Decisão Arbitral
1. Relatório
A... LD.ª, pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-... ..., interpôs um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Administrativa e Tributária), contra a liquidação adicional do IRC n.º 2016 ... do montante total de € 46.282,73, incluindo a liquidação dos juros compensatórios, com referencia ao exercício de 2014, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2. Com a presente ação a Autora pretende a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em que foi pedida a anulação dos atos tributários de liquidação adicional do IRC e juros compensatórios, com referência ao exercício de 2014, e, consequentemente, a declaração de ilegalidade daqueles atos tributários, com a subsequente anulação das liquidações impugnadas.
3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular em 14/02/2018, que aceitou o encargo.
4. Em 14-02-2018, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, tendo em conta as disposições conjugadas do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
5. O Tribunal foi constituído em 2018/03/06, em conformidade com a alínea c) do nº 1 do art.º 11º do RJAT.
6. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta e juntou o processo administrativo, defendendo a improcedência dos pedidos de anulação das liquidações de IRC e de juros compensatórios.
7. Em 11/07/2018 realizou-se no CAAD a diligência de inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, na qual ficaram as partes desde logo notificadas para apresentarem alegações por escrito, querendo, o que ambas fizeram.
8. Na mesma data, tendo em conta o período de férias judiciais e o disposto no artigo 17.º-A do RJAT, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, nº 2 do mesmo diploma, foi prorrogado por dois meses o prazo a que alude o n.º 1 do mesmo artigo.
9. O Tribunal é competente e foi regularmente constituído.
10. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (art.ºs. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
10. O processo não enferma de nulidades nem há exceções a apreciar.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
2 - Posição das Partes
2.1 - O pedido arbitral tem como fundamentos, em suma, os seguintes:
I. O ato tributário controvertido de liquidação adicional do IRC do ano de 2014, surge na sequência da confirmação, pela AT, de que, em Novembro de 2015, o saldo da conta 11-Caixa (SNC) do montante de €87.435,32 não se encontrava suportado, naquela concreta data, por notas, moedas metálicas, ou outros valores equivalentes, tais como cheques, vales, etc.
II. Partindo dessa constatação, entendeu a AT que, se naquela concreta data, não se encontrando em cofre, é porque a Requerente fez gastos, concretamente, no exercício de 2014, que não estando identificados, devem ser considerar como “despesas confidenciais”.
III. E exclusivamente com base nesse facto – ausência de valores em cofre em novembro de 2015 que justificassem o saldo escritural da conta (SNC) do Caixa – é praticado o ato tributário controvertido.
IV. A primeira questão que se coloca, sobre a qual a AT não se pronunciou, é a de saber se, é legal, é legitimo, à luz dos art.º s 3.º, 17.º, 18.º e sgs. do CIRC, sustentar uma correção ao resultado fiscal declarado pela Requerente no exercício de 2014, com base no facto de, em novembro de 2015, o saldo escritural de Caixa não se encontrava suportado por notas, moedas e outros valores equivalentes.
V. Em que medida aquela constatação, na data de novembro de 2015, faz presumir, com a probabilidade necessária para sustentar a aplicação gravosa do ato controvertido, se repercute no exercício de 2014?
VI. O n.º 1 do art.º 18.º do CIRC determina que: “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica”.
VII. Que relação de causalidade adequada é possível estabelecer-se entre um facto constatado em novembro de 2015 e os resultados líquido e fiscal do ano de 2014?
VIII. Não sendo possível estabelecer uma relação de causalidade entre o facto e o exercício de 2014, o ato tributário é ilegal por violação do disposto no art.º 18.º do CIRC.
IX. Não se mostra comprovado que o saldo de Caixa em 31/12/2014 não estava suportado por notas, moedas e outros valores equivalentes.
X. Saldo de caixa que se mantém próximo do existente em 31.12.2013 e em 31.12.2014, desde, pelo menos, 2007.
XI. A AT corrigiu o resultado declarado no exercício de 2014, acrescendo a quantia de €87.435,32 que considerou como gastos não documentados, ao abrigo do disposto no art.º 23.º do CIRC.
XII. E com o mesmo fundamento sujeitou aquele montante a tributação autónoma nos termos do art.º 88.º do CIRC.
XIII. O n.º 1 do art.º 17.º do CIRC dispõe que: “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código “.
XIV. A base de determinação do resultado fiscal há-de ser sempre o resultado líquido, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
XV. O resultado líquido do período é dado pela diferença entre os rendimentos e ganhos e os gastos ou perdas do período em causa.
XVI. Da contabilidade resulta que a conta de Caixa apresentava, em 01.01.2014, um saldo de €97.803,26 e em 31.12.2014 um saldo de €96.976,08.
XVII. Da contabilidade resulta que no exercício de 2014, os registos a crédito estão comprovados por documentos emitidos na forma legal.
XVIII. Da contabilidade resulta que o saldo de caixa transita de anos anteriores remontando ao ano de 1998, data em ocorreu o aumento de capital sem que os sócios tenham aportado a sociedade os meios líquidos e o contabilista por erro não registou o valor a receber dos sócios na conta adequada de “ativos a receber” tendo registado como “meios líquidos disponíveis”.
XIX. Os movimentos registados a crédito da Cota de Caixa no ano de 2014 totalizam o montante de €10.970.50.
XX. Todos os movimentos estão comprovados e relacionados com a atividade operacional da Requerente.
XXI. O ato tributário controvertido não se baseou em “despesas” ou gastos que tenham sido registadas em 2014 e que tenha influenciado o resultado líquido desse exercício.
XXII. Na ótica da AT o resultado contabilístico apurado em 2014, está influenciado por gastos, por despesas, que não estando comprovadas por documentos, não permitem a identificação do beneficiário, sendo, por isso, consideradas como despesas não documentadas e sujeitas a tributação autónoma.
XXIII. Para haver “gastos” é necessário que se verifique a existência de um exfluxo (saída) e que este se projete nos resultados, isto é, que influencie negativamente os resultados.
XXIV. Gastos são elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, foram indispensáveis à realização dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa».
XXV. Resulta assim que um exfluxo será considerado como despesa ou gasto se o mesmo tiver influenciado negativamente o resultado líquido.
