Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Fernando Manuel dos Santos Cardoso e Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 17-05-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
A...- SGPS, SA, Pessoa Colectiva nº..., com sede na ..., ... (doravante designada como "Requerente"), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IRC nº 2016..., de 28-06-2016, relativa ao exercício de 2012, e das correcções subjacentes, de que resultou a fixação do prejuízo fiscal para € 5.757.167,45, inferior ao prejuízo fiscal declarado pela Requerente na respectiva declaração de rendimentos modelo 22, € 12.114.871,32.
A Requerente pede ainda a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 06-03-2018.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 27-04-2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 17-05-2018.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 04-07-2018 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações facultativas, iniciando-se com a notificação do despacho o prazo para alegações da Requerente e com a notificação da apresentação das alegações da Requerente o prazo para alegações da AT».
A Requerente não apresentou alegações no prazo fixado, pelo que ficou prejudicada a apresentação de alegações pela Autoridade Tributária e Aduaneira, já que está ínsito naquele despacho que estas estavam dependentes da apresentação de alegações pela Requerente.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre decidir.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
-
Em 31-05-2013, a quanto apresentou a declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2012, em que apurou um prejuízo fiscal de € 12.114.871,32 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente relativa ao exercício de 2012, a coberto da Ordem de Serviço OI2015...;
-
O procedimento de inspecção externa iniciou-se em 01-09-2015 e foi expedida em 22-06-2016, a carta para notificação do relatório inspectivo (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Por despacho de 27-04-2016, foi alterado o âmbito da inspecção de parcial para geral e prorrogado o prazo da inspecção por três meses, despacho esse que manifesta concordância com uma Informação da mesma data (documento n.º 5 e 1.ª parte do processo administrativo, páginas 16-17);
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Por despacho de 28-01-2016 foi prorrogado por três meses o prazo da inspecção nos termos do artigo 36.º, n.º 4, do RCPIT, que manifesta concordância com uma Informação da mesma data (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas
A1 - Encargos financeiros não dedutíveis
[Artigo 32.º, n.º 2 do EBF] - 2012 e 2013
1. A A... SGPS SA como sociedade gestora de participações sociais integra investimentos financeiros em empresas que operam em múltiplas áreas de negócio - actividade imobiliária, extracção mineira, construção metalomecânica, projectos de geração de energia eléctrica a partir de fontes de energia renovável, entre outras, beneficia da aplicação do regime previsto no artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que prevê a exclusão de tributação das mais e menos valias realizadas com a alienação de partes de capital/investimentos financeiros detidos por período não inferior a um ano, assim como os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não são dedutíveis ao resultado tributável.
2. Os procedimentos de inspecção/auditoria realizados, para controlo/verificação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital que, atendendo ao disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável, tiveram por base a análise dos Relatórios de Gestão e Contas da A... SGPS SA de 2012 e 2013, da IES - informação Empresarial Simplificada e da Declaração de Rendimentos modelo 22 IRC, entregues pelo sujeito passivo, com referência aos exercícios de 2012 e 2013, do ficheiro normalizado de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado, referente àqueles períodos, exportado pelo sujeito passivo em 2016/01/29 e apresentado aos serviços de inspecção tributária em 2016/02/25, suportes documentais de registos contabilísticos, inventário das participações financeiras reportado a 2012/12/31 e 2013/12/31, e resposta do sujeito passivo aos n/ pedidos de esclarecimentos/informações.
3. A partir do ficheiro normalizado de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado, referente aos períodos de 2012 e 2013, comprovámos que a A... SGPS SA apresentava passivos decorrentes de financiamentos obtidos conforme quadro que segue:
4. Pode verificar-se que, esta sociedade também contabilizou, nos períodos de 2012 e 2013, gastos materialmente relevantes com juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias, decorrentes da obtenção de financiamentos obtidos, conforme se discrimina no quadro seguinte:
5. Parte substancial dos empréstimos obtidos e dos correspondentes gastos com juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias foram suportados com a aquisição de investimentos financeiros, tendo-se comprovado que a A... SGPS SA, nos períodos de 2012/01/01, 2012/12/31 e 2013/12/31, detinha participações financeiras em empresas que operam em múltiplas áreas de negócio - actividade imobiliária, extracção mineira, construção metalomecânica, projectos de geração de energia eléctrica a partir de fontes de energia renovável, entre outras, que apresentam os seguintes valores de aquisição:
6. Por outro lado, parte significativa dos empréstimos obtidos e dos correspondentes gastos com juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias reportam aos empréstimos concedidos e outras operações às empresas subsidiárias e associadas que, nos períodos de 2012 e 2013, apresentavam os seguintes montantes:
7. Em 2016/01/19, notificámos esta sociedade, nos termos do disposto nos artigos 9.º, 28.º, 29.º, 37.º, 42.º e 48.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), e artigo 134.º do Código do IRC, na pessoa de B..., NIF:..., na qualidade de Técnica Oficial de Contas, para enviar / apresentar neste serviço de inspecção tributária, entre outros documentos e ficheiros, os seguintes elementos relativos aos períodos de 2012 e 2013:
- Identificar o método utilizado - afectação directa, especifica ou outro - para imputação dos passivos remunerados, quer aos empréstimos remunerados por si concedidos as partes relacionadas e/ou outras operações financeiras activas, quer aos restantes activos, designadamente, aquisição de participações financeiras;
- Discriminar os cálculos que justificam a aplicação do método de imputação utilizado pela A... SGPS SA, referido no ponto anterior, por forma a possibilitar o controlo dos gastos de financiamento suportados com a aquisição de partes de capital que não concorrem para o apuramento do resultado tributável, e assim dar cumprimento ao disposto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF;
8. Na medida em que, até à presente data, a A... SGPS SA não procedeu à identificação do método utilizado, nos períodos de 2012 e 2013 - afectação directa, específica ou outro – para imputação dos passivos remunerados, quer aos empréstimos remunerados por si concedidos às partes relacionadas e/ou outras operações financeiras activas, quer aos restantes activos, designadamente, aquisição de participações financeiras, assim como não apresentou aos serviços de inspecção tributária discriminação dos cálculos que justificam a aplicação do método de imputação utilizado que possibilite o controlo dos gastos de financiamento suportados com a aquisição de partes de capital que, nos termos previstos no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável dos períodos de 2012 e 2013, deve proceder-se à imputação dos encargos financeiros suportados pela A... SGPS SA com a aquisição de participações financeiras através da utilização da fórmula prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, cujos cálculos foram efectuados com base em informações, elementos contabilísticos e declarações apresentados/entregues pelo sujeito passivo à Autoridade Tributária, conforme quadros 11 e 12 seguintes:
(...)
9. Por se ter comprovado que nas Declarações de Rendimentos Modelo 22 IRC, entregues pela A... SGPS SA à Autoridade Tributária, relativamente aos exercícios de 2012 e 2013, não foi inscrito qualquer montante no Quadro 07 Campo 779 - Encargos financeiros não dedutíveis [artigo 32.º, n.º 2 do EBF], proceder-se-á ao correspondente acréscimo/correcção ao resultado tributável de 2012 e 2013 no montante de €5.565.353,39 e de €5.435.743,07, respectivamente.
(...)
A3 - 50% Perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio
[Artigo 45.º, n.º 3 do CIRC] - 2012 e 2013
45. A A... SGPS SA recorre a instrumentos financeiros derivados na gestão dos seus riscos financeiros, designadamente Interest Rate Swaps como forma de garantir a cobertura do risco de variabilidade da taxa de juro de empréstimos obtidos, sendo também titular de instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, em que detém acções representativas de menos de 5% do capital social dessas empresas.
46. Por aplicação das Normas Internacionais de Contabilidade - IAS 32 Instrumentos Financeiros:
Apresentação, IAS 39 Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração e IFRS 7 Instrumentos Financeiros: Divulgações, O sujeito passivo reconhece as variações de justo valor dos instrumentos financeiros derivados Interest Rate Swaps através dos lucros ou prejuízos, na medida em que não se encontram reunidas as condições para que fossem elegíveis para a contabilidade de cobertura, assim como os instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercados regulamentados são mensurados ao justo valor por contrapartida de resultados.
47. Pode verificar-se que a A... SGPS SA registou na conta 661 - Perdas por Reduções de Justo Valor - Em Instrumentos Financeiros, nos exercícios de 2012 e 2013, os montantes de €3.174.810,73 e de €315.973,55, parte das quais reportam a perdas em instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, correspondentes a participação no capital social inferior a 5%, e que nos termos previstos no art. 18.º, n.º 9, do CIRC concorrem para a determinação do resultado tributável.
(...)
48. Contudo, conforme determina o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC [redacção vigente em 2012/12/31 e 2013/12/31] ‹‹a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
49. Resulta, assim, que as perdas por reduções de justo valor referentes a instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, correspondentes a participação no capital social inferior a 5%, apenas podem ser aceites para efeitos de tributação em 50% do respectivo valor, pelo que há que acrescer ao resultado tributável de 2012 e de 2013 os montantes de €72.936,28 [€145.872,56 x 50%] e de €79.170 [€158.340 × 50%], respectivamente.
