Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Paulo Ferreira Alves e Prof. Doutor Jónatas Machado (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01-08-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., contribuinte nº..., (doravante designada como “Requerente”) e marido B..., contribuinte nº ..., ambos com domicílio fiscal na Rua..., nº..., ...-... / ...– Aveiro (doravante designados em conjunto como “Requerentes”), vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação dos seguintes actos de liquidação de IRS:
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Liquidação nº 2018..., referente ao período de 2014-01-01 a 2014-12-31, no montante de € 47.873,05, e cujo termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu no dia 28-02-2018;
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Liquidação nº 2018..., referente ao período de 2015-01-01 a 2015-12-31, no montante de € 50.473,03, e cujo termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu no dia 28-02-2018.
Os Requerentes pedem ainda devolução do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-05-2018.
Em 12-07-2018, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Nessa mesma data, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 01-08-2018.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que suscitou a questão da incompetência deste Tribunal Arbitral e defendeu a improcedência do pedido.
Por despacho de 28-09-2018 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas por um período de 10 dias, iniciando-se com a notificação do despacho o prazo para alegações da Requerente e com a notificação da apresentação das alegações da Requerente o prazo para alegações da AT.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar previamente a questão da incompetência, nos termos do artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
2. Questão da incompetência
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da incompetência deste Tribunal Arbitral em razão da matéria, porque, em suma, «o pedido em apreço se reconduz a um pedido de decisão arbitral que determine que a Requerente se encontrava enquadrada no regime de contabilidade organizada, nos anos 2014 e 2015» e «os Requerentes pretendem é a declaração de ilegalidade da decisão da Administração Tributária que enquadrou a Requerente no regime simplificado de tributação», que não constitui um acto enquadrável no artigo 2.º do RJAT.
Os Requerentes pedem a declaração de ilegalidade e anulação de actos de liquidação, que identificam.
Os actos interlocutórios do procedimento de liquidação, inclusivamente os que decidiram ser de aplicar o regime simplificado não são impugnáveis autonomamente, por não serem lesivos, podendo ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida, por força do disposto no artigo 54.º do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
É à face do pedido ou conjunto de pedidos que formulou o autor que se afere a adequação das formas de processo especiais, designadamente o processo arbitral. ( [1] )
O artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT inclui na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a declaração de ilegalidade de actos de liquidação.
Por isso, sendo pedida a declaração de ilegalidade de actos de liquidação, tem de se concluir este Tribunal Arbitral é competente para apreciar a pretensão dos Requerentes.
Por isso, improcede, assim, a excepção suscitada.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente exerce a actividade de “notário”, tendo em 13-09-2005, optado por transitar para o novo regime do notariado (sector privado);
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Em 23-09-2005, a Requerente optou pelo regime da contabilidade organizada, comunicando essa opção ao Serviço de Finanças de Aveiro-..., através da declaração que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido (acordo das Partes, no artigo 13.º do pedido de pronúncia arbitral e 37.º da resposta);
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De 2005 até 2013, a Requerente ficou integrada no regime da contabilidade organizada, mantendo sempre rendimentos anuais superiores aos que, por força do disposto no artigo 28.º do CIRS, impunham a aplicação desse regime;
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No ano de 2012, os rendimentos da Requerente foram € 191.235,51;
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Em 2013, a Requerente declarou como rendimento da categoria B, o valor de € 180.179,96;
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Em 2014, a Requerente declarou como rendimento da categoria B o valor de € 211.337,49;
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A Requerente, até 2015, não formulou qualquer opção pela aplicação de qualquer regime, após a opção inicial de 23-09-2005;
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A Requerente apresentou declarações de rendimentos relativas aos anos de 2014 e 2015, com base na aplicação do regime de contabilidade organizada;
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A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, na sequência da alteração do artigo 28.º, n.º 2, do CIRS operada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, a Requerente deveria ficar enquadrada no regime simplificado, por o valor dos rendimentos de 2013 ser inferior ao indicado nesta norma;
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A Autoridade Tributária e Aduaneira notificou a Requerente para alterar as declarações de rendimentos apresentadas relativamente aos anos de 2014 e 2015, tendo a Requerente apresentando requerimentos defendendo a que lhe devia ser aplicado o regime de contabilidade organizada (documentos n.ºs 7 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a pretensão da Requerente relativa ao ano de 2014, com base numa informação cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
Na exposição que faz no exercício do direito de audição prévia, o contribuinte baseia a sua interpretação em fatos e de direito relativo aos custos da actividade e rendimentos da mesma e faz algumas considerações sobre o seu enquadramento, manifestando a opção pelo regime de contabilidade organizada face ao erro C70 relativo a incompatibilidade entre o anexo entregue e a opção em cadastro da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2014.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, de acordo com a redação dada pelo artigo 84º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de € 150.000,00.
A contribuinte ficou enquadrada no regime de contabilidade organizada por obrigação legal, desde o ano de 2005, em virtude do total dos resultados obtidos ter ultrapassado o valor de € 150.000,00 previsto no n.º 2 do artigo 28º do Código do IRS.