XXVI. No caso dos autos não se identificam os concretos movimentos de “saídas de caixa” que registadas, em 2014, tiveram como contrapartida contas de despesas/gastos, e, consequentemente tenham reduzido o resultado líquido contabilístico daquele exercício 2014.
XXVII. Ou seja, não se identificam os registos que funcionaram como elementos negativos da conta de resultados no ano de 2014.
XXVIII. Se os movimentos registados, a crédito, na conta de Caixa – saídas – totalizam, no exercício de 2014, o montante de €10.970,50, o resultado do exercício não poderia ter sido negativamente influenciado por exfluxos da conta de caixa do montante de €87.435,32.
XXIX. A AT não identificou os concretos exfluxos - saída de valores – que considerou, como despesas e gastos, que tiveram impacto no resultado e o diminuíram.
XXX. A AT não demonstrou quais as contas (SNC) de “gastos ou perdas” que serviram de contrapartida às “saídas de valores”.
XXXI. A AT não demonstrou, quando, como e onde, ocorreram as “saídas de caixa” e qual o impacto que as mesmas tiveram no resultado líquido do período de 2014.
XXXII. A AT não expressou de forma clara, suficiente e congruente, os motivos porque concluiu que os exfluxos registados na conta de Caixa, totalizam no ano de 2014, a quantia de €87.435,32, quando de acordo com os registos efetuados naquela conta os mesmos totalizam a quantia total de €10.970,50.
XXXIII. A AT não expressou de forma clara, suficiente e congruente quais os registos efetuados nas contas de gastos e perdas que não se mostram documentalmente comprovados.
XXXIV. O ato tributário controvertido é ilegal por violação do dever legal de fundamentação formal e substantiva.
XXXV. Não se provando que a Requerente tenha afetado o resultado líquido do ano de 2014, com gastos e despesas do montante da €87.435,32, que devam nos termos do CIRC ser corrigidas, o ato é ilegal por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
XXXVI. Se os gastos registados, que influenciam o resultado líquido, estão comprovados documentalmente, não há fundamento para aplicação do disposto no art.º 88.º do CIRC.
XXXVII. O n.º 1 do art.º 88 do CIRC determina que: “As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A”.
XXXVIII. Da letra da lei resulta inequívoco que são pressupostos da aplicação da norma:
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A existência de despesas/gastos (elementos negativos da conta de resultados)
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Que não se mostrem comprovadas por documentos
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Que tenham sido registadas no período e influenciado o resultado líquido
XXXIX. O ato tributário controvertido é ilegal por violação dos princípios constitucionais ordenadores da atuação da AT no âmbito do seu dever de prossecução do interesse publico;
XL. O ato tributário é ilegal por preterição de formalidades essências e inversão ilegal do ónus da prova;
XLI. O ato tributário é ilegal por erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
XLII. O ato tributário é ilegal por inexistência de facto tributário.
2.2 - Notificada da apresentação do pedido arbitral a Autoridade Tributária e Aduaneira veio responder, em resumo, nos seguintes termos:
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O facto de se levar a efeito um procedimento inspetivo a um sujeito passivo num determinado exercício, tal não desonera a AT de, naquilo que são as suas atribuições e deveres, proceder à inspeção de um outro período de tributação.
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Aliás, segundo o nosso ordenamento determina que pode haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço.
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O procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias, o que a AT fez.
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Resulta demonstrado que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance das correções efetuadas através do RIT e de onde resultou a liquidação sobre a qual recai o presente pedido de pronúncia arbitral, tal como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que faz no seu excurso e face ao exposto era possível à Requerente aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela Requerida do ato para proferir a decisão.
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Pelo que não se pode deixar de concluir, como conclui a mais avisada jurisprudência, que é manifesto e inquestionável que a Requerente faz, ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral, um extenso excurso pelos critérios e métodos legais aplicáveis e dos quais brotaram as correções plasmadas no Relatório Final e concretizadas na liquidação em apreço.
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No caso vertente, é inelutável, que a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral e em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, demonstra ter cabalmente ter compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tenta rebater, ponto por ponto, toda a sua atuação.
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Assim, ainda que o ato sub judice padecesse de deficiências ao nível do discurso fundamentador – o que só por mera hipótese académica se admite – tais deficiências degradar-se-iam em meras irregularidades não essenciais.
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E ainda que se entendesse que o ato padecia de qualquer omissão de fundamentação, o que não se concede, a Requerente teria sempre ao seu dispor o procedimento previsto no art.º 37.º do CPPT.
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Ora, não tendo a Requerente lançado mão daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que os atos em análise continham, e contém, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que eventualmente padecia ficou sanado.
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Mais, a alegação de uma propalada inversão do ónus da prova é simplesmente prepóstera.
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Na origem da liquidação ora em dissídio está o entendimento da IT que considera a diferença entre o valor do saldo contabilístico da conta Caixa, a 31.12.2014, e as existências físicas de numerário, como representando saídas de meios financeiros não justificadas documentalmente, cabendo portanto na qualificação de despesas não documentadas sujeitas a tributação autónoma em IRC, nos termos do n.º 1 do art.º 88.º do respetivo Código.
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A Requerente atribui aquela discrepância do saldo contabilístico de Caixa a um reforço do capital social, de €174.579,26, elevando-o para €249.398,95,00, formalizado por deliberação dos sócios de 20.11.1998 e escritura pública da mesma data, da qual consta que o montante do reforço é integralmente realizado em numerário e acrescenta-se que “(…) Finalmente, disseram os outorgantes, que o montante do reforço já deu entrada na Caixa Social da Sociedade e que não é exigida, quer por lei, quer pelo contrato, a realização de outras entradas.”
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Ora, não obstante o que ficou plasmado, a Requerente junta aos autos uma Declaração subscrita pelo responsável da contabilidade, B..., com data de 13.05.2016, em que afirma que “(…) no ano de 1998, efetuou uma operação contabilística no sentido do aumento do Capital Social da empresa acima referida, no montante de 174 579,26 euros, tendo por lapso movimentado as contas do POC-Plano Oficial de Contabilidade, 11 (Caixa) a débito, por contrapartida da conta 51 (Capital) a crédito, quando a operação correta deveria ter sido a movimentação das contas do POC, 25 (Acionistas-Sócios) a débito, por contrapartida de conta 51 (Capital) a crédito.”
