é então definido (com base no orçamento elaborado anualmente) o preço dos serviços (em concreto, a realização de empreitadas de construção civil) a serem prestados pela A... ao Município num determinado ano, no âmbito das competências referidas;
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Adicionalmente, é também definido no referido contrato o valor a transferir por parte do Município para cobertura dos prejuízos da A... (este valor tem sido designado pela empresa como "encargos gerais de gestão").
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Neste âmbito, e atendendo à sua natureza, os valores recebidos pela A..., previstos no contrato-programa, são relativos às seguintes situações:
– Realização de serviços de empreitada (valores para a realização de obras públicas); e
– Encargos gerais de gestão (valores que se destinam a equilibrar as contas da empresa e que configuram um verdadeiro subsídio);
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A Requerente entendeu rever o tratamento em IVA conferido às operações descritas na alínea anterior por entender que se encontrava a liquidar IVA em excesso em diversas situações;
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A revisão do enquadramento em IVA aplicado às operações descritas na alínea h) surge em simultâneo com a revisão do enquadramento para o mesmo tipo de operações por parte de uma outra empresa municipal do Município do ..., a B... —..., E.M. (doravante B...).
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Uma das funções da B..., prevista no contrato-programa celebrado anualmente com o Município, corresponde à conservação do parque habitacional e de infra-estruturas pertencentes ao Município ou cuja gestão lhe é confiada (instituições de intervenção social, escolas, pavilhões municipais e serviços municipais);
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No âmbito destas funções, a B... realiza empreitadas para o Município, tal como a A...;
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Neste sentido, enquanto a B... é responsável pelas pequenas obras realizadas no parque habitacional e em outras infra-estruturas (obras de conservação), a A... é responsável, essencialmente, pelas grandes obras, incluindo a construção de novos edifícios;
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A B... também recebe do Município valores que se destinam a equilibrar as contas da empresa, assegurando a cobertura do défice resultante da actividade desenvolvida pela B... (os quais são designados no caso desta entidade como "subsídios à estrutura");
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Estes valores (designados como "subsídios à estrutura") têm a mesma natureza que os valores recebidos pela A... a título de "encargos gerais de gestão, constituindo, em ambos os casos, subsídios à actividade das empresas;
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De forma a garantir a adopção do correcto tratamento em IVA das operações em causa, operações estas que são realizadas tanto pela A... como pela B..., foram apresentados, apenas em nome da B..., pedidos de informação vinculativa (Documentos n.ºs 5 e 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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O enquadramento proposto e vinculado pela autoridade tributária, nas respostas aos pedidos apresentados pela B... (Documentos n.º 6 e 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), consiste no seguinte:
– Os serviços de empreitada relacionados com a manutenção do parque habitacional, de infra-estruturas e outros equipamentos devem ser tributados à taxa reduzida de IVA, independentemente da entidade que deve liquidar o IVA (i.e. da aplicação ou não da regra de inversão);
– Quanto aos "subsídios à estrutura", a autoridade tributária considerou que os mesmos não são sujeitos a IVA, em consonância com o disposto no Oficio nº 30.126, de 15 de Abril de 2011, da Direcção de Serviços do IVA.
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Em face destas respostas, entendeu a A... que é aplicável o enquadramento acima descrito às suas operações, pelo que as operações descritas no primeiro ponto da alínea h) que antecede devem ser tributadas à taxa reduzida, enquanto as descritas no segundo ponto da mesma alínea não devem ser tributadas;
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Tendo a A... entendido que havia liquidado IVA em excesso nos débitos efectuados ao Município, durante o ano de 2008 (meses de Julho a Dezembro), referentes às situações mencionadas na alínea h), procedeu à revisão dos seus procedimentos em matéria de IVA, para as situações e período em causa;
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A A... procedeu à emissão de novos documentos que entendeu corrigirem o enquadramento em IVA aplicado às operações mencionadas na alínea h) que antecede;
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A A... emitiu, em 27 de Julho de 2012, notas de crédito, a anular as facturas inicialmente emitidas (Documentos nºs 9 a 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Simultaneamente, emitiu novas facturas com o enquadramento em IVA que entendeu ter sido definido pela autoridade tributária (Documentos nos 16 a 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Aplicando o seu entendimento, o A... apurou um montante total de IVA a regularizar a seu favor relativo ao ano de 2008, no montante de € 112.010,07, pois liquidou ao Município IVA relacionado com as operações em apreço, no montante de € 117.922,09, quando, no seu entendimento, apenas deveria ter liquidado o valor de € 5.912,02;