No caso em concreto, no ano de 2012, o total de rendimentos foi de € 191.235,51 ultrapassando o valor de € 150.000,00 previsto no n.º 2 do artigo 28º do Código do IRS, de acordo com a redação dada pelo artigo 84º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril.
Assim, tendo auferido no ano de 2013, rendimentos inferiores ao limite previsto no n.º 2 do artigo 28º do Código do IRS (€ 180.179,96), reunindo os pressupostos para no ano de 2014 ficar enquadrado no regime simplificado e não tendo exercido esse direito que lhe está consagrado na lei ficou enquadrada nesse regime.
Dispõe ainda o ofício-circulado n.” 20172, de 2014-03-28, desta Direcção de Serviços que tratando-se de contribuintes que em 2013 se encontravam no regime de contabilidade por imposição legal, ficam enquadrados no regime simplificado em 2014 se o seu rendimento anual ilíquido da categoria B tiver sido em 2013 igual ou inferior a € 200 000. Caso pretendam manter o regime de contabilidade, devem exercer a respetiva opção até ao fim do mês de março de 2014.
Objectivamente, não remete elementos novos que permitissem uma alteração da proposta de indeferimento do pedido, mantendo-se no regime simplificado no triénio 2014/16,
Perante o exposto, propõe-se a conversão em definitivo do projecto de indeferimento do pedido da contribuinte de alteração do regime simplificado de determinação dos rendimentos da categoria B do IRS, para o regime de contabilidade organizada, relativamente ao ano de 2014.
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A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a pretensão da Requerente relativa ao ano de 2015, com base na informação cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
A contribuinte ficou enquadrada no regime de contabilidade organizada por obrigação legal, desde o ano de 2005, em virtude do total dos resultados obtidos ter ultrapassado o valor de 150.000,00€, previsto no n.º 2 do artigo 28º do Código do IRS, de acordo com a redacção, dada pelo artigo 84º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril.
No entanto a Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, alterou o limite previsto no nº 2 do artigo 28º do CIRS para 200.000.00€, ficando assim abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de 200.000,00€.
No caso em concreto, no ano de 2013, a contribuinte auferiu rendimentos, no montante de 180.179,96€, rendimentos inferiores ao limite previsto no n.º 2 do artigo 28" do CIRS, reunindo assim os pressupostos para, no ano de 2014 ficar enquadrada no regime simplificado e não tendo exercido a opção que lhe está consagrada na lei (nºs 3 e 4 do art.º 28º do CIRS) ficou enquadrada nesse regime.
Quanto, ao ano de 2014, a contribuinte auferiu rendimentos, no montante de 211.337,49€.
Nos termos do nº 6 do artigo 25º do CIRS, a aplicação do Regime Simplificado cessa
apenas quando o montante a que se refere o nº 2, do mesmo artigo, seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25%, caso em que a tributação pelo Regime de Contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.
Estando a contribuinte em 2014 enquadrada no regime simplificado e não tendo ultrapassado o valor de 250,000,00€, considerando que não se verifica a condição de ter sido ultrapassado o limite num único exercício em mais de 25% e não tendo exercido a opção pelo Regime de Contabilidade organizada até ao fim do mês de Março de 2015, segundo o estipulado nos nºs 3 e 4 do artigo 28º do CIRS, mantem-se assim o enquadramento no regime simplificado, para o ano de 2015.
Perante o exposto, somos a informar que deve ser indeferido o pedido da contribuinte de alteração do regime simplificado de determinação dos rendimentos da categoria B do IRS para o regime de contabilidade organizada, relativamente ao ano de 2015, devendo assim no prazo de 15 dias, ser entregue/corrigida a declaração modelo 3 de IRS, para o ano de 2015, onde deverá declarar os rendimentos da categoria B, auferidos, no ano supra, pela sua actividade de Notária, no Anexo B.
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Na sequência das decisões de indeferimento, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IRS:
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Liquidação nº 2018..., referente ao período de 2014-01-01 a 2014-12-31, no montante de € 47.873,05, e cujo termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu no dia 28-02-2018;
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Liquidação nº 2018..., referente ao período de 2015-01-01 a 2015-12-31, no montante de € 50.473,03, e cujo termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu no dia 28-02-2018;
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Em 28-02-2018, os Requerente efectuaram o pagamento das quantias de € 47.873,05 e € 50.473,03, relativas às liquidações referidas (documentos n.ºs 18 e 29 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Em 22-05-2018, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
3.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
Não há controvérsia sobre os factos relevantes para a decisão da causa.
4. Matéria de direito
A Requerente optou pela aplicação do regime de contabilidade organizada em 2005, quando iniciou a actividade, e, desde então, obteve sempre, até 2013, rendimentos da categoria B superiores ao valor de € 150.000,00 que, nos termos do artigo 28.º, n.º 2, do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, era o limite máximo para aplicação do regime simplificado.
No ano de 2013, a Requerente teve rendimentos da categoria B no valor de € 180.179,96.
Com a redacção da Lei n.º 83-C/2013, o n.º 2 do artigo28.º do CIRS passou a estabelecer o seguinte:
2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000.