(...)
A4 - 50% Variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC - 2012 e 2013
50. Verificámos que, em 2010/01/01, data da transição do Plano Oficial de Contabilidade para o Sistema de Normalização Contabilística [SNC], a A... SGPS SA por aplicação da NCRF 27 - Instrumentos Financeiros, procedeu à alteração da mensuração dos instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, que se encontravam mensurados ao custo de aquisição para o justo valor por contrapartida de resultados.
51. Atente-se que, segundo o disposto na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 3 - Adopção pela primeira vez das normas contabilísticas e de relato financeiro, uma entidade deve preparar um balanço de abertura de acordo com as NCRF, devendo ter em consideração determinadas regras, excepto nos casos em que esta norma prevê excepções ou proíbe aplicação retrospectiva: a) reconhecimento de todos os activos e passivos, nos termos em que tal seja requerido pelas NCRF; b) desreconhecimento de activos ou passivos que, nos termos das NCRF não sejam de reconhecer como tal; c) reclassificação de itens que eram reconhecidos como determinado tipo de activo, passivo ou capital próprio no âmbito dos PCGA anteriores, mas que devem ser reconhecidos como um tipo diferente de acordo com as NCRF; d) mensuração de todos os activos e passivos reconhecidos, de acordo com os princípios estabelecidos nas NCRF [NCRF 3 - parágrafos 8].
52. As políticas contabilísticas que uma entidade usa no seu balanço de abertura de acordo com as NCRF podem diferir das anteriores resultando em ajustamentos que derivam de acontecimentos e transacções anteriores à data da transição para o SNC, pelo que a entidade deve reconhecer esses ajustamentos directamente nos resultados transitados ou noutro item do capital próprio à data da transição para o SNC [cfr. NCRF 3 - parágrafo 5 e NCRF 3 - Apêndice]
53. Importa sublinhar que, através decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que procedeu à adaptação do Código do IRC às normas internacionais de contabilidade adoptadas pela União Europeia e ao Sistema de Normalização Contabilística, foi aprovado no artigo 5.º um regime transitório que determina que os ajustamentos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, do SNC, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos previstos no Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorram em partes iguais para a determinação do resultado tributável do primeiro período em que se verifique a aplicação daquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.
54. Verificámos que nas Declarações de Rendimentos Modelo 22 IRC de 2012 e 2013 da A... SGPS SA - Quadro 07 Campo 703 - variações patrimoniais positivas [regime transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do Decreto Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho] foi acrescido ao resultado tributável O valor de €516.435,29, correspondente a 1/5 do saldo das variações patrimoniais positivas e negativas que decorre da alteração da mensuração dos instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos a negociação em mercado regulamentado, que se encontravam mensurados ao custo de aquisição para o justo valor por contrapartida de resultados.
55. Todavia, conforme determina o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC [redacção vigente em 2012/12/31 e 2013/12/31] ‹‹a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
56. Atendendo que na determinação da variação patrimonial acrescida ao resultado tributável constam ajustamentos/variações patrimoniais negativas relativas a instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, resultantes do ajustamento de transição supra referido, apenas são dedutíveis para efeitos de tributação em 50%, segundo o disposto no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, há que acrescer ao resultado tributável dos períodos de 2012 e 2013 o montante de €719.414,20, conforme quadro 18 que abaixo segue:
(...)
57. Por se ter comprovado que, nos períodos de 2012 e 2013, a A... SGPS SA contabilizou gastos de financiamento, resultantes da aquisição de partes de capital, que não são dedutíveis para efeitos de tributação em sede de IRC, nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF [vide A1 | 2012 | €5.565.353,39; A1 | 2013 | €5.435.743,07], por se ter apurado haver incumprimento da regra de limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento prevista no artigo 67.º do Código do IRC [vide A2 | 2013 | €363.786,10], por se ter confirmado que 50% das perdas por reduções de justo valor relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio não podem ser dedutíveis ao resultado tributável, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC [vide A3 | 2012 | €72.936,28; A3 | 2013 [€79.170,00], assim como por se ter comprovado que 50% das variações patrimoniais negativas que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, relacionadas com perdas por reduções de justo valor relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, não podem ser dedutíveis ao resultado tributável, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC e regime transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do DL 159/2009, de 13/07 [vide A4 j 2012 | €719.414,20; A4 | 2013 | €719.414,20].
58. Em face do exposto, propõe-se a correcção do rendimento tributável em sede de IRC da A... SGPS SA, relativamente aos períodos de 2012 e 2013, por força do disposto no artigo 17.º, n.ºs 1 e 3, e art.º 45.º, n.º 3, art.º 67.º, do Código do IRC, artigo 32.º, n.º 2, do EBF, no valor total de €6.357.703,87 e de €6.598.113,37, respectivamente, conforme quadros 19 e 20 que seguem:
(...)
IX. Direito de Audição - Fundamentação
Tendo sido notificado em 2016/05/18 - n/ ofício n.º..., nos termos previstos no
artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA, o sujeito passivo exerceu o direito de audição cuja análise consta dos pontos que seguem.
Cumpre sublinhar que, ao contrário do referido no direito de audição, os serviços de inspecção tributária solicitaram logo no início do procedimento externo de inspecção, em 2015/09/01, diversos documentos/ficheiros contabilísticos tendo obtido resposta por 4 maiI's, em 2015/10/02, por parte da interlocutora da A... SGPS SA - Dra. C... (C...@D....com). Após análise/verificação dos documentos/ficheiros contabilísticos apresentados efectuámos pedido de elementos adicionais, através de notificação pessoal da TOC do sujeito passivo, em 2016/01/19, na sequência de sucessivos adiamentos solicitados pela interlocutora Dra.C..., no período de 16 de Novembro de 2015 a 15 de Janeiro de 2016, assim como notificámos a A... SGPS, em 2016/01/28 e 2016/04/28, dos fundamentos da prorrogação do prazo do procedimento externo de inspecção, por mais três meses, nos termos do artigo 36.º, n.º 3, alínea a) do RCPITA, por haver especial complexidade quer em termos de trabalho de investigação, quer em termos de apreciação técnico-jurídica dos factos, na medida em que se apuraram riscos significativos de distorção material do resultado tributável referentes a transacções significativas com partes relacionadas, aplicação/derrogação de políticas contabilísticas que determinam a mensuração de activos e réditos nas demonstrações financeiras que parecem não estar em concordância com Normas Internacionais de Relato Financeiro (IAS/IFRS), indicadores de incumprimento da limitação â dedutibilidade dos gastos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital detidas por SGPS (artigo 32.º EBF) e/ou dos gastos de financiamento líquidos (artigo 67.º do Código do IRC). Atendendo a que estas matérias envolvem julgamentos difíceis e potencialmente contenciosos, que exigem â inspecção tributária a recolha prova de auditoria suficiente e apropriada, por meio da concepção e implementação de respostas aos riscos significativos de distorção material identificados, sendo que o trabalho de inspecção ainda não estava concluído naquelas datas.
No que respeita aos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital que, atendendo ao disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável, resulta do trabalho de inspecção realizado e do relatório elaborado prova suficiente e apropriada para sustentar o acréscimo/correcção ao resultado tributável de 2012 e 2013 no montante de €5.565.353,39 e de €5.435.743,07, respectivamente.
Atente-se que, em resposta à n/ notificação datada de 2016/01/19, a A... SGPS SA não procedeu à identificação do método utilizado, nos períodos de 2012 e 2013 - afectação directa, específica ou outro - para imputação dos passivos remunerados, quer aos empréstimos remunerados por si concedidos as partes relacionadas e/ou outras operações financeiras activas, quer aos restantes activos, designadamente, aquisição de participações financeiras, assim como não apresentou aos serviços de inspecção tributária discriminação dos cálculos que justificam a aplicação do método de imputação utilizado que possibilite o controlo dos gastos de financiamento suportados com a aquisição de partes de capital que, nos termos previstos no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável dos períodos de 2012 e 2013, pelo que teve que proceder-se a imputação dos encargos financeiros suportados pela A... SGPS SA com a aquisição de participações financeiras através da utilização da fórmula prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, cujos cálculos foram efectuados com base em informações, elementos contabilísticos e declarações apresentados/entregues pelo sujeito passivo à Autoridade Tributária.