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Tendo em vista recuperar o IVA liquidado em excesso em resultado do que entendeu ser incorrecto enquadramento em IVA que havia sido aplicado às operações em apreço, no dia 30 de Julho de 2012, a requerente apresentou «pedido de revisão oficiosa relativo a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) liquidado em excesso» baseado no seu entendimento de que durante o ano de 2008 (meses de Julho a Dezembro) liquidou IVA em excesso nos débitos efectuados ao Município do ... (artigo 33.º do pedido de revisão oficiosa que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
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Nesse pedido de revisão oficiosa, a Requerente afirmou «requerer a recuperação do IVA que liquidou em excesso em resultado do errado enquadramento em IVA aplicado às operações» referidas (artigo 34.º do pedido de revisão oficiosa);
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A Requerente, no pedido de revisão oficiosa, afirmou ter procedido já à emissão de novos documentos que corrigem o enquadramento em IVA aplicado às operações referidas, designadamente «emitiu notas de crédito, a anular as facturas inicialmente emitidas» «e simultaneamente, novas facturas com o correcto enquadramento em IVA», apurando um montante de IVA a regularizar a seu favor de € 112.010,07 (artigos 36.º, 37.º e 38.º do pedido de revisão oficiosa);
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A Requerente terminou o pedido de revisão oficiosa requerendo que seja autorizada a regularizar o IVA referido, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 98.º do CIVA e do artigo 78.º da LGT, liquidado em excesso no montante de € 112.101,07;
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Por despacho de 29-07-2013, proferido pelo Senhor Chefe de Divisão de Liquidação dos Impostos Sobre o Rendimento e a Despesa – IVA, foi indeferido o pedido de revisão oficiosa, pelos fundamentos que constam da Informação n.º …, de 22-01-2013, de que consta, além do mais o seguinte:
2. Apreciação do pedido de revisão oficiosa e da fundamentação
2.1 No pedido de revisão oficiosa a A... alega que A A... fez uma revisão do tratamento em IVA conferido às operações relativas a "Serviços de empreitada" "Encargos de gestão” e verificou que se encontrava a liquidar IVA em excesso em diversas situações, tendo resultado dessa revisão o presente pedido,
2.2 O objeto social da A..., conforme consta do artigo 3.º dos Estatutos (documento n.º 1), tem como objeto social, por delegação do Município do ..., o exercício da atividade de gestão de obras públicas para a Câmara Municipal do ... e para outras empresas participadas por aquela autarquia.
A gestão de obras públicas consiste na prática de todos os atas materiais e jurídicos necessários à perfeição das obras cuja gestão lhe seja solicitada pela Câmara Municipal do ..., compreendendo qualquer atividade, desde a sua conceção até à recepção das respetivas obras.
A A... poderá prestar a sua atividade principal a outras entidades públicas ou privadas e exercer outras consideradas acessórias ou complementares do seu obteto social principal desde que, em qualquer dos casos, devidamente autorizada pela Câmara Municipal do ....
2.3 Conforme dispõe o artigo 17º dos Estatutos, constituem receitas da A..., as provenientes da sua atividade, o rendimento de bens próprios, as comparticipações, dotações e subsídios que lhe sejam destinados, quaisquer outras que, por lei ou contrato, venha a perceber, e outras.
O financiamento da A... pode ser também assegurado através da cobrança às entidades para quem procede ao exercício da sua atividade, de uma percentagem do valor das obras cuja gestão lhe seja entregue.
2.4 A relação entre a A... e o Município é disciplinada por contratos-programa, que obriga a A... ao cumprimento dos objetivos constantes do seu plano de atividades.
Para a prossecução do seu objeto social a A... celebrou com o Município do ..., para os anos de 2008 e 2009, Contratos-Programa (documentos 2), onde consta nos n.ºs 1 e 3 da cláusula 5ª "O Município do ... obriga-se a comparticipar o cumprimento dos objetivos setoriais de acordo com o definido no Anexo I ao presente contrato e que dele faz parte integrante" e "A comparticipação financeira anteriormente identificada será disponibilizada pelo Município do ... à A..., EM, em parcelas sucessivas, de acordo com as seguintes regras: Os encargos gerais de gestão anual têm a natureza de subsídio e serão pagos em duodécimos; As restantes verbas serão satisfeitas com a entrega pela A..., EM, de autos de medição ou documentos equivalentes, justificativos da assunção de dívida com terceiros."
No Anexo I constam os "Investimentos a realizar pela A..., para os anos de 2008 e 2009, com os valores totais a atribuir à obra e ainda uma contrapartida financeira para 2008, que consta como "Outros (Subsídios à estrutura +Pós Construção) pelo valor de 820000,00.
