Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 74/2018-T
Data da decisão: 2018-10-29  IRS  
Valor do pedido: € 13.894,85
Tema: IRS – Regime dos residentes não habituais; Falta de inscrição; Revisão do ato tributário.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

 

  1. RELATÓRIO
  1. A..., residente na Rua ..., n.º..., R/C direito, em Lisboa, número de identificação fiscal ..., adiante designado como “Requerente”, vem, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral e submeter pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada como “Requerida” ou “AT”), e que tem por objeto o despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado do indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares (doravante “IRS”) respeitantes aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, proferido pelo Diretor do Serviço Central da Direção de Serviços do IRS, datado de 7 de Dezembro de 2017, com vista à sua anulação, porquanto o mesmo estará ferido de ilegalidade e que, em consequência, seja decretada a referida revisão oficiosa das referidas liquidações.
  2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 28 de fevereiro de 2018.
  3. O Requerente optou por não designar árbitro, tendo, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º e do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designado como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.
  4. As partes foram devidamente notificadas da nomeação em 13 de abril de 2018, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma.
  5. Em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 7 de maio de 2018.
  6. A Requerida foi notificada em 8 de maio de 2018 do despacho proferido pelo tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, para apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo.
  7. A Requerida juntou aos autos a sua resposta em 8 de junho de 2108, na qual sustentou a legalidade das liquidações, concluindo pela improcedência total do pedido com a consequente absolvição do mesmo. A Requerida requereu, ainda, a dispensa de prova testemunhal por considerá-la desnecessária e processualmente inútil. Na hipótese de não ser aceite esta dispensa, a Requerida solicitou a notificação do Requerente para indicar os factos constantes do pedido de pronúncia arbitral sobre os quais incidiria a produção de prova testemunhal.
  8. Por despacho notificado em 14 de junho de 2018, o tribunal arbitral designou o dia 6 de julho de 2018, pelas 10:00 horas, para efeitos de realização da primeira reunião, ao abrigo do artigo 18.º do RJAT. Mais indicou que, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, na referida reunião se procederia à inquirição das testemunhas, seguida de alegações orais, caso fossem necessárias. Foi, ainda, solicitado ao Requerente que indicasse os factos sobre os quais incidiria a prova testemunhal.
  9. Em 25 de junho de 2018, a Mandatária do Requerente veio aos autos requerer a remarcação da reunião do artigo 18.º do RJAT, por motivo de deslocação profissional do Requerente ao estrangeiro, bem como que a inquirição de testemunhas fosse realizada no final do mês de julho de 2018, considerando que as mesmas estão frequentemente fora do país em viagens profissionais. Indicou, ainda, os factos sobre os quais deveria recair a prova testemunhal.
  10. Considerando o facto de o CAAD não realizar diligências em período de férias judiciais, a realização da primeira reunião, ao abrigo do artigo 18.º do RJAT, foi reagendada para o dia 13 de julho de 2018, pelas 10:00 horas,
  11. No dia 9 de julho de 2018, a Requerida junto aos autos o processo administrativo,
  12. Na mesma data, a Mandatária do Requerente, veio aos autos prescindir da realização da primeira reunião, por motivo de ausência do país do Requerente e por não conseguir garantir a presença das testemunhas indicadas.
  13. No seguimento do requerimento apresentado, o Tribunal Arbitral fixou um prazo de 10 dias sucessivos, para o Requerente e Requerida, por esta ordem, apresentarem as suas alegações finais por escrito. O tribunal arbitral designou o dia 6 de novembro de 2018 para a prolação da decisão arbitral, tendo o Requerente sido advertido que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e comunicar o seu pagamento ao CAAD.
  14. Nem o Requerente, nem a Requerida apresentaram alegações escritas.

 

 