Quanto à correcção resultante do incumprimento da regra de limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos de 2013 no valor de €363.786,10, comprovámos e demonstrámos que a A... SGPS SA procedeu à alteração da política contabilística de mensuração da participação financeira detida na E... SGPS SA, sem observância dos normativos internacionais de contabilidade (IAS/IFRS), tendo-se recolhido prova de auditoria suficiente e apropriada de que o sujeito passivo estava impedido de mensurar este investimento financeiro pelo justo valor, devendo manter-se a sua mensuração pelo custo, sendo que o resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos [EBITDA] de 2013 no montante de €94.307.579,23 encontra-se sobrevalorizado em €186.233.200. Importa salientar que na Certificação Legal de Contas de 2013, o ROC emitiu uma opinião modificada e com reservas sustentando que “(...) 7. Conforme referido na Nota 4 do Anexo às Demonstrações Financeiras, a participação financeira de 50% detida na capital da E... SGPS SA, que se encontrava registada pelo método do custo por €18. 782.868, ficou relevada em 31/12/2013 por €205.016.068, de que resultou o reconhecimento de um ganho no montante de €186.233.200. Apesar da quantia pela qual a participação financeira ficou escriturada ter sido determinada pela Administração com base na avaliação efectuada por uma entidade independente com a qual está a ser negociada a alienação de 10% do capital daquela participada, trata-se de uma alteração isolada da política contabilística que vinha sendo seguida pelo que o activo, o capital próprio e o resultado líquido do período se encontram sobrevalorizados em €186. 233.200. "
Comprovámos e demonstrámos que os gastos de financiamento líquidos de 2013 perfazem o valor de €3.363.786,10, após dedução dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, com excepção do imposto de selo, e por se ter apurado no trabalho de inspecção que o EBITDA de 2013 é negativo, estes GFL 2013 apenas podem concorrer para a determinação do lucro tributável até ao limite de €3.000.000, em cumprimento da regra de limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento líquidos instituída no artigo 67.º do Código do IRC (redacção OE 2013), encontrando-se, assim, devidamente sustentada e fundamentada a correcção/acréscimo ao resultado tributável de 2013 no valor de €363.786,10. Atente-se que, caso os gastos de financiamento devidos ou associados à remuneração de capitais alheios fossem dedutíveis na íntegra, dever-se-ia acrescer ao resultado tributável o valor de €5.438.417,21.
Por outro lado, quanto à correcção de 50% das perdas por reduções de justo valor relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio que não podem ser dedutíveis ao resultado tributável, comprovámos e demonstrámos que a A... SGPS SA, registou nos exercícios de 2012 e 2013, perdas por reduções de justo valor referentes a instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, correspondentes a participação no capital social inferior a 5%, nos montantes de €145.872,56 e de €158.340, respectivamente, que nos termos previstos no artigo 18.º, n.º 9, do CIRC concorrem para a determinação do resultado tributável, e por cumprimento do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC [redacção vigente em 2012/12/31 e 2013/12/31], apenas podem ser aceites para efeitos de tributação em 50%, constituindo este normativo o fundamento legal do acréscimo/correcção nos montantes de €72.936,28 [€145.872,56 x 50%] e de €79.170 [€158.340 x 50%], respectivamente.
Por último, no que respeita à correcção de 50% variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, verificámos que nas Declarações de Rendimentos Modelo 22 IRC de 2012 e 2013 da A... SGPS SA - Quadro 07 Campo 703 - variações patrimoniais positivas [regime transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do Decreto Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho] foi acrescido ao resultado tributável o valor de €516.435,29, correspondente a 1/5 do saldo das variações patrimoniais positivas e negativas que decorre da alteração da mensuração dos instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, que se encontravam mensurados ao custo de aquisição para o justo valor por contrapartida de resultados, e por se ter comprovado e demonstrado que na determinação da variação patrimonial acrescida ao resultado tributável constam ajustamentos/variações patrimoniais negativas relativas a instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, resultantes do ajustamento de transição supra referido, apenas são dedutíveis para efeitos de tributação em 50%, segundo o disposto no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, está justificado/fundamentado o acréscimo/correcção de €719.414,20, nos períodos de 2012 e 2013, conforme consta do Relatório de Inspecção.
A administração da A... SGPS, no exercício do direito de audição, não apresentou argumentos que sustentem a desconformidade dos factos e conclusões apuradas pelos serviços de inspecção tributária, e também não apresentou quaisquer documentos de prova adicionais que justifiquem a necessidade de reformulação do n/ relatório, pelo que entendemos que devem manter-se as correcções / acréscimos ao resultado tributável de 2012 e 2013 no valor total de €6.357.703,87 e de €6.598.113,37, respectivamente.
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Na sequência da inspecção foi emitida a liquidação n.º 2016..., datada de 28-06-2018 em que foi fixado o prejuízo fiscal da Requerente, relativo ao exercício de 2012, em € 5.757.167,45 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação (documento n.º6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A reclamação graciosa foi inferida por despacho de 24-11-2017 proferido pelo Senhor Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de ..., ao abrigo de delegação de competência; (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A decisão da reclamação graciosa remete para a fundamentação de um parecer cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
IV. Parecer
7. A presente reclamação graciosa é indissociável dos factos dissecados no relatório de Inspeção e provas de auditoria anexas.
8. A reclamante exerceu o seu direito de audição prévia em 2016/06/06 no Procedimento de Inspeção Tributária.
lV.l) Encargos financeiros não dedutíveis (artigo 32.º, n.º 2 do EBF)
9. No que concerne à questão dos encargos financeiros relacionados com a aquisição de participações sociais não dedutíveis verifica-se que o número 2 do artigo 32.º do EBF determinava um regime fiscal em relação às mais e menos-valias realizadas por Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) em que as mais e menos-valias realizadas de partes de capital de que fossem titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorriam para a formação do lucro tributável.
10. A reclamante, enquanto sociedade gestora de participações sociais, integrava investimentos financeiros em empresas que operam em múltiplas áreas de negócio - atividade imobiliária, extração mineira, construção metalomecânica, projetos de geração de energia elétrica a partir de fontes de energia renovável, entre outras, beneficiava da aplicação do regime previsto no artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
11. Tendo sido suscitadas dúvidas da forma como seria aplicado este regime, e tendo em consideração o princípio da colaboração, estabelecido no artigo 59.º da Lei Geral Tributária, procedeu a Autoridade Tributária à publicação de uma orientação genérica sobre a interpretação e aplicação da referida norma tributária.
12. Esta Circular n.º 7/2004, de 30 de março de 2004, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRC) estabelece um método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais, método este que consiste na imputação dos encargos financeiros, com base na seguinte fórmula: os passivos remunerados da SGPS deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por esta concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.
13. A reclamante não procedeu à identificação do método utilizado, nos períodos de 2012 e 2013 afetação direta, específica ou outro - para imputação dos passivos remunerados, quer aos empréstimos remunerados por si concedidos às partes relacionadas e/ou outras operações financeiras ativas, quer aos restantes ativos, designadamente, aquisição de participações financeiras, assim como não apresentou aos serviços de inspeção tributária discriminação dos cálculos que justificam a aplicação do método de imputação utilizado que possibilite o controlo dos gastos de financiamento suportados com a aquisição de partes de capital que, nos termos previstos no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável dos períodos de 2012 e 2013, recaindo sobre a reclamante o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invoca (artigo 74º da LGT), o que não fez, pelo que se procedeu à imputação dos encargos financeiros suportados pela reclamante com a aquisição de participações financeiras através da utilização da fórmula prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, cujos cálculos foram efetuados com base em informações, elementos contabilísticos e declarações apresentados/entregues pelo sujeito passivo à Autoridade Tributária.
14. A Circular mais não faz do que dar cumprimento ao disposto no artigo 59.º da LGT, não querendo regulamentar o artigo 32.º do EBF, na redação à data dos factos, mas sim interpretar e demonstrar o âmbito de aplicação da norma, não pretendendo violar o princípio da legalidade tributária à qual está obrigada.
15. Bem andou a Inspeção ao efetuar os cálculos com base na Circular n.º 7/2004, de 30 de março de 2004, da DSIRC, já que tal como afirma a reclamante na sua petição, com o apoio do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 9 de maio de 2006, no âmbito do processo 436/2005: “as circulares administrativas não vinculam os contribuintes, mas apenas os respetivos serviços”.
16. Ora, esta vinculação obrigatória das Circulares para com os Serviços decorre da própria lei, neste caso do número 1 do artigo 68.º-A da LGT, que estipula que “a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, (...) independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias”, diga-se, como é o presente caso.
17. A reclamante fundamenta a sua pretensão referindo existir decisão do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), relativa ao exercício de 2011, alegando que a mesma não tem vindo a ser considerada pela AT.
18. Cabe referir que a jurisprudência do CAAD não constitui uma fonte imediata de Direito Fiscal.
19. Ainda que o nº 4 do artigo 68.º-A da LGT determine que a AT deve rever as suas orientações genéricas atendendo, nomeadamente, à jurisprudência dos tribunais superiores, não se observa que uma decisão do CAAD possa determinar uma mudança do entendimento, que foi tomado com base nos normativos legais em vigor e com a organização sistemática do CIRC.
20. Os procedimentos de inspeção/auditoria realizados, para controlo/verificação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital que, atendendo ao disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável, tiveram por base a análise dos Relatórios de Gestão e Contas da reclamante de 2012 e 2013, da IES - Informação Empresarial Simplificada e da Declaração de Rendimentos modelo 22 IRC, entregues pelo sujeito passivo, com referência aos exercícios de 2012 e 2013, do ficheiro normalizado de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado, referente àqueles períodos, exportado pelo sujeito passivo em 2016/01/29 e apresentado aos serviços de inspeção tributária em 2016/02/25, suportes documentais de registos contabilísticos, inventário das participações financeiras reportado a 2012/12/31 e 2013/12/31, e resposta do sujeito passivo aos pedidos de esclarecimentos/informações.