Junta ainda cópia de outro contrato programa entre Município do ... e A..., que refere,
"a) Considerando que, em 18 de Janeiro de 2008, o Município do ... e o A... celebraram, com fundamento nos artigos 20º n.º 2 e 23º, ambos da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, um contrato-programa que tem como objeto a definição de objectivos setoriais da segunda outorgante e a correspondente comparticipação pública do primeiro para os anos 2008 e 2009;" e "b) O referido instrumento veio formalizar o compromisso da A... EM, no cumprimento dos objetivos setoriais constantes do seu plano de atividades, bem como a comparticipação financeira do Município do ... para a sua prossecução, o que foi concretizado pela indicação de iniciativas e respetivas estimativas orçamentais no Anexo I ao referido contrato programa;".
É celebrado um aditamento ao contrato-programa, regido por "Cláusula única", onde consta "O Anexo I ao contrato-programa é modificado nos termos constantes do anexo ao presente aditamento que, para todos os efeitos, integrará doravante aquele contrato-programa para efeitos da disciplina a que se reporta a cláusula quinta n.º 1 daquele instrumento. Tudo o que não for especialmente regulado neste aditamento reger-se-á pelas disposições constantes do contrato-programa." Consta novo Anexo I modificado, mas com o mesmo valor de 820000,00 para a contrapartida financeira, agora com a menção "Outros (Subsidio/Encargos Estrutura).
2.5 Relativamente a erros na liquidação do IVA nas operações de "Serviços de Empreitadas", emitiu em 2012-07-27, notas de crédito com os n.º…, onde consta na descrição "Anulação das faturas constantes na lista anexa, referentes a serviços prestados no ano de 2008, (",)" (documentos 7 a 12) e a nota de crédito nº … (documento 13) onde consta na descrição "Anulação das faturas constantes na lista anexa, referentes à rubrica do Contrato-Programa Subsídios à estrutura recebidos durante o ano de 2008. Subsídio atribuído pelo Município do ...,"
2.6 Não foi remetida a lista anexa referida, nem cópia dessas faturas.
2.7 Com a mesma data, emitiu faturas com a mesma base tributável, umas não mencionando IVA, faturas nº … (Documentos n.ºs 14, 16, 19 e 20), com a menção "IVA devido pelo adquirente", por prestação de serviços de empreitada e a última, emitida por montante recebido a título de subsidio, com a menção "Não sujeito a IVA oficio … de 15-04-2011" outras com IVA à taxa reduzida, n.º … (Documentos n.ºs 15 e 17) e uma com as duas situações, n.º … (Documento n.º 18) e com a menção "IVA devido pelo adquirente".
O total do IVA a regularizar nas notas de crédito é de € 117922,09 e o total do IVA liquidado nas faturas é de € 5912,02.
Face ao pedido o sujeito passivo, pretende apenas incluir numa declaração periódica de IVA, a seu favor o valor da diferença, ou seja, 112010,07 = 550040,80 -5912,02.
Pelo ofício nº …, de 15-04-2011, da Direcção de Serviços do IVA, foi divulgado o Despacho n.º …/2011-XVIII, de 03 de Fevereiro de 2011, do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, exarado no Parecer n.º 6/2011, de 28 de Janeiro, do Centro de Estudos Fiscais, no qual foi sancionado o tratamento a dar, em sede de IVA, à actividade de gestão patrimonial e financeira dos bairros municipais, exercida por entidades empresariais locais.
Consta deste ofício que:
Para as operações efetuadas por EEM (entidade empresarial municipal) às entidades que as criaram e tutelam, é referido que "Tendo em consideração o regime jurídico das EEM e os princípios orientadores do exercício de poderes de autoridade, as operações efetuadas por aquelas às entidades que as criaram e as tutelam (os municípios, as associações de municípios ou as áreas metropolitanas), no âmbito das atribuições que lhes estão cometidas, ainda que seja ao abrigo de um regime de direito público, não constituem operações no âmbito dos poderes de autoridade, para efeitos de imposto cobre o valor acrescentado".
"A realização de obras de conservação e requalificação, por iniciativa própria das EEM ou mediante contrato-programa estabelecido com a tutela, em que não seja definida qualquer contrapartida, não constituem prestação de serviços efetuadas a título oneroso, estando fora do campo de incidência do imposto. No caso de contratos-programa que determinem a realização de obras de requalificação mediante o pagamento de uma contribuição financeira, há tributação em sede de IVA quando o contrato estabelecer um conjunto de prestações recíprocas, constituindo a comparticipação definida o contravalor efetivo do serviço prestado. Quando tais comparticipações revistam unicamente a natureza de subsídios à atividade, não são as mesmas sujeitas a tributação."
2.9 Dentro destes princípios orientadores do exercício de poderes de autoridade, as operações efetuadas pela A... ao Município do ..., entidade que a criou e a tutela, não constituem operações no âmbito dos poderes de autoridade.
