DECISÃO ARBITRAL
O Árbitro Marta Gaudêncio, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em, determina o seguinte:
Na sequência do Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, procede-se à reformulação da decisão arbitral.
I - Relatório
Em 2 de Dezembro de 2013, a A..., Lda., titular do NIPC ... e sede na Rua ..., ..., ...-... ..., requereu a constituição de tribunal arbitral e um pedido de pronúncia arbitral, nos termos dos n.ºs 1, al. a), e 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT). Foram juntos três documentos.
O pedido de pronúncia arbitral visa a anulação da demonstração de liquidação de IRC referente a 2010 e de juros compensatórios n.º 2013..., no montante de €15.097,47, bem como a demonstração de acerto de contas n.º 2013... (compensação n.º 2013...), da qual resultou um montante a pagar de €9.582,76, com fundamento na sua ilegalidade e inconstitucionalidade. Foram juntos documentos.
A Requerente é representada pelo Senhor Dr. B..., com domicílio profissional no ..., n.º..., ...-... ... .
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 1, do RJAT, a signatária foi designada árbitro único pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
O Tribunal foi constituído em 3 de Fevereiro de 2014.
A Requerente alega, como causa de pedir, que a liquidação adicional emitida pela Administração Tributária se encontra ferida de ilegalidade, bem como em inconstitucionalidade.
Com efeito, considera a Requerente que:
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A Requerente indicou, aquando do preenchimento da declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 2010, a aplicação do regime de redução de taxa previsto no artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
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O referido preceito legal, que à data dos factos correspondia ao artigo 39.º-B do mesmo diploma, estabelecia como segue:
“1 - Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:
a) É reduzida a 15% a taxa de IRC, prevista no nº 1 do artigo 80º do respectivo Código, para as entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias;
b) No caso de instalação de novas entidades, cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 10% durante os primeiros cinco exercícios de actividade;
c) As reintegrações e amortizações relativas a despesas de investimentos até € 500 000, com exclusão das respeitantes à aquisição de terrenos e de veículos ligeiros de passageiros, dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a sua actividade principal nas áreas beneficiárias podem ser deduzidas, para efeitos da determinação do lucro tributável, com a majoração de 30%;
d) Os encargos sociais obrigatórios suportados pela entidade empregadora relativos à criação líquida de postos de trabalho, por tempo indeterminado, nas áreas beneficiárias são deduzidos, para efeitos da determinação do lucro tributável, com uma majoração de 50%, uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais, nos termos do artigo 58º do Código do IRC;
e) Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício nos termos do Código do IRC são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos sete exercícios posteriores.
2 - São condições para usufruir dos benefícios fiscais previstos no número anterior:
a) A determinação do lucro tributável ser efectuada com recurso a métodos directos de avaliação;
b) Terem situação tributária regularizada;
c) Não terem salários em atraso;
d) Não resultarem de cisão efectuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios.
3 - Ficam isentas do pagamento de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as aquisições seguintes:
a) Por jovens, com idade compreendida entre os 18 e os 35 anos, de prédio ou fracção autónoma de prédio urbano situado nas áreas beneficiárias, destinado exclusivamente a primeira habitação própria e permanente, desde que o valor sobre o qual incidiria o imposto não ultrapasse os valores máximos de habitação a custos controlados, acrescidos de 50%;
b) De prédios ou fracções autónomas de prédios urbanos, desde que situados nas áreas beneficiárias e afectos duradouramente à actividade das empresas.
4 - As isenções previstas no número anterior só se verificam se as aquisições forem devidamente participadas ao serviço de finanças da área onde estiverem situados os imóveis a adquirir, mediante declaração de que conste não ter o declarante aproveitado anteriormente de idêntico benefício.
5 - As isenções previstas no nº 3 ficam dependentes de autorização do órgão deliberativo do respectivo município.
6 - Para efeitos do presente artigo, as áreas beneficiárias são delimitadas de acordo com critérios que atendam, especialmente, à baixa densidade populacional, ao índice de compensação ou carência fiscal e à desigualdade de oportunidades sociais, económicas e culturais.
7 - A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças.
8 - Os benefícios fiscais previstos no presente artigo não são cumulativos com outros benefícios de idêntica natureza, não prejudicando a opção por outro mais favorável.”
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Nos termos do disposto no n.º 7 do referido preceito legal, o regime da interioridade seria regulamentado por portaria do Ministro das Finanças.
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O Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, veio estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade.
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Este diploma previa, no artigo 8.º, o seguinte:
“1 - As disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social.
2 - Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior.”
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Existe um conflito de normas entre o artigo 43.º do EBF, o D.L. n.º 55/2008, de 26 de Março e a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, na medida em que o EBF é derrogado por estes dois diplomas.
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Os diplomas, ao excluírem da aplicação deste benefício fiscal as entidades que se dedicam à actividade agrícola, criam normas de incidência (pois reduzem a incidência do benefício fiscal em termos subjectivos), o que é manifestamente inconstitucional, pois vigora em Direito Tributário o princípio da legalidade (cfr. artigo 103.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa – CRP).
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Estas normas são inovadoras e, não tendo sido criadas por Lei Parlamentar ou por Decreto-Lei autorizado, são ilegais, com fundamento em inconstitucionalidade, na medida em que extinguem um benefício fiscal instituído por Decreto-Lei.
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Pelo que, devem ser anuladas as liquidações adicionais de imposto e de juros compensatórios, emitidas com base em correcções meramente aritméticas.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por impugnação, e juntou documentos. Defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente e a Requerida absolvida do pedido, com os seguintes fundamentos:
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Deve o pedido de pronúncia arbitral ser aperfeiçoado, na medida em que a Requerente apenas impugna parcialmente a liquidação de IRC e de juros compensatórios, tendo aceite a correcção relativa a tributações autónomas.
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Inexiste qualquer ilegalidade na correcção realizada, na medida em que a mesma se fundamenta nas normas legais aplicáveis à data dos factos.
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Os incentivos à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade são considerados auxílios de estado e estão sujeitos a análise da Comissão Europeia, para verificar a sua conformidade com as regras comunitárias previstas no Tratado da União Europeia.
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Sobre esta matéria dispõem o Regulamento (CE) n.º 1860/2004, de 6/10, e o Regulamento (CE) n.º 875/2007, de 24/7, os quais fixam uma regra de minimis para o sector da agricultura, que é um sector sujeito a regras específicas.
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A Portaria n.º 170/2002, de 28/2, exclui do seu âmbito de aplicação os apoios concedidos à actividade agrícola precisamente porque os benefícios concedidos a esta actividade estão dependentes do cumprimento de regras especiais.
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Assim, o disposto no EBF quanto a benefícios fiscais à interioridade apenas se aplica à actividade agrícola se for regulamentado por normas dependentes de aprovação específica, que dêem cumprimento ao disposto nos regulamentos comunitários em vigor.
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A Portaria n.º 170/2002, de 28/2, não impede a aprovação de outras normas regulamentares que permitam às entidades que se dedicam à actividade agrícola usufruir de quaisquer benefícios fiscais, cabendo ao legislador diligenciar no sentido de regulamentar as normas previstas no EBF.
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Vigora na ordem jurídica portuguesa o primado do direito comunitário (cfr. artigo 8.º da CRP), sendo que os regulamentos comunitários têm aplicação directa na ordem jurídica dos Estados-Membros, sem necessidade de transposição, tornando ainda inaplicáveis quaisquer normas nacionais que sejam incompatíveis com as disposições neles contidas.
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Pelo que, a correcção realizada não merece qualquer censura, devendo o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente e a Requerida absolvida do pedido.
O Processo Administrativo Tributário foi junto aos autos.