21. A partir do ficheiro normalizado de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado, referente aos períodos de 2012 e 2013, comprovou-se que a reclamante apresentava passivos decorrentes de financiamentos obtidos.
22. A reclamante contabilizou, nos períodos de 2012 e 2013, gastos materialmente relevantes com juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias, decorrentes da obtenção de financiamentos obtidos.
23. Parte substancial dos empréstimos obtidos e dos correspondentes gastos com juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias foram suportados com a aquisição de investimentos financeiros, tendo-se comprovado que a reclamante, nos períodos de 2012/01/01, 2012/12/31 e 2013/12/31, detinha participações financeiras em empresas que operam em múltiplas áreas de negócio – atividade imobiliária, extração mineira, construção metalomecânica, projetos de geração de energia elétrica a partir de fontes de energia renovável, entre outras.
24. Por outro lado, parte significativa dos empréstimos obtidos e dos correspondentes gastos com juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias reportam aos empréstimos concedidos e outras operações às empresas subsidiárias e associadas.
25. Por se ter comprovado no decurso do procedimento de inspeção tributária que nas Declarações de Rendimentos Modelo 22 IRC, entregues pela reclamante à Autoridade Tributária, relativamente aos exercícios de 2012 e 2013, não foi inscrito qualquer montante no Quadro 07 Campo 779 – Encargos financeiros não dedutíveis [artigo 32.º, n.º 2 do EBF], procedeu-se à correção ao resultado tributável de 2012 e 2013 no montante de €5.565.353,39 e de €5.435.743,07, respetivamente.
(...)
IV.III) 50% Perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio (Artigo 45.º, n.º 3 do CIRC) - 2012 e 2013
56. A reclamante recorre a instrumentos financeiros derivados na gestão dos seus riscos financeiros, designadamente Interest Rate Swaps como forma de garantir a cobertura do risco de variabilidade da taxa de juro de empréstimos obtidos, sendo também titular de instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos a negociação em mercado regulamentado, em que detém ações representativas de menos de 5% do capital social dessas empresas.
57. Por aplicação das Normas Internacionais de Contabilidade - IAS 32 Instrumentos Financeiros:
Apresentação, IAS 39 Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração e IFRS 7 Instrumentos Financeiros: Divulgações, a reclamante reconhece as variações de justo valor dos instrumentos financeiros derivados Interest Rate Swaps através dos lucros ou prejuízos, na medida em que não se encontram reunidas as condições para que fossem elegíveis para a contabilidade de cobertura, assim como os instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercados regulamentados são mensurados ao justo valor por contrapartida de resultados.
58. A reclamante registou na conta 661 - Perdas por Reduções de Justo Valor - Em Instrumentos Financeiros, nos exercícios de 2012 e 2013, os montantes de €3.174.810,73 e de €315.973,55, parte das quais reportam a perdas em instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, correspondentes a participação no capital social inferior a 5%, e que nos termos previstos no artigo 18.º, n.º 9, do CIRC concorrem para a determinação do resultado tributável.
59. Conforme determina o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC [redação vigente em 2012/12/31 e 2013/12/31] ‹‹a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor››.
60. Pelo que as perdas por reduções de justo valor referentes a instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, correspondentes a participação no capital social inferior a 5%, apenas podem ser aceites para efeitos de tributação em 50% do respetivo valor, pelo que há que acrescer ao resultado tributável de 2012 e de 2013 os montantes de €72.936,28 [€145.872,56 x 50%] e de €79.170 [€158.340 x 50%], respetivamente.
IV.IV) 50% Variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC - 2012 e 2013
61. Verificou-se no decurso do procedimento de inspeção tributária que, em 2010/01/01, data da transição do Plano Oficial de Contabilidade para o Sistema de Normalização Contabilística [SNC], a reclamante por aplicação da NCRF 27 - Instrumentos Financeiros, procedeu à alteração da mensuração dos instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, que se encontravam mensurados ao custo de aquisição para o justo valor por contrapartida de resultados.
62. A Norma Contabilística e de Relato Financeiro 3 - Adopção pela primeira vez das normas contabilísticas e de relato financeiro, dispõe que uma entidade deve preparar um balanço de abertura de acordo com as NCRF, devendo ter em consideração determinadas regras, exceto nos casos em que esta norma prevê exceções ou proíbe aplicação retrospetiva:
a) reconhecimento de todos os ativos e passivos, nos termos em que tal seja requerido pelas NCRF;
b) desreconhecimento de ativos ou passivos que, nos termos das NCRF não sejam de reconhecer como tal;
c) reclassificação de itens que eram reconhecidos como determinado tipo de ativo, passivo ou capital próprio no âmbito dos Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites (PCGA) anteriores, mas que devem ser reconhecidos como um tipo diferente de acordo com as NCRF;
d) mensuração de todos os ativos e passivos reconhecidos, de acordo com os princípios estabelecidos nas NCRF [NCRF 3 - parágrafos 8].
63. O Decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, procedeu à adaptação do Código do IRC às normas internacionais de contabilidade adotadas pela União Europeia e ao Sistema de Normalização Contabilística, aprovou no artigo 5.º um regime transitório que determina que os ajustamentos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, do SNC, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos previstos no Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorram em partes iguais para a determinação do resultado tributável do primeiro período em que se verifique a aplicação daquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.
64. Nas Declarações de Rendimentos Modelo 22 IRC de 2012 e 2013 da reclamante - Quadro 07 Campo 703 - variações patrimoniais positivas [regime transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do Decreto Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho] foi acrescido ao resultado tributável o valor de €516.435,29, correspondente a 1/5 do saldo das variações patrimoniais positivas e negativas que decorre da alteração da mensuração dos instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, que se encontravam mensurados ao custo de aquisição para o justo valor por contrapartida de resultados.
65. Conforme determina o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC [redação vigente em 2012/12/31 e 2013/12/31] ‹‹a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor››.
66. Atendendo que na determinação da variação patrimonial acrescida ao resultado tributável constam ajustamentos/variações patrimoniais negativas relativas a instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, resultantes do ajustamento de transição supra referido, apenas são dedutíveis para efeitos de tributação em 50%, segundo o disposto no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, foi acrescido ao resultado tributável dos períodos de 2012 e 2013 o montante de €719.414,20.
67. Ficou comprovado no âmbito do procedimento de inspeção tributária que, nos períodos de 2012 e 2013:
I) A reclamante contabilizou gastos de financiamento, resultantes da aquisição de partes de capital, que não são dedutíveis para efeitos de tributação em sede de IRC, nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF (em 2012 €5.565.353,39 e em 2013 €5.435.743,07);
II) Apurou-se haver incumprimento por parte da reclamante da regra de limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento prevista no artigo 67.º do Código do IRC (exercício de 2013, no valor de €363.786,10);
III) Confirmou-se em tal procedimento que 50% das perdas por reduções de justo valor relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio não podem ser dedutíveis ao resultado tributável, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC (em 2012 no valor de €72.936,28 e em 2013 no valor de €79.170,00);
IV) Foi ainda comprovado que 50% das variações patrimoniais negativas que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, relacionadas com perdas por reduções de justo valor relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, não podem ser dedutíveis ao resultado tributável, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC e regime transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do DL 159/2009, de 13/07 (em 2012 no valor de €719.414,20 e em 2013 no valor de €719.414,20).
68. Foi efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária a correção do rendimento tributável em sede de IRC da reclamante relativamente aos períodos de 2012 e 2013, por força do disposto nos artigos 17.º, n.ºs 1 e 3, 45.º, n.º 3 e 67.º do CIRC e artigo 32.º, n.º 2, do EBF, no valor total de €6.357.703,87 e de €6.598.113,37.
69. Mais concretamente,
Natureza Correções à Matéria Tributável da Reclamante Exercício(s) / Período(s)
Total do Imposto 2012 2013
IRC Encargos financeiros não dedutíveis 5.565.353,39 5.435.743,07
11.001.096,46
[artigo 32.º, n.º 2 do EBF]
IRC Limitação à dedutibilidade de gastos de
financiamento [artigo 67.º do CIRC] 0,00 363.786,10
363.786,10
IRC 50% Perdas por reduções de justo valor
relativas a partes de capital ou outras
componentes do capital
próprio [artigo 45.º, n.º 3 do CIRC] 72.936,28 79.170,00
152.106,28
IRC 50% Variações patrimoniais negativas
Por reduções de justo valor relativas a partes
de capital ou outras componentes do capital
próprio que derivam dos ajustamentos de
transição do POC para o SNC [regime
transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1,
5 e 6 do DL 159/2009, de 13/07 e
artigo 45.º, n.º 3 do CIRC]
719.414,20 719.414,20
1.438.828,40
Total 6.357.703,87 6.598.113,37
12.955.817,24
70. Consideramos, pois, que as liquidações objeto de reclamação não enfermam de qualquer vício que possa comprometer a sua validade, não existindo quaisquer elementos que contrariem o seu resultado.
Em face do exposto, propôs se o INDEFERIMENTO da presente reclamação graciosa, de acordo com os fundamentos da presente informação.
-
A Requerente indicou o valor 0,00 no campo 779 do Quadro 7 da declaração modelo 22 de IRC prelativa ao exercício de 2012, referente a «Encargos financeiros não dedutíveis (art.º 32.º, n.º 2 do EBF)»;
-
Em 05-03-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com a petição inicial e que constam do processo administrativo.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Matéria de direito
3.1. Ordem de conhecimento de vícios
Estão em causa no presente processo três correcções à matéria tributável da Requerente relativa ao exercício de IRC de 2012:
-
Encargos financeiros que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou não dedutíveis, nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, aplicando para seu cálculo a fórmula prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC;
-
Não aplicação pela Requerente da percentagem 50% prevista no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC (na redacção vigente em 2012) às perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio referentes ao ano de 2012;
-
Não aplicação pela Requerente da percentagem 50% prevista no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC (na redacção vigente em 2012) às variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC.
A Requerente considera ilegais as três correcções referidas.
Para além disso, a Requerente imputa ainda à liquidação impugnada vícios por violação dos artigos 15.º, n.º 1, 36.º, n.ºs 2, 3 e 4, e 60.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) e falta de fundamentação.
Os três primeiros vícios imputados pela Requerente à liquidação impugnada têm fundamento em lei substantiva enquanto os de violação do RCPIT têm natureza de vícios procedimentais.
De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, não sendo imputados aos actos cuja anulação é pedida vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela os interesses ofendidos.
Não sendo imputados vícios às liquidações que conduzam à inexistência ou nulidade nem sendo uma relação de subsidiariedade, deverá começar-se por apreciar os vícios de violação de normas substantivas, por serem aqueles cuja procedência pode propiciar mais estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente.
Designadamente, quanto à questão da aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF são imputados vícios de violação de lei e de procedimentais, pelo que será de dar prioridade aos primeiros.
3.2. Questão da dedutibilidade dos encargos financeiros que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou não dedutíveis, nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, aplicando para seu cálculo a fórmula prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção considerando um acréscimo ao resultado tributável no valor de €5.565.353,39, com fundamento na aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (a que corresponde o artigo 31.º, n.º 2, na redacção anterior à republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho).
O artigo 32.º, n.º 2, do EBF, estabelece o seguinte:
2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
A Direcção de Serviços do IRC emitiu, para efeitos de interpretação e aplicação desta norma, a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, estabelece nos seus n.ºs 6 e 7 o seguinte:
Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros
6.Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores. ( [1] )
Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais
7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.
A Requerente na declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2012 indicou o valor 0,00 qualquer valor no Quadro 07 Campo 779 - Encargos financeiros não dedutíveis [artigo 32.º, n.º 2 do EBF].
Como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, a Requerente foi notificada para «identificar o método utilizado - afectação directa, especifica ou outro - para imputação dos passivos remunerados, quer aos empréstimos remunerados por si concedidos as partes relacionadas e/ou outras operações financeiras activas, quer aos restantes activos, designadamente, aquisição de participações financeiras», e «discriminar os cálculos que justificam a aplicação do método de imputação utilizado pela A... SGPS SA».
Não tendo a Requerente indicado método utilizado, «para imputação dos passivos remunerados, quer aos empréstimos remunerados por si concedidos às partes relacionadas e/ou outras operações financeiras activas, quer aos restantes activos, designadamente, aquisição de participações financeiras, assim como não apresentou aos serviços de inspecção tributária discriminação dos cálculos que justificam a aplicação do método de imputação utilizado que possibilite o controlo dos gastos de financiamento suportados com a aquisição de partes de capital», a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à imputação dos encargos financeiros suportados pela A... SGPS SA com a aquisição de participações financeiras através da utilização da fórmula prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC.
A Requerente defende, em suma, que
– a sua vida financeira «é extremamente complexa, sendo manifestamente impossível afectar, segundo a fórmula da AT, quaisquer encargos financeiros suportados a montante com quaisquer operações realizadas a jusante, designadamente aquisição de partes de capital»;
– «não tem qualquer adesão com a realidade pressupor, como pressupõe a AT nos cálculos que efectuou, os valores dos alegados “passivos remunerados imputáveis às partes de capital” (financiamentos obtidos para adquirir partes de capital, supostamente), muito menos os valores dos pretensos “encargos financeiros imputáveis aos passivos remunerados imputáveis às partes de capital”»;
– «os cálculos da AT são baseados apenas nos valores contabilísticos a 31.12.2012 - não atendendo minimamente aos movimentos e operações concretamente ocorridas ao longo dos 365 dias do ano de 2012 e ao momento específico em que os mesmos ocorreram»;
– «parte do valor desse stock de partes de capital a 31.12.2012 advém de aquisições feitas ao longo de 2012 – casos das aquisições de partes de capital na F..., Lda. (aquisição de 4%), e na D... SGPS, SA (aquisição de 0,056%)», que naquela data não perfaziam o prazo mínimo de 1 ano de detenção legalmente imposto pelo artigo 32º nº 2 do EBF, pelo que, logicamente, não poderiam ter entrado, como entraram, para os cálculos efectuados pela AT»;
– «nenhum dos financiamentos contraídos foi destinado a adquirir quaisquer partes de capital»;
– «a AT não teve sequer a preocupação de aferir se a Requerente comprou e/ou vendeu participações sociais (com o consequente apuramento de mais ou menos-valias na alienação dessas participações)»;
– «nos termos do sobredito artigo 32º nº 2 do EBF, apenas os encargos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais objecto de transmissão onerosa no exercício em questão poderiam ser alvo de correcção»;
– «o método da AT não tem em linha de conta a realidade dos factos ocorridos ao longo do exercício»;
– «o método da AT conduz a uma discriminação negativa das SGPS’s, totalmente injustificada, por confronto com as demais sociedades»;
– a correcção enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto;
– «a “metodologia” aplicada nas correcções em questão não tem qualquer expressão ou base legal – nem no artigo 32º nº 2 do EBF, nem em qualquer outra norma legal»;
– «o órgão não pode administrativo substituir-se ao legislador “legislando” por meio de circulares administrativas que não têm qualquer base legal ou jurídica», pelo que a correcção enferma de vício de violação de lei;
– «a correcção em causa padece de insuficiente fundamentação, ao: (i) não especificar quais as concretas operações de financiamento obtido afectas à aquisição das participações transmitidas; (ii) não especificar quais as concretas participações pretensamente adquiridas, ou quais as concretas operações de aquisição de participações pretensamente efectuadas com aqueles financiamentos; (iii) omitir qualquer referência aos períodos de detenção das participações; (iv) omitir se existiam ou não relações especiais; (v) omitir se os alienantes estavam ou não sediados em território sujeito a um regime fiscal mais favorável; (vi) omitir se os alienantes das participações estavam ou não sujeitos a um regime especial de tributação; etc.. (cfr. artigo 32º nº 2 e 3 do EBF)»;
– recai sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira «o ónus de prova da verificação dos pressupostos factuais que a conduziram a efectuar correcções - cumprindo-lhe demonstrar, nomeadamente, a factualidade que a levou a considerar que o contribuinte suportou “encargos financeiros com a aquisição de participações” nos sobreditos valores corrigidos»;
– o método da Circular é errado podendo da sua aplicação resultar a imputação a participações sociais de custo superior ao seu valor;
– A AT deveria ter «computado as correcções apenas se na medida em que os encargos financeiros contabilizados estivessem efectiva e directamente relacionados com a aquisição de participações sociais (detidas por mais de um ano) alienadas em 2012 e geradoras de mais ou menos-valias realizadas nesse mesmo ano e não sujeitas a tributação em 2012»;
– a contabilidade da Requerente reflectia a sua situação financeira e presume-se verdadeira;
– os gastos suportados devem relevar para determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do CIRC;
– o artigo 32.º, n.º2, pode conduzir a uma dupla penalização das SGPS, no caso de existirem menos-valias, o que implica violação do «princípio da proporcionalidade e da igualdade, atenta a restrição injustificada de direitos e a discriminação infundada das SGPS’s (artigos 13º e 266º nº 2 da CRP; vide tb. os artigos 55º da LGT e 5º do CPA)»;
– «os métodos indirectos de determinação da matéria colectável apenas são admitidos subsidiariamente pelo legislador, tão só em casos excepcionais e segundo um regime legal especial – conforme decorre do disposto nos artigos 81º nº 1, 83º, 85º e 87º a 94º da LGT»;
– «a AT está legalmente vinculada aos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, devendo realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material (cfr. artigos 58º da LGT, 5º e 6º do RCPIT)» e, no caso, não apurou quaisquer encargos financeiros com a efectiva e concreta aquisição de quaisquer participações sociais, nem esclarece a que encargos financeiros se refere;
– o artigo 32.º, n.º 2, do EBF é inconstitucional por ofender a proibição constitucional da retroactividade dos impostos e do princípio da tributação com base na capacidade contributiva (artigo 104.º, n.º 2, da CRP);
– além disso, o cálculo efectuado pela AT aplicando a Circular não está correcto, pois foi considerado como “Activo – partes de capital [Valor de Aquisição]” o montante de € 49.744.009,00, que respeita ao preço de aquisição revalorizado e considerado apenas para efeitos contabilísticos - e não ao custo de aquisição efetivo das participações sociais;
O regime geral de relevância das mais-valias e menos-valias e encargos financeiros para a formação do lucro tributável de entidades sujeitas a IRC, traduzia-se no concurso das mais-valias e encargos financeiros, na totalidade [artigos 20.º, n.º 1, alínea h), e 23.º, n.º 1, alínea a), do CIRC na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e no concurso das menos-valias em 50% [nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, na l) e 45.º, n.º 3, do mesmo Código].
Para as SGPS, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (para além de outras situações previstas no seu n.º 3), estabelecia um regime especial, que não se reconduzia necessariamente em benefício, que se traduzia, em geral, na irrelevância para a formação do lucro tributável das SGPS das mais-valias e menos-valias realizadas de partes de capital detidas há pelo menos um ano, acompanhada do não concurso para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.
No n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que tem de se concluir que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.
Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).
Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, dando nova redacção ao artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.
Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava o texto desse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2012 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma.
No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 ( [2] ), depois de se constatar uma quebra na execução orçamental de 2002 quanto ao IRC ( [3] ) anuncia-se a introdução de várias medidas visando o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», entre as quais a da indedutibilidade dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, que se anuncia nos seguintes termos:
«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;
É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.
Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta, para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros, a constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.
É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros (designadamente, as obtidas por entradas em espécie ou com utilização de capitais próprios), elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.
É também corolário desta interpretação que, relativamente às participações sociais adquiridas com financiamentos geradores de encargos, apenas os encargos derivados dos financiamentos relativos à sua aquisição são indedutíveis.
Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais.
Por isso, é claro, à face da letra da parte final do n.º 1 do artigo 32.º e da explicação dada no Relatório do Orçamento para 2003, que a indedutibilidade de encargos apenas se aplica aos que forem directamente derivados de financiamentos utilizados para aquisição de participações sociais.
Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).
Para além disso, como defende a Requerente, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF é uma norma que versa sobre a incidência tributária, em sentido lado, ao influenciar decisivamente a determinação da matéria tributável, pelo que está incluída na reserva de lei, nos termos dos artigos 103.º, n. 2, e 165.º,n.º 1, alínea i), da CRP.
No caso em apreço, não se demonstrou que qualquer das participações sociais tivesse sido adquirida com financiamentos, designadamente que gerassem encargos em 2012.
Relativamente às participações adquiridas em 2012, não se coloca a questão da aplicabilidade do regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, pois não tinham sido adquiridas há mais de um ano e foram consideradas na fórmula utilizada valores de participações adquiridas no ano de 2012 a F..., Lda. e D... SGSP, SA.).
Para além disso, como defende a Requerente, também não há fundamento para ser relevante o valor dos encargos financeiros e das participações registados na contabilidade em 31-12-2012 e não ao longo do ano.
Neste contexto, a prova produzida aponta no sentido de as participações sociais não terem sido adquiridas com financiamentos que tivessem gerado encargos em 2012.
No mínimo, estar-se-á perante uma situação de dúvida fundada que, nos termos do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, justifica a anulação do acto tributário.
De qualquer modo, basta o facto de a correcção efectuada se ter baseado no método referido no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, não previsto na lei, para ter de se concluir pela ilegalidade da correcção efectuada, à face da mais recente jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, como se pode ver pelos seguintes acórdãos:
– de 08-03-2017, proferido no processo n.º 0227/16: «o ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal»;
– de 31-05-2017, proferido no processo n.º 01229/15: «o ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal»;
– de 29-11-2017, proferido no processo n.º 01292/16: «estabelecendo um método indirecto e presuntivo, no que diz respeito à afectação de encargos financeiros, para efeitos de cálculo do lucro tributável, o nº 7 da Circular nº 7/2004, de 30/03, da DSIRC, afronta o princípio da legalidade tributária»;
– de 24-01-2018, proferido no processo n.º 0745/15, e de 31-01-2018, proferido no processo n.º 01157/17: «mostra-se afectado por vício de violação de lei o acto de autoliquidação de IRC efectuado em obediência às instruções constantes no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da Direção de Serviços do IRC, na medida em que nela se estabelece um método ilegal de afectação de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais».
Assim, na linha desta jurisprudência, é de concluir que a autoliquidação efectuada e a decisão da reclamação graciosa enfermam de vício de violação de lei, por terem assentado numa errada interpretação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF e violação do princípio da legalidade tributária.
Este vício, bem como o de erro sobre os pressupostos de facto, justifica a anulação da liquidação impugnada na parte correspondente a esta correcção, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Assim, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões colocadas sobre esta correcção.
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Questão da aplicação da percentagem 50% prevista no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC (na redacção vigente em 2012) às perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio às variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC.
3.3.1. Quadro normativo
O artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redacção dada pelo DL 159/2009, de 13 de Julho, estabelece o seguinte:
3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
A norma geral sobre a determinação do lucro tributável de IRC é o artigo 17.º do CIRC que estabelece que
1 – O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
Relativamente aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, o n.º 9 do artigo 18.º do mesmo Código, dispõe que:
9 – Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:
a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; ou
b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.
O artigo 20.º, n.º 1, do CIRC concretiza o conceito de rendimentos estabelecendo, no que aqui interessa, o seguinte:
“Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:
(...)
f) Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;
(...)
h) Mais-valias realizadas;”.
O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC define o conceito de «gastos», estabelecendo o seguinte:
1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
(...)
-
Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;
(...)
l) Menos-valias realizadas;”.
Relativamente às variações patrimoniais positivas, o artigo 21.º, n.º 1, do CIRC dispõe que:
“Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:
(...)
b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;
No que concerne às variações patrimoniais negativas, o artigo 24.º, n.º 1, do CIRC refere que:
Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:
(...)
b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;”.
No que diz respeito às mais e menos-valias, dispõe o artigo 46.º, n.º 1, do mesmo Código, que:
1 – Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a:
(...)
b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º”
O artigo 5.º do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, estabelece o seguinte:
Artigo 5.º
Regime transitório
1 - Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.
(...)
É aceite pelas Partes que as participações financeiras em questão deverão ser contabilizadas de acordo com o critério do justo valor e que os ajustamentos foram reconhecidos através de resultados.
3.3.2. Análise da questão
Na análise desta questão seguir-se-á de perto a fundamentação do acórdão arbitral de 25-11-2013, proferido no processo n.º 108/2013-T, que merece a concordância dos signatários.
O referido artigo 45.º, n.º 3, do CIRC decorre da renumeração do anterior artigo 42.º, n.º 3, efectuada pelo Decreto-Lei DL 159/2009.
Este n.º 3 do artigo 42.º em causa, por sua vez, foi introduzido pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, com a seguinte redacção:
“A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”
De acordo com o Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento de Estado de 2003 (p. 33), a intervenção legislativa na área em causa (IRC) guiou-se por “duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável”, enquadrando-se a alteração que aqui interessa no âmbito do “Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade” (p. 51).
A redacção actual da norma em análise, resultou já da alteração implementada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, sendo que nos termos do correspondente Relatório do Ministério das Finanças (p.31), a medida em causa se enquadrou no âmbito do “COMBATE À EVASÃO E FRAUDE FISCAIS E OUTRAS MEDIDAS DIRECCIONADAS À CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL”.
Já o n.º 9 do artigo 18.º do CIRC aplicável, obtém directamente a sua justificação no preâmbulo do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, que o introduziu no referido Código, onde se pode ler:
“Ainda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado. Além disso, manteve-se a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados. (...)
No mesmo sentido, identificam-se como activos abrangidos pelo regime das mais-valias e menos-valias fiscais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis, as propriedades de investimento, os instrumentos financeiros, com excepção daqueles em que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável no período de tributação.º.
Estas intenções expressas têm correspondência naquela norma do n.º 9 do artigo 18.º, bem como na introdução, pelo mesmo diploma legal, das alíneas f) e i) do número 1 dos artigos 20.º e 24.º do CIRC, bem como da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º.
Dentro do conjunto de alterações introduzidas pelo referido Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, cumpre ainda salientar que onde até aí se falava de proveitos e ganhos (artigo 20.º), passou-se a falar de rendimentos, e onde antes se falava de custos ou perdas (artigo 23.º), passou-se a falar de gastos.
Previamente à adopção do justo valor para acções com as características do caso sub judice, por efeito do início de vigência do SNC, as variações patrimoniais relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito da norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, que estabelecia que não concorriam para a formação do lucro tributável «as mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reabilitação legalmente autorizadas». Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada.
Este enquadramento fiscal, que se reconduzia uma tributação única (que ocorria uma só vez ao longo de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros), dependente de uma actuação voluntária do sujeito passivo (na medida em que a transacção dos instrumentos geradores da variação patrimonial, condição da relevância tributária daquela, apenas se daria se e quando o sujeito passivo alienasse os activos) e em que a valorimetria da variação patrimonial era fixada em função da concreta transacção que desencadeava a sua relevância tributária propiciavam um terreno fértil para manipulações contabilísticas e fiscais, já que o sujeito passivo podia procurar desencadear a relevância tributária no momento e termos em que lhe tal lhe fosse fiscalmente mais proveitoso.