2.10 O sujeito passivo juntou o enquadramento proposto e vinculado pela Autoridade Tributária, nas respostas aos pedidos apresentados pela B... (Documentos na 5 e 6). No ponto 19 do "documento 5" são dados esclarecimentos, já prestados pela DSIVA, através do ofício-circulado n.º 30.101, de 2007-05-24, sobre a aplicação da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, em que no caso de adquirentes sujeitos passivos mistos, isto é, os que pratiquem operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem esse direito e, independentemente do método utilizado para o exercício do direito à dedução (afetação real ou por rata) há lugar à inversão do sujeito passivo".
"No caso do Estado, de Autarquias, Regiões Autónomas ou de outras pessoas coletivas de direito público que apenas são sujeitos passivos porque praticam determinado tipo de operações que não são abrangidas pelo conceito de não sujeição a que se refere o n.º 2 do artigo 2.º do CIVA ou que o são face ao n.º 3 do mesmo artigo 2º, só há lugar à inversão quando se trata de aquisição de serviços diretamente relacionados com a atividade sujeita, devendo, para o efeito, tais entidades informar o respetivo prestador.
No caso de se tratar de aquisições de serviços de construção civil que concorrem, simultaneamente, para atividades sujeita a imposto e que conferem o direito à dedução e atividades não sujeitas a imposto há lugar à inversão do sujeito passivo."
2.11 De acordo com o disposto na verba 2.19 da Lista I anexa ao Código do IVA, conjugado com o disposto na alínea a) do na 1 do artigo 18º do mesmo Código, aplica-se a taxa reduzida às "empreitadas de bens imóveis em que são donos da obra autarquias locais, empresas municipais cujo objecto consista na reabilitação e gestão urbanas detidas integralmente por organismos públicos, associações de municípios, empresas públicas responsáveis pela rede pública de escolas secundárias ou associações e corporações de bombeiros, desde que, em qualquer caso, as referidas obras sejam directamente contratadas com o empreiteiro." (Red. da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro).
Sendo a redação anterior da verba 2.19 (Anterior 2.17) - As empreitadas de bens imóveis em que são donos da obra autarquias locais, sociedades de reabilitação urbana, associações de municípios, organismos públicos responsáveis pela rede pública de escolas secundárias ou associações e corporações de bombeiros, desde que, em qualquer caso, as referidas obras sejam directamente contratadas com o empreiteiro. (Redação da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12)
Para se aplicar a taxa reduzida de IVA, tem que estar em causa empreitadas de bens imóveis, em que são donos da obra as entidades que constam na verba 2.19 e que as obras sejam diretamente contratadas com o empreiteiro. A taxa de imposto aplicável até 30 de Junho de 2010 é de 5%.
Deste modo os serviços de empreitada de bens imóveis, celebrada entre a A... (empreiteiro) e o Município do ... (dono da obra), se imputados a uma obra (empreitada), deve ser tributada em IVA pela taxa reduzida, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18º do CIVA, dado que se enquadra na verba 2.19 da Lista anexa ao CIVA.
2.12. A A... encontra-se enquadrada em IVA no regime normal mensal desde 2000-08-09. Não realiza operações isentas, pelo que toda a sua atividade económica é constituída por operações que deram lugar à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20º do CIVA. "
2.13 Na redação anterior ao Dec-lei nº 197/2012 de 24 de Agosto, e de harmonia com b) do n.º 1 do artigo 29º do CIVA, os sujeitos passivos são obrigados a " Emitir uma factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º do presente diploma, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efectuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços".
Na redação anterior ao Dec-lei n.º 197/2012 de 24 de Agosto, consta no n.º 7 do artigo 29º do CIVA "Deve ainda ser emitida fatura ou documento equivalente quando o valor tributável de uma operação ou o imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexatidão."
Por sua vez, na redação anterior ao Dec-lei nº 197/2012 de 24 de Agosto, face ao disposto nos artigos 7º e 8º do CIVA, sempre que se verifiquem adiantamentos, o imposto é devido e torna-se exigível no momento do pagamento, pelo montante recebido, pelo que o sujeito passivo está obrigado a emitir a respetiva fatura, ou documento equivalente, com os requisitos do artigo 36º do CIVA e a entregar o imposto nos termos previstos no artigo 41º do CIVA.
