Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 58/2018-T
Data da decisão: 2020-09-23  ISP  
Valor do pedido: € 20.181,32
Tema: Gasóleo Colorido e marcado; artigo 92º, n.º5 do CIEC; Inconstitucionalidade Reforma da Decisão Arbitral (anexa à decisão)

*Substitui a Decisão Arbitral de 19 de novembro de 2018
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REFORMA DE DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

No dia 18.02.2018, a Requerente, A..., LDA, sociedade comercial com o número único de pessoa coletiva e de matrícula no Registo Comercial n.º..., com sede na Rua ..., ..., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  das liquidações de Imposto sobre Produto Petrolíferos e Energéticos no valor de  12.823,41 €, de Contribuição de Serviço Rodoviário no valor de 6.684,80 €, referentes aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, e de juros compensatórios sobre aquelas quantias no valor de 673,11 €.

A Requerente, alegando ter pagado o montante do imposto, peticionou, também, o pagamento de juros indemnizatórios.

 

Na decisão, proferida em 19.11.2018, o tribunal arbitral deu como provados os seguintes factos:

1.A Requerida procedeu às seguintes liquidações de imposto referentes aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017 e respetivos juros compensatórios:

i) Imposto sobre Produto Petrolíferos e Energéticos (ISPPE) 12.823,41 €.

ii)            Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) – 6.684,80 €.

iii)           Juros Compensatórios de 31-12-2014 a 05-05-2017 – 128,86 €.

iv)           Juros Compensatórios de 31-12-2015 a 05-05-2017 – 449,29 €.

v)            Juros Compensatórios de 31-12-2016 a 05-05-2017 – 94,96 €.

Total: 20.181,32 €.

2.Estas liquidações tiveram por base relatório de inspeção tributária da efetuada à Requerente pela Divisão operacional do Norte da DSAFA, tendo como âmbito o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), a coberto da ordem de serviço nº O12017..., sobre o período compreendido entre o dia 1.01.2014 e o dia 5.05.2017, constando do referido relatório, designadamente, o seguinte:

 

3.A Requerida foi notificada do pedido de constituição do Tribunal arbitral em 26.02.2018.

4.Em 7.05.2018 foi reformada a liquidação objeto do processo, nos seguintes termos:

i) Imposto sobre Produto Petrolíferos e Energéticos (ISPPE 12.054,61€

ii)            Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) –6.191,92 €

iii)           Juros Compensatórios 688,97 €

Total:18.935,50 €.

5. A reforma da liquidação resultou da aceitação pela Requerida dos argumentos invocados pela Requerente nos artigos 101º e seguintes do pedido de pronúncia arbitral, referentes a gasóleo colorido e marcado vendido pela Requerente sem que se tenha procedido ao registo dessas vendas no sistema eletrónico de controlo.

 

Na decisão arbitral o tribunal arbitral desaplicou art. 93º, nº 5, do CIEC, com fundamento na sua inconstitucionalidade, nos seguintes termos:

“(…)o segmento da regra que se extrai do art. 93º, nº 5, do CIEC, no sentido de impor ao proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público o pagamento de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado por omissão da violação de registo no sistema eletrónico de controlo ou de faturação em nome do titular de cartão, independentemente das vendas terem sido efetuadas a pessoas com direito ao benefício fiscal e mesmo que feitas a estas,  é  inconstitucional por violação do princípio da tipicidade dos tipos sancionatórios inerente ao princípio do Estado de Direito democrático, do princípio ne bis in idem e, ainda, do princípio da proibição do excesso pelo que, nesta vertente, não pode deixar de ser desaplicada, nos termos do artigo 204º da Constituição da República Portuguesa.

Em consequência da desaplicação na norma em causa, nos segmentos identificados, a liquidação em causa carece de base legal, no que respeita às correções referentes ao gasóleo colorido e marcado cujas vendas foram registadas em nome de titulares de cartão mas faturadas  a “consumidor final”,  bem como as vendas faturadas a titulares de cartão  sem que tenha a Requerente  procedido ao registo dessas vendas no sistema eletrónico de controlo, não violando a ordem jurídica a parte das liquidações no montante  de 4.639,74 €, e respetivos juros compensatórios, referentes à quantidade total de 14.525,94 litros de gasóleo colorido e marcado vendidos a não titulares do cartão de microcircuito obrigatório.”

E, em consequência, decidiu:

“a)Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, decretando-se  a anulação das liquidações  objeto do processo e respetivos juros compensatórios no que respeita  às vendas referentes ao gasóleo colorido e marcado registadas no sistema eletrónico de controlo em nome de titulares de cartão mas faturadas  a “consumidor final”,  bem como as vendas faturadas a titulares de cartão  sem que a Requerente  tenha procedido ao registo dessas vendas no sistema eletrónico de controlo, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações na parte  respeitante ao montante  de 4.639,74 € e respetivos juros compensatórios, referente à quantidade total de 14.525,94 litros de gasóleo colorido e marcado vendidos a não titulares do cartão de microcircuito obrigatório. “

Desta decisão a Requerida interpôs  recurso para o Tribunal Constitucional que, por acórdão de 25 de junho de 2020 (acórdão 329/2020, processo n.º 1147/18, 3.ª Secção), decidiu:

“a) Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 61.º, n.º 1, da Constituição, o segmento normativo do n.º 5 do artigo 93.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, na redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro), que determina ser responsável pelo pagamento do montante de imposto, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades vendidas a portador de cartão eletrónico para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular do cartão;

b) Não julgar inconstitucional o n.º 5 do artigo 93.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, na redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro) na interpretação segundo a qual pode ser exigido o pagamento do montante de imposto, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, ao proprietário ou ao responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades vendidas a titular de cartão eletrónico que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo;

e, em consequência,

c) Conceder parcial provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.”

 

Em conformidade com o douto acórdão do tribunal constitucional, o tribunal arbitral reforma a decisão nos seguintes termos:

 

Julga parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, decretando-se a anulação das liquidações objeto do processo e respetivos juros compensatórios, no que respeita às vendas referentes ao gasóleo colorido e marcado registadas no sistema eletrónico de controlo em nome de titulares de cartão mas faturadas  a “consumidor final”, no valor de 8.797,17 € e respetivos juros compensatórios mantendo-se na ordem jurídica as liquidações na parte restante.