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Portanto, dando total credibilidade ao que consta da escritura do aumento do capital social, o montante do reforço já tinha dado entrado em Caixa e nenhum outro documento existe que invalide este facto.
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Se os sócios declararam sob sua responsabilidade que tinham realizado as entregas em dinheiro, na sua totalidade, tudo leva a concluir que, posteriormente, tenha havido retiradas (num só momento ou vários momentos) das quantias anteriormente entregues sem que seja possível identificar quem foram os beneficiários e os motivos que as determinaram.
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Aliás, conforme consta do ponto 13 do RIT “(…) não foram encontrados documentos de suporte na contabilidade da sociedade, não se tendo determinado o destino pelo que representa em termos fiscais uma situação designada de Despesas não documentadas na medida em que houve uma efetiva saída de meios monetários da sociedade sem que para tal haja documento de suporte.”
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Se os sócios tivessem assumido o compromisso de entregas diferidas do numerário para realizar as entradas, em conformidade com as regras contabilísticas, as dívidas dos sócios seriam registadas e evidenciadas em contas do ativo apropriadas para o efeito.
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E tais dívidas poderiam ter sido compensadas/extintas parcialmente com a redução do capital social, muito antes de 2015, levando em conta o previsto no Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16 de julho.
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No entanto, os saldos contabilísticos da conta Caixa mantiveram-se elevados e, perante a inexistência de documentos de suporte das saídas em numerário de caixa que justifique as discrepâncias verificadas, como poderia a AT proceder à comprovação das saídas de caixa, na quantia de €87.435,24, se nenhuma evidência material ou escritural existe?
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A doutrina tem definido “Despesas não documentadas” como sendo aquelas que não apresentam ou têm por base qualquer documento de suporte que as justifique, não sendo relevante, para efeitos da sujeição a tributação autónoma, que sejam contabilizadas como tal.
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Logo, as saídas de Caixa, em numerário, sem a emissão de qualquer documento justificativo ou de suporte configuram prima facie despesas não documentadas que, no fundo, significam a utilização de meios financeiros gerados pela atividade desenvolvida em fins alheios à mesma.
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Acresce esclarecer que nem todas as despesas se traduzem em gastos que contribuem para o apuramento dos resultados do período de tributação e igualmente, como in casu, podem não ser relevadas contabilisticamente como tal.
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Cabe notar que não tendo sido registadas em contas de gastos, também não influenciaram negativamente a determinação do lucro tributável, daí que a AT não tenha promovido qualquer correção a essa grandeza;
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Mas, tal não obsta a que ficam fora da sujeição a tributação autónoma, porquanto, o n.º 1 do art.º 88.º do Código do IRC, não faz depender tal sujeição da contabilização como “gastos”, ao contrário, se tiverem sido contabilizadas como “gastos”, a tributação autónoma não afasta a desconsideração da sua não dedutibilidade ao lucro tributável.
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Pelo que importa realçar:
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O documento material - escritura notarial do aumento do capital social - apresentado pela Requerente indica que os sócios realizaram o capital subscrito em dinheiro e que já tinha sido entregue ao Caixa Social da Sociedade;
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Foi este documento que serviu de base ao lançamento contabilístico do montante do reforço do capital e ao correspondente débito na Conta Caixa, em conformidade com os preceitos contabilísticos e fiscais;
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A deteção de divergências, a 31.12.2014, entre o saldo contabilístico de Caixa e as existências físicas em cofre, na falta de qualquer justificação plausível, consistente e suportada documentalmente, habilita a concluir que houve saídas de meios financeiros não documentados e não relevados contabilisticamente, preenchendo desse modo o conceito de “despesas não documentadas”, sujeitas a tributação autónoma, por força do disposto no n.º 1 do art.º 88.º do Código do IRC;
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A tributação autónoma das “despesas não documentadas” não pressupõe que estejam contabilizadas como tal em conta de “gastos”, ou que tenham contribuído para o apuramento do resultado líquido do exercício, bastando o reconhecimento do dispêndio em finalidades desconhecidas, não documentado, que consubstancia a utilização de recursos financeiros da empresa em benefício de terceiros não identificados, portanto, não pode negar-se a existência de facto tributário.
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Assim, o ato tributário impugnado não enferma de vício de ilegalidade nem viola dos princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade da boa fé e da justiça.
3. 3 – As partes apresentaram alegações que, no essencial, reiteraram os argumentos já constantes do primeiro articulado respetivo, pronunciando-se igualmente sobre a prova testemunhal produzida em diligência própria.
3. Matéria de facto
3.1 Factos provados
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A Requerente é uma sociedade por quotas, com o capital social inicial de PTE 15.000.000$00 (€ 74.819,68) para o exercício da atividade de “Indústria de transportes de aluguer de passageiros e de carga em automóveis ligeiros e camiões de carga”, atividade que iniciou em 18.12.1971.
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Os sócios da Requerente procederam em 20.11.1998 ao aumento de capital social para PTE 50.000.000$00 (€249.398,95) a realizar por entradas em dinheiro, conforme escritura pública junta aos autos.
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O aumento de capital foi registado na contabilidade a débito da conta 11- Caixa e a crédito da conta 51. Capital Social.
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Foi junta aos autos uma declaração assinada pelo técnico de contas em exercício à data do aumento de capital, que não foi impugnada, na qual este afirma ter cometido um erro na contabilização da entrada correspondente ao aumento de capital porque o registo contabilístico deveria ter sido efetuado a débito da conta 25-Socios c/subscrição, por crédito da conta 51.Capital Social, uma vez que o aumento de capital deveria ser realizado ao longo do tempo atendendo às indisponibilidades dos sócios no momento do aumento.
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Do Relatório do Serviço de Inspeção retira-se que: “Tendo o sujeito passivo apresentado um saldo de caixa em 31-12-2013 considerado elevado em comparação com a atividade declarada, foi o mesmo selecionado para efeitos de contagem física do caixa;
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Em 12/11/2015, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2015..., em sede de retenções na fonte, foi iniciado um procedimento de inspeção para o exercício de 2015;
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Para verificação do saldo da conta “111 – Caixa”, no dia 12-11-2015, foi efetuada uma visita à sede da empresa, com o objetivo de efetuar uma contagem física dos valores, tendo-se apurado não existir qualquer montante de dinheiro em caixa;
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Foi o sujeito passivo notificado para apresentação de documentos, nomeadamente Balancete o mais recente possível, folhas de caixa relativas ao período de tempo que medeia entre a data do balancete referido anteriormente e a data da contagem do saldo de caixa, extratos da contabilidade das contas Caixa (11) e Bancos (12), extratos bancários que refletissem os movimentos financeiros da empresa para os anos de 2013, 2014 e 2015, cópias das atas de todas as deliberações em assembleia geral da sociedade, desde a data de matrícula, o ficheiro SAF-T da contabilidade de 2015 e outros elementos que achasse importante apresentar para justificar a divergência detetada;
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Acontece que, no dia da visita (2015/11/12) não existia qualquer montante de dinheiro em caixa, não se tendo determinado a data e forma de retirada do dinheiro, mas deveria existir um valor de 87.435,32 € em dinheiro nesta data;
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Não se comprovou que esta retirada de dinheiro tenha ocorrido no ano de 2015, nem a título de distribuição de lucros/adiantamento por conta de lucros, nem por qualquer outra forma, como se conclui pelo corte efetuado à conta caixa, pelo que, se encerrou o procedimento inspetivo ao ano de 2015 e se procedeu à abertura do presente procedimento inspetivo para o ano de 2014.
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Em 2016-04-28, para análise do exercício de 2014, foi iniciado um novo procedimento (OI2015...), com base nos factos apurados no Relatório da visita de inspeção realizada a coberto da OS OI2015..., em que expressamente refere o seguinte:
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“Tendo em consideração todos os elementos recolhidos e acima descritos, retiramos as seguintes conclusões:
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Confirmámos que em 2015-11-12 não existia qualquer importância em caixa.
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Não nos foram apresentadas atas com indicação de distribuição de resultados;
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A IES não tem qualquer indicação sobre a ocorrência de distribuição de resultados;
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Decorre do art.º 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT), a presunção legal de veracidade declarativa: “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.
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Em 2015-11-12, realizámos a inventariação de caixa, tendo-se constatado naquela data que o valor era zero, não se tendo comprovado, através da análise de todos os registos contabilísticos das contas de caixa e depósitos bancários e ainda dos extratos bancários que nos foram remetidos, que o dinheiro tenha sido retirado da empresa durante o ano de 2015, concluindo-se que já não estava no caixa da empresa no início do exercício. Então o exfluxo, pagamento e/ou aquisição de bens e/ou serviços ou ainda liberalidade ou conjunto de liberalidades ocorreu durante o ano de 2014.
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Ficou por conhecer o destino dado aos 87.435,32 € do saldo da caixa.
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O Código do IRS, apenas permite a presunção de distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros quando se encontrem lançados em quaisquer contas correntes de sócios, (art.º 6.º CIRS) o que não ocorreu no caso em apreço.
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Assim a situação em apreço apenas tem enquadramento na figura de despesa não documentada, que se traduz numa saída efetiva de valores monetários existentes em caixa, nomeadamente, ”notas de banco ou moedas metálicas de curso legal, cheques ou vales postais, nacionais ou estrangeiros”, que consubstanciam a existência de pagamentos, e/ou a aquisição de bens e/ou serviços, e/ou ainda, uma liberalidade ou conjunto de liberalidades”.
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Os sócios em 16/11/2015 deliberaram, em 2015, por unanimidade, proceder à redução do capital social, e por esta via extinguir a obrigação de realização da parte subscrita e não realizada até à data.
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Com a deliberação de redução de capital, o saldo escritural da conta de “Caixa” passou a ser coincidente com o saldo físico dos meios monetários existentes em caixa (notas, moedas, cheques e outros) e o saldo de Caixa passou a ser do montante de €1.004,63 em 30/11/2015.
3.2 Factos provados e não provados e fundamentação da decisão em matéria de facto
Uma das questões controvertidas emergente dos autos é a de saber se realmente houve ou não entrada de meios monetários em caixa por força do aumento de capital realizado em 1998, uma vez que a escritura pública afirma que o capital foi integralmente realizado em dinheiro e que o mesmo, à data, já tinha dado entrada na Caixa Social da sociedade.
A Requerente insiste desde o início dos procedimentos de inspeção, tanto o ocorrido em 2015 como o ocorrido em 2016, que, àquela data de 1998, não se verificou na realidade qualquer entrada de dinheiro por falta de disponibilidades do sócios marido e mulher, e o que aconteceu foi um mero erro do técnico de contas à altura do aumento de capital na escrituração do aumento na Conta de Caixa quando deveria ter escriturado o aumento na Conta de Sócios.
Sustenta esta sua pretensão na (i) prova constante na declaração assinada pelo contabilista à época, que reconhece que cometeu um erro técnico de contabilização, precisamente porque não se verificou a entrada de dinheiro por falta de disponibilidades dos sócios, e que o aumento processar-se-ia com entradas a efetuar ao longo do tempo, e (ii) na prova resultante das declarações do técnico de contas em exercício à data das visitas, mas que não o era à data do aumento de capital, ouvido em substituição do técnico de contas que realizou a operação de contabilização à data do aumento, o qual, por motivos de idade e doença não pôde ser ouvido, e de cujo depoimento resulta que ele não teve conhecimento direto daqueles factos mas que por conhecimento pessoal dos sócios sabe que não eram pessoas com posses para poderem entregar todo valor do aumento em dinheiro e que esse pagamento iria ser efetuado ao longo do tempo, estando por isso convicto de que o capital nunca deu entrada na caixa social.
Ora, como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela nas anotações ao art.º 371º do Código Civil Anotado, Vol I (ed. 1967), pág. 243, “o valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que nele se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem praticados pela autoridade ou oficial público respetivo (ex.: procedi a este ou àquele exame) e quanto aos factos que são referidos no documento autêntico com base nas perceções da entidade documentadora. Se no documento, por exemplo, o notário afirma que perante ele o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coação, ou que o to não seja simulado”
Neste caso, é posta em causa pela testemunha e por documento particular a realidade que a AT insiste que está provada por documento autêntico – a entrada do capital em dinheiro na data da celebração da escritura. Mas na realidade o que está provado pelo documento autêntico é que os outorgantes declararam perante o notário que já tinham entregue na caixa da sociedade o valor em dinheiro correspondente ao aumento de capital.
Tanto a declaração assinada pelo contabilista à época do aumento de capital, como o depoimento da testemunha que passou a ser técnico de contas em 2005 e que se encontrava nessas funções à data da realização das ações de inspeção, são coincidentes no facto de que efetivamente o dinheiro não entrou na caixa porque os sócios não tinham disponibilidades pessoais para tal.
Ou seja, as dúvidas, até pelo testemunho do TOC ouvido no sentido de que não presenciou diretamente os factos, terão que ser solucionadas pela fé pública constante da escritura pública que certifica que os sócios dizem ter entregue o dinheiro na caixa. Na verdade, considera-se que a prova produzida para afastamento da declaração constante da escritura pública não é suficientemente forte e indiscutível para fazer propender a decisão para o lado da Requerente, pelo que se considera não provado que o dinheiro não deu entrada na caixa social da empresa.
Dúvida diferente, igualmente controvertida, é a de saber se em 31 de dezembro de 2014 existia ou não a importância em dinheiro que foi apurada pelo RIT como devendo aí existir.
Para análise desta questão é importante estabelecer que se encontram provados, conforme documentos da contabilidade juntos pela requerente e que não foram impugnados, os seguintes saldos de Caixa:
2007- Saldo de caixa em 31/12/2007 – 148 123,22 (Doc 5, pág. 1/5)
2008 - Saldo de caixa em 31/12/2008 – 137661,18 (Doc 6, pág. 1/5)
2009 - Saldo de caixa em 31/12/2009 – 138 745,30 (Doc 7, pág. 1/4)
2010 - Saldo de caixa em 31/12/2010 – 124 146,36 (Doc 8, pág. 1/5)
2011 – Saldo de caixa em 31/12/2011 – 123 172,20 (Doc 9, pág. 1/5)
2012 - Saldo de caixa em 31/12/2012 – 104 005,57 (Doc 10, pág. 1/5 e Doc 17, pág. 2/2)
2013 – Saldo de Caixa em 31/12/2013 – 97 803,26 (Doc 11, pág. 1/5 e Doc 16, pág. 4/4)
2014 – Saldo de Caixa em 31/12/2014 – 96 976,08 (Doc 12, pág. 1/5 e Doc 17, pág. 2/2)
Vem também provado pelo RIT que em 16 de dezembro de 2015 foi realizada uma operação de redução do capital social, ficando o saldo de caixa a ser do montante de €1.004,63, conforme resulta do documento 18.
Não se considera provado, por falta de provas cabais, que no final de 2014 já não se encontrava em caixa o montante em causa nestes autos. O que apenas se encontra provado que é “no dia 12-11-2015, foi efetuada uma visita à sede da empresa, com o objetivo de efetuar uma contagem física dos valores, tendo-se apurado não existir qualquer montante de dinheiro em caixa”, nessa data, como se refere no RIT, e ainda que “não foi possível também identificar quem foram os destinatários desses meios monetários, impossibilitando assim a tributação na esfera dos beneficiários da operação”. Na verdade, não pode constituir prova de que o ato tributário diz respeito ao exercício de 2014 com base apenas na simples conclusão retirada no RI de que “… não se tendo comprovado, … que o dinheiro tenha sido retirado da empresa durante o ano de 2015, concluindo-se que já não estava no caixa da empresa no início do exercício. Então o exfluxo, pagamento e/ou aquisição de bens e/ou serviços ou ainda liberalidade ou conjunto de liberalidades ocorreu durante o ano de 2014”.
Finalmente não se considera provado que tenha ocorrido a realização de despesas efetivas que devessem estar documentadas e que justificaram a ausência dos valores monetários em caixa, mas tão só a presunção de que devido à inexistência de valores confirmada por conferência física, a AT no RI equiparou essa falta a despesas não documentadas quando diz: “…a situação em apreço apenas tem enquadramento na figura de despesa não documentada …”.
Por outro lado, resulta provado do Relatório que o inspetor que efetuou a visita de novembro de 2015 foi o que efetuou a contagem física da Caixa e constatou a desconformidade do saldo real de caixa com o saldo contabilístico da Conta-Caixa, e que o Relatório de 2016, foi elaborado por inspetor diverso e que este se aproveitou do Relatório de 2015 para, em 2016, afirmar que em 31/12/2014 se encontrava em falta na caixa o valor de 87.435,32 € em dinheiro.
Nesta conformidade, considerando os argumentos e provas aduzidas pelas partes, e considerando o valor probatório do RI, e tendo em conta o que prevê o nº 7 do artigo 110.º do CPPT, consideraram-se provados e não provados com relevo para a decisão os factos atrás discriminados, pelo que, no que respeita à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas pela Requerente e pela Requerida (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes, no depoimento da testemunha, bem como na análise do processo administrativo anexado pela Requerida
4 . Da matéria de direito
Constitui objeto imediato do pedido arbitral a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida com o pedido de anulação da liquidação adicional de IRC e dos juros compensatórios, efetuadas com referência ao ano de 2014; e objeto mediato a declaração da ilegalidade dos atos tributários de liquidação adicional do IRC efetuada pela AT com referência ao ano de 2014, no montante total de € 46.282,73 (quarenta e seis mil duzentos e oitenta e dois euros e setenta e três cêntimos) na qual se inclui a liquidação dos juros compensatórios no montante de € 1.884,66.
A impugnante imputa às liquidações impugnadas os vícios de violação dos princípios tributários da boa fé, da imparcialidade e da proporcionalidade; de preterição de formalidades legais essenciais por falta de fundamentação e por inversão do ónus da prova; vício por erro nos pressupostos de facto e de direito; aproveitamento indevido do princípio veracidade das declarações e da contabilidade; e inexistência de facto tributário.
Solicita também a Requerente, em caso de dúvidas sobre a existência e quantificação do ato tributário, a aplicação do art.º 100º do CCPT.
O tribunal não está vinculado à apreciação dos vícios pela ordem por que foram invocados pelas partes, mas tão só a apreciá-los pela ordem que assegure a melhor proteção ao impugnante e a maior eficácia e estabilidade na tutela dos interesses ofendidos.
Vejamos, então.
A Requerente assaca ao ato tributário impugnado a preterição de formalidades essenciais - ausência de fundamentação substantiva, por entender “… que há violação do dever de fundamentação substantiva porquanto a AT, especificamente com referencia ao exercício de 2014, não indica os fundamentos, os motivos de facto e de direito porque concluiu que, naquele exercício, existe aquela concreta “diferença” entre o “Saldo contabilístico de caixa” e o saldo físico dos meios monetários (o quantum),que a mesma teve origem em “retirada” de fundos e, o tempo e modo em que ocorreram”.
E também porque “AT não deu a conhecer as razões porque, tendo concluído que a “diferença” detetada em Novembro de 2015, vinha já repercutida nas demonstrações financeiras do ano de 2014, se decidiu, não obstante as conclusões de que “analisados todos os registos” não se detetou “nenhum registo nem qualquer documento de suporte”, considerar que foi no exercício de 2014, que ocorreram as “presumidas” retiradas. Tanto mais que a “diferença” vinha já repercutida nas demonstrações financeiras do ano anterior – o exercício de 2013, e assim sucessivamente”.
Na verdade, da consulta aos elementos oficiais juntos aos autos, verifica-se que a decisão da AT, tomada a partir de uma realidade verificada por si em novembro de 2015 não é suficientemente forte para poder concluir-se com certeza, mesmo depois de se afirmar que foram efetuadas análises às saídas de caixa durante o ano de 2015 e que nesse ano elas não ocorreram, que as retiradas terão ocorrido no exercício de 2014, depois de no RI constar que “… no âmbito do presente procedimento inspetivo iniciado em 2016-04-28 (OI2015…), analisamos todos os registos efetuados na conta caixa durante o ano de 2014, não se tendo detetado nenhum registo nem qualquer documento de suporte para a referida retirada de dinheiro da empresa”.
Como decorre do Relatório de Inspeção, a AT afirmou que:
“ 1) Tendo o sujeito passivo apresentado um saldo de caixa em 31-12-2013 considerado elevado em comparação com a atividade declarada, foi o mesmo selecionado para efeitos de contagem física do caixa;
2) O procedimento foi iniciado com a abertura da Ordem de Serviço n.º OI2015..., em sede de retenções na fonte, para o exercício de 2015;
3) Para verificação do saldo da conta “111 – Caixa”, no dia 12-11-2015, foi efetuada uma visita à sede da empresa, com o objetivo de efetuar uma contagem física dos valores, tendo-se apurado não existir qualquer montante de dinheiro em caixa;
4) Foi o sujeito passivo notificado para apresentação de documentos, nomeadamente Balancete o mais recente possível, folhas de caixa relativas ao período de tempo que medeia entre a data do balancete referido anteriormente e a data da contagem do saldo de caixa, extratos da contabilidade das contas Caixa (11) e Bancos (12), extratos bancários que refletissem os movimentos financeiros da empresa para os anos de 2013, 2014 e 2015, cópias das atas de todas as deliberações em assembleia geral da sociedade, desde a data de matrícula, o ficheiro SAF-T da contabilidade de 2015 e outros elementos que achasse importante apresentar para justificar a divergência detetada;
5) Analisados os elementos que nos foram remetidos verificamos que a conta “Caixa” à data de 31-10-2015 tinha registado um valor de 88.334,22 € e a conta de “Depósitos à Ordem” tinha um saldo de 31.391,08 €;
6) O valor registado na conta de “Depósitos à Ordem” à data de 30-09-2015 é coincidente com o valor constante do extrato bancário com a mesma data e os registos posteriores foram conferidos, não se tendo constatado qualquer inconformidade nesta rubrica;
7) Relativamente à conta “Caixa” nota-se uma divergência significativa entre a contagem de caixa efetuada e os valores constantes nos registos contabilísticos da empresa;
8) Durante o mês de novembro do ano de 2015 foram efetuados pagamentos através do caixa no valor de 898,90 €;
9) Analisados os registos contabilísticos efetuados através da conta caixa até à data da visita (2015-11-12), conclui-se que deveria existir um valor de 87.435,32 € em dinheiro nesta data;
10) Acontece que, no dia da visita não existia qualquer montante de dinheiro em caixa, não se tendo determinado a data e forma de retirada do dinheiro;
11) Esta retirada de dinheiro não se comprovou ter ocorrido no ano de 2015, nem a título de distribuição de lucros/adiantamento por conta de lucros, nem por qualquer outra forma, como se conclui pelo corte efetuado à conta caixa, pelo que, se encerrou o procedimento inspetivo ao ano de 2015 e se procedeu à abertura do presente procedimento inspetivo para o ano de 2014;
Informa-nos o Relatório que a Ordem de Serviço n.º OI2015... foi aberta em sede de retenções na fonte, para o exercício de 2015, constatada esta divergências de Caixa, foi aberto novo procedimento com início em 2016-04-28 (OI2015...), no qual se diz:
“ 12) ….analisamos todos os registos efetuados na conta caixa durante o ano de 2014, não se tendo detetado nenhum registo nem qualquer documento de suporte para a referida retirada de dinheiro da empresa;
13) Acontece que comprovamos diretamente não existir dinheiro em caixa na data da visita efetuada às instalações da empresa pelo que se conclui que efetivamente o dinheiro não existe na esfera do património da empresa e que constituiu um exfluxo de caixa sobre o qual não foram encontrados documentos de suporte na contabilidade da sociedade, não se tendo determinado o destino pelo que representa em termos fiscais uma situação designada de Despesas não Documentadas na medida em que houve uma efetiva saída de meios monetários da sociedade sem que para tal haja documento de suporte;
14) Não foi possível também identificar quem foram os destinatários desses meios monetários, impossibilitando assim a tributação na esfera dos beneficiários da operação.”
Confirmou-se, pois, neste Relatório de 2016 que
“ … em 2015-11-12 não existia qualquer importância em caixa.