2.14 Consiste o objeto da presente petição, o direito à dedução do IVA pela diferença entre o IVA dedutível das notas de crédito emitidas em 2012-07-27, que anularam as faturas emitidas de Julho a Dezembro de 2008, em situações referidas como "Serviços de empreitada" e "Encargos-Gerais de Gestão”, e o IVA liquidado em faturas emitidas em 2012 que se destinam a substituir um conjunto de faturas emitidas em 2008, sem ter que apresentar declarações periódicas de substituição, para os períodos de imposto em que a regularização é efetuada, mas fazer essas regularizações no campo 40 de uma próxima declaração periódica de IVA.
Logo, o montante de IVA que a A... pretende agora regularizar a seu favor, resulta de imposto liquidado de Julho a Dezembro de 2008, ao Município do ..., NIPC ..., sujeito passivo misto.
2.15 Na redação anterior ao Dec-Lei n.º 197/2012, de 24 de Agosto, se o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofram uma retificação, deve observar-se o disposto nos artigos 36º e seguintes do CIVA, conforme dispõe o nº 1 do artigo 78º do CIVA " As disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a factura ou documento equivalente, o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo."
O n.º 3 do artigo 78º do CIVA, abrange situações resultantes da rectificação ou substituição de facturas já registadas o nº 3 do artigo 78º do CIVA, dispõe "Nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos."
Refere ainda o n.º 5 do artigo 78º "Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução."
2.16 Deste modo, quanto ao IVA indevidamente liquidado a mais, podia ser retificado através do recurso à regularização a que se refere o nº 3 do artigo 78º do CIVA, observando o disposto no n.º 5 do mesmo artigo, ou seja um sujeito passivo pode regularizar a seu favor o IVA, mas o procedimento é facultativo e só pode ser efetuado no prazo de dois anos, desde que tenha na sua posse prova de que o adquirente, tomou conhecimento desse facto, ou de que foi reembolsado do imposto.
2.17 Na situação em análise, foi liquidado imposto a mais pelo que a retificação é facultativa, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos.
As notas de crédito foram emitidas em 2012-07-27 para rectificar faturas emitidas de Julho a Dezembro de 2008 que já deram lugar ao registo referido no artigo 45º do CIVA, pelo que, para a retificação facultativa no caso de imposto liquidado a mais, não foi observado o prazo de dois anos previsto no n.º 3 do artigo 78º do CIVA.
Assim o direito à dedução do imposto contido nas notas de crédito, tem que ser compatibilizado com o disposto no n.º 3 do artigo 78º do CIVA.
2.18 O prazo de quatro anos mencionado no n.º 2 do artigo 98º do CIVA, tem carácter geral, pelo que a sua aplicação se restringe às situações para as quais não existe prazo especial fixado, situação que não se verifica na presente situação.
2.19 A requerente considera que, tendo liquidado IVA em excesso em relação ao devido, nas situações anteriormente enunciadas, tem agora o direito a regularizar a seu favor o referido imposto, de acordo com disposto no n.º 1 e 2 do artigo 98º do Código do IVA, pelo que vem proceder à apresentação do pedido de revisão oficiosa, nos termos previstos no artigo 78º da Lei Geral Tributária.
2.20 Dispõe o n.º 1 do artigo 98º do Código do IVA o seguinte: "Quando por motivo imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78º da Lei Geral Tributária". E no seu n.º 2 dispõe, "Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente".
Dispõe o n.º 3 do artigo 78º do CIVA "Nos casos de facturas inexatas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos."
2.21 O objeto do pedido de revisão oficiosa é o reconhecimento que lhe assiste em regularizar o IVA indevidamente liquidado, em relação aos meses de Julho a Dezembro de 2008, sem observância do prazo previsto no n.º 3 do artigo 78º do CIVA.
A revisão oficiosa da autoliquidação do IVA não pode prejudicar a imperatividade das normas que estabelecem prazos especiais, para a regularização de erros na autoliquidação.
O prazo de quatro anos mencionado no nº 2 do artigo 98º tem carácter geral, pelo que a sua aplicação se restringe às situações para as quais não existe prazo especial fixado, situação que não se verifica na presente situação.
As normas que prevêem prazos especiais não teriam qualquer razão para existirem, se se sobrepusesse a norma geral que estabelece o prazo de quatro anos.
2.22 Conclusão
Face ao exposto e às disposições legais citadas, a situação em apreço está sujeita à disciplina do nº 3 do artigo 78º do CIVA.
O prazo que consta no n.º 3 do artigo 78º do CIVA para a regularização das faturas emitidas é de dois anos.
De acordo com as citadas normas, somos de parecer que será de indeferir o pedido de regularização do IVA em causa.
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No dia 1 de Agosto de 2013, a A... foi notificada, através do Oficio nº ..., de 29 de Julho, do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Na notificação que foi efectuada a Requerente refere-se, além do mais, o seguinte:
Fica por este meio notificado que, por despacho de 29-07-2013 foi indeferido o pedido de revisão do acto tributário em epígrafe, com a fundamentação constante dos documentos em anexo, com 14 folhas.
