Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Dr.ª Raquel Franco e Dr. Luís Manuel Pereira da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-03-2016, acordam no seguinte:
1. Relatório
A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, doravante designada por “Requerente”, com o número de identificação de pessoa colectiva ... e morada fiscal na ... n.º..., ..., ... -... Lisboa, veio requerer, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, a constituição de Tribunal Arbitral Colectivo.
A Requerente pretende que seja
– declarada a ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico e, bem assim a ilegalidade das correcções em sede de IVA e dos actos de liquidação adicional de IVA e dos correspondentes juros compensatórios respeitantes aos exercícios de 2010 (liquidação de IVA n.º ... e liquidações de juros compensatórios n.ºs ... e ...) e de 2011 (liquidações de IVA n.ºs ..., ... e ..., e liquidações de juros compensatórios n.ºs ..., ... e ...), com a sua consequente anulação, com todas as consequências legais, designadamente a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso de € 393.248,15 e ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre este montante a uma taxa idêntica à dos juros compensatórios a favor do estado, contados desde a data em que foi paga a quantia indevida, isto é, 29-01-2014, até integral reembolso;
– a título subsidiário, e na medida em que não seja claro para o tribunal arbitral, não obstante a jurisprudência comunitária já produzida sobre a matéria, o alcance dos artigos 167.º, 168.º 169.º e 179.º da Directiva IVA, ou de qualquer outra norma da Directiva IVA que possa em seu juízo interferir com a boa solução deste caso, deverá então este Tribunal Arbitral promover o reenvio prejudicial, das questões que entenda suscitar, para o Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-01-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 16-02-2016.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 02-03-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, em que defendeu a improcedência do pedido.
Por despacho de 12-04-2016, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.
As Partes apresentaram alegações.
As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre reenvio prejudicial para o TJUE. Apenas a Requerente se pronunciou dizendo, em suma, que não é possível encontrar jurisprudência comunitária sobre o específico obstáculo que a Inspecção tributária portuguesa levantou no caso concreto à dedução do IVA aqui em causa, que a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira não tem suporte legal e que não se justifica o reenvio prejudicial. No entanto, a Requerente apresentou sugestões sobre as questões a colocar ao TJUE.
Por acórdão de 29-06-2016 foi decidido proceder a reenvio prejudicial para o TJUE que, por acórdão de 07-08-2018 veio a decidir que
Os artigos 167.° e 168.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010, assim como o princípio da neutralidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal de um Estado‑Membro considere que uma sociedade que tem a sua sede noutro Estado‑Membro e a sucursal que a mesma detém no primeiro desses Estados constituem dois sujeitos passivos distintos por cada uma dessas entidades dispor de um número de identificação fiscal e, por essa razão, recuse à sucursal o direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) liquidado nas notas de débito emitidas por um agrupamento complementar de empresas do qual a referida sociedade, e não a sua sucursal, é membro.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente e não foram suscitados obstáculos a apreciação do mérito da causa.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
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A sociedade de direito alemão B..., cuja identificação fiscal é DE..., doravante designada por B..., obteve em Portugal, em 03-03-2009, o NIPC ..., correspondente a entidade não residente sem estabelecimento estável, para a realização de acto isolado (aquisição de participações sociais) (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente é sucursal da referida sociedade B... e foi registada em Portugal com o NIPC ..., obtido em 07-04-2009 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A B... constituiu, em 17-04-2009, um Agrupamento Complementar de Empresas, conjuntamente com a C... SA, nas proporções, de contribuição genérica para os encargos do mesmo, de 15% e 85%, respectivamente, designado por "D..., ACE", com o NIPC ..., doravante designado por D...(documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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O objecto do contrato constitutivo do D... ACE, constitui no seguinte: “Melhoria das condições de exercício e de resultados das actividades económicas das empresas agrupadas, através da realização, em conjunto, da empreitada de engenharia, fornecimento e construção "Engineering-Procurement-Construction" designada por "Implementação do Projecto de Expansão do ...", na modalidade de preço global revisível e chave na mão", para o projecto de expansão do ..., bem como, quaisquer outros trabalhos, serviços e fornecimentos para os quais o agrupamento seja solicitado e respeitem directa ou indirectamente ao supra referido objecto, podendo ter como fim acessório a realização e a partilha de lucros.” (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Para a constituição do D..., a B... utilizou o NIPC..., correspondente a entidade não residente sem estabelecimento estável;
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Em 04-05-2009, a Requerente, A... Sucursal em Portugal, celebrou com o D... um contrato de sub-empreitada da obra propriedade da E... em causa (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Para efeitos fiscais, a Requerente declarou o início de actividade em 13-04-2009, como sujeito passivo não residente com estabelecimento estável, e desenvolvendo "actividades de engenharia e técnicas afins", a que corresponde o CAE 71120 (artigo 29.º do pedido de pronúncia arbitral e Relatório da Inspecção Tributária);
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O objecto social da Requerente consiste em: aconselhamento, planeamento, a entrega e construção, bem como a troca de e com instalações para a produção, separação, liquefacção, compressão, armazenamento e transporte de gases de todos os tipos (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em sede de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal, com periodicidade trimestral nos exercícios de 2009 e de 2010, e com periodicidade mensal a partir do exercício de 2011, inclusive (Relatório da Inspecção Tributária);
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A Autoridade Tributária e Aduaneira realizou uma acção inspectiva à Requerente, que se iniciou em 12-03-2013, ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI2013..., OI2013... e OI2013..., relativamente aos anos de 2009, 2010 e 2011;
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Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
III.1.1.1.1. ENCARGOS DEBITADOS PELO D...
Na análise à documentação contabilística, constatou-se a contabilização de notas de débito emitidas pelo D..., referentes a despesas por si suportadas e imputadas ao sujeito passivo, a título de "repartição de custos comuns da ACE", na proporção de 64.29%.
Importa referir que os ACE estão sujeitos ao regime especial de transparência fiscal previsto no n.º 2 do artigo 6.º do CIRC, mediante o qual o lucro ou prejuízo por estes apurado, em cada exercício económico, é imputado aos seus membros, na proporção estipulada no respetivo ato constitutivo, integrando-se nos rendimentos tributáveis destes, para efeitos de tributação em sede de IRC. Pelo que, os encargos suportados peio ACE não deverão ser debitados directamente aos seus membros, mas deverão ser relevados para efeitos de apuramento do respetivo lucro ou prejuízo fiscal, a imputar aos seus membros, nas proporções estabelecidas no respetivo contrato constitutivo
No caso em análise, verifica-se que o contrato de ACE foi apresentado junto da Conservatória do Registo Comercial em 2009.04.17. como já referido, e prevê a contribuição genérica para os encargos do D... de 15% por parte da B... e de 85% por parte do outro membro (cf, anexo II). E, por outro lado, o "acordo e regulamento interno" daquela entidade, estipula a distribuição de obrigações/passivos, entre os seus membros, na proporção de 64,29% para a B... e 35,71% para o outro membro (cf. anexo VI) Portanto, está sempre em causa distribuição de resultados ou de encargos entre os membros do ACE.