A Autoridade Tributária e Aduaneira interpretou esta norma como determinando a aplicação do regime simplificado a todos os contribuintes que até aí estavam sujeitos ao regime de contabilidade organizada por imposição legal e, entendendo que era a esta a situação da Requerente, impôs-lhe a aplicação do regime simplificado, por não ter manifestado até ao fim do mês de Março de 2014 a opção pelo regime de contabilidade organizada.
Os contribuintes da categoria B de IRS podem ficar sujeitos ao regime de contabilidade por opção ou por imposição legal.
A Requerente ficou sujeita ao regime de contabilidade organizada por opção manifestada em 2005 e, posteriormente, também por imposição legal, por os rendimentos da categoria B que veio a auferir serem sempre superiores ao valor de € 150.000,00, previsto no artigo 28.º, n.º 2, do CIRS, nas redacções anteriores à Lei n.º 83-C/2013.
Há, assim, dois fundamentos jurídicos para ser aplicável à Requerente o regime de contabilidade organizada, cada um deles para, por si só, determinar a aplicação desse regime.
E, obviamente, quando uma situação jurídica tem dois fundamentos autónomos, cada um deles suficiente para, por si só, lhe dar suporte jurídico, o facto de deixar de subsistir um deles não obsta à manutenção da situação com base no outro.
Assim, o essencial da questão é saber se a opção inicial da Requerente pela aplicação do regime de contabilidade organizada deixa de ter relevância pelo facto de, posteriormente, ser obrigatória a aplicação desse regime, por os rendimentos auferidos não serem compatíveis com a aplicação do regime simplificado.
No n.º 2 do artigo 28.º do CIRC, vigente em Setembro de 2005, quando a Requerente iniciou a sua actividade, indicava-se que ficavam «abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo optado pelo regime de contabilidade organizada, não tenham ultrapassado na sua actividade, no período de tributação imediatamente anterior» qualquer dos limites de os limites de volume de vendas ou valor ilíquido dos restantes rendimentos da categoria B (redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho).
A Requerente optou pelo regime de contabilidade organizada, pelo que ficou afastada a aplicação do regime simplificado.
Nos restantes números deste artigo 28.º não se previa que cessação de aplicação do regime de contabilidade organizada por opção do sujeito passivo, mas antes as situações em que cessava o regime simplificado.
Com a redacção que a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro deu ao n.º 5 do artigo 28.º, que ainda se encontra em vigor, passou a existir um período mínimo de permanência no de três anos em qualquer dos regimes, «prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido».
Assim, tendo sido efectuada a opção pelo regime de contabilidade organizadas e não tendo a Requerente comunicado a alteração do regime, a aplicação do regime de contabilidade organizada foi-se prorrogando, por períodos de três anos, sucessivamente até aos anos de 2014 e 2015, que estão aqui em causa.
Por isso, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 11 de Maio de 2016, proferido no processo n.º 01536/15, «tendo os contribuintes optado por serem tributados com base na sua contabilidade não pode a Administração Tributária vir a enquadrá-los no regime simplificado de tributação». Como se refere no mesmo acórdão, «a Administração Tributária não podia ter-se substituído aos contribuintes nessa opção, porque não foi ultrapassado o período mínimo de permanência no regime escolhido, mas, sobretudo, porque apenas os sujeitos passivos podem optar por diverso regime, excepto quando estando enquadrados no regime simplificado excederem o montante de rendimentos antes indicado por dois períodos sucessivos – art.º 28.º, n.º 6 do CIRS».
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, não alterou este regime, limitando-se, no que aqui interessa, a aumentar o valor de rendimentos a partir do qual é obrigatória a aplicação do regime de contabilidade organizada, não impondo a sua cessação.
Como se refere naquele acórdão, «se a permanência no regime simplificado implica que os sujeitos passivos, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000, não há qualquer requisito específico quanto ao valor dos rendimentos auferidos para que os mesmos possam optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade».
Não existe qualquer disposição legal que permita concluir que a opção pelo regime de contabilidade organizada deixe de ter relevância, pelo facto de passar a ser obrigatória a aplicação desse regime.
Pelo exposto, as liquidações impugnadas, que assentam no pressuposto de que à Requerente seria aplicável o regime simplificado, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios
Os Requerentes pedem o reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Em 28-02-2018, os Requerente efectuaram o pagamento das quantias de € 47.873,05 e € 50.473,03, relativas às liquidações impugnadas.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, como o direito a juros indemnizatórios depende da existência de direito de quantia a reembolsar, dessa competência para decidir sobre o direito a juros indemnizatórios infere-se que ela se estende à apreciação do direito a reembolso.
No caso em apreço, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que efectuou as liquidações.
Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde 28-02-2018 até reembolso das quantias pagas.
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Declarar a ilegalidade e anular as liquidações de IRS n.ºs 2018... e 2018...;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar os Requerentes da quantia de € 98.346,08, acrescida de juros indemnizatórios sobre ela calculados, nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 98.346,08.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 22-10-2018
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Paulo Ferreira Alves)
(Jónatas Machado)
[1] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, páginas 288-289, ensina:
«E como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade, do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial».