Decisão Arbitral
I. Relatório
A... e B... (doravante designados por “Requerentes”), contribuintes com os números de identificação fiscal (“NIF”) ... e ... respetivamente, residentes em ..., ..., ..., ...-..., Portugal, apresentaram no dia 16 de Abril de 2018, em conformidade com o disposto no artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à:
(i) declaração de anulação da decisão da Reclamação Graciosa e, consequentemente, a anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2017..., relativa ao período de tributação de 2016, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 16.508,80;
(ii) consequente substituição por liquidação que aplique os n.os 1 a 3 do artigo 43.º do CIRS;
(iii) restituição do valor considerado pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios.
A) Constituição do Tribunal Arbitral
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 27 de Março de 2018.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, e mediante comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 16 de Abril de 2018.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e comunicado à Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante, “Requerida” ou “ATA”).
B) História processual
No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes peticionaram a anulação da liquidação de IRS n.º 2017..., relativa ao período de rendimentos de 2016, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 16.508,80 e a sua substituição por liquidação que aplique o artigo 43.º do CIRS, alegando que a ATA desconsiderou incorrectamente a aplicação do regime estatuído no artigo 43.º, n.º 3 do CIRS, que prevê que o saldo das mais-valias realizadas com a alienação das partes sociais “relativas a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50% do seu valor”, pelo facto de estarem abrangidos pelo regime dos residentes não habituais (“RNH”).
Paralelamente, pretendem também que lhes seja devolvida a importância paga em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios legalmente devidos.
A ATA apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício dos apontados pelos Requerentes.
Por despacho de 3 de Setembro de 2018, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, e no seguimento do requerido pela ATA, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.
Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respectivos articulados, e fixou como data para decisão arbitral o final do mês de Setembro de 2018.
Posteriormente e ad hoc, foi apensado ao processo um requerimento entregue pelos Requerentes no qual, a titulo voluntário, se anexam as traduções em português de alguns documentos anexos ao processo e, adicionalmente, se requer uma revisão do valor da causa, inicialmente fixada em € 16.508,80 de acordo com a liquidação de IRS n.º 2017..., para € 8.254,40, com o fundamento de que o que se discute é a tributação de 50% das mais-valias mobiliárias realizadas pelos requerentes em 2016, devendo por isso considerar-se como valor da causa metade do valor da referida liquidação de IRS.
Ademais, o Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º, e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas excepções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.
Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.
II. Questão a decidir
A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, deverá consubstanciar-se genericamente na determinação de: (i) em que medida os Requerentes (A... e B...), com os NIF ... e 2 ..., respetivamente, enquanto RNH para efeitos da legislação fiscal portuguesa, poderão beneficiar do regime previsto no artigo 43.º, n.º 3 do CIRS; e (ii) se poderá a alienação das participações sociais de uma sociedade com residência fiscal em França, e por estes detida, ser considerada para efeitos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, e como tal enquadrada como micro ou pequena empresa, conforme alegam os Requerentes.
III. Matéria de facto
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Factos Provados
Examinada a prova documental produzida e o processo administrativo tributário apensado, o tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
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Os Requerentes adquiriram em 2008 um conjunto de participações sociais numa sociedade Holding sediada em França, pelo valor de € 272.000,00 (€ 136.000,00 cada).
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Em 2016, os Requerentes alienaram as participações sociais que detinham nessa sociedade pelo valor de € 350.000,00 (€ 175.000,00 cada), tendo registado tal facto na declaração de IRS Modelo 3 referente ao período de 2016.
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À data da alienação, os Requerentes eram residentes em Portugal, beneficiando do regime fiscal de RNH.
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A Requerida procedeu ao cálculo da mais-valia de acordo com os documentos disponibilizados pelos Requerentes.
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Da entrega da declaração Modelo 3, resultou para os Requerentes, um apuramento de imposto a pagar no valor de € 16.508,80, respeitante à tributação da mais-valia realizada com a venda das referidas participações sociais.
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O montante de imposto em referência foi apurado pela Requerida nos seguintes moldes:
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[€ 136.00,00 * 1,07 = € 145.520,00 – ou seja, (valor de aquisição das participações socias * coeficiente de desvalorização da moeda de acordo com a Portaria 316/2016 de 14 de Dezembro)];
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[€ 145.520,00 – € 175.000,00 = € 29.480,00 – ou seja, (valor de aquisição atualizado – valor de venda)];
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[€ 29.480,00 * 2 = € 58.960,00 – ou seja, (mais-valia realizada * número de titulares das participações)];
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[€ 58.960,00 * 28% = € 16.508,80 – ou seja, (mais-valia realizada * taxa aplicável segundo o artigo 72.º, n.º 1, alínea c) do CIRS)].