Mantém-se a decisão de julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Em consequência, as custas fixadas no valor de 1 224.00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros) ficam a cargo da Requerente na proporção de cinquenta e quatro virgula noventa e quatro por cento  e pela Requerida na proporção de quarenta e cinco virgula zero seis por cento, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 23.09.2020

 

O Árbitro

Marcolino Pisão Pedreiro

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

I – Relatório

 

1. No dia 18.02.2018, a Requerente, A..., LDA., sociedade comercial com o número único de pessoa coletiva e de matrícula no Registo Comercial n.º..., com sede na Rua ..., ..., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  das liquidações de Imposto sobre Produto Petrolíferos e Energéticos no valor de  12.823,41 €, de Contribuição de Serviço Rodoviário no valor de 6.684,80 €, referentes aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, e de juros compensatórios sobre aquelas quantias no valor de 673,11 €.

 

A Requerente alegando ter constituído garantia bancária no âmbito do processo executivo decorrente das liquidações ajuizadas e respetivos juros compensatórios peticiona, ainda, a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 3.05.2018.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

a.            A obrigação por parte dos postos autorizados de registarem as vendas no sistema eletrónico de controlo, bem como a obrigação de emitirem as faturas com a identificação fiscal do titular do cartão, não constituem requisitos materiais ou substanciais do benefício, mas sim elementos de controlo ou de verificação do preenchimento dos seus requisitos.

b.            No caso em apreço, o gasóleo foi adquirido apenas por titulares de cartão eletrónico, isto é, apenas foi adquirido por entidades a quem foi reconhecido e atribuído esse benefício, facto, aliás, que a AT reconhece e não questiona no seu Relatório de Fiscalização.

c.            Os elementos existentes na contabilidade são suficientes para permitir o controlo ou a verificação de que a redução de taxa apenas foi aplicada a quem efetivamente tem direito a esse benefício.

d.            Reconhecendo a Autoridade Tributária que as vendas foram feitas a titulares do cartão e que ficaram registadas no sistema informático subjacente aos cartões atribuídos, estando afastada, portanto, a hipótese de fraude, não tem a mesma legitimidade para proceder à liquidação dos impostos aqui em causa, com o fundamento apenas de que a fatura foi emitida com a indicação de “consumidor final” e não no nome do adquirente.

e.            Se a Requerente falhou na emissão da fatura – e assume-o – então terá de ser punida em sede de contraordenação conforme previsto no Regime Geral de Infrações Tributárias, em diante RGIT, bem como está previsto no n.º 6 do artigo 95.º do CIEC (“A venda, a aquisição ou o consumo dos produtos referidos no n.º 1 com violação do disposto nos n.ºs 2 a 5 estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias e em legislação especial”).

f.             Temos forçosamente de concluir que se verifica a inexistência de qualquer dano para a receita tributária, na medida em que todo o gasóleo colorido e marcado (GCM) foi vendido a sujeitos passivos com direito à sua aquisição, tendo as referidas vendas sido devidamente registadas no sistema informático legalmente exigido pela Requerida.

g.            Desta forma, poderá ter existido um ilícito sancionável como contraordenação, mas não houve qualquer dano para a receita fiscal, e portanto, não tendo ocorrido dano, não se verifica o correspetivo dever indemnizatório da ora Requerente.

h.            Nesta medida, concluímos pela inexistência dos pressupostos de que depende a responsabilidade tributária da Requerente em causa.

i.             Aliás, se assim não for, haverá violação do principio “ne bis in idem”, uma vez que com a sua atuação a Requerente irá ser punida pela norma constante do artigo 109.º, n.º 2, alínea p), do RGIT, pelo que, considerando-se a norma prevista no artigo 93.º, n.º 5, do CIEC, como uma norma sancionatória, não poderemos ter duas sanções sobre o mesmo facto, sob pena de violação de um dos princípios basilares do nosso complexo normativo, o que fica também alegado para todos os efeitos legais.

j.             Não há razão legal para a emissão das liquidações aqui em causa, sendo as mesmas violadoras não só do princípio da legalidade, mas também do princípio da proporcionalidade, da justiça, da boa-fé e da imparcialidade.

k.            O mesmo se dirá relativamente  ao GCM vendido pela Requerente sem que tenha procedido ao registo dessas vendas no sistema eletrónico de controlo sendo que a Requerente impugna a quantidade de GCM  apurada  pois que não há vendas de gasóleo agrícola sem o registo do cartão de microcircuito e, a existirem, são de um pequeno agricultor, que por lapso se terá esquecido do cartão no momento, ou feitas fora do posto de combustível, mas que nunca chegariam a estas quantidades.

l.             Quanto ao GCM alegadamente vendido a não titulares do cartão de microcircuito obrigatório, este GCM foi vendido a titulares do benefício fiscal, tendo apenas, por erro da funcionária do posto de combustível da Requerente e a pedido de alguns consumidores, sido faturado em nome de terceiros não titulares do benefício.

m.          Nos casos de vendas faturadas em nome de terceiro, a Requerente assume a violação da lei, quanto à faturação de GCM a não titular do benefício, mas não relativamente à venda em si, pelo menos em alguns casos particulares.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

a.            Em 05/05/2017 a Divisão Operacional do Norte da DSAFA iniciou uma ação de natureza inspetiva junto da “A..., Lda.”, ora Requerente, visando a verificação do cumprimento das obrigações tributárias em sede de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), no período compreendido entre 01/01/2014 e 05/05/2017.

b.            No âmbito do controlo da regularidade das vendas de GCM efetuadas por esta empresa, foi analisada e confrontada a informação relativa às quantidades de GCM vendido que foi recolhida junto do Requerente, a partir dos documentos comerciais emitidos nos programas informáticos de faturação da empresa e constantes dos ficheiros SAFT disponibilizados pela empresa, com os registos de vendas de GCM, no POS nº..., que foram extraídos da Base de Dados da Direcção-Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (DGADR).

c.            De tal comparação e numa análise global efetuada para cada ano, resulta a constatação de divergências, no período entre 01-01-2014 e 05-05-2017, entre as quantidades faturadas pela empresa e as quantidades registadas no terminal TPA/POS n.º....

