Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 48/2018-T
Data da decisão: 2018-10-09  ISV  
Valor do pedido: € 79.000,00
Tema: ISV - Benefício fiscal - Competência
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), João Taborda da Gama e Marisa Isabel Almeida Araújo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 05 de Fevereiro de 2018, A..., contribuinte n.º..., e B..., com residência na Rua ..., nº...-..., ...-... Odivelas, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a anulação dos actos de indeferimento proferidos pelo Subdirector-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datados de 31-10-2017, dos Recursos Hierárquicos apresentados em 27-04-2017 junto da DSIECIV da AT, na sequência dos despachos de indeferimento, proferidos em 04-01-2017 pelo Director da Alfândega do ..., dos pedidos de isenção de ISV apresentados em 18-07-2016 e 07-07-2016 respetivamente, junto da Alfândega do ..., e o deferimento do referido benefício fiscal, no valor de €70.000,00.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alegam os Requerentes, em síntese, que o tempo de residência dos Requerentes se deve ter por começado a contar a partir da emissão das respectivas Autorizações de Residência, ou seja a partir de 5 de Fevereiro de 2016, pelo que devem os referidos despachos ser revogados, por contrários à lei.

 

  1. No dia 06-02-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 27-03-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 16-04-2018.

 

  1. No dia 16-05-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Pelo Tribunal foi suscitada, oficiosamente, a questão da sua competência material para a apreciação da presente causa, tendo sido facultada às partes a possibilidade de exercerem o seu contraditório, o que foi feito pela Requerida, propugnando no sentido de ser reconhecida a suscitada incompetência.

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. Em 7 de Julho de 2017 B... apresentou na Alfândega do ... um pedido de benefício fiscal formulado ao abrigo do artigo 58º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV) aprovado pela Lei n.º 22-A/2017, de 29 de Junho, para importação definitiva do veículo da marca ..., matrícula ..., proveniente da Ucrânia.
  2. A..., solicitou em 18 de Julho de 2016, junto da mesma Alfândega, benefício fiscal nos mesmos termos, para a importação definitiva do veículo da marca..., matrícula definitiva ucraniana ... .
  3. Por despachos datados de 04-01-2017 e proferidos pelo Senhor Director da Alfândega nas informações de serviço n.º .../.../2017, de 03-01-2017 e .../... /2017 (ISV), de 04-01-2017, foram negadas as isenções pretendidas e indeferidos os pedidos de benefício.
  4. Por Ofícios n.º ISV-.../2017 de 02-01-2017, n.º-.../2017, de 07-03-2017, n.º ISV-.../2017, de 05-01-2017 e n.º ISV-.../2017, de 07-03-2017, foram os Requerentes notificados das respectivas decisões.
  5. Das decisões mencionadas vieram os Requerentes apresentar Recurso Hierárquico, respectivamente em 27-04-2017 e 07-04-2017.
  6. Os mesmos foram indeferidos, mantendo-se as decisões recorridas, em 31-10-2017 por despachos de indeferimento dos recursos hierárquicos proferidos pelo Subdirector-geral, exarados respectivamente na Informação n.º DIV/.../2017, de 28-09-2017 e Informação n.º DIV .../2017, de 27.10.2017, tendo os ora Requerentes sido notificados dessas decisões através dos Ofícios n.º..., de 02-11-2017, e n.º..., de 02-11-2017.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

B. DO DIREITO

 

            Previamente à apreciação do mérito da causa, torna-se necessário aferir da competência dos Tribunais arbitrais em matéria tributária, a funcionar no CAAD, para apreciar aquele.

O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, de modo a que o processo arbitral tributário constituísse um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.

O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando designadamente uma competência alternativa à da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art.º 2.º” fazendo depender a vinculação da Administração Tributária de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos[1].

O âmbito da jurisdição arbitral tributária está, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material da competência, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de:

a) ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; e

b) de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

            Dado o carácter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, numa segunda linha “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º, n.º 1 do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça[2].