  1. PRETENSÕES DAS PARTES
  1. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o Requerente invocou a ilegalidade das liquidações de IRS de 2011, 2012, 2013 e 2014, porquanto:
  1. O Requerente preenchia, em 2011, todas as condições para beneficiar do estatuto do residente não habitual. O Requerente somente não beneficiou do referido regime em 2011 e anos subsequentes porquanto existiu uma situação de grave e notória injustiça, que decorreu de manifesto erro dos serviços, motivo pelo qual requereu a revisão oficiosa das liquidações de IRS ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, na medida em que:
    1. Os serviços deram informação errada ao Requerente;
    2. Sujeitarem-no à apresentação de documentos que não eram necessários, nos termos legais;
    3. Recusaram o processamento de um requerimento para inscrição como residente não habitual apresentado pelo Requerente;
    4. Aceitaram um outro pedido, quanto ao mesmo facto, mas enquadrando-o num regime diferente;
    5. Deixando o Requerente acreditar que o seu processo estava a ser seguido e tratado, sem incidentes;
    6. Surpreendendo-o com a decisão final de que o pedido efetuado era, afinal, extemporâneo.
  2. Falta de audição prévia relativamente ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRS de 2011, 2012, 2013 e 2014, ao abrigo do disposto no artigo 60.º da LGT, na medida em que não se aceita que tal indeferimento resulte diretamente da aplicação da legislação vigente aos factos apresentados pelo contribuinte ora Requerente.
  1. A Requerida apresentou resposta sustentando a legalidade das liquidações de IRS de 2011, 2012, 2013 e 2014 supra identificadas, invocando, entre o mais, o seguinte:
  1. No que concerne à revisão com fundamento em “erro imputável aos serviços”, quanto ao ano de 2011, atento o decurso do prazo para o efeito, deve esta parte do pedido ser rejeitada por intempestividade. Pelo exposto, a liquidação controvertida não padece do vício invocado pelo Requerente.
  2. Relativamente aos anos restantes (2012, 2013 e 2014), no tocante ao alegado “erro imputável aos serviços”, cumpre ter em atenção que embora a lei não defina um conceito de “erro imputável aos serviços”, limitando-se a estabelecer que o erro na autoliquidação considera-se imputável aos serviços (cf. n.º 2 do artigo 78.º da LGT), jurisprudencialmente tem-se afirmado, de modo reiterado e uniforme, que aquele erro concretiza qualquer ilegalidade (de facto e de direito). No caso em apreço, o apuramento dos rendimentos provenientes dos incrementos patrimoniais em causa foi efetuado pela AT de acordo com os elementos constantes do registo cadastral do Requerente e que à data dos factos correspondia ao regime de “residente”. Deste modo, a Administração Fiscal realizou as liquidações controvertidas obedecendo aos imperativos legais estabelecidos na alínea b) e c) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 76.º do Código do IRS, bem como aos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade – artigo 266º, nº 2 da CRP e 55.º da LGT, não padecendo, pois, de qualquer vício que coloque em causa a sua legalidade. Concluindo que, ao não ter sido enquadrado, pela DSRC, no mencionado regime dos residentes não habituais em Portugal não poderão ser aplicadas, em 2012 a 2014, as taxas de tributação previstas pelo artigo 72.° n.° 6 do Código do IRS.
  1. O Requerente e a Requerida não apresentaram alegações escritas.

 

  1. SANEAMENTO
  1. O presente Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e n.º 2 do 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  2. No que concerne à tempestividade da presente petição inicial, tendo o Requerente sido notificado do despacho de indeferimento de recurso hierárquico no dia 14 de dezembro de 2017, o prazo para a submissão deste expediente, tendo em consideração o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, terminava no dia 14 de março de 2018. Tendo esta petição inicial sido apresentada no dia 28 de fevereiro de 2018, a mesma é tempestiva.
  3. O Requerente alega como questão prévia a preterição de audição prévia na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a qual irá ser analisada após a fixação da matéria de facto, no dispositivo de direito.
  4. Não se verificam outras nulidades, nem foram alegadas pelas partes outras exceções ou questões prévias que devam ser analisadas de imediato, que possam obstar ao julgamento de mérito.
  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos dados como provados
  1. Com interesse para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos.
  1. O Requerente é uma pessoa singular com nacionalidade francesa.
  2. O Requerente tem NIF Português emitido desde 25 de janeiro de 2001 e estava registado como residente em Portugal à data de 31 de dezembro de 2011.
  3. O Requerente trabalhou até 2008 no Reino Unido e de 2008 até 2011 em França.
  4. O Requerente celebrou um contrato de trabalho por conta de outrem com uma sociedade residente em Portugal – B..., S.A. – para exercer as funções de Diretor Executivo, com produção de efeitos em 1 de setembro de 2011.
  5. O Requerente solicitou às entidades estrangeiras competentes a emissão de documentos comprovativos de residência fiscal e tributação efetiva no Reino Unido e em França.
  6. Em 14 de setembro de 2012, enviou o seguinte requerimento à AT:

  1. Na ausência de qualquer resposta por parte dos Serviços da AT, o Requerente entregou em 20 de novembro de 2012, o seguinte requerimento junto do Serviço de Finanças de Lisboa ...:

  1. O Requerente foi notificado, através do Ofício ... datado de 2 de janeiro de 2013, do projeto de decisão de indeferimento do seu pedido, com os seguintes fundamentos:

  1. O Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, nos termos legais, mediante requerimento enviado em 14 de janeiro de 2013.
  2. Em junho de 2013, o Requerente recebeu novo projeto de decisão, com novo fundamento de indeferimento (extemporaneidade do pedido) e concedendo-lhe novo prazo para exercício do direito de audição prévia:

  1. O Requerente voltou a exercer o seu direito de audição prévia em 12 de julho de 2013, tendo a Direção de Serviços de Registo de Contribuintes – Divisão de Identificação de Contribuintes indeferido o pedido, conforme Ofício n.º..., datado de 13-08-2013 com base nos seguintes fundamentos:

  • O Requerente apresentou, as respetivas declarações de rendimentos para os anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, como residente, que originaram as seguintes liquidações de Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”):
  • Liquidação n.º 2012..., datada de 4 de maio de 2012, respeitante ao ano de 2011, com data de compensação de 16 de maio de 2012 e valor a reembolsar de €830,25.
  • Liquidação n.º 2014..., datada de 12 de junho de 2013, respeitante ao ano de 2012, com data de compensação de 17 de junho de 2013 e valor a pagar de €3.545,39;
  • Liquidação n.º 2014..., datada de 22 de maio de 2014, respeitante ao ano de 2013, com data de compensação de 28 de maio de 2014 e valor a pagar de €6.708,69;
  • Liquidação n.º 2015..., emitida em 23 de maio de 2015, respeitante ao ano de 2014, com data de compensação de 3 de junho de 2015 e valor a reembolsar €2.501,77;
  1. O Requerente apresentou em 3 de junho de 2016 pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação supra identificados, o qual viria a ser indeferido em 14 de dezembro de 2016 com os seguintes fundamentos:

  • Do indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, o Requerente apresentou Recurso Hierárquico em 8 de fevereiro de 2017, com os seguintes fundamentos:
    1. Erro imputável aos serviços relativamente ao ano de 2011, sendo o pedido de revisão oficiosa tempestivo;
    2. Vício de violação de lei, dado que o Requerente pode utilizar o pedido de revisão oficiosa para reagir contra atos de liquidação, ainda que fundados em vícios do ato de indeferimento do pedido de enquadramento no regime dos residentes não habituais;
    3. Vício de violação de lei por falta de cumprimento do dever de audição prévia, nos termos do art. 60.º da LGT.
  • O Requerente foi notificado do projeto de indeferimento do recurso hierárquico e exerceu direito de audição em 31 de outubro de 2017.
  • O recurso hierárquico foi indeferido por despacho de 14 de dezembro de 2017.
  • Em 28 de fevereiro de 2018, o Requerente apresentou a presente pedido de constituição do tribunal arbitral/pronúncia arbitral.
  1. Factos não provados
  2. Não ficou provada a data em que o Requerente se terá deslocado ao Serviço de Finanças de Lisboa- ... no ano de 2011 para realizar a inscrição como residente não habitual.
  3. Não ficou provada a data em que, em consequência da alegada recusa pelo Serviço de Finanças de Lisboa-... da sua inscrição como residente não habitual, requereu às autoridades fiscais do Reino Unido e de França a emissão de documentos comprovativos da sua efetiva tributação no estrangeiro nos cinco anos anteriores a 2011, através de um certificado de residência/comprovativo da tributação de rendimentos.
  4. Não existem outros factos com relevo para a decisão que não tenham sido dado como provados.
  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
  1. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou de todo o exame dos documentos juntos aos autos, bem como na apreciação do teor dos articulados e do processo administrativo igualmente junto aos autos.
  1. QUESTÃO A DECIDIR
  1. O requerente invoca como questão prévia a falta de audição prévia do mesmo na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
  2. A questão principal apresentada ao tribunal é decidir da legalidade das liquidações de IRS de 2011, 2012, 2013 e 2014, as quais têm subjacente o não enquadramento do sujeito passivo no regime de tributação prevista para os residentes não habituais, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º, 72.º e 81.º do Código do IRS, as quais foram objeto de pedido de revisão oficiosa indeferido pela Autoridade Tributária e Aduaneira e cujo despacho de indeferimento foi objeto de recurso hierárquico o qual foi igualmente indeferido pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
  1. Preterição do exercício do direito de audição prévia

A Requerente invoca o vício de preterição de audição prévia relativamente ao despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de 2011 a 2014, inclusive.

A Requerida, por seu turno, alega que tal audição prévia poderia ser dispensada com fundamento no facto de a decisão resultar diretamente da aplicação da lei nos termos da alínea a) do n.º 3 da Circular 13/99, de 8 de julho.

O direito de participação dos interessados na formação das decisões que lhes dizem respeito está consagrado no n.º 5 do artigo 267.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e encontra-se consubstanciado no artigo 60.º da LGT, artigo 45.º do CPPT, e artigo 100.º do CPA, ex vi do artigo 2.º, alínea d) do CPPT.

Nos termos do artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe “Princípio da participação”,

1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;(…)

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.

4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.

6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.

7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.” (sublinhado nosso).

Assim, a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes dizem respeito pode efectuar-se, designadamente, pelo direito de audição antes da liquidação, no caso do procedimento terminar com a prática de um acto tributário de liquidação, mas também pelo direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições (artigo 60.º, n.º1, alíneas a) e b), da LGT).