Por outro lado, e atenta a relevância da vontade do sujeito passivo no mecanismo de relevância tributária da variação patrimonial, o sistema estabelecido adequava-se à adopção de mecanismos de condicionamento daquela vontade, no sentido de a conformar a comportamentos economicamente mais desejáveis, que, no caso, passam pela preferência de realização de mais-valias, em detrimento da realização de menos-valias.
É neste quadro que se explica o surgimento da norma do anterior artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, que precede o actual artigo 45.º, n.º 3, do mesmo.
Tal norma, quer na sua redacção primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se objectiva e subjectivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas.
A aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, na parte abrangida, um modelo radicalmente diferente, quer de valorização quer de relevância tributária das variações patrimoniais relativas à detenção daqueles instrumentos.
Com efeito, a intenção do legislador aquando do acolhimento do modelo do justo valor, devidamente evidenciada, foi, assumida e expressamente, a de manter “a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados”.
Já relativamente a “instrumentos financeiros” que correspondam a menos “de 5 % do capital social”, “cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, (...) nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada”, a intenção legislativa foi a de aceitar “a aplicação do modelo do justo valor”, excluindo o princípio da realização.
Em consonância com esta intenção legislativa, o artigo 18.º, n.º 9, do CIRC veio dispor que, por regra, “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, o que consubstancia um afloramento evidente e deliberado do assumido princípio da realização.
Contudo, a mesma norma, na sua alínea a), estabelece a excepção a este regime, «quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social;”.
Ou seja, quando os “rendimentos ou gastos (...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “concorrem para a formação do lucro tributável” “desde que”:
-
Sejam reconhecidos “através de resultados”;
-
Se tratem “de instrumentos do capital próprio”;
-
“tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e
-
“o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”.
Cumpridas estas condições:
-
consideram-se rendimentos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros [artigo 20.º, n.º 1, alínea f), do CIRC]; e
-
consideram-se gastos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros [artigo 23.º, n.º 1, alínea i) do CIRC].
Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única, aquando da transacção daqueles instrumentos, agora passamos a ter uma relevância tributária continuada. Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável [artigos artigo 20.º, n.º 1, alínea f), e artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do CIRC] do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º, n.º 9, do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias [artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC].
Neste quadro, deixam de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objectivamente fixada.
Por outro lado, e pelas mesmas razões, carece igualmente de sentido qualquer medida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favorecer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental.
Não obstante estas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, o anterior artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, renumerado para artigo 45.º, n.º 3, manteve a respectiva vigência, com a sua redacção inalterada.
Daí que se questione, como ocorre nos autos, se tal norma se aplicará, ou não, às depreciações relativas a instrumentos financeiros, que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.
Numa primeira análise, baseada exclusivamente no teor literal do n.º 3 do artigo 45.º é sugerida uma resposta afirmativa e esta questão, em face da abrangência de previsão desta norma.
Mas, uma interpretação atenta e coordenada dos normativos relevantes para a análise da questão, que se indicaram, conduz a uma conclusão diferente.
Na verdade, o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC refere que:
“A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”
A análise do texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:
-
“A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;
-
“outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;
-
“outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.
Vejamos, então, se a situação dos autos se reconduz a alguma das elencadas situações.
A situação aludida sob a alínea a) supra, será manifestamente inaplicável, não só porque não houve qualquer realização operada mediante transmissão onerosa, mas também porque o artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC exclui as situações descritas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do conceito de mais-valias realizadas.
Deste modo, restam as possibilidades de integração da situação dos autos em alguma das situações elencadas nas alíneas b) e c) supra.
A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa, poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada atentando que “perdas” e “outras variações patrimoniais negativas” serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto.
Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, atentando na evolução terminológica operada pelo artigo 159/2009, de 13 de Dezembro.
Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respectivamente, que:
– “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”;
– “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)”.
Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração da redacção do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC vigente em 2012, este Código distinguiu expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber:
-
Custos;
-
Perdas;
-
Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.
A previsão do artigo 42.º, n.º 3 do CIRC (predecessor do artigo 45.º, n.º 3, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º, nas redacções anteriores a este Decreto-Lei.
Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes.
E que assim é, ou seja, que a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redacção vigente em 2012, não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido nos artigos 23.º e 24.º, decorre desde logo do facto de o legislador ter empregado a mesma distinção.
Para além disso, a inclusão no âmbito da norma em causa não só das perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), mas também dos custos (tal como definidos no artigo 23.º na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009), levaria a que, por exemplo, o custo de aquisição de partes de capital apenas concorresse em metade do respectivo valor para o apuramento do lucro tributável, o que seria, obviamente, inconcebível num legislador minimamente razoável e, consequentemente, trata-se de uma interpretação a rejeitar, por força da regra do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, que impõe que se presuma que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.
A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas”, incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”.
Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC se reportará a:
-
diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;
-
outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e
-
outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.
Sendo que por “perdas” se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º.
Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.
A própria AT parece reconhecer isto mesmo, já que no “Manual de Preenchimento do Quadro 07, Modelo 22” ( [4] ), a propósito do campo 737, refere que “Neste campo são inscritas, em 50%, as importâncias relativas a outras perdas (que não sejam menos-valias, dado que estas obedecem ao “mecanismo” das mais-valias e menos-valias) relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio. São, por exemplo, acrescidas neste campo 737 as importâncias correspondentes a 50% das perdas por reduções de justo valor, quando estas se enquadrem no âmbito do artigo 23.º, n.º 1, alínea i), por força do disposto no art.º 18.º, n.º 9, alínea a)”.
Sucede que o artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do CIRC não se refere às importâncias em causa como “perdas”, mas como “gastos”, pelo que será incorrecta a sua inscrição no campo em causa.
De resto, e se dúvidas houvesse, caso o legislador, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei 159/2009 de 13 de Dezembro, pretendesse abranger as situações elencadas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC, no âmbito do artigo 45.º, n.º 3, do mesmo, teria:
– incluído os “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, não no artigo 23.º, mas no artigo 24.º do CIRC ( [5] ); ou
– referido tais situações como “perdas resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros” e não como “gastos”.
No quadro que se acaba de expor, deve-se então considerar que o Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, no que respeita à parte abrangida pela aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, um regime especial de relevância para o cômputo do lucro tributável, justificado quer pela sua objectividade própria quer pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade.
Esta circunstância não é, face à redacção do CIRC resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, susceptível de gerar qualquer tipo de dúvidas, como se verifica, designadamente, pela redacção dos artigos 20.º, n.º 1, alíneas f) e h), 23.º, n.º 1, alíneas i) e l), e, em especial 46.º, n.º 1, alínea b), face aos quais se evidencia de uma forma clara a intenção do legislador afastar os ajustamentos decorrentes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros, nos termos reconhecidos pelo CIRC, do regime das mais-valias e menos-valias.
Já o regime resultante da conjugação dos artigos 45.º, n.º 3, e 46.º do CIRC, apenas faz sentido na perspectiva da atendibilidade das variações patrimoniais em causa sob o prisma do referido princípio da realização.
É que, estando em causa, face a tal princípio, a aferição da variação patrimonial em função de uma transacção, haverá sempre um factor voluntário em relação àquela.
Ou seja, no regime para o qual foi pensada e instituída a norma do artigo 45.º, n.º 3, a realização de menos-valias, e demais situações elencadas estava dependente de uma actuação voluntária correspondente à realização das mesmas. Ora, neste quadro, será compreensível que o legislador institua mecanismos de desincentivo a uma actuação susceptível de ser considerada como desvaliosa, no caso a realização de menos-valias ou outras variações patrimoniais negativas. Ao dispor que tais situações apenas relevarão em 50% do montante contabilizado, o legislador fiscal está, objectivamente, a condicionar as actuações abrangidas pela previsão legal, impondo um incentivo negativo às mesmas.
Por outro lado, e estando em causa instrumentos financeiros de valor não objectivamente quantificável, a desconsideração em 50% das variações patrimoniais negativas verificadas, teria também uma função de “compensar” a natural tendência dos operadores económicos para, ao nível fiscal, inflacionarem os prejuízos.
Contudo, aqueles aspectos não se verificarão já nas situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a). Aqui, estando-se perante ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (com “um preço formado num mercado regulamentado”), não há qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo. Ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo.
Ora, penalizar, nestes casos, o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido, seria de todo injustificado, quer de um ponto de vista económico, quer de um ponto de vista jurídico.
É que, recorde-se, esta situação de penalização contingente (aleatória, até) injustificada, só se daria por força da excepção das situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC ao regime do princípio da realização. Ou seja, se relativamente a essas situações se aplicasse o regime geral do corpo do artigo 18.º. n.º 9, segundo o qual as mesmas não concorreriam “para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, a apontada incoerência não se verificaria, já que o facto que desencadearia a concorrência para a formação do lucro tributável apenas se daria por vontade do sujeito do passivo, pelo que caberia a este optar por realizar a variação patrimonial negativa, com a consequente penalização fiscal, ou diferir esta para um momento em que fosse menos volumosa ou, até positiva, diminuindo ou eliminando a penalização decorrente da operação para si e para o Erário Público. É a excepção da alínea a), ao retirar as situações aí previstas do âmbito do princípio da realização, que justifica o novo regime de relevância para o lucro tributável, que foi instituído.