Mas, no caso concreto, é de referir outra particularidade: o sujeito passivo sob análise não corresponde a qualquer dos membros do ACE em causa – D... -. É a própria entidade de direito alemão, com registo em território nacional como não residente sem estabelecimento estável - NIPC ... -que integra o ACE em causa (anexo II). Salienta-se, ainda, o facto de à data da constituição do ACE - 2009-04-17 - já a sociedade de direito alemão B..., ter constituído uma sucursal (representação permanente) neste território, sem contudo, ter usado o respetivo NIPC para a constituição do ACE em causa Portanto, poder-se-á concluir, que foi opção da B... ter utilizado o NIPC de não residente sem estabelecimento estável.
A este propósito refere-se que, no âmbito do presente procedimento inspetivo, e face à insistência por parte do sujeito passivo de que está em causa a existência de dois NIPC para a mesma entidade - um atribuído aquando da constituição do ACE como "não residente sem estabelecimento estável", e outro atribuído com a adjudicação da realização da empreitada como "não residente com estabelecimento estável" -, solicitou o sujeito passivo, junto da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes (DSRC), quanto à forma possível de ultrapassar este impasse e associar os dois NIPC, por alegadamente referirem tratar-se da mesma entidade (cf anexo VII)
Esta Direção de Serviços informou não ser possível a associação pretendida daqueles dois NIPC, dado tratar-se de duas entidades autónomas e distintas, e que apenas o Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC) poderia resolvera questão.
Assim, conhecendo-se a informação da DSRC, foi efetuada uma deslocação às instalações do RNPC, para esclarecimento da situação, e, mais tarde, solicitada a mesma informação via e-mail. E, também estes serviços, consideram tratar-se de duas entidades autónomas, cujos NIPC não podem ser associados (cf anexo VIII).
Pelo que, sendo considerado por aquelas entidades, e mesmo pela própria DIFAE, quando da análise que efetuou ao sujeito passivo sob análise, tratar-se de dois registos de pessoas coletivas independentes e autónomas, a saber:
– um correspondente ao mero registo da entidade não residente sem estabelecimento estável B..., para realização de ato isolado - aquisição de participação social – NIPC ...,
– e outro registo, NIPC ..., o de uma sucursal - estabelecimento estável daquela entidade não residente, para efeitos de desenvolvimento de uma atividade, em território nacional, não poderão ser fiscalmente aceites, como gastos do exercício do estabelecimento estável de entidade não residente, cuja finalidade é a realização de uma obra, ainda que sob a sua orientação, os encargos imputados a essa outra entidade (empresa-mãe) enquanto membro do ACE.
Salienta-se para o facto de que, embora o D... esteja a considerar o NIPC do sujeito passivo sob análise (...), para efeitos de imputação de lucro/prejuízo do ACE e retenções na fonte efetuadas, esta situação não foi reconhecida peio próprio, nas suas declarações fiscais. E nem poderia sê-lo, dado que o sujeito passivo sob análise não é um membro daquele ACE, ou seja, não foi o seu NIPC utilizado para a constituição do mesmo e nem é conhecida qualquer alteração, na sua composição, nesse sentido.
Considerando-se, assim, que o sujeito passivo não está legalmente autorizado a suportar aqueles encargos debitados pelo D..., (cujas cópias das respetivas notas de débito se juntam como anexo IX), a título de custos comuns, e que são da responsabilidade de terceiros, os mesmos não são fiscalmente aceites, nos termos do disposto no artigo 45.º do CIRC, nos montantes de € 1.820.188,39 e de € 450.923,71, respectivamente nos exercícios de 2010 e de 2011, como de seguida se apura. Pelo facto, como anteriormente referido, não só do sujeito passivo sob análise não ser membro do ACE, como também pelo facto de que sendo o ACE uma entidade com sede ou direcção efectiva em território nacional, que se constituiu e funciona nos termos legais, e com contabilidade organizada, os gastos e réditos da mesma deverão, nos termos do artigo 17.º do CIRC, permitir o apuramento do lucro ou prejuízo do exercício, e este sim, imputável aos respetivos membros na proporção da sua participação, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º do CIRC.
Refere-se que no que respeita aos encargos debitados pelo D... ao sujeito passivo em análise, apenas aceitamos como dedutíveis ao resultado líquido do período deste, os relativos a seguros com montagem, obras, responsabilidade civil e anti-terrorismo, pelo facto de que o mesmo é um dos segurados da apólice respetiva, e de não ter contabilizado quaisquer encargos desta natureza faturados/debitados por outras entidades, e tratar-se de encargos obrigatórios, a este tipo de construção/obra, tal como o próprio contrato de empreitada prevê, nos montantes infra indicados:
Salienta-se o facto de que face à regularização voluntária efetuada pelo sujeito passivo, mediante entrega de declarações de rendimento modelo 22 de IRC de substituição, como descrito no capítulo VI, o mesmo sujeitou a tributação autónoma gastos que propomos agora desreconhecer. Pelo que, essa tributação autónoma será analisada/ajustada em ponto próprio.
(...)
III.2. ANÁLISE NO ÂMBITO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO
No âmbito deste imposto foram verificadas as declarações periódicas entregues pelo sujeito passivo e confrontados os respetivos valores declarados com os constantes dos registos contabilísticos, bem como, por amostragem, analisados os suportes documentais aos mesmos. Da análise efetuada salientamos os factos a seguir descritos
III.2.1. IVA INDEVIDAMENTE DEDUZIDO
III.2.1.1. IVA SUPORTADO COM ENCARGOS DEBITADOS PELO ACE D...
Face ao exposto e fundamentado no ponto III.1.1.1.1. mais precisamente, face ao débito de custos comuns por parte do D... ao sujeito passivo sob análise, por não serem os custos mas o resultado fiscal do ACE a imputar aos membros, na proporção da sua participação (artigo 6.º n.º 2 CIRC), e não ser o sujeito passivo um dos membros daquele ACE, não são fiscalmente dedutíveis, e consequentemente o respetivo IVA liquidado nessas notas de débito, deduzido pelo sujeito passivo, também não é fiscalmente dedutível (cf anexo IX).
Assim, apuraram-se os montantes do IVA indevidamente deduzido, cuja distribuição por períodos é a seguinte:
III.2.1.2. IVA RELATIVO A SERVIÇOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL
Como referido no ponto II.3.1., o sujeito passivo, nos períodos em análise, realizou serviços no âmbito do contrato de empreitada de expansão do terminal de ... . Esta empreitada encontra-se abrangida pela regra de inversão do sujeito passivo de imposto, prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2º do CIVA, conjugado com o informado/explicitado pelo oficio-circulado n.º 30101 de 2007.05.24. Pelo que, nas operações ativas realizadas pelo sujeito passivo sob análise, o mesmo não líquida o respetivo IVA, competindo ao adquirente a liquidação (e consequente dedução).
Da mesma forma, quando adquire serviços que se enquadrem naquela regra, é ao sujeito passivo sob análise a quem incumbe a obrigação de liquidar (e deduzir) o respetivo imposto Aliás, foi o que aconteceu com os seus fornecedores F..., G... ACE, H... e I..., citando alguns a título exemplificativo.
Refira-se que o próprio CIVA, no seu artigo 19 º n.º 8, aditado pela Lei do Orçamento do Estado para 2013, vem reforçar esta obrigação, indo de encontro aliás com a jurisprudência que vem sendo produzida e, limitando a dedução do IVA suportado, nos serviços abrangidos pela regra de inversão do sujeito passivo, à condição de o mesmo ter sido liquidado pelo adquirente dos serviços em causa. Significa isto que, ainda que o prestador dos serviços liquide indevidamente IVA nessas operações, este imposto não confere direito à dedução.
No decurso dos atos inspetivos, aquando da validação dos registos relativos às contas do IVA, verificou-se que o sujeito passivo sob análise adquiriu serviços que se enquadram na citada regra de inversão do sujeito passivo, sem que tivesse liquidado o respetivo imposto, e inclusive, deduzindo o imposto que os respetivos prestadores lhe liquidaram indevidamente, como é o caso dos prestadores a seguir identificados:
Face ao supra exposto, designadamente, ao artigo 2º n.º 1 alínea j) do CIVA, a obrigação de liquidação do imposto nas operações económicas tituladas pelos documentos supra identificados, é do adquirente desses serviços, ou seja, do sujeito passivo sob análise, independentemente do respetivo prestador ter procedido indevidamente à sua liquidação, e de a ter entregue ao Estado.
Assim, o IVA indevidamente liquidado pelos respetivos prestadores nas operações supra identificadas, não poderá ser fiscalmente dedutível por infração à regra de inversão do sujeito passivo de imposto prevista no artigo 2.º n.º 1 alínea j) do CIVA, conjugado com o informado/explicitado pelo ofício-circulado n.º 30101 de 2007.05.24
Todavia, embora competindo ao sujeito passivo sob análise a liquidação do IVA referente às faturas emitidas por aqueles prestadores e por si deduzido, verificou-se que o IVA indevidamente liquidado nas respetivas faturas pelos prestadores em causa, foi entregue nos cofres do estado.
Assim, não se verificando qualquer prejuízo para a economia do imposto, não serão efetuadas as correspondentes correções ao IVA deduzido pelo sujeito passivo sob análise, sem prejuízo de aplicação de coima pelo não cumprimento da regra de inversão prevista no CIVA, de acordo com o informado pelo Gabinete do Senhor Subdiretor-Geral da Inspeção Tributária (informação n º 11/2009, de 2009.04.02).
III.2.1.3. IVA RELATIVO A ENCARGOS NÃO DEVIDAMENTE DOCUMENTADOS
Face ao exposto no ponto III.1.1.2, e por infração ao artigo 19.º n.º 2 conjugado com o artigo 36.º n.º 4, ambos do CIVA, foi detetada a contabilização de gastos não devidamente documentados, que de seguida se relacionam e cujo IVA deduzido indevidamente se quantifica:
III.2.3. RESUMO DAS CORREÇÕES EM SEDE DE IVA
PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2010
PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2011
(...)
IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
O sujeito passivo foi notificado, através do ofício n.º..., de 2013.08.13, para a morada da sua sede social, e, ainda, através do ofício n.º ... da mesma data, para a morada dos escritórios da representante designada nos termos do artigo 52.º do RCPIT, para exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de conclusões do relatório, nos termos dos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária (RCPIT) (cf. anexo XXVI)
Em 2013.08.20 exerceu, o sujeito passivo, aquele direito que lhe assiste, por escrito, mediante requerimento que deu entrada nestes serviços no dia 2013.08.21, sob o n.º 078121 (cf. anexo XXVII)
(...)
III) IVA - encargos não devidamente documentados: € 629.766,60
Como referido no ponto III.2.1.3, foi contabilizado e deduzido IVA relativo a encargos que, no decurso dos atos inspetivos, se mostraram não devidamente documentados, ora porque o sujeito passivo não tinha na sua posse os documentos originais respetivos, ora porque não possuía os respetivos documentos alfandegários, no caso de IVA relativo a importações faturado por transitários, em infração ao disposto no artigo 19.º n º 2 e artigo 36 º n.º 4, ambos do CIVA, nos montantes de € 197,51 e de € 629.587,09, para os períodos de tributação de 2010 e de 2011, respetivamente.
No exercício do direito de audição o sujeito passivo juntou declarações emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por via eletrónica, em seu nome (cf documentos n.º 2 a 8), relativas aos meses em que ocorreu pagamento de IVA devido nas importações, e que anexa ao exercício do direito de audição como documentos n.º 2 a 8.
Da análise destas declarações bem como da sua conjugação com os outros elementos justificativos dos montantes de IVA faturados pelos transitários apresentados - prints dos movimentos de caixa e documentos únicos, emitidos pela respetiva alfândega -, conclui-se que foram justificados os seguintes montantes:
Verifica-se, assim, relativamente aos documentos apresentados em sede de exercício de direito de audição, que não foi justificado IVA faturado pelos transitados em causa, no montante de € 3.621,31, no exercício de 2011.
Face ao facto de se ter detetado que o documento único que integra o documento n.º 3 do exercício do direito de audição, emitido pela Alfândega Marítima ..., coincidir com o que integra o documento n.º 4, e de se referir aos elementos constantes deste - fatura, prints dos movimentos de caixa e declaração emitida pela AT - foi questionada a TOC do sujeito passivo sob análise.
Em resposta ao questionado, apresentou o documento único relativo aos elementos constantes do documento n.º 3 em falta, bem como esclareceu que a diferença verificada entre o montante faturado pelo transitário e o constante dos movimentos de caixa, do documento único e da declaração da AT (cerca de € 3.607,31), foi objeto de anulação, mediante emissão de nota de crédito por aquele transitário, não contabilizada por só agora a mesma ter sido exibida pelo respetivo transitário. Da análise à referida nota de crédito apresentada (cf anexo XXVIII) verifica-se que se trata de uma segunda via da nota de crédito datada de 2011.02.07.
Pelo que, se propõe manter a correção ao IVA deduzido no montante supra apurado de € 3.621,31.
IX.2. CONCLUSÃO - PROPOSTA
Face aos elementos e fundamentos apresentados pelo sujeito passivo, no âmbito do exercício do direito de audição, nomeadamente face ao exposto no ponto anterior deste capítulo, propomos alterar as correcões inicialmente propostas, como de seguida se quantifica, e manter as correções que não foram objeto de contestação nesta fase pelo mesmo, como de seguida se quantifica, e cujo resumo se apresenta nas primeiras páginas do relatório.
(...)