No dia 16 de Abril de 2014, pelas 14 horas, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no decurso da qual foram prestados os seguintes esclarecimentos:
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A Requerente apenas impugna parcialmente a liquidação, com fundamento na ilegalidade das correcções realizadas com respeito ao regime de redução de taxa previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelo que o valor da presente acção é de €9.132,67.
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O valor de €450, respeitante à liquidação de tributações autónomas, não é questionado pela Requerente.
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O valor do imposto em discussão nos presentes autos foi pago pela Requerente.
Ainda no decurso da referida reunião, o representante da Requerente solicitou a junção aos autos de um requerimento superveniente, no qual alega que a contestação consubstancia um acto de fundamentação a posterior do acto tributário impugnado. Foi concedido prazo de vista por 10 dias à Requerida, que apresentou resposta ao referido requerimento.
Por acórdão arbitral de 4 de Julho de 2014, foi julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral. Tendo sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional, veio este a decidir (cfr. Acórdão n.º 294/2018, de 7 de Junho de 2018, Processo n.º 310/15[1]):
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Não julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, na parte em que determina que, até à aprovação da portaria prevista no n.º 1, são aplicáveis às medidas de incentivo relativas à interioridade as regras estabelecidas na Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, das quais resulta a exclusão da aplicação do benefício fiscal, previsto no artigo 39.º B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, à atividade económica da agricultura;
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E, em consequência, julgar procedente o presente recurso, determinando a reformulação da decisão recorrida, em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade formulado.
Assim, procede-se à reformulação da decisão arbitral.
Em face do exposto, cumpre decidir.
Quanto ao valor da causa, e atentos os factos supra mencionados, deverá ser corrigido para €9.132,67, sem consequências em matéria de taxa de arbitragem.
No que concerne a questão da fundamentação subsequente, cumpre referir o seguinte.
Considerou a Requerente que, em sede de contestação, a Requerida se defendera por excepção, pretendendo aduzir argumentos que não constavam da fundamentação do acto tributário impugnado, ou seja, do relatório da inspecção tributária. Com efeito, entende a Requerente que a Requerida pretendeu, em sede de contestação, fundamentar subsequentemente o acto tributário cuja legalidade se discute nos presentes autos, o que é manifestamente ilegal. A Requerida respondeu, invocando a correcta fundamentação do acto tributário aquando da sua prática e defendendo que não está em causa a fundamentação a posteriori do mesmo.
Cumpre verificar se, de facto, estamos perante uma situação de fundamentação subsequente do acto de liquidação.
É inquestionável que a fundamentação de um acto tributário é essencial à sua cabal validade e produção de efeitos, sendo imposta pelo artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) e pelos artigos 124.º e 125.º do CPA. É também inquestionável que, aquando da apresentação do pedido de pronúncia arbitral sobre a liquidação de IRC em análise, a Requerente não suscitou a questão da falta de fundamentação, tal como não o fez em momento anterior, no decurso da acção inspectiva.
Vejamos, então, se se pode considerar que estamos perante uma situação de fundamentação subsequente.
O artigo 77.º da LGT determina como segue:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
Já o n.º 3 do artigo 268.º da CRP prevê que: “Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
A fundamentação, de facto e de direito, de um acto tributário, é essencial, na medida em que só esta permite ao contribuinte conhecer as razões que levaram à aplicação de correcções, bem como exercer, de forma esclarecida, o direito de defesa. Assim, entendem a este respeito DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SIILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, que “No que concerne à fundamentação, a CRP garante aos administrados o direito a fundamentação expressa e acessível de todos administrativos (conceito em que se inserem os actos tributários, à face do preceituado no art. 120.º, nº 3). No n.º 4 do art. 268.º garante-se aos interessados a impugnação contenciosa, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos. (…) Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhe uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.” (in Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª Edição, 2012).
No que respeita ao conteúdo da fundamentação, referem ainda os referidos autores que “Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que no entanto, não pode deixar de conter as disposições aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. (…) A fundamentação deve dar a conhecer ao interessado o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão para decidir no sentido em que decidiu e não em qualquer outro. ”.
Ora, tanto o projecto de relatório como o relatório final da inspecção tributária contêm os motivos que levaram a Administração Tributária a realizar a correcção ao IRC, estando a referida correcção devidamente quantificada. As normas legais que a Administração Tributária considerou não terem sido respeitadas estão referidas no relatório da inspecção tributária, o mesmo sucedendo com a quantificação do benefício fiscal auferido pela Requerente, sendo que o respectivo valor corresponde ao da correcção realizada.
Não pode, portanto, considerar-se que o acto de liquidação se encontra deficientemente fundamentado – tanto assim é que foi possível à Requerente apresentar o pedido de pronúncia arbitral, questionando a aplicação das normas legais que servem de base à presente correcção.
No entanto, não pode também considerar-se que a Requerida veio fundamentar subsequentemente o acto praticado. Na contestação apresentada, a Requerida veio, perante as normas jurídicas alegadas pela Requerente, defender que das mesmas não decorrem os efeitos pretendidos pela Requerente, mencionando outras normas igualmente aplicáveis. A Requerida não utilizou elementos novos em sede de contestação, antes tendo recorrido às normas jurídicas que entende terem sido violadas (normas essas mencionadas pela Requerente no pedido de constituição do tribunal arbitral).
Face ao exposto, parece-nos ser de concluir que não estamos perante uma situação de fundamentação subsequente, pelo que não deve, nesta parte, proceder a argumentação da Requerente.
Passemos, então, à análise da questão controvertida.
II - Saneamento
O Tribunal é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e arigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de vícios que o invalidem na totalidade.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Não existem questões de facto controvertidas.
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Objecto do litígio
Está em causa a apreciação da legalidade da correcção efectuada em sede de inspecção tributária, relativamente à aplicação do benefício fiscal à interioridade pela Requerente. Pretende aferir-se da eventual ilegalidade, por inconstitucionalidade, da aplicação do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, mais concretamente do artigo 8.º n.º 2, que determina a aplicação da Portaria n.º 170/2002, de 28/02 enquanto norma que regulamenta o benefício fiscal à interioridade previsto no EBF, excluindo assim as entidades que se dedicam à actividade agrícola do referido benefício.
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Matéria de facto
A Requerente dedica-se à produção de produtos hortícolas e tem o CAE 1192 – “Outras culturas temporárias, n.e.” e exerce actividade numa “área beneficiária”.
Na declaração de rendimentos Modelo 22 relativa ao exercício de 2010, a Requerente indicou no quadro 4 o regime de redução de taxa, por considerar reunir as condições que lhe permitem usufruir do benefício fiscal à interioridade (redução da taxa de imposto a 15%).
As liquidações adicionais de imposto e de juros compensatórios foram emitidas com fundamento em correcções meramente aritméticas.
Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
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Matéria de direito
As questões colocadas a este Tribunal são as seguintes:
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Podia a Requerente, relativamente ao exercício de 2010, beneficiar do regime de redução de taxa decorrente do benefício fiscal à interioridade, previsto no artigo 43.º do EBF?
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Este regime foi regulamentado pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro?
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Estavam excluídas da aplicação deste regime, entre outras, as actividades de agricultura e pesca?
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Caso a resposta às questões 2 e 3 seja afirmativa, resulta derrogado o benefício fiscal à interioridade? Tal derrogação é ilegal, porque inconstitucional, na medida em que (i) não respeita o princípio da legalidade e a reserva relativa de lei parlamentar previstos nos artigos 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1 i) da CRP e em que (ii) permite que uma norma hierarquicamente inferior disponha de forma inovadora face à norma que visa regulamentar, desrespeitando os mesmos preceitos legais?
Cumpre decidir.
III - Dispositivo
A questão decidenda é essencialmente uma questão de direito, não existindo factos controvertidos. Cumpre, portanto, determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, tendo em conta as questões supra.