Evidência de tudo o que vem de se dizer, apresenta-se no quadro elaborado de seguida, o qual demonstra a irrazoabilidade da aplicação da norma do artigo 45.º, n.º 3, às situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a):
Ano
|
Valor Inv. Financeiro
|
Variação anual de justo valor
|
Aplicação do artigo 45.º/3 do CIRC
|
0
|
Valor de aquisição (V.A.)
|
0
|
0
|
1
|
V.A.+ 40
|
+ 40
|
+40
|
2
|
V.A.+ 20
|
-20
|
-10
|
3
|
V.A
|
-20
|
-10
|
4
|
V.A.-40
|
-40
|
-20
|
5
|
V.A.
|
+40
|
+40
|
6
|
V.A. -20
|
-20
|
-10
|
A não aplicação da norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC aos gastos, e concretamente aos “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Ou seja, em qualquer altura que se escolha para proceder à alienação do instrumento financeiro, as alterações patrimoniais positivas e negativas compensam-se, de modo que, a final, o sujeito passivo apenas tenha acrescentado ou diminuído ao seu lucro tributável a diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda.
Já se se aplicasse a norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, como pretende a Autoridade Tributária e Aduaneira, a partir do momento em que se verifique uma alteração patrimonial negativa, haverá uma discrepância entre a relevância fiscal das variações patrimoniais negativas e positivas, sem qualquer justificação, como se disse, uma vez que aquelas variações ocorrem de forma objectiva e independente da actuação ou vontade do sujeito passivo. Assim, se ao fim do segundo ano o sujeito passivo do exemplo supra procedesse à realização do instrumento financeiro em causa, não obstante ter realizado uma mais-valia de apenas 20 (que seria tributada como tal ao abrigo do princípio da realização), teria, afinal, pago imposto sobre 30 (40-10). Do mesmo modo, se procedesse àquela realização ao fim do terceiro ano, teria pago imposto sobre 20, não obstante não ter tido qualquer acréscimo patrimonial com a operação. E se procedesse à mesma realização ao fim do sexto ano, teria pago imposto como se tivesse tido um acréscimo patrimonial de 30 (80-50), não obstante ter tido uma variação patrimonial efectiva de -20, que, ao abrigo do princípio da realização consagrado no CIRC, seria atendível, ainda que em apenas 50% do respectivo valor (-10)!
Tais resultados, meramente aleatórios e sem qualquer justificação substancial que os sustente, não poderão ter sido queridos por um legislador razoável, que, por imperativo do artigo 104.º, n.º 2, da CRP, tem de fazer assentar a tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real.
O desacerto de uma hipotética solução legislativa a que conduz uma determinada interpretação é, seguramente, um argumento decisivo para rejeitar essa interpretação, pois, em boa hermenêutica, tem de se presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada para uma determinada situação jurídica e não uma solução insensata e sem fundamento lógico (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Para além disso, o direito tributário tem especificidades interpretativas e uma delas é a de que, a estar-se perante uma situação de dúvida sobre o alcance do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC (como patenteia a existência de decis arbitrais contraditórias), ter de se atender «à substância económica dos factos tributários» (por imposição do artigo 11.º, n.º 3, da LGT), que, em situações em que, findo o período de detenção de partes de capital, não ocorreu realização mais-valias ou até houve realização de menos-valias, conduz inexoravelmente à interpretação que afasta a incidência de imposto sobre o rendimento e não à que se reconduz a tributar o prejuízo como se fosse um rendimento.
O que permite concluir que os Tribunais têm de atender ao «mérito das normas» que aplicam, numa dupla acepção, pelo menos: não podem ser aceites interpretações que conduzam a soluções desacertadas, por que a tal se opõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil; nem são admissíveis interpretações que se reconduzam à tributação de rendimentos inexistentes, porque tal não se compagina com as directrizes teleológicas que emanam do referido artigo 11.º, n.º 3, e dos princípios que lhe estão subjacentes, da justiça material, da igualdade e da tributação fundamentalmente com base na capacidade contributiva (artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2 da LGT), que têm suporte constitucional em princípios basilares do Estado de Direito democrático (artigos 2.º, 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP).
É certo que a solução alternativa, que exclui a aplicação do artigo 45.º, n.º 3, leva a que, no caso de se verificar, a final, uma menos-valia, esta acabe por ter sido considerada a 100%, e não a 50%, como ocorreria ao abrigo do princípio da realização. Seria o caso de, no exemplo do quadro supra, a realização ocorrer nos anos 4 ou 6. Contudo, esta discriminação positiva (ou melhor, não discriminação negativa) pela opção pelo critério do justo valor, poderá justificar-se, desde logo, porquanto no regime do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), deixa de fazer sentido qualquer desincentivo à realização de menos-valias, uma vez que as mesmas terão relevância fiscal independentemente da sua efectiva realização. Não se deverá desconsiderar igualmente que, por um lado, a contabilização pelo justo valor é considerada mais conforme à aproximação entre a contabilidade e a fiscalidade, finalidade confessadamente prosseguida pelo legislador do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, e, por outro, a circunstância de estarmos perante realidades objectivamente avaliadas, sem que haja margem significativas para manipulações fiscalmente convenientes.
Ou seja, como se havia adiantado já, não se verificam as razões de combate à fraude e evasão fiscal, nem as razões de consolidação orçamental, que demonstradamente estiveram na génese da norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC.
Assim, tem de se concluir que devem afastar-se do campo de aplicação deste artigo 45.º, n.º 3, as situações em que não vale a sua razão de ser, em sintonia com a velha máxima “cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)”. ( [6] ). “O método teleológico tem-se vindo a deslocar cada vez mais para um primeiro plano em relação à interpretação literal. Segundo o princípio de há longa data conhecido: cessante ratione legis, cessat lex ipsa, deve importar mais o fim e a razão de ser que o respectivo sentido literal. A ratio deve impor-se, não apenas dentro dos limites de um teor literal muitas vezes equívoco, mas ainda rompendo as amarras desse teor literal ou restringindo uma fórmula legal com alcance demasiado amplo”. ( [7] )
Deste modo, e em suma, em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil, segundo as quais “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1), e “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.º (n.º 3), é de interpretar o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º.
Nestes termos, considerando-se que o artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC impõe a concorrência “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, dos “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, não se aplicando, nestes casos, o artigo 45.º, n.º 3, do referido Código, na medida em que não estão abrangidos pela previsão normativa do mesmo, entende-se que merece provimento o pedido.
Consequentemente, as correcções efectuadas quanto aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor são ilegais.
Aliás, recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se neste sentido, no acórdão de 06-06-2018, processo n.º 058/17, em que concluiu que «a norma do artigo 45º, n.º 3 do CIRC não é aplicável quando ocorre a determinação – ao Justo Valor – do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação, o valor dos activos – a posição financeira – acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respectivo activo». Na mesma linha, sobre o alcance do artigo 45.º, n.º 3, o CIRC, pronunciou-se também o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-02-2016, proferido no processo n.º 01401/14.
Pelo exposto, a liquidação e a decisão da reclamação graciosa que a manteve enfermam de vício de violação de lei, por errada interpretação do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, pelo que se justifica declaração da sua ilegalidade, na parte respectiva.
3.3. Decisão da reclamação graciosa
A decisão da reclamação graciosa que confirmou a liquidação enferma dos mesmo vícios, pelo que também se justifica a sua anulação.
3.4. Questões de conhecimento prejudicado
Procedendo os pedidos nos termos indicados, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões colocadas.
4. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular a liquidação de IRC nº 2016..., de 28-06-2016, relativa ao exercício de 2012, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 6.357.703,87.
6. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 79.560,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 25-09-2018
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Fernando Manuel dos Santos Cardoso)
(Nuno Cunha Rodrigues)
[1] Ao artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, corresponde o artigo 32.º, n.º 2, após a renumeração efectuada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.
[3] Refere-se no Relatório do Orçamento do Estado para 2003, página 51:
«a execução orçamental de 2002 indicia uma quebra de receita resultante da redução dos resultados apresentados por algumas das maiores empresas em 2001, sendo previsível que esta tendência se venha a agravar para 2002, o que determinará nova quebra na receita de 2003. Esta tendência será agravada pelo impacto da descida da taxa nominal de IRC de 32% para 30% com efeitos a partir de 01/01/2002, que poderá ser parcialmente compensada pelo incremento dos valores do pagamento especial por conta».
[5] Em rigor, tal seria incoerente, na medida em que o artigo 18.º/9/a) refere-se a “instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados”, e o artigo 24.º se refere, como se viu a “variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício”.
[6] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.
[7] KARL ENGISCH, Introdução ao pensamento jurídico, página 120.