C. RESUMO DAS CORREÇOES EM SEDE DE IVA
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A Requerente aceitou o ajustamento preconizado pela AT no que respeita à dedução indevida do IVA relativo a encargos não devidamente documentados (liquidação adicional de IVA n.º..., no montante de € 3.621,31 e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º ... no montante de € 357,96) tendo procedido ao seu pagamento;
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Na sequência das restantes correcções, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios, no valor global de € 390.158,08:
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Em 28-03-2014, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra as referidas liquidações oficiosas de IVA e de juros compensatórios respeitantes aos exercícios de 2010 e 2011, tendo a mesma sido objecto de indeferimento (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 19-09-2014, a Requerente apresentou o Recurso Hierárquico contra a referida decisão de indeferimento, tendo o mesmo sido indeferido por despacho notificado à Requerente em 25-09-2015 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Dá-se como reproduzido o Saheholders Agrrement and INternal Regulation Regarding the Operation do the D..., cuja cópia consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
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Dá-se como reproduzido o documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
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Em 29-01-2014, a Requerente efectuou o pagamento das quantias liquidadas, acima referidas (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 22-12-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
a) Não se provou que o Registo Nacional de Pessoas Colectivas tivesse informado a Requerente que o NIPC ..., emitido em 3 de Março de 2009, seria oficiosamente anulado por forma a não se verificar uma duplicação.
A Requerente alega no artigo 28.º do pedido de pronúncia arbitral que ocorreu tal informação, mas não apresenta qualquer prova.
b) Não se provou que a Requerente tivesse solicitado a conversão do NIPC inicialmente atribuído e referente a entidade não residente sem estabelecimento estável.
Essa alegação é feita no artigo 26.º do pedido de pronúncia arbitral, mas não foi apresentada qualquer prova.
c) Não se provou que a diferença entre o montante global das quantias liquidadas pelas liquidações impugnadas (€ 390.158,08) e o valor pago em execução fiscal pela Requerente de € 393.606,11 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral) se reporte total ou parcialmente a IVA ou juros compensatórios.
2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.
3. Matéria de direito
A sociedade de direito alemão B..., doravante designada por “B...”, com identificação fiscal DE ..., dispõe em Portugal, no Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC), de dois registos:
i) como entidade não residente sem estabelecimento estável, ao qual corresponde o NIPC ..., obtido em 03-03-2009 para a realização de acto isolado (aquisição de participações sociais);
ii) como entidade não residente com estabelecimento estável, ao qual corresponde o NIPC ..., obtido em 07-04-2009 – a Requerente, sob a forma de sucursal.
Em 17-04-2009, a referida sociedade de direito alemão constituiu com a sociedade C..., S.A., um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE) ( [1] ), designado por “ D..., ACE”, com o NIPC ..., doravante denominado por D..., tendo por objectivo realizar o contrato de empreitada de expansão do ..., propriedade da J... .
Para a constituição do ACE, a B... utilizou o NIPC ..., tendo naquela data já o NIPC ... .
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, «face ao débito de custos comuns por parte do ACE D... ao sujeito passivo sob análise, por não serem os custos mas o resultado fiscal do ACE a imputar aos membros, na proporção da sua participação (artigo 6.º n.º 2 CIRC), e não ser o sujeito passivo um dos membros daquele ACE, não são fiscalmente dedutíveis, e consequentemente o respetivo IVA liquidado nessas notas de débito, deduzido pelo sujeito passivo, também não é fiscalmente dedutível».
3.1. Posições das Partes
A Requerente defende, em suma, o seguinte:
– é completamente irrelevante para os efeitos pretendidos pela AT, a utilização para formalização do ACE do NIPC ..., atribuído à B..., em vez do NIPC ..., atribuído à Requerente;
– a Requerente não constituiu qualquer entidade jurídica com autonomia face a si, visando, ao invés, actuar em Portugal única e exclusivamente no desenvolvimento do “K...” e através de uma extensão jurídica de si mesmo criada para efeitos tributários, ou seja, uma Sucursal/estabelecimento estável que é imposto pela lei fiscal nas circunstâncias da actividade (empreitada/subempreitada como duração muito superior a 6 meses) da Requerente em Portugal;
– o uso de um NIPC ou outro não pode de modo algum representar uma entidade distinta, desdobrada a partir da B..., na tese da AT, que de facto não existe;
– estes custos e IVA associado estavam relacionados com a empreitada em Portugal, incluindo a constituição do ACE que a serviu, da requerente/B...;
– na Cláusula 2 do contrato de sub-empreitada, acordou-se que aos serviços a serem prestados pela Requerente, deveria ser aplicado o “full back-to-back general principle”, em relação ao contrato principal estabelecido entre o D...-ACE e a E...;
– à luz do referido princípio, todas as obrigações, riscos e responsabilidades que, directa ou indirectamente, resultassem da realização do “K...”, bem como todos e quaisquer custos, independentemente da sua natureza e/ou origem, necessários à execução e conclusão do projecto, incluindo, aqueles com referência aos trabalhadores, equipamentos e materiais e, bem assim, a outras tarefas e serviços necessários ou adequados à execução e conclusão do projecto, seriam da responsabilidade da Requerente, devendo ser suportadas pela mesma;
– nos termos da Cláusula 5 deste contrato de sub-empreitada– “Remuneration regime, Price and Payments” do contrato, e ainda ao abrigo do princípio full back-to-back, foi definido que os trabalhos a serem facturados (ao D... ACE) seriam do tipo e montante entretanto acordados entre o ACE e a E..., ficando os mesmos dependentes de aprovação desta entidade;
– nos termos do Shareholders Agreement celebrado entre a Requerente e C..., foi definido que os custos comuns incorridos no âmbito da obra e facturados ao ACE deveriam ser alocados de acordo com a percentagem de serviços a ser realizados à E... (no âmbito do contrato de empreitada), na proporção de 64,29% redebitados à Requerente e 35,71% à C... (cf. Cláusula 8 – “Distribution of Liabilities” do contrato junto como documento n.º 11 com o pedido de pronúncia arbitral);
– no âmbito do “K...”, o D... ACE redebitou à Requerente e à C... os custos comuns incorridos com a prestação dos serviços no projecto em causa na proporção supra mencionada;
– o ACE era contratualmente falando transparente para os seus membros, designadamente (mas não só) no sentido em que todos os encargos em que incorresse relativos à empreitada para a qual foi constituído, eram assumidos pelos seus membros, o que se concretizou, no que aqui importa, via débitos desses encargos que o ACE lhes fazia;
– débitos estes para efeitos dos quais foi indicado e utilizado o NIPC da B... correspondente à Sucursal em Portugal, isto o seu registo como entidade com estabelecimento estável em Portugal, ou seja, o NIPC...;