Participação, esta, apenas dispensada nos termos do n.º 3 do artigo 60.º da LGT

Por seu turno, a Circular n.º 13/99, de 8 de julho, invocada pela Requerida para fundamentar a dispensa de audição prévia, dispõe nos seguintes termos:

(…) 3. Decisões em que poderá ser dispensada a audiência dos interessados:

A audiência dos interessados poderá ser dispensada, sem prejuízo da necessária ponderação do caso concreto e de adequada fundamentação, nomeadamente quando:

a) A administração tributária, apenas, aprecie os factos que lhe foram dados pelo contribuinte, limitando-se na sua decisão a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso; Encontram-se nesta situação todas as decisões sobre petições, requerimentos, reclamações e recursos em que a administração se limita a concluir, face aos factos e argumentos invocados pelo contribuinte e a lei aplicável, pela improcedência da sua pretensão.

b) A administração tributária actue, exclusivamente, no âmbito de poderes vinculados;

A título de exemplo refiram-se as liquidações que a administração tributária efectua, por imposição legal, com base na totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontrar determinada.

c) A administração tributária pratique um acto com base em factos já submetidos, noutra fase do procedimento, a audiência dos contribuintes; Com efeito, a participação do contribuinte só deverá verificar-se mais uma vez quando haja factos novos e apenas no âmbito de um procedimento que tenha diversas fases ou vários procedimentos sequenciais. neste sentido dispõe a alinea a) do artigo 103º do CPA. Assim, por exemplo, não deverá haver direito de audição antes de uma liquidação quando esta se fundamenta em correcções efectuadas em acção inspectiva, sempre que nesta fase do procedimento já tenha sido possibilitado o exercício daquele direito.

O mesmo acontece nos procedimentos de segundo grau, de que são exemplo as reclamações e os recursos hierárquicos, sempre que não existam factos novos capazes de inflenciar a decisão final e o contribuinte já tenha sido ouvido sobre os factos em discussão, no procedimento objecto do recurso ou reclamação.(…)”[1](sublinhado nosso).

No caso em apreço resulta dos autos que a AT não procedeu à audição prévia do Requerente sobre o indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos do ponto 3 alínea a) da referida Circular 13/99, de 8 de julho, sustentando que “pode ser dispensada quando no indeferimento de recurso hierárquico interposto de decisão de reclamação graciosa apenas se apreciou factualidade e fundamentos jurídicos já conhecidos do contribuinte (cf. Acórdão do STA, Proc. 0223/14, de 06-05-2015 , Tribunal: 2 Secção)” (confr. artigo 59.º da Resposta da Requerida).

A este propósito cumpre referir que o aresto citado pela Requerida foi decidido numa situação diversa, em que um Requerente não exerceu o direito de audição na reclamação graciosa, para o qual foi devidamente notificado, e que, posteriormente, já em sede de recurso hierárquico apresentado dessa mesma reclamação não foi chamado a exercer o direito de audição antes da tomada a decisão de indeferimento.

Ora, no caso dos autos, o direito de audição preterido não foi em sede de recurso hierárquico, mas em sede de pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRS de 2011 a 2014.

A questão que se coloca é saber se poderia ter havido dispensa de audição prévia do contribuinte em sede de indeferimento do pedido de revisão oficiosa a que se seguiu recurso hierárquico da decisão de indeferimento.

Segundo o aresto citado pela Requerida, tal dispensa de audição prévia não decorre diretamente do n.º 3 do artigo 60.º da LGT: “(…) Importa ter presente que o nº 1 do artigo 60 da LGT prescreve a audição prévia do contribuinte antes do indeferimento quer na reclamação graciosa quer no recurso. O nº 3 do artigo 60 da LGT prescreve a dispensa de audição prévia do contribuinte antes da liquidação nos casos aí discriminados pelo que a dispensa efectuada na situação dos autos não decorre directamente desse nº 3. Mas tal não significa que essa dispensa se não imponha do mesmo modo nos procedimentos posteriores à liquidação desde que tal se justifique por se considerar que do procedimento em análise se pode concluir que foi dado por outra forma cumprimento ao princípio constitucional da participação do contribuinte.(…)”

Concluindo que “Esta fundamentação é em nosso entender manifestamente suficiente para justificar neste caso a dispensa de tal imposição legal pois não tendo sido levados em conta na decisão recorrida outros elementos que não fossem já do conhecimento do recorrente e sobre os quais lhe foi dada oportunamente oportunidade de sobre eles se pronunciar a função de garantia e de defesa função primordial de tal imposição em direito fiscal e expressão da exigência do principio constitucional da participação imposto pelo artigo 267/5 da CRP encontra-se plenamente assegurada”.

No mesmo sentido, veja-se o mais recente acórdão do STA no recurso n.º 0242/17 de 19 de setembro de 2018[2] “O recorrente reproduziu na petição do recurso hierárquico os fundamentos invocados na reclamação graciosa, em cujo decurso tinha exercido o direito de audição (cfr. os nºs. 18 a 21, 23 e 24 do Probatório, bem como o disposto no nº 5 do art. 60° da LGT), sendo que mesmo a eventual omissão do direito de audição na fase de recurso hierárquico, decorrendo a jusante, não tem efeito invalidante do acto de liquidação do imposto, praticado a montante, apenas podendo determinar a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico. (Cfr. os acórdãos do STA, de 16/06/2004, proc. nº 01877/03; de 15/10/2008, proc. nº 0542/08; e de 25/06/2009, proc. n° 0345/09.)”.