Se não concordar com a decisão, poderá recorrer hierarquicamente ao abrigo dos artigos 80º da Lei Geral Tributária (LGT) e 66º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da notificação, ou interpor impugnação judicial ao abrigo do artigo 95º, nº 1 e 2 alínea d) da LGT e artigo 97º do CPPT, no prazo previsto no artigo 102º, nº 1 do CPPT.
Os prazos contam-se de forma contínua, a partir do dia seguinte ao da assinatura do aviso de recepção desta notificação.
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No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pede que se declare ilegal o acto de autoliquidação e, em consonância, se autorize a Requerente a regularizar o imposto no valor de € 112.010,07, por força da aplicação do prazo de quatro anos, estabelecido no artigo 98.º do CIVA
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A A... não juntou ao pedido de revisão oficiosa cópia das facturas emitidas em 2008, relativamente aos meses de Julho a Dezembro que referiu terem sido anuladas e substituídas (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e Processo Administrativo junto com a contestação);
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Em 29-10-2013, a A... apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.1. Factos não provados
Não há factos potencialmente relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.
2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos dados como provados constam do processo administrativo junto com a Resposta e são alegados pela Requerente sem impugnação pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Questões de incompetência do Tribunal Arbitral
A Autoridade Tributária e Aduaneira, além de outras excepções, suscita as questões da incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de regularização de IVA e para conhecimento do pedido de anulação do acto de autoliquidação, na sequência de pedido de revisão oficiosa.
Uma vez que as questões de incompetência são logicamente de conhecimento prioritário, como está reconhecido no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, começar-se-á pela apreciação das questões de incompetência colocadas.
3.1. Questão da incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de regularização de IVA
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).
Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
Para além da apreciação directa da legalidade de actos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para apreciar actos de segundo ou terceiro grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, designadamente de actos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas) e à «decisão do recurso hierárquico».
Assim, é manifesto que não se insere no âmbito destas competências apreciar a legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento de pedidos de regularização de IVA nem, como pede a Requerente, proferir autorizações para os sujeitos passivos regularizarem IVA.
Na verdade, apesar de ser ter vindo a entender, em sintonia com longa jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo que, na sequência de declaração de ilegalidade de actos de liquidação, proferida em processo de impugnação judicial, podem ser proferidas decisões de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, bem como, por força do artigo 171.º, n.º 1, do CPPT, de condenação no pagamento de indemnizações por garantia indevida, o certo é que não há qualquer suporte legal para permitir que sejam proferidas condenações de outros tipos, mesmo que sejam consequências, a nível executivo, da declaração de ilegalidade de actos de liquidação.
Com efeito, como decorre do preceituado no artigo 24.º do RJAT, a definição dos actos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais, cabe, em primeira linha, à Autoridade Tributária e Aduaneira, com a subsequente possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Assim, é manifesta a incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de autorização a regularização de IVA formulado pela Requerente, pelo que procede a excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a esta pretensão.
3.2. Questão da incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar de declaração de ilegalidade de acto de autoliquidação de IVA
3.2.1. Questão da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa
A Requerente pede também que se declare a ilegalidade de actos de autoliquidação de IVA, pedido este que se enquadra na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, atrás reproduzida.
No entanto, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, o Governo restringiu a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, estabelecendo que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
A vinculação veio a concretizar-se com a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que no seu artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estabelece que se exceptuam da vinculação «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.
No caso em apreço, não se provou que a autoliquidação tivesse «sido efectuada de acordo com orientação genéricas da administração tributária», nem foi apresentada reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT.
No entanto, foi apresentado pedido de revisão oficiosa em que a Requerente fez referência a actos de liquidação de IVA incorrectamente praticados, como suporte do pedido de regularização que formulou.
Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.
Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».
No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Com efeito, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau (reclamação graciosa) ou de terceiro grau (recurso hierárquico), que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau ou de terceiro grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.
Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.
Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [1] )
A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.
Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.
Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto». ( [2] )
A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.
É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.
Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.
Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.
Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )
Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.
Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.
Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.
Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à expressão «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas às declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».
Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto de a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.
Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.
E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.
É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
3.2.2. Questão da incompetência por no pedido de revisão oficiosa não ter sido apreciada a legalidade de actos de liquidação
A Autoridade Tributária e Aduaneira questiona a competência material deste Tribunal Arbitral também por no acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não ter sido apreciada a legalidade de actos de liquidação e, por isso, não se estar perante acto que seja susceptível de ser impugnado através de impugnação judicial, cujo âmbito não pode ser excedido pelo processo arbitral.