            Dispõe a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, no seu artigo 2.º, que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:...”, indicadas nas alíneas subsequentes do mesmo artigo, onde se inclui na al. c), para o que ao caso interessa, “Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;”.

            A mesma Portaria, no seu artigo primeiro, como indica a AT, vincula:

os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

a. A Direcção-Geral do Impostos (DGCI); e

b. A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC)”.

Assim, nos termos dos diplomas legais aplicáveis e indicados, apenas se encontram subjectivamente vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais, em matéria tributária, a funcionar no CAAD, a Autoridade Tributária e Aduaneira, enquanto sucessora dos seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e

b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).

Objectivamente, a vinculação aos tribunais arbitrais, em matéria tributária, a funcionar no CAAD, como se disse supra, está delimitada nos termos do 2.º do RJAT, conjugado com o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

A este propósito, cumprirá ter presente que, como é do conhecimento geral, o contencioso tributário português parte ainda de uma matriz objectivista, estando estruturado, grosso modo, como um “processo a um acto” (tributário), sendo que, como decorre, desde logo, do artigo 2.º do RJAT, o contencioso arbitral tributário não se afasta da referida matriz. Ou seja, e em suma, o contencioso tributário, incluindo o arbitral, por norma e tal como acontece no caso em apreço, tem por objecto um acto tributário cuja legalidade cumpre sindicar, não visando a tutela plena, ou sequer limitada, de todo o tipo de relações jurídicas que se estabeleçam entre a administração tributária e o contribuintes

Neste quadro, para aferir, então, da competência material dos tribunais arbitrais, em matéria tributária, a funcionar no CAAD, dever-se-á apurar se está em causa a apreciação da legalidade de algum ou alguns dos actos compreendidos na delimitação resultante da articulação dos artigos 2.º do RJAT e 2.º da Portaria 112-A/2011.

 

*

No caso sub iudice pretendem os Requerentes a anulação dos actos de indeferimento proferidos pelo Subdirector-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datados de 31-10-2017, dos Recursos Hierárquicos apresentados em 27-04-2017 junto da DSIECIV da AT, na sequência dos despachos de indeferimento, proferidos em 04-01-2017 pelo Director da Alfândega do ..., dos pedidos de isenção de ISV apresentados em 18-07-2016 e 07-07-2016 respetivamente, junto da Alfândega do ..., e o deferimento do referido benefício fiscal.

Como é bom de ver, os actos em questão não se reconduzem a qualquer dos tipos elencados no artigo 2.º do RJAT sendo que, como se viu atrás, o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, concretizou a autorização legislativa que o legitimou com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando designadamente uma competência alternativa à da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, que seria necessária ao acolhimento de pretensões de reconhecimento de benefícios fiscais, tal como formuladas pelos Requerentes (cfr., no sentido da incompetência num caso semelhante, o processo arbitral 459/2014-T[3]).

Acresce que as pretensões dos Requerentes são relativas “a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação”, pelo que, também nos termos da al. c) do artigo 2.º da n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estaria vedada aos tribunais arbitrais em matéria tributária a funcionar sobe a égide do CAAD, a apreciação das pretensões dos Requerentes.

Tendo em conta o exposto, nada mais restará a este Tribunal arbitral do que declarar a sua incompetência para apreciação da causa, em razão da matéria, o que obsta ao conhecimento das restantes questões colocadas nos autos.

            Trata-se de incompetência absoluta (cfr. artigo 96.º/a) do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso (cfr. artigo 97.º/1 do Código de Processo Civil), e que implica a absolvição da instância (cfr. artigo 99.º/1 do Código de Processo Civil).

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide ser este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para julgar o presente litígio, nos termos do artigo 2.º do RJAT e, em consequência, absolver a Requerida da instância e condenar os Requerentes nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 79.000,00, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelos Requerentes, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de Outubro de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(João Taborda da Gama)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Marisa Isabel Almeida Araújo)

 

 



[1] Na redacção dada pela Lei n.º 64.º-B/2011, de 30 de Dezembro.

[2]Excerto do Acórdão Arbitral, processo n.º 48/2012.