No caso dos autos, o Requerente não foi ouvido em direito de audição antes de tomada a decisão de indeferimento do pedido de revisão das liquidações de IRS. No entanto, o Requerente apresentou recurso hierárquico desta decisão.

O recurso hierárquico, previsto no artigo 66.º do CPPT, tem como objetivo a revogação parcial ou total do ato recorrido, visando apreciar a legalidade dos atos de liquidação. Assim, nesse procedimento ao superior hierárquico caberá o reexame de todos os atos recorridos, incluindo os atos de liquidação e o procedimento de revisão oficiosa. O recurso hierárquico é assim um procedimento consequente do pedido de revisão oficiosa interposto e este por sua vez das liquidações.

Tendo o recorrente exercido o direito de audição no procedimento de recurso hierárquico antes da prolação da decisão a tomar sobre o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

Pelo que, face ao supra exposto, haverá que concluir que, apesar de a dispensa de audição prévia do contribuinte relativamente ao pedido de revisão oficiosa não estar prevista no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, na medida em que os mesmos factos foram objeto de análise e decisão em sede de recurso hierárquico e no âmbito do qual foi dada ao Requerente oportunidade de se pronunciar sobre a decisão de indeferimento do referido recurso, poderá considerar-se assegurado o direito de participação do contribuinte na decisão.

 

  1. Legalidade das liquidações de IRS de 2011 a 2014
    1. Meio processual de reação

Sobre o meio processual de reação que deveria ter sido utilizado pelo Requerente – pedido de revisão oficiosa dos atos tributários (liquidações de IRS de 2011 a 2014), a Requerida contrapõe que o meio adequado para reagir contra o despacho que indeferiu o pedido de enquadramento do contribuinte no regime dos “residentes não habituais”, era o recurso hierárquico, ao abrigo do disposto no artigo 80.° da LGT e no n.º 4 do artigo 65.º do CPPT, a interpor pelo ora Recorrente, nos trinta dias subsequentes ao da notificação do mencionado Despacho ou a competente ação administrativa. Pelo que, encontrando-se largamente esgotado o prazo de recurso hierárquico, não era possível, em sede de recurso hierárquico, a sua convolação no meio adequado para reapreciar o pedido pelo que ficou aquela qualificação consolidada.

Salvo melhor opinião, a argumentação expendida pela Requerida não colhe.

Cumpre aqui chamar à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional no processo n.º 410/2015, de 19 de novembro, referente a ato de cessação de benefício fiscal que "ao impedir que a impugnação do ato de liquidação de imposto se funde em vícios próprios do ato de cessação do benefício fiscal, a interpretação que a decisão recorrida fez do artigo 54.º do CPPT desprotege gravemente os direitos do contribuinte".

Acrescente-se a decisão arbitral do CAAD, no processo n.º 514/2015-T[3], de 17 de agosto de 2016, citada pelo Requerente e que acompanhamos:

“Nesta cadência, não podemos acompanhar, salvo o devido respeito, a posição da Requerida, de que o Requerente ao não impugnar autonomamente o acto que determinou a sua não inscrição no regime fiscal dos residentes não habituais, deixa de poder impugnar a consequente liquidação do IRS de 2010, com fundamento em vícios daquele acto. Efectivamente, o Requerente poderia ter impugnado autonomamente o acto de não inscrição como residente não habitual para efeitos fiscais, tendo em conta o inquestionável princípio da impugnação unitária, não podendo deixar-se de reconhecer que a posição da Requerida é muito onerosa para o contribuinte, permitindo a consolidação na ordem jurídica de actos que o prejudicam gravemente. Contudo, a sua escolha em não o fazer, é uma faculdade de impugnar e não um ónus. Assim sendo, atento os princípios da tutela judicial efectiva e da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP, o Requerente não pode ser impedido de impugnar o acto de liquidação do IRS de 2010, com vícios próprios do acto da sua não inscrição como residente não habitual para efeitos fiscais.”

Nessa medida, será de admitir ao abrigo do princípio da tutela judicial efectiva e da justiça, que o Requerente, apesar de não ter recorrido do ato de não inscrição como residente não habitual para efeitos fiscais, venha a recorrer dos atos tributários de liquidação que foram emitidos subsequentemente pela Autoridade Tributária à luz desse enquadramento.

  1. Pedido de revisão oficiosa dos atos tributários

Admitindo-se, assim, a recorribilidade dos atos tributários de liquidação, haverá que aferir se o pedido de revisão oficiosa em causa nos presentes autos cumpria os requisitos legais.

Atente-se à redação do artigo 78.º da LGT em vigor à data da apresentação do pedido:

“1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.  (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro)

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. (Redação do n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro)

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) (…)”.

Existe à data de prolação do presente acórdão vasta jurisprudência dos tribunais superiores e dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD sobre o pedido de revisão do ato tributário previsto no artigo 78.º da LGT.