Benefícios fiscais à interioridade – regime aplicável
O benefício fiscal à interioridade foi originariamente consagrado pela Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, que visava combater a desertificação e recuperar o desenvolvimento das áreas do interior do país. Assim, o diploma previa um conjunto de incentivos fiscais aplicáveis às entidades cuja actividade principal se localizasse nas zonas beneficiárias. Cabia ao Governo, nos termos do disposto no artigo 13.º da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, aprovar por decreto-lei as normas regulamentares necessárias à boa execução da lei, que foi posteriormente alterada pela Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro.
O Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro, veio regulamentar a Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro. De referir que esta regulamentação apenas foi aprovada e publicada, conforme resulta do preâmbulo do diploma, depois de as normas da referida Lei (que configura um auxílio estatal com finalidade regional) terem sido aprovadas pela Comissão Europeia (Auxílio Estatal N 223/01, Portugal), resultando expressamente das comunicações realizadas pelo Estado Português, e também da apreciação deste benefício pela Comissão Europeia, que ficavam expressamente excluídos os sectores da agricultura, pesca e indústria carbonífera.
De acordo com o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro, “As disposições que se revelem necessárias para assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos Ministérios das Finanças, do Planeamento e do Trabalho e da Solidariedade.”.
Posteriormente, foi publicada a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, que visava fixar as regras necessárias ao integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos previstos na Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro. Nos termos do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 180/2002, de 28 de Fevereiro, não podiam beneficiar dos incentivos em causa as actividades de agricultura, pesca, indústria carbonífera e transportes.
Com a publicação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), foi revogada a Lei n.º 171/1999, de 18 de Setembro, e os benefícios fiscais à interioridade passaram a estar previstos no artigo 39.º-B do EBF, que previa a concessão de benefícios “às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias»”. (cfr. artigo 83.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007)
O n.º 7 do referido preceito do EBF previa que a definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do regime, seriam estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças. O artigo 88.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 continha um regime transitório no âmbito dos benefícios fiscais e estabelecia como segue:
“l) Às isenções de contribuições para a segurança social relativas à criação líquida de postos de trabalho as áreas com regime de interioridade e aos benefícios fiscais relativos à interioridade previstos, respectivamente, no artigo 39.º da presente lei e no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais são aplicáveis as regras estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro, e pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro.”
Foi, entretanto, publicado o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, que visava estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, regulamentando o disposto no artigo 39.º-B do EBF, nos termos do seu n.º 7. Este diploma previa, no n.º 7, o seguinte:
“1 — As disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social.
2 — Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior.”
Temos, portanto, que o artigo 39.º-B do EBF previa que o benefício fiscal à interioridade se aplicava, entre outros, ao sector da agricultura, remetendo embora a regulamentação da norma para portaria do Ministro das Finanças. Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, que estabelecia as normas de execução do artigo 39.º-B do EBF, remetia para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro a regulamentação da norma, até ser aprovada a portaria conjunta por membro do Governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social – excluindo assim a aplicação do referido benefício fiscal ao sector da agricultura. Será que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, implica derrogar o artigo 39.º-B do EFB e configura, assim, uma ilegalidade?
Da não inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março
Conforme resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional, acima identificado (sublinhado nosso):
“Analisando comparativamente a norma do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, e a alínea l) do artigo 88.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 (Lei n.º 53 A/2006, de 29/12), constatámos que ambas remetem expressamente para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro. De facto, a Assembleia da República, no mesmo diploma em que determinou o aditamento do artigo 39.º B ao Estatuto dos Benefícios Fiscais, prevendo a aplicabilidade do benefício a empresas que exercessem atividades económicas em áreas diversas, nomeadamente de natureza agrícola, deixou, por um lado, consignado, no n.º 7 do artigo aditado, que as normas regulamentares necessárias à boa execução respetiva seriam estabelecidas por portaria e, por outro lado, introduziu um regime transitório, onde expressamente referiu que “aos benefícios fiscais relativos à interioridade previstos (…) no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais são aplicáveis as regras estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de dezembro, e pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro” (artigo 88.º). Resulta, deste modo, claro que o Governo, no Decreto-Lei n.º 55/2008, se limitou a reproduzir – seguindo a mesma técnica remissiva – o regime transitório preexistente constante da Lei do Orçamento do Estado, emanada pela Assembleia da República. Apenas não se manteve a remissão para o Decreto-Lei n.º 310/2001, por ser a matéria das suas disposições alvo de regulamentação específica no Decreto-Lei n.º 55/2008, que, concordantemente, revogou aquele primeiro diploma (artigo 9.º).
Pelo exposto, conclui-se que a remissão operada pelo n.º 2 do artigo 8.º, norma em análise nestes autos, não constitui uma inovação relativamente à normação preexistente e emanada da Assembleia da República.
Diga-se, aliás, que resulta da conjugação do n.º 7 do artigo 39.º B, aditado ao Estatuto dos Benefícios Fiscais pelo artigo 83.º da Lei n.º 53 A/2006, com o regime transitório definido na alínea l) do artigo 88.º do mesmo diploma, que a Assembleia da República não pretendeu que a aplicabilidade do benefício fiscal à atividade económica agrícola fosse imediata ou diretamente exequível.
Conclui-se, pelo exposto, que a manutenção da exclusão de tal atividade até à publicação da portaria destinada a “assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes atividades económicas”, resultante da remissão operada pelo artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, não acarreta o invocado vício de inconstitucionalidade orgânica.
Igualmente não se poderá afirmar que haja uma violação do n.º 5 do artigo 112.º da Constituição, porquanto é a Assembleia da República que, na aludida Lei do Orçamento do Estado, remete para o conteúdo de uma portaria, não a publicar, mas já existente no ordenamento jurídico, traduzindo-se tal remissão, materialmente, numa reprodução do regime normativo nela contido que, assim, faz seu.”
Da hierarquia das normas jurídicas
Conforme pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional, acima identificado:
“Resolvida a questão do ponto de vista constitucional, sempre se dirá que a decisão agora proferida pelo Tribunal Constitucional não prejudica o tratamento infraconstitucional do problema, entretanto resolvido, igualmente, pelo Supremo Tribunal Administrativo (acórdão de 9 de setembro de 2015, no processo n.º 115/2015; acórdão de 18 de maio de 2016, nos processos n.ºs 493/2016 e 494/16 e acórdão de 12 de outubro de 2016, no processo n.º 482/2016), matéria que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar.”
De facto, tendo sido afastada a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, cumpre atentar nas outras normas aplicáveis e nas regras atinentes à hierarquia das mesmas.
É um facto que a Requerente, ao preencher a declaração Modelo 22 assinalando a aplicação do benefício fiscal acima referido, mais não fez do que aplicar a legislação fiscal em vigor à data dos factos. Com efeito, o artigo 39.º-B do EBF previa expressamente a aplicação do benefício fiscal à interioridade às entidades que se dedicassem à actividade agrícola. E os benefícios fiscais são, em regra, aplicáveis directamente, não carecendo de regulamentação para se tornarem exequíveis (embora alguns aspectos possam depender dessa regulamentação).
Na situação em análise, verifica-se que foi regularmente aprovado um benefício fiscal, pelo que os contribuintes tinham uma expectativa legítima de dele usufruir no âmbito da sua actividade. O facto de o referido benefício ficar dependente de posterior regulamentação e de tal regulamentação não ter sido aprovada pelo Estado Português (sendo que tal regulamentação deveria obedecer a regulamentos comunitários), leva a que os sujeitos passivos de IRC sejam prejudicados por uma omissão que coloca em causa a sua legítima expectativa de aplicação de um conjunto de regras mais favoráveis, o que não é aceitável.