d.            Veio a apurar-se que tais divergências resultam do incumprimento por parte do operador de obrigações relativas à faturação e ao registo dos abastecimentos em POS decorrentes da comercialização de GCM.

e.            Assim, no que se refere às obrigações de faturação, verificou-se terem sido emitidas faturas sem identificação do respetivo cliente (nif e/ou nome), nos anos 2015, 2016 e 2017, relativamente a 27.249,27 litros de GCM, o que configura uma violação do disposto no n.º 5 do artigo 93º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC), anexo ao Decreto-Lei n.º 73/2010 de 21 de Junho e de onde resulta a exigibilidade do imposto correspondente (diferencial entre nível tributação de GCM e GR), pela alteração legislativa decorrente da redação dada pela Lei do OE 2015, no montante total de 8.797,17€.

f.             Já no que se refere às obrigações de registo dos abastecimentos em POS, foi constatada a venda faturada de 14.525,94 litros de GCM a não titulares de cartão de beneficiário/microcircuito para a sua utilização, o que configura violação do disposto no nº 5 do artigo 93º do CIEC e do ponto 5º da Portaria n.º 361-A/2008 de 12 de Maio, e constitui motivo de exigibilidade do imposto (diferencial entre nível tributação do GCM e do GR) no montante total de 4.639,74€.

g.            Finalmente, e ainda no âmbito das obrigações de registo em POS, foram constatadas situações em que o cliente era titular de cartão de beneficiário GCM, mas o registo de quantidades foi efetuado em quantidade inferior à abastecida (faturada).

h.            A comercialização de 27.249,27 litros de GCM nos anos de 2015, 2016 e 2017, sem que a fatura que titula a operação de venda identifique o adquirente (nif e/ou nome), viola as obrigações decorrentes do nº 5, in fine, do artigo 93.º do CIEC, na redação dada pela Lei OE de 2015 e do artigo 8.º da Portaria n º 361-A/2008.

i.             Na verdade, a exigência da emissão de fatura em nome do titular do cartão, introduzida pela Lei nº 82-B/2014 (Lei do Orçamento do Estado de 2015) no nº 5 do artº 93.º do CIEC, não constitui um requisito puramente formal, mas sim, e por si só, uma causa de responsabilização pelo pagamento do IEC relevante, em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular.

j.             A venda faturada de 14.525,94 litros de GCM a não titulares de cartão de beneficiário/microcircuito para a sua utilização, configura violação do disposto no nº 5 do artigo 93º do CIEC e do artigo 5º da Portaria n.º 361-A/2008 de 12 de Maio.

k.            Relativamente a estas transações, não têm qualquer validade a alegada negligência ou erro da funcionária do posto de combustível do Requerente porquanto, o nº 5 do artº 93.º do CIEC, estabelece a responsabilidade tributária objetiva do proprietário ou do responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem em desrespeito pelas regras de comercialização do GCM.

l.             Por outro lado, todas as situações de vendas faturadas de GCM sem o correspondente registo no Terminal TPA violam as obrigações decorrentes do nº 5 do artigo 93.º do CIEC e dos artigos 5.º e 6.º da Portaria n º 361-A/2008.

m.          Motivos pelos quais não assiste razão à Requerente, devendo as liquidações impugnadas manter-se na ordem jurídica.

 

5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

 

6. Foi realizada reunião arbitral para inquirição de testemunhas, arroladas por ambas as partes.

 

7. As partes, notificadas para o efeito, apresentaram alegações nas quais, para além da apreciação crítica da prova produzida, no essencial, mantiveram as posições já expressas em sede de petição inicial e resposta.

 

8. Por despacho arbitral de 24.10.2018, tendo em conta que  na venda efetuada a pessoa titular do benefício fiscal, com preterição do registo no sistema informático de controlo ou omissão de fatura em nome do mesmo, de acordo com a lei, o titular do posto fica sujeito à coima prevista no artigo 93º, nº 6, do CIEC e no art. 109º, nº 2, al. p) e nº 6) do RGIT, € e ainda, ao pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, nos termos do  nº 5 do art. 93º do CIEC, vislumbrando-se como possível que o tribunal viesse  a conhecer da constitucionalidade desta norma, naquelas vertentes, por eventual violação do do princípio da tipicidade dos tipos sancionatórios inerente ao princípio do Estado de Direito democrático, do princípio ne bis in idem e, ainda, do princípio da proibição do excesso  e que  nessa sequência, pudesse  recusar a  aplicação da norma em causa e, como consequência  de tal recusa, possa julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, relativamente às correções referentes aos segmentos da norma em causa,  em obediência ao principio do contraditório (art. 16º, al. a) do RJAT), na vertente da proibição de decisões surpresa, foi determinada a  notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre estas questões, no prazo de 10 dias, a correr em simultâneo para ambas as partes tendo ainda sido determinada a prorrogação do prazo de decisão e notificação às partes por mais dois meses nos termos do   nº 2, do art. 21º do RJAT.

 

Requerente e Requerida pronunciaram-se sobre a questão suscitada pelo Tribunal, sustentando a primeira a inconstitucionalidade da norma nos segmentos indicados.

Já a Requerida, em síntese, considera que do relatório inspetivo que está na base e que fundamenta o ato de liquidação impugnado, não é possível inferir que as vendas que não foram objeto do devido registo no sistema eletrónico de controlo, nem que as vendas faturadas a “consumidor final”, foram feitas a titulares do benefício fiscal.

Sustenta, ainda, que o nº 5 do artigo 93.º do CIEC não pode ser entendido como uma norma sancionatória, mas sim como uma norma de incidência tributária que determina a reposição da tributação-regra perante a inobservância de requisitos legais essenciais de um regime de tributação privilegiado.

Concluindo que não existe fundamento legal material para vir o tribunal arbitral a desaplicar, no caso concreto, o nº 5 do artigo 93.º do CIEC, por alegada inconstitucionalidade da norma, devendo, antes, aplicar a norma em causa e julgar a ação improcedente.