No art. 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos tributários, pois, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».
Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT.
Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).
Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] ( [4] ), e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido art. 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (art. 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de actos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Assim, para resolver a questão da competência deste Tribunal Arbitral torna-se necessário apurar se a legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa podia ou não ser apreciada, num tribunal tributário, através de processo de impugnação judicial ou acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
O acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do acto tributário constitui um acto administrativo, à face da definição fornecida pelo art. 120.º do CPA [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no art. 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um acto em matéria tributária, pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.
Assim, aquele acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «acto administrativo em matéria tributária».
Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. ( [5] )
Eventualmente, como excepção a esta regra poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do art. 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. ( [6] ) Outras excepções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de actos. ( [7] )
Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial.
À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de autoliquidação. Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa especial para o impugnar. Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, mas o certo é que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo. ( [8] )
Esta constatação de que há sempre um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação, conduz, desde logo, à conclusão de que não se está perante uma situação em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual, uma vez que essas acções «apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido» (art. 145.º, n.º 3, do CPPT).
Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial é a de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos autoliquidação que comportem a apreciação da legalidade destes actos.
A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da directriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objectos possíveis do processo arbitral tributário «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objectos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos actos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação.
Por isso, a solução da questão da competência deste Tribunal Arbitral conexionada com o conteúdo do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, depende da análise deste acto.
No caso em apreço, o motivo invocado para o indeferimento da revisão oficiosa foi a intempestividade da pretendida regularização, o que, obviamente, não implica apreciação da legalidade ou não de qualquer acto de liquidação ou de autoliquidação.
Porém, à face do critério de repartição dos campos do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial delineado pelas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, não é necessário que a apreciação da legalidade de um acto de liquidação seja o fundamento da decisão procedimental ou que no pedido formulado se peça a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, bastando que esse acto a comporte, o que, neste contexto, significa que no acto impugnado se inclua um juízo sobre a legalidade de um acto de liquidação, mesmo que não seja a sua legalidade ou ilegalidade o fundamento da decisão.
Ora, no caso em apreço, não se pode entender que a decisão do pedido de revisão oficiosa inclua a apreciação da legalidade de qualquer acto de liquidação ou autoliquidação, pois, como bem salienta a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo, a Requerente não juntou ao pedido de revisão oficiosa cópias das facturas anuladas [o que é expressamente referido no ponto 2.6 da Informação reproduzida na alínea bb) da matéria de facto fixada], de forma a permitir à Autoridade Tributária e Aduaneira apurar se nos actos de autoliquidação relativos aos meses de Julho a Dezembro de 2008 tinha ou não sido liquidado IVA relativo a operações dos tipos indicados na alínea h) da matéria de facto fixada em montantes correspondentes às notas de crédito emitidas. Na verdade, sem examinar as facturas anuladas, não era possível à Autoridade Tributária e Aduaneira comprovar se o valor das operações nelas referido era o que veio a ser indicado nas notas de crédito e nas novas facturas emitidas, nem confirmar se aquelas facturas respeitavam às actividades que vieram a ser indicadas nas novas facturas.
Neste contexto fáctico, a interpretação a fazer da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é a de que nela apenas se abordou abstractamente a questão da tributação das actividades referidas na alínea h) da matéria de facto fixada, mas não se tomou qualquer posição sobre a sua aplicação às operações alegadamente referidas nas facturas em causa nem sobre os montantes que se poderiam considerar terem sido indevidamente liquidados.
Por outro lado, se é certo que a Autoridade Tributária e Aduaneira poderia ter diligenciado, em sintonia com o preceituado no artigo 48.º do CPPT, no sentido de a A... apresentar as facturas necessários para apuramento da legalidade do pedido de regularização, também o é que tal seria inútil à face da posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido da intempestividade do pedido de regularização.
Por isso, tem de se concluir que a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não comporta a apreciação da legalidade de qualquer concreto acto de liquidação de IVA.
Sendo assim, pelo que atrás se disse sobre a limitação das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD à apreciação da legalidade de actos de decisão de pedidos de revisão oficiosa que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, tem de se concluir pela incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
O facto, referido na alínea dd) da matéria de facto fixada, de na notificação que foi feita a Requerente ser indicada a possibilidade de «interpor impugnação judicial ao abrigo do artigo 95º, nº 1 e 2 alínea d) da LGT e artigo 97º do CPPT, no prazo previsto no artigo 102º, nº 1 do CPPT», podendo ser relevante para outros efeitos, designadamente para efeito da utilização da faculdade prevista no n.º 4 do artigo 37.º do CPPT, não releva para efeito da apreciação da competência.