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Os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS n.º 2017..., que apurou o valor a pagar de € 16.508,80, do qual apresentaram Reclamação Graciosa por considerarem não lhes ter sido aplicada a percentagem de 50% prevista no n.º 3 do artigo 43.º do CIRS.
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Os Requerentes juntaram ainda os documentos a fazer prova da reunião dos requisitos para enquadramento da sociedade Holding francesa para efeitos do artigo 43.º, n.º 3 do CIRS, peticionando a anulação da liquidação controvertida.
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Fundamentação da fixação da matéria de facto
A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações.
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Factos não provados
Entende ainda este Tribunal que não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.
IV. Do Direito
A) Quadro jurídico
Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa elencar, antes de mais, as principais normas que compõem o quadro jurídico em presença, o qual é constituído nomeadamente pelo Código do IRS, pelo Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro e respectivo anexo, e ainda pela Convenção para eliminar a dupla tributação (“CDT”) celebrada entre Portugal e França, devendo notar-se que a redação de todos eles será a considerada à data da ocorrência dos factos.
Rendimentos de Categoria G
Dispõe o artigo 10.º, n.º 1 do CIRS que “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) (…)
b) Alienação onerosa de partes sociais (…)”.
Residência Fiscal / RNH
Determina desde logo o artigo 16.º do CIRS que:
“N.º 1 – São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
(…)
N.º 8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
N.º 9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”
No que respeita às regras de tributação dos RNH estatui ainda o artigo 81.º do CIRS:
“N.º 5 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou ainda da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes:
a) possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou
b) possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que aqueles não constem de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis e, bem assim, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.”
CDT Portugal - França
Nos termos do artigo 14.º, n.º 3 da CDT celebrada entre Portugal e França “os ganhos provenientes da alienação de quaisquer outros bens, diferentes dos mencionados nos n.os 1 e 2, só podem ser tributados no Estado Contratante de que o alienante é residente.” Note-se que, onde se lê “quaisquer outros bens” deve entender-se, por exclusão, os ganhos da alienação de partes sociais de sociedades cujo ativo não seja composto essencialmente por bens imobiliários.
Mais-Valias Fiscais
Estatui o artigo 43.º do CIRS, o seguinte:
“N.º 1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
(...)
N.º 3 - O saldo referido no n.º 1, respeitante às transmissões previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.
N.º 4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro”.
À data dos factos, o artigo 72.º, n.º 1, alínea c), previa que “o saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º” seria tributado à taxa autónoma de 28%.
Certificação de micro e pequenas empresas
No que concerne ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, com as alterações resultantes do Decreto-Lei n.º 143/2009 de 16 de Junho, deve ressalvar-se que o mesmo deve ser chamado à colação por via do artigo 43.º, n.º 3 do CIRS, que estabelece no seu artigo 1.º, quanto ao respetivo objeto, que:
“N.º 1. - É criada a certificação por via electrónica de micro, pequenas e médias empresas, adiante designadas por PME.
N.º 2 – A certificação referida no número anterior permite aferir o estatuto de PME de qualquer empresa interessada em obter tal qualidade”.
Paralelamente, o artigo 2.º do aludido diploma prevê que para efeitos do presente
Decreto-Lei, a definição de PME, bem como os conceitos e critérios a utilizar para aferir o respectivo estatuto, constam do seu anexo, que dele faz parte integrante, e correspondem aos previstos na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de maio.
De acordo com o anexo mencionado supra, cumpre evidenciar os seguintes preceitos:
Nos termos do artigo 1.º “entende-se por empresa qualquer entidade que, independentemente da sua forma jurídica, exerce uma actividade económica. São, nomeadamente, consideradas como tal as entidades que exercem uma actividade artesanal ou outras actividades a título individual ou familiar, as sociedades de pessoas ou as associações que exercem regularmente uma actividade económica”.
Para efeitos do artigo 2.º do referido anexo atente-se ainda que:
“N.º 1 - a categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.
N.º 2 - na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros.
N.º 3 - Na categoria das PME, uma micro empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros”.
Nos termos do artigo 4.º, n.º 1 “os dados considerados para o cálculo dos efectivos e dos montantes financeiros são os do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual. Os dados são tidos em conta a partir da data de encerramento das contas. O montante do volume de negócios considerado é calculado com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e de outros impostos indirectos”.