Assim, o pedido de revisão do ato tributário, ao abrigo da parte final do n.º 1 do artigo 78.º, poderá ser submetido no prazo de 4 anos, ainda que por iniciativa do sujeito passivo, ora Requerente, desde que com fundamento em “erro seja imputável aos serviços”.

Sobre o que seja “erro imputável aos serviços”, é jurisprudência dos tribunais superiores que o mesmo é um erro de direito e não um mero lapso ou erro material[4].

Como ensina o Prof. Rui Duarte Morais, “Quando a liquidação é efectuada pela administração fiscal, podemos afirmar, como regra, que a deficiente aplicação da lei ao concreto – erro de direito – é de imputar aos serviços. (…) Há, porém, que ter em conta que o preenchimento das declarações tem implícito um certo grau de qualificação jurídica dos factos. Se, por ex., na sua declaração de IRS, o sujeito passivo incluiu no “anexo” relativo às mais-valias tributáveis uma mais-valia não sujeita a tributação, a administração fiscal (o sistema informático) fará a liquidação em conformidade com o declarado, apurando um montante excessivo de colecta. Parece-nos que, até por coerência sistemática com o que acontece nas situações de autoliquidação, que este erro (que é um erro de direito) deve ser tido como imputável aos serviços. No caso de autoliquidação, a lei equipara expressamente, ainda que seja só para efeitos de revisão, o erro (de direito ou de facto) cometido pelo sujeito passivo a um erro cometido pelos serviços.” (Sublinhado nosso). [5] [6]

Assim, no caso sub judice, haverá que aferir se os erros evidenciados nas declarações de IRS serão de imputar aos serviços, ou, como pretende a Requerida, se serão imputáveis ao Requerente.

Em sede de IRS, vigora o princípio da declaração do contribuinte[7]:, o que significa que ao sujeito passivo incumbe o impulso inicial no procedimento de liquidação com a entrega da declaração “O sistema fiscal português consagra, pois, o método da declaração do contribuinte no apuramento da matéria tributável (arts. 57.º a 61.º do CIRS, 16.º do CIRC e 28.º a 40.º do CIVA). (…) Portanto, quando a declaração do contribuinte estiver de acordo com os elementos constantes da sua contabilidade ou escrita, esta se mostrar organizada nos termos da lei e não se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não corresponde à realidade, presume-se que a matéria tributável declarada é a real. E, como resulta do disposto no art. 38.º do CIRS, a AT só poderá rectificar as declarações dos sujeitos passivos e proceder à correspondente liquidação adicional quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ao devido”[8] [9]

Com efeito, “o IRS é um imposto “heteroliquidável”, competindo a liquidação à DGCI (artigo 75.º)[10].

Sendo a liquidação, em sentido estrito, o ato tributário por excelência que incumbe à AT, com a emissão daquela, a AT aceita a qualificação e quantificação dos rendimentos constante das declarações de IRS apresentadas pelo ora Requerente, respeitantes aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014. Não tendo procedido a qualquer correção no momento da submissão das declarações, nem tendo solicitado qualquer esclarecimento adicional, posteriormente, como lhe competia, os serviços conformaram-se com as declarações de rendimentos, transformando-as em liquidações de impostos.

No caso sub judice, estamos perante um erro de facto e de direito – não enquadramento do Requerente como “residente não habitual” – erro, este, evidenciado nas declarações apresentadas pelo Requerente, mas que não poderá deixar de se considerar imputável aos serviços, para efeito de pedido de revisão do ato tributário.

Logo, concluindo-se que existe um “erro imputável aos serviços”, permitir-se-á a sua sindicância num prazo de 4 anos após as liquidações de IRS.

Nesta medida, tendo o pedido de revisão oficiosa sido submetido em 3 de junho de 2016, o mesmo é intempestivo relativamente à liquidação de IRS de 2011, dado que estava ultrapassado o prazo de 4 anos relativamente à primeira liquidação, datada de 4 de maio de 2012, e tempestivo relativamente às liquidações de IRS de 2012, 2013 e 2014.

Fica, assim prejudicada, a análise da verificação dos requisitos do pedido de revisão ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, ou seja, com fundamento em injustiça grave ou notória.

 

  1. Regime fiscal de residente não habitual

O regime fiscal de residente não habitual, em sede de IRS, foi introduzido no ordenamento jurídico Português pelos artigos 23.º a 25.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro.

À data dos factos, o regime estava previsto nos artigos 16.º, n.º 6 a n.º 9, artigo 72.º e artigo 81.º do Código do IRS.

Assim, em 2011, estabelecia o artigo 16.º, sob a epígrafe “Residência fiscal”, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, acima referido:

“(…) 6 - Considera-se que não têm residência habitual em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes, nomeadamente ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal em sede de IRS.

7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos.

8 - O gozo do direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no número anterior requer que o sujeito passivo nele seja considerado residente para efeitos de IRS.

9 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior num ou mais anos do período referido no n.º 7 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, contando que nele volte a ser considerado residente para efeitos de IRS.”