Pelo que, não pode desta omissão de uma obrigação de regulamentar a norma concluir-se que o benefício fiscal em causa não era aplicável à actividade agrícola, até porque ninguém pode substituir-se ao legislador e aplicar as normas vigentes (não regulamentadas) de forma a atingir o resultado a que se chegaria se este tivesse regulamentado os preceitos em vigor, em conformidade (ou desconformidade) com as disposições comunitárias.
Cumpre, assim, analisar as outras questões suscitadas.
O artigo 39.º-B do EBF previa a aplicação de um conjunto de benefícios fiscais às empresas que exercessem, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior.
A alínea l) do artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (que aditou o referido artigo ao EBF e revogou a Lei n.º 171/1999, de 18 de Setembro), estabelecia que “Às isenções de contribuições para a segurança social relativas à criação líquida de postos de trabalho nas áreas com regime de interioridade e aos benefícios fiscais relativos à interioridade previstos, respectivamente, no artigo 39.º da presente lei e no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais são aplicáveis as regras estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro, e pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro”.
A aplicação da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro aos benefícios fiscais à interioridade implica a derrogação dos benefícios fiscais previstos no artigo 39.º-B do EBF, na medida em que exclui do âmbito de aplicação dos mesmos a actividade agrícola, expressamente prevista na norma. Mas, mais, a aplicação da referida Portaria contraria o disposto na própria Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, nomeadamente o artigo 83.º, que adita um conjunto de preceitos legais ao EBF (entre os quais o preceito em causa). Temos, portanto, uma situação em que uma Portaria que, ao regulamentar uma norma de valor hierarquicamente superior, a derroga, o que se traduz numa ilegalidade.
Com efeito, é comummente aceite que, em Portugal, a hierarquia das fontes de Direito é a seguinte: (i) normas constitucionais, (ii) normas e os princípios de Direito internacional, (iii) leis ordinárias (leis, decretos-lei, decretos legislativos regionais) e (iv) outras normas de valor hierárquico inferior (como é o caso das portarias). Ora, quando uma norma de execução contraria uma lei parlamentar, que lhe é hierarquicamente superior, verifica-se que a norma hierarquicamente inferior se encontra ferida de ilegalidade – o que sucede neste caso.
Neste sentido já se pronunciou, entretanto, o Supremo Tribunal de Justiça, numa situação em tudo semelhante à que nos ocupa[2]. Com efeito, no Acórdão de 18 de Maio de 2016[3] (Processo n.º 0494/16), pode ler-se o seguinte (sublinhado nosso):
“É inequívoco que o art. 39.º-B do EBF, aditado pelo art. 83.º, n.º 1, da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), previa a concessão de benefícios fiscais relativos à interioridade, designadamente, «[à]s empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola».
Ou seja, o referido artigo previa (como, depois, o art. 43.º do mesmo Estatuto) que os benefícios fiscais à interioridade se aplicam, entre outros, ao sector da agricultura.
É certo que, como deixámos já dito, o n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, que veio estabelecer as normas de execução daquele art. 39.º-B do EBF, remetia, até ser aprovada a portaria conjunta por membro do Governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social, para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, cujo art. 2.º, alínea a), como deixámos já dito, excluía do âmbito da aplicação dos benefícios do regime fiscal à interioridade a actividade agrícola.
Mas, será que do confronto entre o art. 39.º-B do EBF e a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro resulta que o benefício fiscal à interioridade não é aplicável à actividade agrícola, como considerou a AT com o beneplácito da sentença recorrida? Dito de outro modo, será que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, efectuada ex vi do referido n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, tem a virtualidade de derrogar o art. 39.º-B do EBF, designadamente excluindo a actividade agrícola do âmbito da aplicação do referido benefício? A nosso ver, não.
Desde logo, porque assim o não permite a hierarquia das normas. Vejamos:
Na verdade, a referida portaria constitui um regulamento, ou seja, citando o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Março de 2012, proferido no processo n.º 1100/11 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Abril de 2013
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32210.pdf), págs. 662 a 672, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cc5328f21fd98fb6802579c30059534e. ), «uma decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas, pelo que se diferencia do acto administrativo, desde logo, por ser geral e abstracto, enquanto que o acto administrativo produz efeitos jurídicos num caso concreto (Sobre a matéria, vide FREITAS DO AMARAL, in “Direito Administrativo”, III, 1989, pág. 36 e seg., ESTEVES DE OLIVEIRA, in “Direito Administrativo” (Lições), 1979, pág. 144 e seg., MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in “Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2.ª Edição, pág. 248)».
A referida portaria, quanto à relação com a lei e às suas funções, integra os regulamentos complementares ou de execução («Quanto à relação dos regulamentos com a lei e às suas funções […], os regulamentos podem ser de execução, complementares ou independentes. Os regulamentos de execução executam a lei; os regulamentos complementares desenvolvem aspectos de uma disciplina normativa que a lei não regulou mas que não são necessários para que esta adquira exequibilidade; os regulamentos independentes contêm disciplinas materialmente inovatórias» (MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, D. Quixote, 2007, pág. 246).), que, como ficou dito no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1548/13 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 3156 a 3162, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b977d4ce1df1371f80257d690031b143.) «consubstanciam uma “…tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo…são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário.
Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo.
Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento.”, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99».
Constituindo a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, um regulamento (normas emanadas do exercício da função administrativa), importa ter presente que fica sujeita ao princípio da legalidade administrativa nas suas duas vertentes (Seguimos aqui de perto o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República com o n.º 5/2004, de 1 de Julho de 2004, no Diário da República de 14 de Agosto de 2004 (https://dre.pt/application/file/716772), págs. 12589 a 12600, também disponível em
http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/33aaeac315ebfe1d80256e21003d5f11.): o princípio da primazia, ou da prevalência da lei e o princípio da reserva legal, significando o primeiro que os actos da administração (de qualquer uma das administrações públicas) não podem contrariar as leis e o segundo que esses actos têm de se fundar em leis (Cfr. JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, págs. 131 e 132, e GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, págs. 922 e 923).
Assim, um regulamento de execução, tendo em conta a sua função instrumental de concretizar ou pormenorizar a lei em que se funda, terá de ser considerado ilegal sempre que nele se contenha qualquer norma contra ou praeter legem, isto é, cujo conteúdo disponha em contrário ou para além da disciplina legislativa (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, edição da AAFDL, 1977, pág. 200. No mesmo sentido, também FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, com a colaboração de LINO TORGAL, volume II, Almedina, 2001, pág. 160, onde afirma que «os regulamentos de execução são, tipicamente, regulamentos “secundum legem”, sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento» (ob. cit., pág. 160)).
Concluímos, pois, que a referida portaria não pode contradizer o disposto no art. 39.º-B do EBF, na redacção em vigor à data dos factos, sob pena de nulidade (Neste sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, ob. e vol. cit., que, a págs. 256/257, afirmam: «Os regulamentos que violem a lei ordinária têm também como único desvalor admissível a nulidade. Com efeito, a anulabilidade permitiria a produção de efeitos jurídicos pelo regulamento ilegal até à sua anulação, bem como a consolidação daquele na ordem jurídica passado o prazo para a sua anulação. Ou seja, o regulamento ilegal teria, na prática, a virtualidade de suspender a lei por si violada desde a sua entrada em vigor até à sua anulação, bem como a de revogar a lei por si violada no caso de a anulação não ser pedida no prazo legalmente previsto».).
E nem se diga que essa contradição foi querida pelo legislador, na medida em que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, resulta do referido n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, diploma este através do qual – como deixámos já dito e é referido no respectivo Preâmbulo – visa «o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais».
Desde logo, porque não é isso que resulta do teor do n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, que diz apenas que «[à]s medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior», depois de, no n.º 1 do mesmo artigo referir que «[a]s disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social».