Por último, refere o artigo 6.º, n.º 2 do anexo, que “os dados, incluindo os efectivos, de uma empresa que tenha empresas parceiras ou associadas são determinados com base nas contas e em outros dados da empresa, ou – caso existam – das contas consolidadas da empresa, ou das contas consolidadas nas quais a empresa for retomada por consolidação. Aos dados referidos no primeiro parágrafo devem agregar-se os dados das eventuais empresas parceiras da empresa considerada, situadas imediatamente a montante ou a jusante da mesma”.
Deste modo, é com base no presente quadro jurídico que cumpre apreciar:
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em que medida podem os Requerentes, na qualidade de RNH, beneficiar da aplicação do artigo 43.º, n.º 3 do CIRS à alienação de partes sociais em sociedade por eles detida, e,
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se é possível a qualificação de uma sociedade francesa como pequena ou micro, à luz do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro.
B) Argumentos das partes
A este respeito, os Requerentes alegaram, em síntese, o seguinte:
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Falta de fundamentação por parte da ATA no que respeita ao indeferimento da Reclamação Graciosa, quer no que respeita à impossibilidade de aplicação do regime previsto no artigo 43.º, n.º 3 do CIRS aos Requerentes, enquanto RNH, quer quanto à impossibilidade de a sociedade sediada em frança estar abrangida pelo disposto no Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro.
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Consequente violação dos deveres de fundamentação do ato tributário, conforme disposto no artigo 77.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”), especificamente no que se reporta ao n.º 2 deste artigo, que por sua vez determina que “A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
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Consideram ainda os Requerentes que neste âmbito se deve dar cumprimento ao preceituado no artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), que estipula que “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
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Concluem os Requerentes no âmbito da presente temática, pela ineficácia do ato administrativo (indeferimento da Reclamação Graciosa) por violação dos deveres de fundamentação do mesmo.
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No que respeita à questão da residência fiscal dos Requerentes, consideram os mesmos que o regime dos RNH é um regime especial, cuja aplicação apenas se verifica em relação a determinados tipos de rendimentos previstos no artigo 81.º do CIRS, estando ainda dependente da verificação de determinadas circunstâncias.
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Defendem assim que um RNH que aufira rendimentos em Portugal será sempre tributado segundo o regime geral, com exceção dos rendimentos que cumpram os requisitos para aplicação do artigo 81.º do CIRS (regime especial).
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Por via do artigo 16.º, n.º 8 do CIRS, deve considerar-se ainda que, os RNH, são antes de mais, residentes para efeitos fiscais em Portugal.
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De acordo com o preceituado dos n.os 4 a 9 do artigo 81.º do CIRS, os rendimentos de categoria G auferidos no estrangeiro por RNH beneficiam do método da isenção desde que possam ser tributados no outro Estado contratante, conforme definido pela CDT celebrada entre Portugal e o respetivo Estado.
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Determina a CDT celebrada entre Portugal e França no artigo 14.º, n.º 3 que os ganhos resultantes da alienação de participações sociais apenas podem ser tributados no Estado de residência do seu titular, no caso, em Portugal.
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A impossibilidade de aplicação do artigo 81.º, n.º 5 do CIRS, não permitindo, portanto, aplicação do método da isenção e consecutivamente, que os Requerentes pudessem beneficiar deste regime especial, implica a tributação das mais-valias de acordo com o regime geral.
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No que respeita à tributação de 50% do saldo da mais-valia, os Requerentes preencheram e entregaram o anexo J da Modelo 3 de IRS, relativo ao período de 2016, não tendo identificado a sociedade em causa como micro/pequena, pela alegada impossibilidade de inclusão de tal informação no respetivo formulário.
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Os Requerentes defendem a aplicação do regime previsto no artigo 43.º, n.º 3 do CIRS ao seu caso concreto, na medida em que nenhuma das normas restringe ao seu campo de aplicação a sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal (nomeadamente, o Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, no seu artigo 1.º).
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O Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro exige a verificação de dois requisitos cumulativos para a determinação de uma empresa como pequena/micro empresa, especificamente: (i) necessidade de empregar menos de 50/10 pessoas, respetivamente; (ii) volume de negócios anual ou balanço total anual que não exceda 10/2 milhões de Euros, respetivamente.
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Segundo o n.º 1 do artigo 4 do referido Decreto-Lei “Os dados considerados para o cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros são os do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual. Os dados são tidos em conta a partir da data de encerramento de contas. O montante do volume de negócios considerado é calculado com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e de outros impostos indiretos.”