– em contrapartida desta assunção de encargos, e de outros encargos suportados directamente pela requerente ou pela C... com a execução da empreitada/sub-empreitada, o ACE entregava à requerente e à C... a totalidade do preço da empreitada recebido do dono da obra (J...);
– não há qualquer imposição (legal ou contratual) de que os ACE apurem lucros, ou de que este ACE em particular apure lucros, ou que tenham estrutura patrimonial ou outra em dose suficiente para lhes permitir ser mais do que um intermediário transparente que unifica, na relação com terceiros, dois cooperantes independentes;
– a fundamentação utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira absolutamente nada diz a fundamentação das correcções, nem poderia dizer, por não ser possível por via destes parâmetros (os relevantes para o IVA) fazer a correcção à dedução do IVA aqui em causa: IVA nos débitos do ACE constituído para efeitos de uma empreitada em Portugal, débitos estes aos sub-empreiteiros (e membros do ACE), entre os quais a requerente (juntamente com a C...), que por sua vez facturaram a esse ACE o preço dessa empreitada (operação sujeita a IVA com direito à dedução);
– está-se pois, sem necessidade de mais análise, perante uma fundamentação falhada (que não procede) para as correcções em sede de IVA, sem necessidade de mais considerações;
– a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o NIPC de entidade não residente sem estabelecimento estável – previsto única e exclusivamente no contexto constitutivo do ACE – tem verdadeira substância e personalidade jurídica própria, assumindo o mesmo autonomia face à Requerente, sociedade de direito alemão;
– a sucursal não reveste personalidade jurídica, não constituindo por isso um sujeito autónomo de Direito, apesar de ter personalidade tributária;
– muito menos autonomia terá o mero registo da Requerente de entidade não residente sem estabelecimento estável;
– para efeitos de IVA, a Requerente (B...) é o único sujeito passivo deste imposto, sendo que actua em Portugal através de um estabelecimento estável, para efeitos de IVA e IRC;
– a Requerente actuou sempre em Portugal através do seu estabelecimento estável e do NIPC ... da Sucursal, conforme resulta evidente das facturas emitidas no âmbito do ACE e, de resto, de todos os documentos relevantes para efeitos fiscais;
– ainda que a Requerente tivesse actuado no âmbito do “K...” através do seu número de registo de entidade não residente sem estabelecimento estável (conforme parece pretender a AT), a verdade é que se verificaria, em qualquer caso, a prevalência do seu estabelecimento estável (Sucursal) no que respeita à imputação de rendimentos (e, por maioria de razão, de custos) provenientes de actividades idênticas ou similares às realizadas através desse estabelecimento estável;
– não é a obtenção de um registo de IVA em Portugal que confere à Requerente a natureza de sujeito passivo, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA. A qualidade de sujeito passivo da Requerente é preexistente ao seu registo de IVA em Portugal, pois, para tal, basta ser uma entidade que desenvolve uma actividade económica (que o é, nos termos do citado artigo 2.º, n.º 1 do Código do IVA”;
– os critérios da sede ou do estabelecimento estável e simples registo para efeitos de IVA estabelecem o tipo de conexão que os sujeitos passivos de IVA têm com o território nacional, mas não são constitutivos de novos sujeitos passivos de IVA” pelo que “[e]m síntese, existe, um único sujeito passivo de IVA”;
– a entidade que integra o ACE, para além da C..., é unicamente a sociedade A..., ora Requerente, sendo a mesma considerada como sujeito passivo relevante, para efeitos de IVA, no que concerne às relações mantidas com o agrupamento, relevando, para efeitos de localização das operações e facturação dos débitos de custos comuns incorridos pelo ACE o seu estabelecimento estável (NIPC...), não podendo, por conseguinte, o direito à dedução ser limitado da forma arbitrária e desproporcional como a AT o pretende fazer, pois cumpriu todos os requisitos;
– no que tange aos requisitos subjectivos ou substantivos, resulta evidente que o IVA incluído nos débitos efectuados pelo D..., ACE à Requerente (cf. 2.º fluxo descrito na ilustração constante do artigo 44.º supra) se afigura dedutível na sua esfera porquanto respeita a encargos suportados por si no âmbito do projecto em análise, que lhe permite prestar os serviços que factura ao ACE no âmbito do mesmo projecto;
– os custos em análise seriam directamente suportados pela Requerente no caso de desenvolver o “K...” sem a participação do D..., ACE. Porém, atento o modelo de negócio adoptado, os custos são suportados pelo ACE, numa primeira fase, que posteriormente os debita à Requerente, consubstanciando os mesmos elementos essenciais da actividade tributada que a última desenvolve, i.e., serviços de construção civil;
– os serviços de construção civil que a Requerente presta ao ACE, e que por sua vez são debitados por este à E..., integram no seu preço os custos comuns incorridos pelo ACE e debitado à Requerente, revestindo tais custos uma relação directa e imediata com as operações tributadas da Requerente;
– não merece acolhimento o entendimento da AT segundo o qual as referidas notas de débito deveriam ter sido emitidas a um suposto membro do ACE que assumiria autonomia jurídica face à Requerente, porquanto mesmo que por absurdo se aceitasse a existência desse alegado membro (ficcionado membro, supostamente materializando-se, segundo a AT, no NIPC obtido pela B... declaradamente para efeitos de um acto isolado de aquisição de uma participação social, ele não utilizou tais recursos para as suas actividades tributadas (aliás, tal NIPC nem teve qualquer actividade, nunca se registou sequer para efeitos fiscais, como se viu), tendo, antes, tais recursos sido utilizados pela Requerente através do seu estabelecimento estável em Portugal (e correspondente NIPC);
– a ser acolhido o entendimento da AT no presente caso (que desconsidera liminarmente a existência de um estabelecimento estável em Portugal), tal solução redundaria na necessidade de os referidos gastos comuns serem facturados pelo ACE ao número de IVA da Requerente na Alemanha e, por conseguinte, à localização dos referidos serviços nesse território, sendo devido IVA alemão;
– no caso de um sujeito passivo de IVA ter um estabelecimento estável para efeitos deste imposto noutro país para além do Estado da sede, resultando evidente que é aquele estabelecimento estável que recebe determinado serviço e o utiliza para as suas necessidades próprias, a operação em apreço deverá ser localizada, por imperativo legal, no país onde se encontra o estabelecimento estável (Portugal, no caso) e não na sede;
– os serviços debitados pelo D..., ACE à aqui Requerente (e à C...) tinham a natureza de custos comuns incorridos pelo agrupamento na realização da empreitada de construção civil relativa ao “K...” sendo que, conforme resultava do contrato celebrado pelas partes, os mesmos deveriam ser facturados à Requerente, concretamente ao seu estabelecimento estável português, porquanto era este que utilizava os referidos inputs para a prossecução da sua actividade tributada, consubstanciada na referida empreitada de expansão do ... (sub-empreitada, da perspectiva da requerente).