 

9. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

 

10. A Requerida foi notificada do pedido de constituição do Tribunal arbitral em 26.02.2018 e em 7.05.2018 foi reformada a liquidação objeto do processo, nos seguintes termos:

i) Imposto sobre Produto Petrolíferos e Energéticos (ISPPE EUR 12.054,61;

ii)            Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) – EUR 6.191,92;

iii)           Juros Compensatórios EUR 688,97

Total:18.935,50.

Tendo em conta que a reforma da liquidação não foi efetuado no prazo de 20 dias previsto no artigo 13º do RJAT, mas apenas após a  constituição do tribunal arbitral,  o valor do processo é de 20.181,32 €  (vinte mil cento e oitenta e um euros e trinta e dois cêntimos), nos termos do artigo  97º-A  do Código de Procedimento e Processo Tributário, aplicável ex vi art. 29º, nº 1, al. c) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

 

11.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

12. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a)            Ilegalidade dos atos de liquidação objeto do presente processo.

Em caso de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação,

b)           Direito da Requerente a juros indemnizatórios

 

II – A matéria de facto relevante

 

13. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.A Requerida procedeu às seguintes liquidações de imposto referentes aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017 e respetivos juros compensatórios:

i) Imposto sobre Produto Petrolíferos e Energéticos (ISPPE) 12.823,41 €.

ii)            Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) – 6.684,80 €.

iii)           Juros Compensatórios de 31-12-2014 a 05-05-2017 – 128,86 €.

iv)           Juros Compensatórios de 31-12-2015 a 05-05-2017 – 449,29 €.

v)            Juros Compensatórios de 31-12-2016 a 05-05-2017 – 94,96 €.

Total: 20.181,32 €.

2.Estas liquidações tiveram por base relatório de inspeção tributária da efetuada à Requerente pela Divisão operacional do Norte da DSAFA, tendo como âmbito o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), a coberto da ordem de serviço nº O12017..., sobre o período compreendido entre o dia 1.01.2014 e o dia 5.05.2017, constando do referido relatório, designadamente, o seguinte:

 

3.A Requerida foi notificada do pedido de constituição do Tribunal arbitral em 26.02.2018.

4.Em 7.05.2018 foi reformada a liquidação objeto do processo, nos seguintes termos:

i) Imposto sobre Produto Petrolíferos e Energéticos (ISPPE 12.054,61€)

ii)            Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) –6.191,92 €

iii)           Juros Compensatórios 688,97 €

Total:18.935,50 €.

5. A reforma da liquidação resultou da aceitação pela Requerida dos argumentos invocados pela Requerente nos artigos 101º e seguintes do pedido de pronúncia arbitral, referentes a gasóleo colorido e marcado vendido pela Requerente sem que se tenha procedido ao registo dessas vendas no sistema eletrónico de controlo.

 

14.Com interesse para a decisão da causa não se provaram os seguintes factos alegados pela Requerente:

 

1)            Quanto ao gasóleo colorido e marcado faturado a não titulares do cartão de microcircuito obrigatório, que este gasóleo tenha sido vendido a titulares do benefício fiscal, tendo apenas por erro da funcionária do posto de combustível da Requerente e a pedido de alguns consumidores sido faturado em nome de terceiros não titulares do benefício.

2)            Que na maioria dos casos, e salvo raras exceções, era a funcionária da Requerente, sem conhecimento ou autorização desta, que após a venda de gasóleo colorido e marcado com o devido registo sistema eletrónico de controlo, faturava a dita venda a outro número de identificação fiscal que não o do titular do benefício.

3)            Que não há vendas de gasóleo agrícola sem o registo do cartão de microcircuito, e a existirem, são de um pequeno agricultor, que por lapso se terá esquecido do cartão no momento, ou feitas fora do posto de combustível.

 

15. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto considerada provada  alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, inexistindo discordância das partes relativamente a esta  matéria.

 

16.A decisão no que respeita aos factos não provados resulta da ausência de prova relativamente aos mesmos.

No que respeita a vendas faturadas  a não titulares do benefício fiscal,  constando do relatório de inspeção tributária as concretas vendas faturadas a não titulares do benefício fiscal, com a respetiva identificação, a Requerente não fez a prova de que, não obstante a emissão das faturas a favor desses não titulares, a venda efetiva tenha sido efetuada na realidade a favor de outra pessoa, titular do benefício, afastando a presunção de veracidade das faturas que decorre do artigo 75º, nº 1, da Lei Geral Tributária. Na realidade, não foi feita a mínima prova relativamente a tal matéria, tendo os depoimentos das testemunhas ouvidas (uma funcionária encarregada dos abastecimentos, a quem a Requerente imputa os procedimentos incorretos e a outra colaboradora da empresa sem conhecimento direto dos  concretos dos factos em causa) a estas matérias sido vagos e  genéricos reconhecendo, no essencial, que era prática corrente as faturas serem emitidas a não titulares do cartão sem outros esclarecimentos, designadamente dos contribuintes que efetivamente procediam ao pagamento dos fornecimentos de gasóleo em causa.

Relativamente  às  vendas de gasóleo agrícola feitas a titulares do benefício fiscal  sem o respetivo registo no sistema eletrónico de controlo, tendo sido identificados no relatório de inspeção tributária os titulares do cartão a que respeitam tais vendas, impunha-se à Requerente a produção de prova que infirmasse os elementos ali  constantes, o que não foi feito,  apesar de  ter anunciado, no artigo 135º da petição inicial que iria apresentar documento relativamente a tal matéria, o que não viria a ocorrer.

Acrescente-se que, também relativamente a este ponto, os depoimentos das testemunhas foram vagos e  genéricos, limitando-se a expressar a sua convicção de que não foram fornecidos uma quantidade tão elevada de litros sem registo, mas sem qualquer especificação de qualquer aspeto concreto às  vendas de gasóleo agrícola sem o respetivo registo no sistema eletrónico de controlo, relativamente a cada um dos titulares dos benefícios fiscais em causa, indicados no relatório de inspeção tributária.

Nestas circunstâncias, as alegações da Requerente não podem dar-se como provadas.

Não foi, pois, efetuada prova suscetível de abalar os dados constantes do relatório de inspeção tributária.