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Tendo a alienação das referidas participações ocorrido em Janeiro de 2016, considerou-se o volume de negócios respeitante ao exercício de 2015, sendo que, como o ano fiscal das sociedades em questão se inicia a 1 de Julho e termina a 30 de Junho, se consideram as contas de 2016 como as do último exercício encerrado.
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Analisadas as contas da sociedade cujas participações se alienaram, verifica-se que, em 2015, se encontravam verificados os requisitos para sua consideração enquanto pequena empresa.
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As empresas B..., C... e D..., todas sediadas em França, devem ser consideradas como associadas, para efeitos do artigo 3.º, n.º 3 do Anexo ao Decreto-Lei 372/2007, de 6 de Novembro, pelo que os dados relevantes são considerados com base nas contas consolidadas, conforme resulta do artigo 6.º, n.º 2 do Anexo ao mesmo Decreto-Lei.
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Nesta medida conclui-se que, no conjunto, as empresas têm 27 trabalhadores e um volume de negócios de € 4.028.000.
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Assim, entende-se que o artigo 43.º, n.º 3 do CIRS não limita a sua aplicação às sociedades sediadas em Portugal.
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Entendimento contrário seria discriminatório e por isso frontalmente contra as regras do Direito Comunitário.
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O Decreto-Lei tomado em consideração tem na sua base a Recomendação da Comissão n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de Maio de 2003 (conforme consta do artigo 2.º do Decreto-Lei 372/2007, de 6 de Novembro), significando que as normas que aí preveem a qualificação dos vários tipo de empresa (v.g. micro / pequena) têm génese comunitária e partem de um pressuposto de harmonização legislativa no território da União Europeia, pelo que também as normas francesas preveem os mesmos critérios quantitativos.
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Adicionalmente, a generalidade das empresas segue as normas contabilísticas de origem internacional (“IAS/IFRS”), pelo que a forma de apuramento do volume de negócios, ou do valor de balanço é uniforme nos vários países da União Europeia.
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Existem ainda outras regras fiscais portuguesas, tal como o regime da neutralidade fiscal (previsto nos artigos 73.º e ss do Código sobre os Rendimentos das Pessoas Coletivas, “CIRC”), aplicáveis quando estejam envolvidas empresas sediadas noutros países da União Europeia.
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É hoje claro que a lei não impõe a existência de certificação emitida pelo IAPMEI como PME, para que o regime de tributação das mais-valias em apenas 50% seja aplicável, conforme resulta da Decisão Arbitral 270/2013-T de 23/04/2014, cuja argumentação tem ainda por base a Circular n.º 7/2014 da Direção de Serviços do IRS.
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Concluem assim os Requerentes pela aplicação do artigo 43.º, n.º 3 do CIRS à alienação das participações sociais da referida sociedade com residência fiscal em França, devendo consecutivamente considerar-se a sua tributação em apenas 50%.
A Requerida alega, em síntese, o seguinte:
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Na sequência de atendimento pessoal com os Requerentes, a fim de determinar o cálculo do valor em causa, os serviços esclareceram que se tratava de IRS correspondente à tributação autónoma de mais-valia gerada com a alienação de participações sociais, calculada de acordo com o disposto no artigo 72.º, n.º 1, alínea c) do CIRS.
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As invocadas razões de facto e direito alegadas pelos Requerentes na Reclamação Graciosa respeitante à liquidação de IRS n.º 2017/..., estão longe de fundamentar e sustentar quaisquer pretensões formuladas.
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Na esteira das alegadas violações dos artigos 77.º da LGT e 268, n.º 3 da CRP, deve atender-se ao artigo 66.º, n.º 2 do CIRS, ao determinar que “a fundamentação deve ser expressa através de exposição, ainda que sucinta, das razões de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclarecem concretamente a sua motivação”.
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Não tendo de obedecer a cânones específicos, impõe-se, no entanto, que a motivação se mostre apta a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinaram o ato, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais.
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Nos termos do artigo 125.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), a fundamentação considera-se: (i) suficiente – quando abarca todos os elementos escolhidos pela administração de forma a permitir a constituição do iter lógico e jurídico do procedimento que terminou com a decisão final; (ii) clara – quando é inteligível, sem ambiguidades nem obscuridades, tendo em conta a figura do destinatário normal que na situação concreta tenha de compreender as razões decisivas e justificativas da decisão; e (iii) congruente – quando exprime consonância entre os pressupostos normativos do ato e os motivos do mesmo, sendo que a adoção de argumentos que por contradição não esclarecem concretamente a motivação do ato, equivale à falta de fundamentação.