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende neste processo a posição assumida no Relatório da Inspecção Tributária, dizendo, sem suma, o seguinte:
– as correcções realizadas em sede de IVA ora em causa, relativas a imposto indevidamente deduzido, prendem-se, por conseguinte, com a legitimidade da Requerente para deduzir o IVA suportado com encargos debitados pelo ACE D...;
– na decisão da reclamação graciosa conclui-se que a Requerente não tem direito à dedução, nos termos dos artigos 19.º e 20.º do CIVA visto que:
a) Constitui um estabelecimento estável, com personalidade e capacidade tributária distinta da casa-mãe, não podendo assumir gastos e deduzir IVA, da responsabilidade da casa-mãe;
b) Não faz parte do ACE, visto que o ACE foi constituído com recurso ao NIPC, atribuído à B..., enquanto entidade não residente sem estabelecimento estável, devendo, em consequência, os resultados apurados no âmbito do ACE, ser imputados a essa entidade e não à Requerente;
c) As facturas foram emitidas tendo em atenção e fazendo referência a um acordo de partilha de custos (shareholders agreement), celebrado entre os membros do ACE, ou seja, a C... e a B..., sem estabelecimento estável, não sendo a então Reclamante parte interveniente nesse contrato;
d) As facturas titulam gastos desenvolvidos em prol do ACE, relacionando-se com as operações activas do ACE e não com as operações activas da Reclamante, condição necessária para que o IVA liquidado nessas facturas possa ser considerado dedutível na esfera da Requerente, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA;
– na decisão do recurso hierárquico refere-se que
-
Foram contabilizadas notas de débito emitidas pelo ACE D..., referentes a despesas por si suportadas e imputadas à Requerente, a título de “repartição de custos comuns do ACE”, na proporção de 64,29%;
-
O contrato de ACE prevê a contribuição genérica para os seus encargos na proporção de 15% por parte da B... e 85% por parte do outro membro. Por outro lado, o “acordo e regulamento interno” daquela entidade estipula a distribuição de obrigações/passivos, entre os seus membros, na proporção de 64,29% para a B... e 35,71% para o outro membro;
-
estando, portanto, em causa, a distribuição de resultados ou encargos entre os membros do ACE.
– a Requerente não corresponde a qualquer um dos membros do ACE D...;
– é a própria sociedade de direito alemão, com registo em território nacional como residente sem estabelecimento estável que integra o ACE em causa – e não a Requerente;
– no âmbito do IVA, o ACE é considerado um sujeito passivo, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIVA e as prestações de serviços efectuadas entre o ACE e os seus membros estão, por regra, sujeitas a IVA, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), artigo 4.º, n.º 1 e artigo 6.º, n.º 6, alínea a) do CIVA;
– se a entidade não residente com estabelecimento estável e a entidade não residente sem estabelecimento estável configuram, no plano civil, a mesma pessoa colectiva, já no plano fiscal, a conclusão é outra: são sujeitos passivos distintos;
– as sucursais de uma sociedade com sede em país estrangeiro, com estabelecimento estável em Portugal, embora não tenham personalidade jurídica, dispõem de personalidade tributária e capacidade tributária quanto aos rendimentos gerados em Portugal;
– nos termos do n.º 2 do artigo 16.º da LGT, os estabelecimentos estáveis são sujeitos activos e passivos nas relações tributárias e únicos titulares dos direitos e deveres tributários correspondentes;
– as sucursais, podem constituir sujeitos passivos de IVA, diferenciados e dotados de personalidade tributária própria e distinta, no âmbito do desenvolvimento das respectivas actividades;
– o conceito de estabelecimento estável para efeito de IVA é autónomo e independente de outros que se coloquem a par em matéria de impostos, nomeadamente nos impostos sobre o rendimento;
– o artigo 7.º, n-.º 2, da Convenção Modelo da OCDE confirma esta tese;
– em sede de IVA, há diferenças significativas consoante se trate de entidade não residente com ou sem estabelecimento estável;
– as facturas titulam gastos desenvolvidos na actividade ACE, relacionando-se com as suas operações activas e não com as operações activas da Requerente, condição necessária para que o IVA liquidado nessas facturas pudesse ser considerado dedutível na esfera da Requerente, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA;
– o IVA liquidado nas notas de débito emitidas pelo ACE, por respeitar a custos comuns que deviam der imputados aos seus membros, não é dedutível na esfera da Requerente, visto que esta não é membro do ACE;
– pretendendo-se a imputação dos resultados do ACE ao estabelecimento estável em Portugal, deveria a sociedade de direito alemão ter constituído o ACE indicado como membro o estabelecimento estável, ou seja, a Requerente – o que não fez;
– não há, com tal entendimento, qualquer violação do princípio da neutralidade visto que no caso em apreço estão em causa sujeitos passivos distintos, podendo o IVA ser dedutível pela B... enquanto sujeito passivo de imposto em Portugal na qualidade de não residente sem estabelecimento estável.
3.2. Acórdão do TJUE proferido em reenvio prejudicial
Como se referiu, foi efectuado reenvio prejudicial para o TJUE, que veio a decidir que «os artigos 167.° e 168.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010, assim como o princípio da neutralidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal de um Estado‑Membro considere que uma sociedade que tem a sua sede noutro Estado‑Membro e a sucursal que a mesma detém no primeiro desses Estados constituem dois sujeitos passivos distintos por cada uma dessas entidades dispor de um número de identificação fiscal e, por essa razão, recuse à sucursal o direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) liquidado nas notas de débito emitidas por um agrupamento complementar de empresas do qual a referida sociedade, e não a sua sucursal, é membro».
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).
Em face do decidido pelo TJUE, é manifesto que não é compatível com o direito da União Europeia a tese defendida pela Administração Tributária e Aduaneira, que assenta no pressuposto de que a sucursal e a respectiva sociedade-mãe devem ser considerados sujeitos distintos para efeitos de IVA, por disporem de números de identificação fiscal distintos.
Como se diz no acórdão do TJUE, essa tese é incompatível com os artigos 167 e 168.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, e com o princípio da neutralidade, pois «o direito a dedução previsto nos artigos 167.° e 168.° da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado» e deve considerar-se «que a B... e a A... Sucursal em Portugal constituem uma só e mesma entidade jurídica e, portanto, um sujeito passivo único».
Por isso, a Administração Tributária e Aduaneira «não pode recusar a um sujeito passivo a dedução do IVA pago a montante, apenas por este sujeito passivo ter utilizado um número de identificação fiscal como entidade não residente sem estabelecimento estável, aquando da constituição de um ACE, e ter utilizado o número de identificação fiscal da sua sucursal residente nesse mesmo Estado, para a refaturação dos custos desse agrupamento».
As normas do direito da União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, que estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Pelo exposto, conclui-se que as liquidações de IVA impugnadas assentam em erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, nos ternos do artigo 134.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.
As liquidações de juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto que têm como pressuposto (artigo 35.º, n.º 8, da LGT) pelo que enfermam do mesmo vício.
A decisão do recurso hierárquico, que manteve as liquidações, enferma também do mesmo vício.
4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios
Em 29-01-2014, a Requerente pagou as quantias liquidadas, no montante global de € 390.158,08, acrescida de € 3.090,07 relativos a um processo de execução fiscal com o n.º ...2013... e de outras quantias, referidas no documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral.
A Requerente pede o reembolso da quantia de € 393.248,15, acrescida de juros indemnizatórios calculados sobre esta calculados.
No entanto, como se referiu, o montante global do IVA e juros compensatórios indevidamente pago foi de 390.158,08.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é a base de cálculo dos juros.