Na verdade, a competência material dos Tribunais na área do direito público é de ordem pública, como decorre do artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pelo que apenas depende do próprio acto que é objecto do processo, não podendo a Administração Tributária alterar a competência dos Tribunais, por via da respectiva notificação.
Conclui-se, assim, que procede a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade do acto de indeferimento da revisão oficiosa.
4. Questão da tempestividade para impugnação directa dos actos de liquidação de IVA
No artigo 2.º do pedido de pronúncia arbitral a Requerente indica que tem em vista a «declaração de ilegalidade do acto de liquidação praticado em sede de IVA» e, na alínea a) dos pedidos que formulou, pede que seja declarado «ilegal o acto de autoliquidação».
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o pedido de pronúncia arbitral é intempestivo na parte em que se reporta ao pedido de declaração de ilegalidade de actos de liquidação, objecto mediato do pedido de revisão oficiosa, pois a autoliquidação pretensamente ilegal terá ocorrido em 2008, muito antes do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT.
Na verdade, o artigo 10.º, n.º 1, do RJAT estabelece que «o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado» «no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico» e «no prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos actos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 2.º, nos restantes casos».
No caso em apreço, não havendo notificação de actos de autoliquidação, o início do prazo de 90 dias tem lugar com o conhecimento do acto, nos termos do artigo 102.º, n.º 1, alínea f), do CPPT, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
Por isso, tendo a autoliquidação ocorrido em 2008, é manifesto que é intempestivo o pedido de pronúncia arbitral para impugnar directamente os actos de autoliquidação.
5. Questões de conhecimento prejudicado
De harmonia com o exposto procedem as excepções da incompetência material e da intempestividade suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que se verificam obstáculos à apreciação de ambos os pedidos formulados pela Requerente.
Consequentemente, impõe-se absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no processo.
6. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedentes as excepções da incompetência material deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de regularização de IVA e da legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e a excepção da intempestividade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade de autoliquidação;
– absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira em relação a ambos os pedidos.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 112.010,07.
8. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.o60,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 6 de Maio de 2014
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(António Nunes dos Reis)
(Clotilde Celorico Palma)
( [1] ) Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.
( [2] ) BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100.
( [3] ) Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.
( [4] ) Embora no art. 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, em que se define a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, se faça referência à criação de impostos e sistema fiscal, esta norma deve ser integrada com o conteúdo do n.º 2 do art. 103.º da mesma, em que se refere que a lei determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, que constitui uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva, como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional.
A título de exemplo, indicam-se neste sentido, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
– n.º 29/83, de 21-12-1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 338, página 201 (especialmente, páginas 204-205);
– n.º 290/86, de 29-10-1986, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º volume, página 421 (especialmente, páginas 423-424);
– n.º 205/87, de 17-6-1987, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º volume, página 209 (especialmente páginas 221-222);
– n.º 461/87, de 16-12-1987, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 372, página 180 (especialmente página 197);
– n.º 321/89, de 29-3-1989, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, página 265 (especialmente página 281).
O Tribunal Constitucional tem entendido também que a reserva de competência legislativa da Assembleia da República compreende tudo o que seja matéria legislativa e não apenas as restrições de direitos (neste sentido, pode ver-se o acórdão n.º 161/99, de 10-3-99. processo n.º 813/98, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 81).
( [5] ) No conceito de «liquidação», em sentido lato, englobam-se todos os actos que se reconduzem a aplicação de uma taxa a uma determinada matéria colectável e, por isso, também os actos de retenção na fonte (para além dos de autoliquidação e pagamento por conta, que não interessam para a decisão do presente processo).
( [6] ) Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 2-4-2009, processo n.º 0125/09.
( [7] ) Exemplo de uma situação deste tipo é a do art. 22.º, n.º 13, do CIVA, em que se prevê a utilização do processo de impugnação judicial para impugnar actos de indeferimento de pedidos de reembolso.
( [8] ) No sentido de o meio processual adequado para conhecer da legalidade de acto de decisão de procedimento de revisão oficiosa de acto de liquidação ser a acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do CPTA) se nessa decisão não foi apreciada a legalidade do acto de liquidação, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20-5-2003, processo n.º 638/03; de 8-10-2003, processo n.º 870/03; de 15-10-2003, processo n.º 1021/03; de 24-3-2004, processo n.º 1588/03, de 6-11-2008, processo n.º 357/08.
Adoptando o entendimento de que o processo de impugnação judicial é o meio processual adequado para impugnar actos de indeferimento de reclamações graciosas que tenham apreciado a legalidade de actos de liquidação, podem ver-se os acórdãos do STA de 15-1-2003, processo n.º 1460/02; de 19-2-2003, processo n.º 1461/02; e de 29-2-2012, processo n.º 441/11.