Ou seja, a nosso ver, o que resulta da letra da lei é que, em ordem a assegurar o respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa – que poderão ser considerados como auxílios de estado (Sobre a temática dos auxílios de Estado e com numerosas referências doutrinais, vide o primeiro de muitos acórdãos proferidos por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 29/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Abril de 2014
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32220.pdf), págs. 1654 a 1671, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4e814ebe3e52143980257b65003c2170.) –, será aprovada uma portaria conjunta dos Ministérios da área das Finanças e da área do Trabalho e da Segurança Social e que, até que essa portaria seja aprovada, serão aplicáveis àqueles incentivos as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro.”
Em suma, verifica-se que o n.º 2 do artigo 8.ºdo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, ao mandar aplicar a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro de forma que restringe a aplicação do artigo 39.º-B do EBF (no sentido de excluir a aplicabilidade deste preceito à actividade agrícola), é ilegal, por desrespeitar as normas vigentes sobre a hierarquia das leis.
Verifica-se, portanto, que o n.º 2 do artigo 8.ºdo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, e a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, na interpretação que deles é feita pela Requerida, derrogam o EBF, situação que configura uma ilegalidade, uma vez que se trata de normas hierarquicamente inferiores à que pretendem regulamentar.
…
Face ao exposto, decide-se conceder provimento ao presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, determinar a anulação da demonstração de liquidação de IRC referente a 2010 e de juros compensatórios n.º 2013..., no montante de €15.097,47, bem como a demonstração de acerto de contas n.º 2013... (compensação n.º 2013...), na parte correspondente às correcções aritméticas fundamentadas no usufruto indevido do benefício fiscal à interioridade. Mais se determina que a Requerida restitua à Requerente o montante do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Custas a cargo da Requerida, atribuindo-se à causa o valor de €9.132,67, pelo que o valor das custas ascende a €918.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de Setembro de 2018
***
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.
***
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
O árbitro
Marta Gaudêncio
Decisão arbitral
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Relatório
Em 2 de Dezembro de 2013, a A..., Lda., titular do NIPC ... e sede na Rua ..., ..., ...-... ... requereu a constituição de tribunal arbitral e um pedido de pronúncia arbitral, nos termos dos n.ºs 1, al. a), e 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT). Foram juntos três documentos.
O pedido de pronúncia arbitral visa a anulação da demonstração de liquidação de IRC referente a 2010 e de juros compensatórios n.º 2013..., no montante de €15.097,47, bem como a demonstração de acerto de contas n.º 2013... (compensação n.º 2013...), da qual resultou um montante a pagar de €9.582,76, com fundamento na sua inconstitucionalidade. Foram juntos documentos.
A Requerente é representada pelo Senhor Dr. B..., com domicílio profissional no ..., n.º..., ...-... ... .
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 1, do RJAT, a signatária foi designada árbitro único pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
O Tribunal foi constituído em 3 de Fevereiro de 2014.
A Requerente alega, como causa de pedir, que a liquidação adicional emitida pela Administração Tributária se encontra ferida de ilegalidade, com fundamento em inconstitucionalidade.
Com efeito, considera a Requerente que:
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A Requerente indicou, aquando do preenchimento da declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 2010, a aplicação do regime de redução de taxa previsto no artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
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O referido preceito legal, que à data dos factos correspondia ao artigo 39.º-B do mesmo diploma, estabelecia como segue:
“1 - Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:
a) É reduzida a 15% a taxa de IRC, prevista no nº 1 do artigo 80º do respectivo Código, para as entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias;
b) No caso de instalação de novas entidades, cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 10% durante os primeiros cinco exercícios de actividade;
c) As reintegrações e amortizações relativas a despesas de investimentos até € 500 000, com exclusão das respeitantes à aquisição de terrenos e de veículos ligeiros de passageiros, dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a sua actividade principal nas áreas beneficiárias podem ser deduzidas, para efeitos da determinação do lucro tributável, com a majoração de 30%;
d) Os encargos sociais obrigatórios suportados pela entidade empregadora relativos à criação líquida de postos de trabalho, por tempo indeterminado, nas áreas beneficiárias são deduzidos, para efeitos da determinação do lucro tributável, com uma majoração de 50%, uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais, nos termos do artigo 58º do Código do IRC;
e) Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício nos termos do Código do IRC são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos sete exercícios posteriores.
2 - São condições para usufruir dos benefícios fiscais previstos no número anterior:
a) A determinação do lucro tributável ser efectuada com recurso a métodos directos de avaliação;
b) Terem situação tributária regularizada;
c) Não terem salários em atraso;
d) Não resultarem de cisão efectuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios.
3 - Ficam isentas do pagamento de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as aquisições seguintes:
a) Por jovens, com idade compreendida entre os 18 e os 35 anos, de prédio ou fracção autónoma de prédio urbano situado nas áreas beneficiárias, destinado exclusivamente a primeira habitação própria e permanente, desde que o valor sobre o qual incidiria o imposto não ultrapasse os valores máximos de habitação a custos controlados, acrescidos de 50%;
b) De prédios ou fracções autónomas de prédios urbanos, desde que situados nas áreas beneficiárias e afectos duradouramente à actividade das empresas.
4 - As isenções previstas no número anterior só se verificam se as aquisições forem devidamente participadas ao serviço de finanças da área onde estiverem situados os imóveis a adquirir, mediante declaração de que conste não ter o declarante aproveitado anteriormente de idêntico benefício.
5 - As isenções previstas no nº 3 ficam dependentes de autorização do órgão deliberativo do respectivo município.
6 - Para efeitos do presente artigo, as áreas beneficiárias são delimitadas de acordo com critérios que atendam, especialmente, à baixa densidade populacional, ao índice de compensação ou carência fiscal e à desigualdade de oportunidades sociais, económicas e culturais.
7 - A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças.
8 - Os benefícios fiscais previstos no presente artigo não são cumulativos com outros benefícios de idêntica natureza, não prejudicando a opção por outro mais favorável.”
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Nos termos do disposto no n.º 7 do referido preceito legal, o regime da interioridade seria regulamentado por portaria do Ministro das Finanças.
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O Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, veio estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade.
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Este diploma previa, no artigo 8.º, o seguinte:
“1 - As disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social.
2 - Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior.”
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Existe um conflito de normas entre o artigo 43.º do EBF, o D.L. n.º 55/2008, de 26 de Março e a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, na medida em que o EBF é derrogado por estes dois diplomas.
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Os diplomas, ao excluírem da aplicação deste benefício fiscal as entidades que se dedicam à actividade agrícola, criam normas de incidência (pois reduzem a incidência do benefício fiscal em termos subjectivos), o que é manifestamente inconstitucional, pois vigora em Direito Tributário o princípio da legalidade (cfr. artigo 103.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa – CRP).
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Estas normas são inovadoras e, não tendo sido criadas por Lei Parlamentar ou por Decreto-Lei autorizado, são ilegais, com fundamento em inconstitucionalidade, na medida em que extinguem um benefício fiscal instituído por Decreto-Lei.
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Pelo que, devem ser anuladas as liquidações adicionais de imposto e de juros compensatórios, emitidas com base em correcções meramente aritméticas.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por impugnação, e juntou documentos. Defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente e a Requerida absolvida do pedido, com os seguintes fundamentos:
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Deve o pedido de pronúncia arbitral ser aperfeiçoado, na medida em que a Requerente apenas impugna parcialmente a liquidação de IRC e de juros compensatórios, tendo aceite a correcção relativa a tributações autónomas.
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Inexiste qualquer ilegalidade na correcção realizada, na medida em que a mesma se fundamenta nas normas legais aplicáveis à data dos factos.
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Os incentivos à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade são considerados auxílios de estado e estão sujeitos a análise da Comissão Europeia, para verificar a sua conformidade com as regras comunitárias previstas no Tratado da União Europeia.