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Refere o acórdão do STA, de 06/02/2013, proferido no processo n.º 0581/12 que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de ato e circunstâncias concretas em que foi proferido, bastando-se a suficiência da declaração fundamentadora do ato avaliativo, com um discurso claro e racional que dê a conhecer a um destinatário normal os critérios de avaliação/determinação utilizados e as razões por que foram alcançados os valores considerados.
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Refere ainda o acórdão do STA de 14/10/2009, proferido no processo n.º 0740/09, que “mostra-se fundamentado, do ponto de vista formal, o ato tributário de liquidação de IRS, se a Administração Tributária indicou os factos nos quais se baseou para efectuar a liquidação e se de tais factos resultam claramente os motivos pelos quais decidiu em certo sentido e não noutro”.
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Efetivamente os termos do ato de indeferimento permitem o conhecimento integral do itinerário seguido pela ATA, tanto que, do apuramento da matéria coletável, os Requerentes reagiram e deduziram pedido arbitral.
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Neste contexto, o procedimento descrito cumpriu com o disposto no artigo 65.º, n.º 4 e 5 do CIRS, nunca colocado em causa pelos Requerentes, pelo que a falta de fundamentação alegada pelos Requerentes deve ser tida como improcedente.
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No que respeita ao erro na determinação do rendimento coletável, entende a ATA que os RNH têm um regime de tributação próprio (vide artigos 16.º, n.º 8, 72.º e 81.º do CIRS).
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Este regime próprio permite, nomeadamente, optar pelo método da isenção previsto no n.º 5 do artigo 81.º do CIRS.
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Como tal, a existência de um regime próprio, impossibilita a aplicação aos Requerentes, das regras aplicáveis aos residentes, designadamente a prevista no artigo 43.º, n.º 3 do CIRS.
C) Apreciação do tribunal
Da falta de fundamentação
A fundamentação apresentada pela ATA para o indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pelos Requerentes teve essencialmente por base o facto de o regime de RNH ser um regime próprio, que, como tal, permitia o benefício previsto no artigo 81.º, n.º 5 do CIRS, pelo que tal previsão específica impossibilitaria que se pudesse beneficiar de um regime (artigo 43.º, n.º 3 do CIRS) previsto para os residentes, que como tal fossem considerados como RNH.
Nesta sede, cumpre antes de mais salientar que, no que respeita à alegada falta de fundamentação, não se pretende aferir do mérito da aplicabilidade do artigo 43.º, n.º 3 do CIRS, per se, aos Requerentes, mas sim, aferir se o indeferimento à Reclamação Graciosa intentada pelos Requerentes, padeceu desse vício de falta de fundamentação.
A este respeito, e atendendo-se ao já supra mencionado pelas partes, importa reforçar o artigo 66.º, n.º 2 do CIRS, ao determinar que “a fundamentação deve ser expressa através de exposição, ainda que sucinta, das razões de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclarecem concretamente a sua motivação” e ainda o artigo 125.º, n.º 2 do CPA ao exigir que a fundamentação seja suficiente, clara e congruente.
Conforme se pode verificar, a determinação legislativa sobre esta temática é realizada com o recorrer a um conjunto de conceitos indeterminados, que carregam tal decisão de uma elevada apreciação subjetiva dos factos subjacentes.
Assim, apesar do claro objetivo da lei ao concretizar alguns destes conceitos indeterminados (i.e. a suficiência, a clareza e a congruência), será sempre necessário proceder-se a um juízo de valor, o que implicará correspetivamente uma subjetivação implícita da análise.
Quer com isto dizer-se que, a barreira entre a consideração, ou não, de um vício de falta de fundamentação, pode ser demasiado ténue, pelo que o critério decisor deverá, como tal, tentar obter-se do modo mais objetivo possível.
Nesta medida, deve notar-se que objetivamente a ATA fundamentou, ainda que de modo simplista, a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, ao considerar que o n.º 5 do artigo 81.º do CIRS prevê um regime próprio que impossibilita que os sujeitos passivos que nele se enquadrem, possam beneficiar das regras aplicáveis aos demais residentes.
Saliente-se que não se está aqui a determinar o mérito da fundamentação, mas sim a sua existência, ou seja, ainda que não se concorde com os argumentos utilizados pela ATA, e se considerem os mesmos injustificados, não se poderá por em causa a efetiva existência de uma justificação da tomada de decisão.
Seguidamente, deve ainda verificar-se que quanto ao teor da fundamentação, a mesma pode ser sucinta, conforme prevê o artigo 66.º, n.º 2 do CIR, desde que esclarecedora da sua motivação.