2. Não nos foram apresentadas atas com indicação de distribuição de resultados;
3. A IES não tem qualquer indicação sobre a ocorrência de distribuição de resultados;
…
5. Em 2015-11-12, realizámos a inventariação de caixa, tendo-se constatado naquela data que o valor era zero, não se tendo comprovado, através da análise de todos os registos contabilísticos das contas de caixa e depósitos bancários e ainda dos extratos bancários que nos foram remetidos, que o dinheiro tenha sido retirado da empresa durante o ano de 2015, concluindo-se que já não estava no caixa da empresa no início do exercício. Então o exfluxo, pagamento e/ou aquisição de bens e/ou serviços ou ainda liberalidade ou conjunto de liberalidades ocorreu durante o ano de 2014.
6. Ficou por conhecer o destino dado aos 87.435,32 € do saldo da caixa.
7. O Código do IRS, apenas permite a presunção de distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros quando se encontrem lançados em quaisquer contas correntes de sócios, (art.º 6.º CIRS) o que não ocorreu no caso em apreço.
8. Assim a situação em apreço apenas tem enquadramento na figura de despesa não documentada, que se traduz numa saída efetiva de valores monetários existentes em caixa, nomeadamente, ”notas de banco ou moedas metálicas de curso legal, cheques ou vales postais, nacionais ou estrangeiros”, que consubstanciam a existência de pagamentos, e/ou a aquisição de bens e/ou serviços, e/ou ainda, uma liberalidade ou conjunto de liberalidades.
… “.
A inspeção Tributária imputou ao ano de 2014 os valores que em 2015 determinou como não existentes em Caixa porque “ … através da análise de todos os registos contabilísticos das contas de caixa e depósitos bancários e ainda dos extratos bancários que nos foram remetidos, que o dinheiro tenha sido retirado da empresa durante o ano de 2015, concluindo-se que já não estava no caixa da empresa no início do exercício”.
Por outro lado, afirmou-se no primeiro Relatório que o saldo de caixa excessivo já se verificava em 2013, mas o mesmo se apura agora que se poderia verificar em todos os exercícios mais próximos que se encontram documentados se tivessem sido fiscalizados, nomeadamente desde 2012, a saber: 104 005,57€-2012; 97 803,26€ em 2013 e 96 976,08€ para 2014.
Ou seja, existindo saldos de caixa considerados excessivos em todos os anos anteriores mais próximos, e até remotos desde o aumento de capital (vejam-se os saldos do anos desde 2007 atrás referidos que estão documentados nos autos), e não tendo sido aferido em relação a eles se os valores estavam ou não em caixa com recurso a idêntico critério ao que foi utilizado para o exercício de 2015, é lícito concluir que em 2015 podem não existir saídas indocumentadas mas também é lícito concluir que as saídas podem ter ocorrido em qualquer um dos anos anteriores, pois os saldos de caixa respetivos dariam cobertura ao montante da saídas considerado para efeitos de tributação autónoma.
Por outro lado, como bem alega a impugnante, o funcionário que elaborou o Relatório no final da execução da OI2015... em 2016 apropriou-se das afirmações constantes do outro relatório elaborado por outro inspetor, afirmando ter constatado em 28/04/2016, que em 12 de novembro de 2015 não existiam na caixa os valores monetários correspondentes ao saldo contabilístico da Conta-Caixa, no montante de 87 435,32€, e que essa falta já se verificava em 31 de dezembro de 2014.
A imputação ao exercício de 2014 aconteceu, segundo a AT, porque não se comprovou “… através da análise de todos os registos contabilísticos das contas de caixa e depósitos bancários e ainda dos extratos bancários que nos foram remetidos, que o dinheiro tenha sido retirado da empresa durante o ano de 2015, concluindo-se que já não estava no caixa da empresa no início do exercício. Então o exfluxo, pagamento e/ou aquisição de bens e/ou serviços ou ainda liberalidade ou conjunto de liberalidades ocorreu durante o ano de 2014.”
Há, pois, uma aparente contradição, uma vez foi verificada a caixa em 2015 e conferida a documentação das saídas para se concluir que o dinheiro não saiu nesse ano, e que terá saído em 2014, mas ao mesmo tempo diz-se que em 2014 também foi efetuada igual conferência e que não se encontra registada de nenhum saída nesse exercício, mas que ainda assim a saída é imputada a 2014.
O que daqui resulta como assente é que nem num ano nem no outro foram encontrados pela inspeção justificativos documentais para a falta dos valores monetários que aí deveriam constar, mas não se explicita cabalmente porque é que os valores saíram em 2014 e não em 2013, por exemplo, exercício que no dizer do Relatório apresentava igualmente “…um saldo de caixa em 31-12-2013 considerado elevado em comparação com a atividade declarada…” que foi o saldo inicial do exercício de 2014 que consta do documento junto aso autos.
É, pois, justificável a dúvida sobre qual o exercício ou exercícios em que ocorreram as retiradas de fundos porque a AT não demonstra, de facto, a razão da sua imputação ao ano de 2014 como sendo aquele em ocorreu a saída em detrimento de qualquer outro em que também haveria saldo excessivo de caixa, ou até mesmo se não saiu em nenhum dos exercícios porque nunca deu entrada na caixa.
Tendo como pano de fundo esta matéria que lhe foi notificada, e que é a base da liquidação da tributação autónoma em IRC imputável ao IRC do exercício de 2014, alega a Requerente que a liquidação enferma de vício de forma por falta de fundamentação substantiva.
Se a Resposta da AT merece a concordância do tribunal quanto à inexistente falta de fundamentação formal, por se constatar que a Requerente demonstra no pedido arbitral ter compreendido inequivocamente as razões que fundamentaram o ato tributário impugnado, o que a jurisprudência e doutrina consideram como suficiente para que o ato se considere suficientemente fundamentado, constata-se, todavia, que sobre a inexistência de fundamentação substancial, também alegada, a Resposta da AT é omissa na impugnação dos argumentos apresentados na PI.