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Sobre esta matéria dispõem o Regulamento (CE) n.º 1860/2004, de 6/10, e o Regulamento (CE) n.º 875/2007, de 24/7, os quais fixam uma regra de minimis para o sector da agricultura, que é um sector sujeito a regras específicas.
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A Portaria n.º 170/2002, de 28/2, exclui do seu âmbito de aplicação os apoios concedidos à actividade agrícola precisamente porque os benefícios concedidos a esta actividade estão dependentes do cumprimento de regras especiais.
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Assim, o disposto no EBF quanto a benefícios fiscais à interioridade apenas se aplica à actividade agrícola se for regulamentado por normas dependentes de aprovação específica, que dêem cumprimento ao disposto nos regulamentos comunitários em vigor.
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A Portaria n.º 170/2002, de 28/2, não impede a aprovação de outras normas regulamentares que permitam às entidades que se dedicam à actividade agrícola usufruir de quaisquer benefícios fiscais, cabendo ao legislador diligenciar no sentido de regulamentar as normas previstas no EBF.
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Vigora na ordem jurídica portuguesa o primado do direito comunitário (cfr. artigo 8.º da CRP), sendo que os regulamentos comunitários têm aplicação directa na ordem jurídica dos Estados-Membros, sem necessidade de transposição, tornando ainda inaplicáveis quaisquer normas nacionais que sejam incompatíveis com as disposições neles contidas.
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Pelo que, a correcção realizada não merece qualquer censura, devendo o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente e a Requerida absolvida do pedido.
O Processo Administrativo Tributário foi junto aos autos.
No dia 16 de Abril de 2014, pelas 14 horas, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no decurso da qual foram prestados os seguintes esclarecimentos:
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A Requerente apenas impugna parcialmente a liquidação, com fundamento na ilegalidade das correcções realizadas com respeito ao regime de redução de taxa previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelo que o valor da presente acção é de €9.132,67.
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O valor de €450, respeitante à liquidação de tributações autónomas, não é questionado pela Requerente.
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O valor do imposto em discussão nos presentes autos foi pago pela Requerente.
Ainda no decurso da referida reunião, o representante da Requerente solicitou a junção aos autos de um requerimento superveniente, no qual alega que a contestação consubstancia um acto de fundamentação a posterior do acto tributário impugnado. Foi concedido prazo de vista por 10 dias à Requerida, que apresentou resposta ao referido requerimento.
…
Em face do exposto, cumpre decidir.
Quanto ao valor da causa, e atentos os factos supra mencionados, deverá ser corrigido para €9.132,67, sem consequências em matéria de taxa de arbitragem.
No que concerne a questão da fundamentação subsequente, cumpre referir o seguinte.
Considerou a Requerente que, em sede de contestação, a Requerida se defendera por excepção, pretendendo aduzir argumentos que não constavam da fundamentação do acto tributário impugnado, ou seja, do relatório da inspecção tributária. Com efeito, entende a Requerente que a Requerida pretendeu, em sede de contestação, fundamentar subsequentemente o acto tributário cuja legalidade se discute nos presentes autos, o que é manifestamente ilegal. A Requerida respondeu, invocando a correcta fundamentação do acto tributário aquando da sua prática e defendendo que não está em causa a fundamentação a posteriori do mesmo.
Cumpre verificar se, de facto, estamos perante uma situação de fundamentação subsequente do acto de liquidação.
É inquestionável que a fundamentação de um acto tributário é essencial à sua cabal validade e produção de efeitos, sendo imposta pelo artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) e pelos artigos 124.º e 125.º do CPA. É também inquestionável que, aquando da apresentação do pedido de pronúncia arbitral sobre a liquidação de IRC em análise, a Requerente não suscitou a questão da falta de fundamentação, tal como não o fez em momento anterior, no decurso da acção inspectiva.
Vejamos, então, se se pode considerar que estamos perante uma situação de fundamentação subsequente.
O artigo 77.º da LGT determina como segue:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
Já o n.º 3 do artigo 268.º da CRP prevê que: “Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
A fundamentação, de facto e de direito, de um acto tributário, é essencial, na medida em que só esta permite ao contribuinte conhecer as razões que levaram à aplicação de correcções, bem como exercer, de forma esclarecida, o direito de defesa. Assim, entendem a este respeito DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SIILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, que “No que concerne à fundamentação, a CRP garante aos administrados o direito a fundamentação expressa e acessível de todos administrativos (conceito em que se inserem os actos tributários, à face do preceituado no art. 120.º, nº 3). No n.º 4 do art. 268.º garante-se aos interessados a impugnação contenciosa, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos. (…) Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhe uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.” (in Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª Edição, 2012).
No que respeita ao conteúdo da fundamentação, referem ainda os referidos autores que “Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que no entanto, não pode deixar de conter as disposições aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. (…) A fundamentação deve dar a conhecer ao interessado o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão para decidir no sentido em que decidiu e não em qualquer outro. ”.
Ora, tanto o projecto de relatório como o relatório final da inspecção tributária contêm os motivos que levaram a Administração Tributária a realizar a correcção ao IRC, estando a referida correcção devidamente quantificada. As normas legais que a Administração Tributária considerou não terem sido respeitadas estão referidas no relatório da inspecção tributária, o mesmo sucedendo com a quantificação do benefício fiscal auferido pela Requerente, sendo que o respectivo valor corresponde ao da correcção realizada.
Não pode, portanto, considerar-se que o acto de liquidação se encontra deficientemente fundamentado – tanto assim é que foi possível à Requerente apresentar o pedido de pronúncia arbitral, questionando a aplicação das normas legais que servem de base à presente correcção.
No entanto, não pode também considerar-se que a Requerida veio fundamentar subsequentemente o acto praticado. Na contestação apresentada, a Requerida veio, perante as normas jurídicas alegadas pela Requerente, defender que das mesmas não decorrem os efeitos pretendidos pela Requerente, mencionando outras normas igualmente aplicáveis. A Requerida não utilizou elementos novos em sede de contestação, antes tendo recorrido às normas jurídicas que entende terem sido violadas (normas essas mencionadas pela Requerente no pedido de constituição do tribunal arbitral).
Face ao exposto, parece-nos ser de concluir que não estamos perante uma situação de fundamentação subsequente, pelo que não deve, nesta parte, proceder a argumentação da Requerente.
Passemos, então, à análise da questão controvertida.
II - Saneamento
O Tribunal é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e arigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de vícios que o invalidem na totalidade.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Não existem questões de facto controvertidas.
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Objecto do litígio
Está em causa a apreciação da legalidade da correcção efectuada em sede de inspecção tributária, relativamente à aplicação do benefício fiscal à interioridade pela Requerente. Pretende aferir-se da eventual ilegalidade, por inconstitucionalidade, da aplicação do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, mais concretamente do artigo 8.º n.º 2, que determina a aplicação da Portaria n.º 170/2002, de 28/02 enquanto norma que regulamenta o benefício fiscal à interioridade previsto no EBF, excluindo assim as entidades que se dedicam à actividade agrícola do referido benefício.
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Matéria de facto
A Requerente dedica-se à produção de produtos hortícolas e tem o CAE 1192 – “Outras culturas temporárias, n.e.” e exerce actividade numa “área beneficiária”.
Na declaração de rendimentos Modelo 22 relativa ao exercício de 2010, a Requerente indicou no quadro 4 o regime de redução de taxa, por considerar reunir as condições que lhe permitem usufruir do benefício fiscal à interioridade (redução da taxa de imposto a 15%).
As liquidações adicionais de imposto e de juros compensatórios foram emitidas com fundamento em correcções meramente aritméticas.
Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
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Matéria de direito
As questões colocadas a este Tribunal são as seguintes:
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Podia a Requerente, relativamente ao exercício de 2010, beneficiar do regime de redução de taxa decorrente do benefício fiscal à interioridade, previsto no artigo 43.º do EBF?
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Este regime foi regulamentado pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro?
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Estavam excluídas da aplicação deste regime, entre outras, as actividades de agricultura e pesca?
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Caso a resposta às questões 2 e 3 seja afirmativa, resulta derrogado o benefício fiscal à interioridade? Tal derrogação é ilegal, porque inconstitucional, na medida em que (i) não respeita o princípio da legalidade e a reserva relativa de lei parlamentar previstos nos artigos 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1 i) da CRP e em que (ii) permite que uma norma hierarquicamente inferior disponha de forma inovadora face à norma que visa regulamentar, desrespeitando os mesmos preceitos legais?
Cumpre decidir.
IV - Dispositivo
A questão decidenda é essencialmente uma questão de direito, não existindo factos controvertidos. Cumpre, portanto, determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, tendo em conta as questões supra.
Benefícios fiscais à interioridade – regime aplicável
O benefício fiscal à interioridade foi originariamente consagrado pela Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, que visava combater a desertificação e recuperar o desenvolvimento das áreas do interior do país. Assim, o diploma previa um conjunto de incentivos fiscais aplicáveis às entidades cuja actividade principal se localizasse nas zonas beneficiárias. Cabia ao Governo, nos termos do disposto no artigo 13.º da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, aprovar por decreto-lei as normas regulamentares necessárias à boa execução da lei, que foi posteriormente alterada pela Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro.
O Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro, veio regulamentar a Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro. De referir que esta regulamentação apenas foi aprovada e publicada, conforme resulta do preâmbulo do diploma, depois de as normas da referida Lei (que configura um auxílio estatal com finalidade regional) terem sido aprovadas pela Comissão Europeia (Auxílio Estatal N 223/01, Portugal), resultando expressamente das comunicações realizadas pelo Estado Português, e também da apreciação deste benefício pela Comissão Europeia, que ficavam expressamente excluídos os sectores da agricultura, pesca e indústria carbonífera.
De acordo com o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro, “As disposições que se revelem necessárias para assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos Ministérios das Finanças, do Planeamento e do Trabalho e da Solidariedade.”.
Posteriormente, foi publicada a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, que visava fixar as regras necessárias ao integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos previstos na Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro. Nos termos do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 180/2002, de 28 de Fevereiro, não podiam beneficiar dos incentivos em causa as actividades de agricultura, pesca, indústria carbonífera e transportes.
Com a publicação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), foi revogada a Lei n.º 171/1999, de 18 de Setembro, e os benefícios fiscais à interioridade passaram a estar previstos no artigo 39.º-B do EBF, que previa a concessão de benefícios “às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias»”. (cfr. artigo 83.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007)
O n.º 7 do referido preceito do EBF previa que a definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do regime, seriam estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças. O artigo 88.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 continha um regime transitório no âmbito dos benefícios fiscais e estabelecia como segue:
“l) Às isenções de contribuições para a segurança social relativas à criação líquida de postos de trabalho as áreas com regime de interioridade e aos benefícios fiscais relativos à interioridade previstos, respectivamente, no artigo 39.º da presente lei e no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais são aplicáveis as regras estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro, e pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro.”
Foi, entretanto, publicado o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, que visava estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, regulamentando o disposto no artigo 39.º-B do EBF, nos termos do seu n.º 7. Este diploma previa, no n.º 7, o seguinte:
“1 — As disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social.
2 — Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior.”
Temos, portanto, que o artigo 39.º-B do EBF previa que o benefício fiscal à interioridade se aplicava, entre outros, ao sector da agricultura, remetendo embora a regulamentação da norma para portaria do Ministro das Finanças. Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, que estabelecia as normas de execução do artigo 39.º-B do EBF, remetia para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro a regulamentação da norma, até ser aprovada a portaria conjunta por membro do Governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social – excluindo assim a aplicação do referido benefício fiscal ao sector da agricultura. Será que a remissão para a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, implica derrogar o artigo 39.º-B do EFB e configura, assim, uma ilegalidade?
Direito comunitário
O Tratado da União Europeia contém, no n.º 1 do artigo 107.º, o princípio geral de proibição dos auxílios de estado. Estabelece esta norma que “Salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções”.
Podem, no entanto, nos termos do disposto no n.º 2, ser considerados compatíveis com o mercado interno os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego, entre outros (cfr. o disposto no n.º 2 do mesmo preceito).
O artigo 108.º do Tratado da União Europeia estabelece que a Comissão procederá, em cooperação com os Estados-Membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes nos Estados-Membros, podendo propor as medidas adequadas, que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado interno. O n.º 3 do referido artigo prevê que a Comissão seja notificada dos projectos de instituição ou alteração de quaisquer auxílios, de forma a poder decidir se os mesmos são compatíveis com o mercado interno. Os Estados não podem pôr em execução as medidas projectadas antes de o procedimento ter sido objecto de uma decisão final.
Neste contexto, e conforme já referido, na sequência da aprovação da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, a Comissão Europeia foi consultada sobre a conformidade dos incentivos fiscais com as regras do Tratado da União Europeia. A Comissão, no âmbito da comunicação relativa ao auxílio estatal N 223/2001 (de 19 de Setembro de 2001), informou não levantar objecções à execução dos auxílios estatais em causa.
Por ter sido considerado que os auxílios de reduzido valor não são susceptíveis de afectar de forma significativa o comércio e a concorrência entre Estados-Membros, foi entretanto adoptada a regra de minimis, que se encontra definida no Regulamento (CE) n.º 1998/2006 da Comissão, de 15 de Dezembro de 2006. Neste contexto, são considerados auxílios de minimis os auxílios cujo montante máximo concedido a uma empresa não exceda determinado valor, sendo que esta regra não prejudica a possibilidade de as empresas beneficiarem, para o mesmo projecto, de outros auxílios estatais (podendo eventualmente ter de restituir os montantes recebidos em excesso).
Os auxílios concedidos ao abrigo desta regra ficam isentos da notificação prévia à Comissão Europeia. No que concerne a actividade agrícola, vigoram os Regulamentos (CE) n.º 1860/2004, de 6 de Outubro, (CE) 1998/2006, de 15 de Dezembro e (CE) n.º 875/2007, de 24 de Julho.
Os Regulamentos acima identificados prevêem os auxílios que os Estados podem conceder, em que condições e que controlos devem ser aplicados, designadamente em termos de valor limite estabelecido por empresa e por Estado Membro (por período de três anos). Para que não haja o risco de os auxílios de minimis concedidos a uma empresa virem a ultrapassar o limiar definido, cada Estado-membro, quando concede um desses auxílio de minimis, tem que informar a empresa do carácter de minimis desse auxílio, bem como do respectivo montante, fazendo referência ao regulamento que o institui, devendo ainda o Estado-Membro verificar se o limiar de minimis não será ultrapassado pelo novo auxílio de minimis, através da consulta do registo central.
Conclui-se, portanto, que o sector da agricultura, dada a sua especificidade, está sujeito à aplicação dos Regulamentos supra identificados, incumbindo aos Estados-Membros obrigações de registo e de controlo dos auxílios concedidos, de forma a poder comprovar o respeito pelas condições previstas nas normas aplicáveis.
Os regulamentos comunitários têm carácter geral, são obrigatórios e são directamente aplicáveis aos Estados-Membros, nos termos do disposto no artigo 288.º do Tratado da União Europeia. Os regulamentos são equiparáveis às leis nacionais, como afirmam João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos em Manual de Direito Europeu, 6.ª Edição, Coimbra Editora, impondo-se a todos os que sejam ou possam vir a ser considerados visados pela sua estatuição.