 

-III- O Direito aplicável

 

17. O artigo 93.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, na redação à data dos factos relevantes, dispunha como se segue:

 

“Artigo 93.º

Taxas reduzidas

1 — São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

2 — O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento, iluminação e nos usos previstos no n.º 3.

3 — O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por:

a) Motores estacionários utilizados na rega;

b) Embarcações referidas nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 89.º;

c) (Redação dada pelo artigo 211.º, da Lei n.º 42 /2016, de 28 de dezembro) Tratores agrícolas, ceifeiras debulhadoras, motocultivadores, motoenxadas, motoceifeiras, colhedores de batata automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos, incluindo os utilizados para a atividade aquícola e na pesca com a arte-xávega, aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e do mar;

d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos-de-ferro;

e) Motores fixos;

f) Motores frigoríficos autónomos, instalados em veículos pesados de transporte de bens perecíveis, alimentados por depósitos de combustível separados, e que possuam certificação ATP (Acordo de Transportes Perecíveis), nos termos a definir em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e dos transportes.

4 — O gasóleo de aquecimento só pode ser utilizado como combustível de aquecimento industrial, comercial ou doméstico.

5 — (Redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro) O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo da sua afetação aos destinos referidos no n.º 3, sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo, bem como em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular de cartão.

 

6 — A venda, a aquisição ou o consumo dos produtos referidos no n.º 1 com violação do disposto nos n.os 2 a 5 estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias e em legislação especial.”

 

No que concerne à contribuição de serviço rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que, de acordo com o disposto no artigo 1.º, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., e determina igualmente as condições da sua aplicação, esta contribuição constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis (n.º 1 do artigo 3.º).

E, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 55/2007, a CSR “incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos”, e o seu valor varia em função do produto petrolífero utilizado (gasolina ou gasóleo rodoviário).

 

Conforme dispõe o n.º 1 do artigo 5.º do mesmo diploma, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e, não obstante constitua receita da EP – Estradas de Portugal (artigo 6.º), a sua liquidação e cobrança incumbe à Requerida, aplicando-se à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

 

A CSR constitui, pois, um tributo devido pelos sujeitos passivos de ISP que incide sobre o gasóleo rodoviário sujeito a ISP não isento.

 

18. Face à matéria de facto provada não se afigura que a requerida tenha, com a prática da liquidação impugnada violado o nº 5, do artigo 93º, do CIEC.

Subsumem-se neste preceito legal, inquestionavelmente, as vendas feitas a quem não seja titular do benefício fiscal. Mas, também,  as vendas faturadas a titular do benefício fiscal, mas não registadas no sistema eletrónico de controlo e, também, as vendas relativamente às quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular do benefício fiscal, apesar de registadas no sistema eletrónico de controlo,  situações que se verificam no caso dos autos.

 

Na verdade, da violação de qualquer uma das formalidades em causa decorre, por si só, como salienta a Requerida, a responsabilidade tributária em questão. Efetivamente, face à norma em causa, não é permitido ao responsável o afastamento da oneração através da prova de que as vendas foram, efetivamente, feitas a pessoas com direito ao benefício fiscal. As dúvidas porventura existentes da intenção legislativa, foram dissipadas com o segmento da norma acrescentado pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, ao nº 5, do art. 93º, do CIEC.

 

De acordo com este preceito legal, as vendas a titular do benefício fiscal, mas que não sejam devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo ou que, tendo-o sido, não tenham sido faturadas em nome do titular do benefício fiscal mas a consumidor final estão, automaticamente, sujeitas às consequências previstas no preceito legal em causa, como foi entendido no relatório inspetivo e a Requerida salienta na sua resposta.

 

De referir que, nesta vertente, está em causa, como emerge do relatório,  gasóleo colorido e marcado cujas vendas foram  registadas no sistema eletrónico de controlo em nome de titulares do cartão, mas sem que se tenha emitido fatura em nome destes e, noutro grupo de casos, gasóleo colorido e marcado vendido  pela Requerente sem que tenha procedido ao registo dessas vendas no sistema eletrónico de controlo mas faturado em nome de titulares do cartão. Nestes casos,  a Requerida, no relatório de inspeção tributária, não invoca que  os adquirentes do gasóleo colorido e marcado não sejam titulares de cartão que titule o  direito ao benefício fiscal, (que indiciariamente já resulta do registo ou da fatura) podendo mesmo inferir-se do teor do mesmo que Requerente assume que tais vendas foram feitas às pessoas mencionadas no registo, no primeiro grupo de casos, e aos destinatários das faturas no segundo grupo de casos,  uma vez que, em ambas as situações, apenas aponta ao sujeito passivo a omissão das formalidades e não a venda a não titulares do benefício fiscal, acrescendo que nuns casos o registo foi feito a favor destes titulares, com a fatura a favor de “consumidor final”  e noutros foi a fatura emitida em nome de titulares de cartão, mas sem o registo no sistema eletrónico de controlo. A Requerida limitou-se a aplicar a norma que abstrai daquela circunstância e determina que a consequência da omissão das formalidades em causa será, por si só, a responsabilização do proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do produto em causa “pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado”.

 

Não pode deixar de se concluir que as liquidações sub judice não violaram o disposto no artigo 93º, nº 5, do CIEC.

 

19. Simultaneamente, nos termos do nº 6 do mesmo artigo “A venda, a aquisição ou o consumo dos produtos referidos no n.º 1 com violação do disposto nos n.os 2 a 5 estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias e em legislação especial.”

 

O Regime Jurídico das Infrações Fiscais prevê no artigo 109.º (Introdução irregular no consumo) o seguinte:

“1 - Os factos descritos no artigo 96.º, que não constituam crime em razão do valor da prestação tributária ou da mercadoria objeto da infração, ou, independentemente destes valores, sempre que forem praticados a título de negligência, são puníveis com coima de € 150 a € 150 000. (Redacção dada pelo artigo 224.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro)

2 – A mesma coima é aplicável a quem:

 

p) Introduzir no consumo, detiver ou comercializar produtos com violação das regras de selagem, embalagem, detenção ou comercialização, designadamente os limites quantitativos, estabelecidas pelo Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo e em legislação complementar;

 

6- O montante máximo da coima é agravado para o dobro nos casos previstos

na alínea p) do n.º 2”.