Considera este tribunal que a presente fundamentação, apesar de sucinta, se mostra esclarecedora da sua motivação (saliente-se mais uma vez que tal deve ser apreciado independentemente de se concordar, ou não, com o mérito dos argumentos, já que tal deve ser aferido através de um outro pedido no qual se apresentam os motivos para a não concordância), pelo que, na senda do referido, deverá considerar-se negada a procedência do pedido realizado pelos Requerentes de falta de fundamentação do indeferimento à Reclamação Graciosa.
Da aplicação do artigo 43.º, n.º 3 do CIRS à alienação de partes sociais detidas por RNH
O Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de Setembro, criou o regime fiscal para os RNH em sede de IRS, tendo em vista atrair para Portugal profissionais não residentes, qualificados em atividades de elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial ou know-how, bem como beneficiários de pensões obtidas no estrangeiro.
Nesta medida o artigo 81.º, n.º 5 do Código do IRS, estabelece que se aplicará o método da isenção, com referência a rendimentos das Categorias B, E, F e G, obtidos no estrangeiro por residentes não habituais em território português, bastando para o efeito que se verifique qualquer uma das seguintes condições:
“(…)
a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou
b) Possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que aqueles não constem de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis e, bem assim, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português”.
Deve assim notar-se que o objetivo do legislador é, através da introdução deste regime, conceder uma vantagem fiscal a determinados sujeitos que considera relevantes como forma de atração de rendimento para o território português.
Este regime reveste por isso características especificas que o tornam num regime próprio tal como refere a ATA, podendo considerar-se nessa medida como um regime especial de tributação.
A questão que se coloca prende-se, no entanto, com o procedimento a seguir em caso de não aplicação deste regime específico.
Nesta medida deve entender-se que, não se podendo aplicar o regime especial previsto para os RNH, devem ser-lhes aplicadas as regras gerais previstas no CIRS para os demais residentes. Isto quer dizer que se lhe deverão ser aplicadas todas as regras do regime geral e não apenas parte.
Ora, o regime geral de tributação de residentes prevê especificamente no artigo 43.º, n.º 3 do CIRS a possibilidade de tributação em apenas 50% das mais-valias realizadas com a alienação de partes sociais em micro ou pequenas empresas.
Como tal, tratando-se de uma mais-valia que preencha os requisitos de aplicação desta norma, deverá considerar-se a sua aplicação por via da aplicação do regime geral.
Mais, não pode a ATA considerar a aplicação do regime de correção monetária previsto no artigo 50.º do CIRS e depois fundamentar a impossibilidade de aplicação do artigo 43.º, n.º 3 do CIRS, quando o mesmo é também parte integrante do regime geral de tributação das mais-valias, sob pena de patente contradição.
Assim, com base no argumento da Requerida, a impossibilidade de aplicação do regime de RNH determinaria que não se pudesse beneficiar de uma vantagem fiscal (artigo 43.º, n.º 3 do Código do IRS) especificamente criada para o efeito, já que, segundo a mesma, tal vantagem apenas se poderia aplicar aos residentes fiscais. No entanto, deve notar-se que não se podendo aplicar o regime de RNH, terá de aplicar-se subsidiariamente o regime dos demais residentes, com as vantagens e desvantagens fiscais que dali possam advir.
Logo, deve ser claro que os regimes têm de ser aplicados na sua totalidade, ou seja, verificando-se os requisitos para aplicação do regime de RNH, deve o mesmo ser aplicado de modo global e não apenas na parte da qual resulte uma beneficiação para esse sujeito passivo. E, também quanto à aplicação do regime geral, por impossibilidade de aplicação do regime de RNH, não se poderá apenas considerar a aplicação de parte das normas previstas nesse regime, sob pena de tratamento discricionário e desproporcional dos sujeitos passivos.
Deve, pois, concluir-se que, os regimes devem ser aplicados na sua totalidade, o que determina que um RNH que não verifique os requisitos de aplicação do artigo 81.º, n.º 5 do CIRS, deverá subsuntivamente beneficiar do regime previsto no artigo 43.º, n.º 3 do CIRS, caso se encontrem preenchidos os requisitos necessários para a sua aplicação e nas mesmas condições que os demais residentes fiscais.
Da qualificação de sociedade francesa como pequena ou micro à luz das regras portuguesas
No que respeita à já citada redação do n.º 3 do artigo 43.º do CIRS, a mesma foi introduzida pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, que revogou a isenção das mais-valias relativas à alienação de ações detidas pelo seu titular por mais de 12 meses e criou, além do regime em análise, um regime de isenção das mais-valias para pequenos investidores, previsto no artigo 72.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (entretanto revogado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro), tratando-se nesta medida de uma norma de exclusão parcial de tributação com natureza de benefício fiscal.