Tudo visto, concluiu-se, portanto, que a fundamentação da decisão é deficiente e insuficiente para justificar a imputação da retirada do valor de 87 435,32€ ao exercício de 2014 porque a retirada de valores poderia ter ocorrido em todos os anos anteriores desde o ano do aumento de capital, o que contraria as disposições do art.º 77º da Lei Geral Tributária pois a decisão do procedimento deve ser sempre fundamentada tanto de facto como de direito. Enferma, pois, de ilegalidade, por vício de falta de fundamentação, o ato tributário impugnado, o que justifica a anulação da liquidação.
Ademais, o fundamento de facto para a liquidação da tributação autónoma aqui em causa é que a saída de dinheiro verificada pela inspeção tributária “ … reveste a forma de despesa não documentada que está sujeita à taxa de tributação autónoma de 50 %, prevista no n.º 1 do artigo 88º do CIRC, em virtude de não existir documento que permita identificar os beneficiários do dinheiro impedindo assim a tributação da operação na esfera de terceiros”.
Portanto, “em conformidade com o exposto, é devido imposto no montante de 43.717,66 € (tributação autónoma de IRC), correspondente a 50 % da divergência de caixa detetada, no valor de 87.435,32 €”
Estabelece o art.º 88º, nº 1 do Código do IRC, que “as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do art 23º.
Porém, e uma vez que a tributação autónoma é liquidada conjuntamente com o IRC, é igualmente aplicável ao caso o nº 1 do art.º 8º do mesmo Código quando estabelece que “… é devido(a) por cada período de tributação que coincide com o ano civil”.
Portanto, as despesas não documentadas que são tributadas em 2014 terão que ser as que foram realizadas no mesmo ano.
A Administração Tributária imputa ao ano de 2014 os valores que em 2015 determinou como não existentes em Caixa porque “ … através da análise de todos os registos contabilísticos das contas de caixa e depósitos bancários e ainda dos extratos bancários que nos foram remetidos, que o dinheiro tenha sido retirado da empresa durante o ano de 2015, concluindo-se que já não estava no caixa da empresa no início do exercício”. Todavia a AT, efetuando igual exercício de conferência para o ano de 2014 concluiu que também não encontrou saídas indocumentadas nesse exercício.
Por outro lado, afirma-se no primeiro Relatório que o saldo de caixa excessivo já se verificava em 2013, o que igualmente se pode constatar agora para todos os anos que se encontram documentados desde 2012, mas o excessivo saldo na contabilidade, nesta ótica, poderia ter sido verificado em todos os exercícios anteriores se tivessem disso fiscalizados.
Ou seja, existindo saldos de caixa considerados excessivos em todos os anos anteriores mais próximos do ano de 2014, e não tendo sido aferido em relação a eles se os valores estavam ou não em caixa por não ter sido efetuado o mesmo exercício de conferência que foi efetuado para o exercício de 2015 e para o exercício de 2014, é plausível concluir que as saídas podem ter ocorrido em qualquer dos anos anteriores atento que os saldos de caixa respetivos dariam cobertura ao montante das saídas considerado para efeitos de tributação autónoma.
A imputação ao exercício de 2014 aconteceu simplesmente porque não se comprovou “… através da análise de todos os registos contabilísticos das contas de caixa e depósitos bancários e ainda dos extratos bancários que nos foram remetidos, que o dinheiro tenha sido retirado da empresa durante o ano de 2015, concluindo-se que já não estava no caixa da empresa no início do exercício.
Então o exfluxo, pagamento e/ou aquisição de bens e/ou serviços ou ainda liberalidade ou conjunto de liberalidades ocorreu durante o ano de 2014.”
Há, pois, uma aparente contradição porque foi verificada a caixa em 2015 e conferida a documentação das saídas ao afirmar-se que o dinheiro não saiu nesse ano pelo que terá saído em 2014, mas ao mesmo tempo diz-se que em 2014 também foi efetuada igual conferência e que não se encontra registada nenhum saída nesse exercício, mas que a saída é imputada a esse exercício.
O que resulta é que nem num ano nem no outro a AT encontrou justificativos documentais na empresa para a falta dos valores monetários que aí deveriam constar, como por exemplo levantamentos por conta dos lucros, mas a AT não justificou cabalmente foi qual a razão que presidiu à sua decisão de considerar que os valores saíram em 2014 e não em 2013, exercício que no dizer do Relatório apresentava também “…um saldo de caixa em 31-12-2013 considerado elevado em comparação com a atividade declarada…”.
Na verdade, não se prova inequivocamente o nexo de causalidade entre a existência de despesas não documentadas e o exercício em que foram efetuadas. E por força do que determina o nº 1 do artº 74º da Lei Geral Tributária “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
Aqui chegados é forçoso concluir que há erro nos pressupostos de facto na liquidação da tributação autónoma imputada ao exercício de 2014 porque não é possível determinar em que exercício ou exercícios se verificou a retirada de verbas que foram consideradas como despesas não documentadas em falta, e que em novembro de 2015 totalizavam a importância de 87.435,32€. Para a liquidação ser referente a 2014 tinham que se identificar os factos tributariamente imputáveis unicamente ao exercício de 2014, por força do citado artº 8º, nº 1, do CIRC, e que não poderiam, em nenhuma circunstância, ser imputados a outro exercício.
Verifica-se, assim, o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, que justifica a anulação da liquidação impugnada, de conformidade com o disposto no art.º 163º do CPA, aplicável subsidiariamente nos termos do artº 2º da LGT.
5. Questões cujo conhecimento fica prejudicado
Tendo em conta a verificação do vício de falta de fundamentação do ato e do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, e considerando igualmente a disposição do art.º 124º do CPPT sobre a tutela judicial efetiva dos interesses da impugnante, considera-se prejudicado, porque inútil, o conhecimento dos restantes vícios alegados no pedido de pronúncia arbitral.
6. Decisão
Nos termos expostos, o Tribunal arbitral julga procedente o pedido de pronúncia arbitral e determina a anulação da liquidação da tributação autónoma nº 2016..., bem como a liquidação de juros compensatórios efetuada conjuntamente, com referência ao exercício de 2014, no montante total de 46 282,73€.
7. Valor económico do processo e custas
Considerando o disposto no art.º 97º-A do CPPT e o art.º 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 46 282,73€.
Tendo em conta o que está previsto no nº 4 do art.º 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2 142,00€, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 29/10/2018
O Árbitro do Tribunal Singular
(José Ramos Alexandre)