 

Em suma: na venda efetuada com preterição do registo no sistema informático de controlo e/ou omissão de fatura em nome do mesmo, de acordo com a lei, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público está sujeito a duas consequências desfavoráveis:

a)            Sujeição à coima prevista no art. 93º, nº 6 do CIEC e no art. 109º, nº 2, al. p) e nº 6) do RGIT, sendo o montante máximo da coima de 300.000 €. E, ainda,

b)           Ao pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado (art. 93º, nº 5 do CIEC).

 

Tendo em conta que esta última consequência é aplicável mesmo que a venda tenha sido efetuada a titular do  benefício fiscal e, consequentemente, deste ponto de vista, nenhum prejuízo tenha resultado para a receita fiscal, pode colocar-se a questão de estarmos, nesta vertente de aplicação da norma, materialmente, perante uma sanção (punitiva) a uma infração, objeto de uma outra penalização nos termos do art. 109º do RGIT.

 

É  legítimo questionar, porém,  por um lado, se tal sanção (do art. 93º, nº 5 do CIEC) é admissível face ao princípio constitucional da tipicidade dos tipos sancionatórios (J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4ª Edição, 2007, Vol. I, pag. 498) e, em caso, afirmativo, se,  pode coexistir com a sanção contraordenacional, face ao princípio ne bis in idem, caso se entenda pela aplicabilidade do mesmo a  este direito sancionatório.

É ainda de questionar a conformidade constitucional deste preceito legal, face ao princípio da proibição do excesso, especialmente na vertente da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.

Na verdade, como Escrevem A. Brigas Afonso-M. Teixeira Fernandes  em anotação ao artigo 93.º do código dos IEC, que  a “nova redacção dada ao n.º 5 vem criar especiais responsabilidades para os proprietários ou responsáveis legais pela exploração de postos de abastecimento, relativamente ao cumprimento das disposições regulamentares previstas para o abastecimento de gasóleo colorido e marcado, ficando directamente responsáveis pelo pagamento da diferença de ISP nos casos em que efectuem abastecimentos sem darem cumprimento às disposições regulamentares que obrigam à utilização obrigatória de cartões electrónicos em todos os abastecimento efectuados. Pretende-se com esta medida evitar situações de abastecimento de gasóleo colorido e marcado por pessoas que legalmente não podiam efectuar esses abastecimentos, através da utilização abusiva dos referidos cartões de microcircuito.”

 

Não se questionando no relatório de inspeção tributária que  as vendas com  registo em nome dos titulares de cartão e fatura a favor de “consumidor final” e as vendas   com  fatura emitida em nome de titulares de cartão, mas sem o registo no sistema eletrónico de controlo, tenham sido feitas a quem é titular do benefício e, consequentemente, não estando em causa situações de abastecimento de gasóleo colorido e marcado por pessoas que legalmente não podiam efetuar esses abastecimentos, afigura-se questionável, face a este princípio constitucional, que a severidade da lei ordinária vá ao ponto de, a par da sanção contraordenacional, impor ainda como consequência da violação das formalidades em causa a obrigação de pagar um valor pecuniário, também com carácter sancionatório pois que, como  “imposto”, de acordo com a realidade subjacente, não tem razão de ser, uma vez que, como escreve José Casalta Nabais “(…)da finalidade dos impostos está excluída (…) necessariamente a finalidade sancionatória. Na verdade, se com o imposto se pretende aplicar uma sanção, estão estaremos perante uma multa (sanção pecuniária penal), uma coima (sanção pecuniária contra-ordenacional), um confisco (sanção penal traduzida na apreensão e correspondente perda a favor do Estado do produto obtido e dos instrumentos utilizados na prática de acto ilícito), uma indemnização (…) mas nunca perante um imposto”   .

 

Vejamos então.

 

20. Nos grupos de casos que temos vindo a analisar, verifica-se a ilicitude consistente no incumprimento das formalidades previstas para a comercialização do gasóleo colorido e marcado. A responsabilidade em causa é uma consequência jurídica emergente deste incumprimento, independentemente da existência de qualquer prejuízo para a receita tributária.

Trata-se, pois, duma sanção  que, nestes casos, não é reconstitutiva ou compensatória, uma vez que não se destina a repor a situação que existiria sem a prática do facto ilícito, nem a colocar o lesado numa situação equivalente à que ocorreria sem a violação legal, mas punitiva , como reação normativa ao incumprimento das formalidades previstas para a comercialização do produto.

 

Pode ler-se no acórdão do Tribunal Constitucional nº 294/91, de 1 de julho de 1991, que

“(…) é sustentável que o «programa constitucional» relativo ao direito público sancionatório só contempla três tipos de ilícito (o penal, incluindo o contravencional; o disciplinar público; o contra-ordenacional”.

 

Nesta linha, escrevem J.J. Gomes Canotilho-Vital Moreira:

“ Além  do ilícito e das sansões de natureza criminal -que são as únicas extensamente reguladas-, a constituição prevê ainda  o ilícito-contraordenacional e o ilícito disciplinar (cfr. Art. 165º-1/d).Resta saber se a lei pode criar outros tipos de ilícito além dos referidos ou se a lei fundamental estabelece um numerus clausus de medidas sancionatórias.A única resposta consentânea com o princípio  do Estado de direito democrático e com a função da constituição é a tipicidade dos tipos sancionatórios (cf. AcTC nº 294/91).”

 

O art. 93º, nº 5, do CIEC, na vertente que temos vindo a analisar, estabelece, assim, uma medida sancionatória punitiva que extravasa o numerus clausus de tipos sancionatórios previstos na constituição, violando, assim, o princípio do Estado de direito democrático.

 

21. Por outro lado, como se pode ler no acórdão do Tribunal Constitucional nº 244/99, de 29 de Abril de 1999:

“Importa sublinhar que o nº 5 do artigo 29º da Constituição, ao determinar que "ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime", tem em vista não apenas o duplo julgamento mas ainda a dupla incriminação ou penalização (cf. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 194).

Na sua vertente substantiva (cf. GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português, I, Lisboa, 1997, pág. 305, nota 2), o princípio "ne bis in idem" proíbe a plúrima punição da mesma infracção.