Conforme já foi decidido previamente por este douto tribunal, na sentença de 27/01/2014 relativa ao processo n.º 155/2013-T, da qual, por concordância, se socorremos infra de alguns trechos, “(...) o legislador não estabeleceu qualquer limitação quanto à residência da sociedade cuja participação ou participações geraram a mais-valia tributável.”
Entende o referido acórdão que, tratando-se da alienação de uma sociedade residente no espaço Europeu, o campo de aplicação da redução a 50% deve ser visto na esfera individual dos acionistas e não da empresa. O que poderia ocorrer seria a afetação da concorrência fiscal entre países, pois poderia ser mais compensador criar uma PME em Portugal, ao invés de noutro país da União Europeia, tratando-se assim de uma desigualdade ao nível da concorrência fiscal, que vai contra os princípios gerais de direito da União Europeia.
Por outro lado, e conforme é entendido no referido acórdão, poderia defender-se que, se o legislador quisesse estabelecer a limitação do benefício às participações em empresas nacionais, bastaria acrescentar (...)relativo a micro e pequenas empresas com sede em território português(...).
Da análise do CIRS pode então concluir-se que o legislador estabeleceu expressamente limites às normas que consagram exclusões ou tratamento fiscal mais favorável, conforme se pode verificar pelo n.º 2 do mesmo artigo 43º do CIRS, ao determinar que a exclusão de tributação das mais-valias relativas à alienação de imóveis apenas é aplicável a residentes fiscais.
Atendendo-se assim às regras de interpretação de lei, determina o artigo 9.º do Código Civil (por via da remissão operada pelo artigo 11.º da LGT), que a interpretação não pode cingir-se à letra da lei, devendo antes reconstituir-se o pensamento legislativo a partir dos textos.
Deste modo deve verificar-se antes de mais que a exclusão em causa, só indiretamente constitui um benefício para as micro e pequenas empresas. “Em primeira linha, o benefício serve exclusivamente ao sócio financiador do capital social da sociedade. E, quanto a este, não há dúvidas de que o benefício é concedido a um residente em território português que aqui pagará imposto pela mais-valia gerada.”
Deverá ainda entender-se que também as micro e pequenas empresas beneficiam desta isenção na medida em que “se o sócio investe o seu capital numa empresa, a empresa reforça os seus capitais próprios e disponibilidades financeiras, obtendo, por isso, uma vantagem”.
Caso não se concorde com tal entendimento e, ainda assim, se considere que o presente benefício apenas seja dirigido a micro e pequenas empresas residentes em território português, tal raciocínio encontra objeções nos princípios de Direito Europeu, v.g., liberdade de estabelecimento e não discriminação, que por sua vez impedem que um benefício desta natureza seja aplicado em exclusivo às mais-valias resultantes da alienação de participações sociais de empresas que tenham a sua sede em Portugal.
Mais, tal como refere o acórdão do STA de 16-1-2008 no processo n.º 439/06 (ex vi do já supra mencionado acórdão deste tribunal de 27/01/2014), “ainda que o legislador tivesse explicitamente determinado a aplicação deste benefício às empresas nacionais estaria a violar frontalmente o Direito Comunitário, tal como aconteceu com o já citado n.º 2 do artigo 43.º do CIRS[ “(…)o n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas por residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.”
Pese embora no caso referido no dito acórdão se estivesse perante uma discriminação das pessoas singulares, entre residentes e não residentes em Portugal, relativamente a rendimentos de idêntica natureza, obtidos no mesmo país, atendendo-se à questão do ponto de vista dos sujeitos passivos singulares, ao invés dos coletivos, constituiria violação frontal do princípio constitucional da igualdade tributária (artigo 13.º da CRP) distinguir para efeitos de tributação, a origem de iguais rendimentos, o que implicaria que o mesmo rendimento de dois nacionais fosse tributado de diferente modo perante uma mesma lei.
“Vistas as coisas em diversas perspetivas e tendo também em conta a unidade do sistema jurídico (n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, ex vi artigo 11.º da LGT), não parece que se possa interpretar de forma restritiva o mencionado benefício.
Visto na ótica da empresa - que não é, como se viu, a relevante para a conclusão sobre a tributação das mais valias - perante a ausência de um critério expresso na lei, concluir que apenas se aplica a micro ou pequenas empresas com sede em território nacional, parece constituir um salto dedutivo que não tem na letra da lei qualquer conexão”.