O reembolso e juros indemnizatórios que podem ser apreciados em processo impugnatório reporta-se apenas à «dívida tributária», como decorre do referido n.º 1 do artigo 43.º da LGT, sem prejuízo de em execução de julgado poder vir a entender-se que o contribuinte tem direito a outras quantias.
Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, que foi de 390.158,08, acrescido de juros indemnizatórios.
No caso em apreço, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade dos actos de liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito ao reembolso da quantia de € 390.158,08 de IVA e juros compensatórios indevidamente pagos e a juros indemnizatórios calculados sobre esta quantia, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
Relativamente à diferença entre esta quantia e a que a Requerente refere, a apreciação deverá ser efectuada em execução de julgado.
Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento (29-01-2014) até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular a liquidação de IVA relativa ao ano de 2010, com o n.º ... e as correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs ... e ...;
c) Anular as liquidações de IVA relativas ao ano de 2013, com os n.ºs ..., ... e ..., e as respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs ..., ...e ...;
d) Anular o despacho de 09-09-2015, que indeferiu o recurso hierárquico a que se refere o documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
d) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 390.158,08, acrescida de juros indemnizatórios sobre ela calculados, desde 29-01-2014 até à data em que for efectuado o reembolso.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 390.158,08.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.426,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Administração Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 20-08-2018
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Raquel Franco)
(Luís Manuel Pereira da Silva)
Decisão Arbitral
Os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Dr.ª Raquel Franco e Dr. Luís Manuel Pereira da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-03-2016, acordam no seguinte:
1. Relatório
A... – SUCURSAL EM PORTUGAL, doravante designada por “Requerente”, com o número de identificação de pessoa colectiva ... e morada fiscal na Avenida …, veio requerer, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, a constituição de Tribunal Arbitral Colectivo.
A Requerente pretende que seja
– declarada a ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico e, bem assim a ilegalidade das correcções em sede de IVA e dos actos de liquidação adicional de IVA e dos correspondentes juros compensatórios respeitantes aos exercícios de 2010 (liquidação de IVA n.º … e liquidações de juros compensatórios n.ºs … e …) e de 2011 (liquidações de IVA n.ºs …, … e …, e liquidações de juros compensatórios n.ºs …, … e …), com a sua consequente anulação, com todas as consequências legais, designadamente a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso de € 393.248,15 e ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre este montante a uma taxa idêntica à dos juros compensatórios a favor do estado, contados desde a data em que foi paga a quantia indevida, isto é, 29-01-2014, até integral reembolso;
– a título subsidiário, e na medida em que não seja claro para o tribunal arbitral, não obstante a jurisprudência comunitária já produzida sobre a matéria, o alcance dos artigos 167.º, 168.º 169.º e 179.º da directiva IVA, ou de qualquer outra norma da directiva iv que possa em seu juízo interferir com a boa solução deste caso, deverá então este Tribunal Arbitral promover o reenvio prejudicial, das questões que entenda suscitar, para o Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-01-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 16-02-2016.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 02-03-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, em que defendeu a improcedência do pedido.
Por despacho de 12-04-2016, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.
As Partes apresentaram alegações.
As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre reenvio prejudicial para o TJUE. Apenas a Requerente se pronunciou dizendo, em suma, que não é possível encontrar jurisprudência comunitária sobre o específico obstáculo que a Inspecção tributária portuguesa levantou no caso concreto à dedução do IVA aqui em causa, que a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira não tem suporte legal e que não se justifica o reenvio prejudicial. No entanto, a Requerente apresentou sugestões sobre as questões a colocar ao TJUE.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente e não foram suscitados obstáculos a apreciação do mérito da causa, embora seja necessário apreciar se é necessário efectuar reenvio prejudicial.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
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A sociedade de direito alemão A..., cuja identificação fiscal é DE ..., doravante designada por A..., obteve em Portugal, em 03-03-2009, o NIPC ..., correspondente a entidade não residente sem estabelecimento estável, para a realização de acto isolado (aquisição de participações sociais) (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente é sucursal da referida sociedade A... e foi registada em Portugal com o NIPC ..., obtido em 07-04-2009 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A A... constituiu, em 17-04-2009, um Agrupamento Complementar de Empresas, conjuntamente com a B... Engenharia SA, nas proporções, de contribuição genérica para os encargos do mesmo, de 15% e 85%, respectivamente, designado por "... Expansão do Terminal de ... de ..., ACE", com o NIPC ..., doravante designado por ... (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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O objecto do contrato constitutivo do ... ACE, constitui no seguinte: “Melhoria das condições de exercício e de resultados das actividades económicas das empresas agrupadas, através da realização, em conjunto, da empreitada de engenharia, fornecimento e construção "Engineering-Procurement-Construction" designada por "Implementação do Projecto de Expansão do Terminal de ... - PETS", na modalidade de preço global revisível e chave na mão", para o projecto de expansão do Terminal de ... de ..., bem como, quaisquer outros trabalhos, serviços e fornecimentos para os quais o agrupamento seja solicitado e respeitem directa ou indirectamente ao supra referido objecto, podendo ter como fim acessório a realização e a partilha de lucros.” (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Para a constituição do ACE, a A... utilizou o NIPC ..., correspondente a entidade não residente sem estabelecimento estável;
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Em 04-05-2009, a Requerente, A… Sucursal em Portugal, celebrou com o ACE ... um contrato de sub-empreitada da obra propriedade da D… em causa (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Para efeitos fiscais, a Requerente declarou o início de actividade em 13-04-2009, como sujeito passivo não residente com estabelecimento estável, e desenvolvendo "actividades de engenharia e técnicas afins", a que corresponde o CAE 71120 (artigo 29.º do pedido de pronúncia arbitral e Relatório da Inspecção Tributária);
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O objecto social da Requerente consiste em: aconselhamento, planeamento, a entrega e construção, bem como a troca de e com instalações para a produção, separação, liquefacção, compressão, armazenamento e transporte de gases de todos os tipos (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em sede de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal, com periodicidade trimestral nos exercícios de 2009 e de 2010, e com periodicidade mensal a partir do exercício de 2011, inclusive (Relatório da Inspecção Tributária);
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A Autoridade Tributária e Aduaneira realizou uma acção inspectiva à Requerente, que se iniciou em 12-03-2013, ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI201300305, OI201300306 e OI201300307, relativamente aos anos de 2009, 2010 e 2011;
-
Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
III.1.1.1.1. ENCARGOS DEBITADOS PELO ACE ...
Na análise à documentação contabilística, constatou-se a contabilização de notas de débito emitidas pelo ACE ..., referentes a despesas por si suportadas e imputadas ao sujeito passivo, a título de "repartição de custos comuns da ACE", na proporção de 64.29%.