(…).

O apuramento de tal violação pressupõe que as normas em causa sancionem - de modo duplo ou múltiplo - substancialmente a mesma infracção.

A contrariedade ao princípio "ne bis in idem" depende assim da identidade do bem jurídico tutelado pelas normas sancionadoras concorrentes, ou do desvalor pressuposto por cada uma delas.”

Sobre esta temática, escreve Inês Ferreira Leite:

“(…) O ne bis in idem só incorpora um efectivo valor constitucional acrescido, face ao instituto do caso julgado (que o precede, em antiguidade), se não lhe for apenas reconhecido um âmbito de aplicação circunscrito ao processo penal. É apenas com o reconhecimento da dimensão material do ne bis in idem que este assume a sua força vinculante como garante da racionalidade do exercício do poder punitivo público.

(…) quando o legislador opte por sancionar certos ilícitos com “penas” de natureza distinta das formalmente criminais, que visem essencialmente as mesmas finalidades e, ao mesmo tempo, se verifique uma sobreposição de ilícitos, impõe-se uma reflexão autónoma em torno do ne bis in idem.Neste sentido, pena, coima, sanção disciplina, administrativa geral e obrigação de reparação do dano têm em comum, entre si, a circunstância de configurarem reações contra um ilícito. E tanto podem tratar-se de ilícitos formalmente distintos, mas materialmente fungíveis, como de meros reflexos normativos de uma mesma censura normativo-social.Claro que o ne bis in idem não constitui um obstáculo intransponível à aplicação cumulativa de duas ou mais reações sancionatórias perante  o mesmo ilícito; o ne bis in idem apenas impede a cumulação de sanções essencialmente punitivas.

(…) a única forma de viável e segura de reconhecer um quid comum entre sanções -isto é, uma identidade perante a qual se justifique a intervenção restritiva do ne bis in idem -assenta na identificação da função prevalecente da sanção. Ficando demonstrado que duas sanções, em correlação com a respetiva norma habilitadora ou proibição legal, exercem uma função essencialmente punitiva, perante um mesmo facto ilícito, ficará, à partida, excluída a sua aplicação cumulativa, por respeito ao ne bis in idem.  

Ora, no situação em apreço, e de acordo com da natureza da imposição prevista no art. 93º, nº 5 do CIEC, pela mera violação de formalidades, quando o comprador do Gasóleo colorido e marcado é titular do benefício fiscal, verifica-se a plúrima   punição da mesma infração, em violação do princípio ne bis in idem uma vez que, como vimos, a não observância das formalidades em causa já se encontra sujeita à punição como contraordenação, acrescendo que ambas as sanções protegem o mesmo bem jurídico.    

 

22. Por outro lado, tendo em conta os onerosos deveres de cooperação impostos aos proprietários ou responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado, que visa desonerar o Estado da sua gestão  e às gravosas consequências previstas para o seu incumprimento impõe-se a necessidade de convocar o  princípio da proporcionalidade, entre nós consagrado, designadamente, no artigo 18º, nº 2, da Constituição.

Conforme escreve Jorge Bacelar Gouveia, a configuração deste princípio “assenta numa limitação material interna à actuação jurídico-pública de carácter discricionário, contendo os efeitos excessivos que eventualmente se apresentem na edição das providências de poder público de cariz ablatório para os respetivos destinatários” (MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL, Almedina, 4ª Ed., Vol. II, pags 839-840).

Diz-nos ainda o mesmo autor que “se bem que a ideia de proporcionalidade imediatamente induza o sentido da proibição de uma actuação jurídico-pública excessiva, ele desdobra-se em três vertentes fundamentais por que se decompõe aquele conceito geral:

                - a adequação (Geeignetheit);

                - a necessidade (Erforderlichkeit); e

                - a racionalidade ou proporcionalidade em sentido estrito (Proportionalität)

(…)

“A vertente da necessidade mostra como, perante uma providência que já se considere adequada, se impõe fazer um juízo a respeito da sua indispensabilidade no leque de providências que, do mesmo modo, sejam equivalentemente consideradas aptas à obtenção do resultado pretendido: a providência é necessária se outra não houver que seja, do ponto de vista da respectiva lesividade, menos gravosa”. (ob. Cit. pag. 842).

 

Nas palavras de Diogo Freitas do Amaral “O centro das preocupações desloca-se para a ideia de comparação: a operação central a efetuar é a comparação entre uma medida idónea e outras medidas também idóneas. O objectivo de tal comparação será a escolha da medida idónea que seja menos lesiva” (CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, Almedina, Vol. II, 2011, 2ª Edição, pag. 143).

No caso em apreço, para atingir as finalidades subjacentes ao art. 93º, nº 5 do CIEC, é  suficiente a demonstração de que o gasóleo colorido e marcado foi vendido a titulares do benefício fiscal, o que parece ocorrer quando o fornecimento fica registado no sistema informático subjacente ou quando a venda é faturada em nome do titular do benefício fiscal (sem prejuízo da aplicabilidade da sanção contraordenacional pela omissão das formalidades em causa).

Ainda que a vertente da norma em causa passasse o “teste” da necessidade, não se vê como poderia deixar de violar a vertente do equilíbrio, da racionalidade ou da proporcionalidade em sentido estrito.

Na verdade, como escreve Vitalino Canas:

“A ponderação realizada no contexto do segmento da proporcionalidade e.s.e. põe em confronto direto os efeitos positivos e negativo da norma, com o auxílio de um critério que permite estabelecer a respetiva importância relativa.

Ou, numa formulação mais completa: na esfera do segmento da proporcionalidade e.s.e. valoram-se e contrapesam-se  os efeitos positivos referentes à satisfação de bens, interesses ou valores e os efeitos negativos da interferência em bens, interesses  ou valores com aqueles colidentes, com a mediação de um tertium comparationis que permita estabelecer uma relação ordinal, de mais/menos (ou maior/menor) ou igual entre a importância daqueles efeitos”.

Ora, nos casos subsumíveis ao art. 93º, nº 5, do CIEC, em que apesar da violação de obrigações formais, a venda do gasóleo colorido e marcado seja feita a quem é titular do direito à sua aquisição, o efeito positivo da norma a favor da justiça fiscal, a existir, é manifestamente inferior aos efeitos negativos.