Assim, deve concluir-se, na senda do raciocínio já previamente vertido por este tribunal que, releva essencialmente para o efeito, “a localização dos sujeitos passivos e os rendimentos por eles obtidos, independentemente de provirem ou não do estrangeiro”, desde que não haja normas internacionais ou comunitárias aplicáveis que ditem o contrário.
Deste modo, deve entender-se que ainda que se trate de uma sociedade com residência fiscal em França, caso se verifiquem os requisitos para aplicação do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, deverá concluir-se pela possibilidade da sua aplicação.
Por último, deve ainda notar-se que de acordo com a jurisprudência que vem sendo consensual quanto ao tema e sobre o qual já nos pronunciámos no passado (v.g. Acórdão CAAD, processo n.º 362/2014-T), não constitui requisito necessário para a aplicação do n.º 3 do artigo 43.º do CIRS a obtenção, pela micro ou pequena empresa, de certificação eletrónica como PME pelo IAPMEI. Aliás, a questão encontra-se ultrapassada também pelos próprios serviços tributários, conforme se pode constatar através da Circular n.º 7/2014 da Direção de Serviços do IRS.
Neste contexto, o presente tribunal entende que se deve proceder à anulação da liquidação adicional efectuada pela ATA, nos termos supra expostos e que se promova, dessa forma, ao reembolso do montante pago em excesso pelos Requerentes, no montante de € 8.254,40.
D) Dos juros indemnizatórios
Para além do reembolso do imposto pago indevidamente, os Requerentes terão ainda pedido a condenação da ATA ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados desde a data do pagamento, até integral restituição do montante pago em excesso.
Prevê a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, o que se deve entender, em conformidade com o artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, como abrangendo o pagamento de juros indemnizatórios, em consonância, aliás, com o disposto no n.º 5 deste mesmo artigo 24.º do RJAT.
Neste contexto, esclarece o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Tendo em consideração que, no caso em apreço, se verifica a ilegalidade do acto de liquidação, o qual é imputável à ATA, que, por sua iniciativa, na liquidação impugnada, procedeu à incorrecta interpretação e aplicação ao caso da normatividade substantiva analisada supra, têm os Requerentes direito, em conformidade com os artigos 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do imposto pago em excesso no montante de € 8.254,40 e aos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código do Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), calculados sobre a indicada quantia de € 8.254,40 desde o momento do pagamento do imposto, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até ao integral reembolso do montante referido.
IV. Decisão
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar improcedente o pedido de falta de fundamentação do indeferimento à Reclamação Graciosa relativa à liquidação de IRS n.º 2017... .
B) Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de IRS n.º 2017..., no montante de € 16.508,80 e a sua substituição por liquidação que aplique o artigo 43.º, n.º 3 do CIRS.
C) Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do CPPT, no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre a quantia paga em excesso de € 8.254,40 desde o momento do pagamento do imposto, até ao integral reembolso do montante referido; e
D) Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. Valor do processo
Importa salientar que os Requerentes apensaram ad hoc ao processo, um requerimento para revisão do valor da causa no qual se determinava que, apesar de se ter inicialmente considerado o valor do processo em € 16.508,80 de acordo com a liquidação de IRS n.º 2017..., o que se discute é a tributação de 50% das mais-valias mobiliárias realizadas pelos Requerentes em 2016, pelo que o valor da presente ação se deveria considerar reduzido para apenas € 8.254,40.
Nesta medida, referiram os Requerentes que, apesar de inicialmente terem considerado a taxa de arbitragem em € 1.224, 00 tendo portanto pago o valor de € 612,00 aquando da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, a mesma deveria ser antes de € 918,00, requerendo-se por esse motivo que o pagamento da taxa de arbitragem se pudesse realizar pela diferença, ou seja, € 318,00.
Ora, o artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), refere em síntese, que havendo um ato de liquidação, o valor atendível para efeitos de determinação do valor da causa é o valor do ato cuja anulação se pretende.
Deste modo, se o incidente levantado pelos Requerentes fosse julgado procedente, significaria que o julgador estaria a antecipar uma decisão de mérito sobre os vícios imputáveis ao ato de liquidação, antes da prolação da Decisão Arbitral.
Assim, deve considerar-se que a lei é clara nesta matéria, não deixando margem ao julgador para alteração do valor da causa quando esteja a ser discutida a legalidade de um ato de liquidação, pelo que, em consonância com o supra referido, se fixa o valor do processo em € 16.508,80.
VI. Custas
De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência do pedido.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 27 de Setembro de 2018
O Árbitro
(Sérgio Santos Pereira)