Por seu turno, a Circular n.º 2/2010 de 6 de maio esclarecia o procedimento de inscrição nos seguintes termos:

Já, o artigo 72.º, sob a epígrafe “Taxas especiais”, com a redação em vigor à data da prática dos factos, estabelecia nos números seguintes que:

6 - Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em actividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %.(…)”

Por seu turno, em complemento ao regime estabelecido pelo Código do IRS, foi publicada a Portaria 12/2010 de 7 de janeiro, que aprovou a tabela de atividades de elevado valor acrescentado, para efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 72.º. Segundo o n.º 1 desta tabela, a mesma aplica-se a “quadros superiores de empresas”, sendo atribuído o código 802 a essa atividade.

O artigo 16.º do Código do IRS viria a ser alterado pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, que entrou em vigor em 15 de maio de 2012:

“(…) 6 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

8 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual no ato da inscrição como residente em território português ou, posteriormente, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

9 - O gozo do direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 7 depende de o sujeito passivo ser, nesse ano, considerado residente em território português.

10 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 7 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.”

O n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 20/2012, estabeleceu a seguinte norma transitória:

“O novo prazo previsto no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS não é aplicável aos sujeitos passivos que se tenham tornado residentes em território português até 31 de dezembro de 2011 e tenham solicitado, até à data da entrada em vigor da presente lei, a inscrição como residente não habitual nos termos da redação anterior daquela disposição, a qual não previa qualquer limite temporal para a apresentação deste pedido.” (negrito nosso).

Como resulta da norma transitória, acima transcrita, o novo prazo previsto no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS não era aplicável aos sujeitos passivos que:

  1. se tivessem tornado residentes em território português até 31 de dezembro de 2011;
  2. tivessem solicitado, até 15 de maio de 2012, a inscrição como residente não habitual.

Na sequência da alteração do artigo 16.º do Código do IRS, foi publicada a Circular n.º 9/2012 de 3 de agosto, que veio alterar a Circular /2010, nos seguintes termos:

Note-se que, à luz da lei aplicável aos factos em 2011 não estava previsto no Código do IRS um prazo para apresentação do pedido de tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais.

A própria Circular n.º 2/2010 de 6 de maio mais não esclarecia do que as condições de inscrição no registo de contribuintes, incluindo:”b) Comprovarem no momento da inscrição a anterior residência e tributação no estrangeiro, através de certificado de residência demonstrando a tributação efectiva(…)”.

Ou seja, não se estabelecia um procedimento específico de registo de residentes não habituais, nem o prazo de registo. Exigia-se, outrossim, que a residência e a tributação efetiva fora de Portugal fosse comprovada mediante certificado de residência fiscal, condição esta que não decorria do Código do IRS e que haveria de ser revogada pela Circular 9/2012.

Contudo, apesar de não estar previsto um procedimento de registo de residentes não habituais, nem o prazo de registo, haverá que concluir este regime dependia de inscrição do contribuinte.

Nos termos do artigo 54.º da LGT estabelece-se que o “procedimento tributário segue a forma escrita”, e nos termos do n.º 1 do artigo 102.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), que o “requerimento inicial dos interessados, salvo nos casos em que a lei admite o pedido verbal, deve ser formulado por escrito (…)”,

Acrescente-se o disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Estatuto de Benefícios Fiscais, que estabelece que os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento, sendo que estes últimos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento, sendo o procedimento regulado pela LGT e pelo CPPT.

O artigo 65.º do CPPT, sob a epígrafe “Reconhecimento dos benefícios fiscais”, estabelece que em regra “o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei. “.

Acrescenta o n.º 3 do artigo 65.º do CPPT que “Os pedidos (…) são apresentados nos seguintes prazos: (…) b) Nos restantes casos, até ao limite do prazo para a entrega da declaração de rendimentos relativa ao período em que se verificarem os pressupostos da atribuição do benefício fiscal.”.

Face ao supra exposto, haverá que concluir que, em 2011, apesar de não existir um procedimento específico previsto no Código do IRS, poderiam aplicar-se as regras gerais de procedimento previstas na LGT, CPPT e CPA.

Logo, a aplicação do regime de residentes não habituais dependia da iniciativa do interessado, mediante a sua inscrição junto do serviço de finanças.

Inscrição esta que deveria ser feita por escrito e, na falta de prazo específico de apresentação, até ao final do prazo de entrega da declaração de IRS de 2011, ou seja, até final de abril ou de maio de 2012.

Contudo, a Lei n.º 20/2012 viria a alterar o artigo 16.º do Código do IRS estabelecendo um procedimento próprio e um prazo para a apresentação desse pedido (31 de março do ano seguinte), o qual, no entanto, não se aplicaria a sujeitos passivos que se tivessem tornado residentes em território português até 31 de dezembro de 2011 e que tivessem solicitado, até 15 de Maio de 2012 a inscrição como residente não habitual.

Ora, o artigo 74.º da LGT estabelece que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”. Logo, era ao Requerente que competia provar que deu azo ao início do procedimento tributário junto do Serviço de Finanças para inscrição como residente não habitual, ainda em 2011 e, pelo menos, até 15 de maio de 2012.

Não tendo o Requerente logrado provar a data em que se apresentou no Serviço de Finanças para solicitar a sua inscrição como residente não habitual, nem a recusa de inscrição por parte deste Serviço, por falta de documentação comprovativa da residência fora de Portugal nos cinco anos anteriores, ficou por demonstrar um facto essencial à pretensão do Requerente.

Com efeito, da análise dos documentos juntos pelo Requerente, bem como do processo administrativo junto pela Requerida, não resultam indícios suficientes sobre a data da deslocação ao serviço de finanças, a identificação do funcionário contactado no serviço de finanças e que teria dado a informação ou recusado a inscrição, nem a data em terão as autoridades fiscais do Reino Unido e França sido contactadas pelo Requerente para prestar a informação solicitada pelo serviço de finanças, nem a data em que terão prestado tal informação. Indícios, estes, fundamentais para provar a tentativa de inscrição do Requerente junto do serviço de finanças ainda em 2011.

Na falta de tais indícios e somente existindo um pedido formal feito junto do serviço de finanças, datado de 14 de setembro de 2012, não poderá o tribunal considerar como provado o pedido de inscrição como residente não habitual em 2011.

Face a todo o supra exposto, terá que concluir-se que o pedido de inscrição como residente não habitual foi extemporâneo, pelo que o presente pedido de pronúncia arbitral é de julgar improcedente por não provado.

  1. Conclusão

Termos em que deve improceder o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS de 2011, por extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa, e o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IRS de 2012, 2013 e 2014, por não ter sido provado que o pedido de inscrição como residente não habitual foi apresentado até 15 de maio de 2012.

 

 

  1. DECISÃO

Termos em que decide este tribunal arbitral:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que é peticionada a anulação da liquidação de IRS, referente ao ano de 2011, por extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa;
  2. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que é peticionada a anulação das liquidações de IRS, referentes aos anos 2012, 2013 e 2014, por não provado;
  3. Condenar o Requerente em custas.

VALOR DA CAUSA:

Em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do CPC e da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.°-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPTA), fixa-se ao processo o valor de €13.894,85 (treze mil oitocentos e noventa e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos).

CUSTAS

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, fixa-se o montante das custas em €918,00, nos termos a Tabela I, do RCPTA, calculadas em função do valor do pedido, a cargo do Requerente.

Notifique-se esta decisão arbitral às partes e arquive-se o processo.

Lisboa, 29 de outubro de 2018

O Árbitro Singular,

 

(Vera Figueiredo)

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131º, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, redigido segundo a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de Agosto.

 



[1] Disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Pages/circulares-dgci.aspx”

[2] Disponível em www.dgsi.pt.

[3] Disponível em “https://caad.org.pt/tributario/decisoes/

[4] Veja-se o Acórdão do STA, de 22-03-2011, no rec. N.º 01009/10, citado por Rui Duarte Morais no Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2014

[5] Idem

[6] Em sentido contrário, Acórdão do TCAS no processo n.º 887/11.1BELRA, de 6-04-2017, disponível em www.dgsi.pt

[7] Para uma explicação mais detalhada do princípio da declaração, em sede de IRS, remetemos para o Acórdão do TCAS, no processo n.º 01076/03, disponível em www.dgsi.pt

[8] Vide Acórdão do TCAS de 03-05-2005, no processo n.º 01076/03, disponível em http://www.dgsi.pt/

[9] No mesmo sentido, vide Acórdão do TCAN de 12-10-2006, no processo n.º 00277/04, disponível em http://www.dgsi.pt/: “Como dizem ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, «A declaração é um acto pelo qual o contribuinte leva ao conhecimento da Administração Fiscal a existência da matéria tributável que integra o facto tributário, indicando o seu montante e todos os elementos necessários para o cálculo do imposto (encargos, deduções, etc.).A declaração é exigida pela lei e traduz um acto de colaboração do contribuinte face à natureza pública do imposto justificada pela ideia de que a obrigação tributária não é uma obrigação voluntária, contratual, mas o cumprimento de um dever legal. É um acto obrigatório e se o contribuinte, estando nas condições previstas na lei, não o cumprir, está sujeito a sanções (arts. 31º e 32º do RJIFNA)[(() Hoje a falta de entrega de declarações está prevista como contra-ordenação pelo art. 117.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção que lhe foi dada pela Declaração de Rectificação n.º 15/2001, de 4 de Agosto.)].A declaração é uma base suficiente para a imposição e é um elemento justificativo da receita correspondente. Além de ser uma obrigação do contribuinte traduz uma prova de matéria colectável» (() Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, 3.ª edição, nota 4 ao art. 76.º, pág. 162.)”.

[10] Manuel Pires e Rita Calçada Pires, in Direito Fiscal, pág. 450-455, 5ª Edição, Almedina 2016