Da aplicação das normas relevantes
Antes de mais, refira-se o seguinte: os regulamentos comunitários vigoram directamente na ordem jurídica interna de cada Estado-Membro, sendo que, em Portugal, vigora a regra do primado do direito comunitário (cfr. artigo 8.º da CRP), que implica a recepção automática das normas comunitárias, que vigoram na nossa ordem jurídica sem necessidade de qualquer acto de implementação do legislador nacional.
Por outro lado, é um facto que a Requerente, ao preencher a declaração Modelo 22 assinalando a aplicação do benefício fiscal acima referido, mais não fez do que aplicar a legislação fiscal em vigor à data dos factos. Com efeito, o artigo 39.º-B do EBF previa expressamente a aplicação do benefício fiscal à interioridade às entidades que se dedicassem à actividade agrícola. E os benefícios fiscais são, em regra, aplicáveis directamente, não carecendo de regulamentação para se tornarem exequíveis (embora alguns aspectos possam depender dessa regulamentação).
Na situação em análise, verifica-se que foi regularmente aprovado um benefício fiscal, pelo que os contribuintes tinham uma expectativa legítima de dele usufruir no âmbito da sua actividade. O facto de o referido benefício ficar dependente de posterior regulamentação e de tal regulamentação não ter sido aprovada pelo Estado Português (sendo que tal regulamentação deveria obedecer a regulamentos comunitários), leva a que os sujeitos passivos de IRC sejam prejudicados por uma omissão que coloca em causa a sua legítima expectativa de aplicação de um conjunto de regras mais favoráveis, o que não é aceitável.
Pelo que, não pode desta omissão de uma obrigação de regulamentar a norma concluir-se que, em aplicação das normas comunitárias, o benefício fiscal em causa não era aplicável à actividade agrícola, até porque ninguém pode substituir-se ao legislador e aplicar as normas vigentes (não regulamentadas) de forma a atingir o resultado a que se chegaria se este tivesse regulamentado os preceitos em vigor, em conformidade (ou desconformidade) com as disposições comunitárias.
Cumpre, depois, analisar as outras questões suscitadas.
O artigo 39.º-B do EBF previa a aplicação de um conjunto de benefícios fiscais às empresas que exercessem, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior.
A alínea l) do artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (que aditou o referido artigo ao EBF e revogou a Lei n.º 171/1999, de 18 de Setembro), estabelecia que “Às isenções de contribuições para a segurança social relativas à criação líquida de postos de trabalho nas áreas com regime de interioridade e aos benefícios fiscais relativos à interioridade previstos, respectivamente, no artigo 39.º da presente lei e no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais são aplicáveis as regras estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro, e pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro”.
A aplicação da Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro aos benefícios fiscais à interioridade implica a derrogação dos benefícios fiscais previstos no artigo 39.º-B do EBF, na medida em que exclui do âmbito de aplicação dos mesmos a actividade agrícola, expressamente prevista na norma. Mas, mais, a aplicação da referida Portaria contraria o disposto na própria Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, nomeadamente o artigo 83.º, que adita um conjunto de preceitos legais ao EBF (entre os quais o preceito em causa).
O n.º 5 do artigo 112.º da CRP prevê expressamente que “Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”.
Assim, a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, não pode ser interpretada no sentido de contradizer o disposto nos supra citados artigos 83.º e 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e artigo 39.º-B do EBF, com a redacção em vigor à data dos factos, sob pena de inconstitucionalidade, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP.
As regras previstas na Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro apenas poderão ser aplicáveis se não limitarem o âmbito subjectivo de incidência do benefício fiscal relativo à interioridade, ou estaremos perante uma situação de inconstitucionalidade por violação do disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP.
Acresce que, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio constitucionalmente tutelado da legalidade tributária. Assim, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a “criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”, salvo expressa autorização ao Governo (reserva de lei formal), determinando ainda o n.º 2 do artigo 103.º da CRP que os impostos são “criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes” (reserva de lei material).
Neste contexto, não pode uma portaria, como a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, substituir-se à lei, nomeadamente ao artigo 39.º-B do EBF, em vigor à data dos factos, e aos artigos 83.º e 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, de forma a restringir a aplicação de um benefício fiscal criado por lei, nomeadamente determinando a sua não aplicação a um sector de actividade expressamente previsto na norma em vigor.
A ser permitido tal entendimento, estaríamos perante uma situação de desrespeito pelo princípio da legalidade previsto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), e artigo 103.º, n.º 2, ambos da CRP, e mesmo do artigo 39.º-B do EBF, uma vez que teríamos um decreto-lei e uma portaria a dispor sobre matéria de competência relativa da Assembleia da República, sem lei de autorização para esse efeito.
Também o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, não pode interpretar-se no sentido de as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, delimitarem o âmbito de aplicação subjectivo do benefício fiscal relativo à interioridade, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, que (conforme já referido) prevê que “nenhuma lei pode conferir a acto de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”.
E ainda que se entendesse que a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro seria aplicável, por força do disposto no Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, cumpre referir que este diploma se encontra ferido de inconstitucionalidade orgânica, pois o preâmbulo deste diploma dispõe que “Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte” e este preceito estabelece que compete ao Governo, no exercício de funções legislativas, “Fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República”(o que não é o caso, pois estamos perante matéria da competência reservada enão foi concedida autorização legislativa).
O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, por sua vez, dispõe que “O presente decreto-lei visa estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, ao abrigo do n.º 7 do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho”. Todavia, a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º dispõe que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a “criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”, salvo expressa autorização ao Governo.
Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 103.º da CRP, “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”. Na medida em que o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, não foi precedido de qualquer autorização legislativa para dispor sobre matérias da competência não reservada da Assembleia da República (na medida em que cria uma norma de incidência), encontra-se ferido de inconstitucionalidade por violação do disposto na alínea i) do artigo 165.º da CRP. A não ser assim, resultariam violados de forma grave os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica dos contribuintes.
Adicionalmente, refira-se o seguinte: é comummente aceite que, em Portugal, a hierarquia das fontes de Direito é a seguinte: (i) normas constitucionais, (ii) normas e os princípios de Direito internacional, (iii) leis ordinárias (leis, decretos-lei, decretos legislativos regionais) e (iv) outras normas de valor hierárquico inferior. Ora, quando um decreto-lei ou outro tipo de diploma aprovado pelo Governo contraria uma lei parlamentar, que lhe é hierarquicamente superior, verifica-se que a norma hierarquicamente inferior se encontra ferida de ilegalidade – o que sucede neste caso.
Em suma, verifica-se que o n.º 2 do artigo 8.ºdo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, ao mandar aplicar a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro de forma que restringe a aplicação do artigo 39.º-B do EBF (no sentido de excluir a aplicabilidade deste preceito à actividade agrícola), é ilegal, porque inconstitucional.
Adicionalmente, verifica-se também que o n.º 2 do artigo 8.ºdo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, e a Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, na interpretação que deles é feita pela Requerida, derrogam o EBF, situação que configura uma ilegalidade, uma vez que se trata de normas hierarquicamente inferiores à que pretendem regulamentar.
Face ao exposto, decide-se conceder provimento ao presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, determinar a anulação da demonstração de liquidação de IRC referente a 2010 e de juros compensatórios n.º 2013..., no montante de €15.097,47, bem como a demonstração de acerto de contas n.º 2013... (compensação n.º 2013...), na parte correspondente às correcções aritméticas fundamentadas no usufruto indevido do benefício fiscal à interioridade. Mais se determina que a Requerida restitua à Requerente o montante do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Custas a cargo da Requerida, atribuindo-se à causa o valor de €9.132,67
Notifique-se.
Lisboa, 4 de Julho de 2014
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Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.
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A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
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O árbitro
Marta Gaudêncio