Na verdade, ainda que numa perspetiva de prevenção, o rigorismo da norma possa contribuir para a consecução do objetivo que lhe está subjacente, compelindo os operadores à observação das formalidades e nessa medida contribuir para um ambiente de rigor, propiciador a que a  venda do produto em causa seja efetuada apenas aos titulares do benefício fiscal, nestes casos em que o evento lesivo que se pretende evitar não ocorre, o efeito positivo da norma é manifestamente inferior ao efeito negativo, pois este traduz-se no pagamento duma importância, na aparência a titulo de imposto mas que, na realidade, é uma sanção punitiva, consequentemente lesiva da justiça fiscal e dos princípios materiais da tributação, excedendo claramente a margem de livre conformação do legislador.

Acresce que a sanção contraordenacional, que prossegue idênticas finalidades, será já um elemento indutor da observação das formalidades, diminuindo, por isso, o efeito da norma em causa nesta vertente.

Conclui-se, por isso, numa ponderação dos efeitos positivos e negativos da norma, face ao sub-princípio da racionalidade ou proporcionalidade em sentido estrito, que os positivos são manifestamente inferiores aos positivos pelo que, não pode deixar de se considerar violado, também, o princípio constitucional da proibição do excesso.

23. Assim, considera-se  o segmento da regra que se extrai do art. 93º, nº 5, do CIEC, no sentido de impor ao proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público o pagamento de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado por omissão da violação de registo no sistema eletrónico de controlo ou de faturação em nome do titular de cartão, independentemente das vendas terem sido efetuadas a pessoas com direito ao benefício fiscal e mesmo que feitas a estas,  é  inconstitucional por violação do princípio da tipicidade dos tipos sancionatórios inerente ao princípio do Estado de Direito democrático, do princípio ne bis in idem e, ainda, do princípio da proibição do excesso pelo que, nesta vertente, não pode deixar de ser desaplicada, nos termos do artigo 204º da Constituição da República Portuguesa.

Em consequência da desaplicação na norma em causa, nos segmentos identificados, a liquidação em causa carece de base legal, no que respeita às correções referentes ao gasóleo colorido e marcado cujas vendas foram registadas em nome de titulares de cartão mas faturadas  a “consumidor final”,  bem como as vendas faturadas a titulares de cartão  sem que tenha a Requerente  procedido ao registo dessas vendas no sistema eletrónico de controlo, não violando a ordem jurídica a parte das liquidações no montante  de 4.639,74 €, e respetivos juros compensatórios, referentes à quantidade total de 14.525,94 litros de gasóleo colorido e marcado vendidos a não titulares do cartão de microcircuito obrigatório.

24. Pedido de restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios.

 Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

Para o efeito, alegou que constituiu garantia bancária no âmbito do processo executivo instaurado na sequência das liquidações.

Nos termos do artigo 53º da Lei Geral Tributária:

“1 – O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2 – O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3-(..)

4-(..)”

Não se mostrando transcorrido período superior a três anos, a procedência desta pretensão da impugnante depende da ocorrência de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

Como se decidiu na decisão arbitral proferida no proc. 507/2015-T :

“No que concerne aos juros indemnizatórios, tratando-se de vícios derivados apenas da aplicação de norma inconstitucional, tem de se entender que as liquidações não enfermam de qualquer erro que seja imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que não há direito a juros indemnizatórios, à face do preceituado no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, como vem decidindo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, pelas seguintes razões:

Nesse caso, e a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP, a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade (Com interesse sobre a questão, vejam-se os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República referidos na Colectânea dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, volume V, pontos 10, 3, 3.2 – respetivamente, com as epígrafes «Fiscalização da constitucionalidade», «Fiscalização sucessiva» e «(In)aplicação de norma inconstitucional (poderes e deveres da Administração Pública)» –, cuja doutrina seguimos.). É que a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e a AT está-lo também por força do disposto no art. 55.º da LGT.

A nosso ver, a AT deverá aguardar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a emitir pelo Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 281.º da CRP.

É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, «Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.).

No mesmo sentido, JOÃO CAUPERS afirma que «a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º [hoje, 204.º] e 266º, nº 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.

Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excepcional» (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.).

Concluímos, assim, que no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é manifestamente o caso quando está em causa a aplicação de norma eventualmente violadora do princípio da não retroactividade da lei fiscal.”

No mesmo sentido, pode ler-se na decisão arbitral proferida no proc. 527/2017-T :

“A Administração encontra-se subordinada ao princípio da legalidade (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição), não podendo deixar o cumprir o disposto na lei a pretexto da sua inconstitucionalidade, tarefa que, em termos difusos, (…), se encontra apenas conferida aos tribunais (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, pág. 800).

Fundando-se a decisão arbitral na recusa de aplicação de norma por inconstitucionalidade, não se verifica o pressuposto de que depende a condenação em juros indemnizatórios.”

Acompanhando-se esta jurisprudência, julga-se improcedente o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral:

a)Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, decretando-se  a anulação das liquidações objeto do processo e respetivos juros compensatórios no que respeita  às vendas referentes ao gasóleo colorido e marcado registadas no sistema eletrónico de controlo em nome de titulares de cartão mas faturadas  a “consumidor final”,  bem como as vendas faturadas a titulares de cartão  sem que a Requerente tenha procedido ao registo dessas vendas no sistema eletrónico de controlo, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações na parte  respeitante ao montante de 4.639,74 € e respetivos juros compensatórios, referente à quantidade total de 14.525,94 litros de gasóleo colorido e marcado vendidos a não titulares do cartão de microcircuito obrigatório.

b)Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Comunique-se à Senhora Procuradora-Geral da República, para os fins do artigo 280.º, n.º 5, da CRP.

Valor da ação: EUR 20.181,32 (vinte mil cento e oitenta e um euros e trinta e dois cêntimos), nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas, no valor de 1 224.00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros) na proporção de vinte e três virgula oito por cento pela Requerente e na proporção de setenta e seis virgula dois por cento pela Requerida, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 19 de Novembro de 2018.

 

O Árbitro

Marcolino Pisão Pedreiro