Importa referir que os ACE estão sujeitos ao regime especial de transparência fiscal previsto no n.º 2 do artigo 6.º do CIRC, mediante o qual o lucro ou prejuízo por estes apurado, em cada exercício económico, é imputado aos seus membros, na proporção estipulada no respetivo ato constitutivo, integrando-se nos rendimentos tributáveis destes, para efeitos de tributação em sede de IRC. Pelo que, os encargos suportados peio ACE não deverão ser debitados directamente aos seus membros, mas deverão ser relevados para efeitos de apuramento do respetivo lucro ou prejuízo fiscal, a imputar aos seus membros, nas proporções estabelecidas no respetivo contrato constitutivo
No caso em análise, verifica-se que o contrato de ACE foi apresentado junto da Conservatória do Registo Comercial em 2009.04.17. como já referido, e prevê a contribuição genérica para os encargos do ACE ... de 15% por parte da A... e de 85% por parte do outro membro (cf, anexo II). E, por outro lado, o "acordo e regulamento interno" daquela entidade, estipula a distribuição de obrigações/passivos, entre os seus membros, na proporção de 64,29% para a A... e 35,71% para o outro membro (cf. anexo VI) Portanto, está sempre em causa distribuição de resultados ou de encargos entre os membros do ACE.
Mas, no caso concreto, é de referir outra particularidade: o sujeito passivo sob análise não corresponde a qualquer dos membros do ACE em causa - ... -. É a própria entidade de direito alemão, com registo em território nacional como não residente sem estabelecimento estável - NIPC … -que integra o ACE em causa (anexo II). Salienta-se, ainda, o facto de à data da constituição do ACE - 2009-04-17 - já a sociedade de direito alemão A..., ter constituído uma sucursal (representação permanente) neste território, sem contudo, ter usado o respetivo NIPC para a constituição do ACE em causa Portanto, poder-se-á concluir, que foi opção da A... ter utilizado o NIPC de não residente sem estabelecimento estável.
A este propósito refere-se que, no âmbito do presente procedimento inspetivo, e face à insistência por parte do sujeito passivo de que está em causa a existência de dois NIPC para a mesma entidade - um atribuído aquando da constituição do ACE como "não residente sem estabelecimento estável", e outro atribuído com a adjudicação da realização da empreitada como "não residente com estabelecimento estável" -, solicitou o sujeito passivo, junto da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes (DSRC), quanto à forma possível de ultrapassar este impasse e associar os dois NIPC, por alegadamente referirem tratar-se da mesma entidade (cf anexo VII)
Esta Direção de Serviços informou não ser possível a associação pretendida daqueles dois NIPC, dado tratar-se de duas entidades autónomas e distintas, e que apenas o Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC) poderia resolvera questão.
Assim, conhecendo-se a informação da DSRC, foi efetuada uma deslocação às instalações do RNPC, para esclarecimento da situação, e, mais tarde, solicitada a mesma informação via e-mail. E, também estes serviços, consideram tratar-se de duas entidades autónomas, cujos NIPC não podem ser associados (cf anexo VIII).
Pelo que, sendo considerado por aquelas entidades, e mesmo pela própria DIFAE, quando da análise que efetuou ao sujeito passivo sob análise, tratar-se de dois registos de pessoas coletivas independentes e autónomas, a saber:
– um correspondente ao mero registo da entidade não residente sem estabelecimento estável A..., para realização de ato isolado - aquisição de participação social - NIPC ...,
– e outro registo, NIPC ..., o de uma sucursal - estabelecimento estável daquela entidade não residente, para efeitos de desenvolvimento de uma atividade, em território nacional, não poderão ser fiscalmente aceites, como gastos do exercício do estabelecimento estável de entidade não residente, cuja finalidade é a realização de uma obra, ainda que sob a sua orientação, os encargos imputados a essa outra entidade (empresa-mãe) enquanto membro do ACE.
Salienta-se para o facto de que, embora o ACE ... esteja a considerar o NIPC do sujeito passivo sob análise (...), para efeitos de imputação de lucro/prejuízo do ACE e retenções na fonte efetuadas, esta situação não foi reconhecida peio próprio, nas suas declarações fiscais. E nem poderia sê-lo, dado que o sujeito passivo sob análise não é um membro daquele ACE, ou seja, não foi o seu NIPC utilizado para a constituição do mesmo e nem é conhecida qualquer alteração, na sua composição, nesse sentido.
Considerando-se, assim, que o sujeito passivo não está legalmente autorizado a suportar aqueles encargos debitados pelo ACE ..., (cujas cópias das respetivas notas de débito se juntam como anexo IX), a título de custos comuns, e que são da responsabilidade de terceiros, os mesmos não são fiscalmente aceites, nos termos do disposto no artigo 45.º do CIRC, nos montantes de € 1.820.188,39 e de € 450.923,71, respectivamente nos exercícios de 2010 e de 2011, como de seguida se apura. Pelo facto, como anteriormente referido, não só do sujeito passivo sob análise não ser membro do ACE, como também pelo facto de que sendo o ACE uma entidade com sede ou direcção efectiva em território nacional, que se constituiu e funciona nos termos legais, e com contabilidade organizada, os gastos e réditos da mesma deverão, nos termos do artigo 17.º do CIRC, permitir o apuramento do lucro ou prejuízo do exercício, e este sim, imputável aos respetivos membros na proporção da sua participação, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º do CIRC.
Refere-se que no que respeita aos encargos debitados pelo ACE ... ao sujeito passivo em análise, apenas aceitamos como dedutíveis ao resultado líquido do período deste, os relativos a seguros com montagem, obras, responsabilidade civil e anti-terrorismo, pelo facto de que o mesmo é um dos segurados da apólice respetiva, e de não ter contabilizado quaisquer encargos desta natureza faturados/debitados por outras entidades, e tratar-se de encargos obrigatórios, a este tipo de construção/obra, tal como o próprio contrato de empreitada prevê, nos montantes infra indicados:
Salienta-se o facto de que face à regularização voluntária efetuada pelo sujeito passivo, mediante entrega de declarações de rendimento modelo 22 de IRC de substituição, como descrito no capítulo VI, o mesmo sujeitou a tributação autónoma a gastos que propomos agora desreconhecer. Pelo que, essa tributação autónoma será analisada/ajustada em ponto próprio.
(...)
III.2. ANÁLISE NO ÂMBITO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO
No âmbito deste imposto foram verificadas as declarações periódicas entregues pelo sujeito passivo e confrontados os respetivos valores declarados com os constantes dos registos contabilísticos, bem como, por amostragem, analisados os suportes documentais aos mesmos. Da análise efetuada salientamos os factos a seguir descritos
III.2.1. IVA INDEVIDAMENTE DEDUZIDO
III.2.1.1. IVA SUPORTADO COM ENCARGOS DEBITADOS PELO ACE ...
Face ao exposto e fundamentado no ponto III.1.1.1.1. mais precisamente, face ao débito de custos comuns por parte do ACE ... ao sujeito passivo sob análise, por não serem os custos mas o resultado fiscal do ACE a imputar aos membros, na proporção da sua participação (artigo 6.º n.º 2 CIRC), e não ser o sujeito passivo um dos membros daquele ACE, não são fiscalmente dedutíveis, e consequentemente o respetivo IVA liquidado nessas notas de débito, deduzido pelo sujeito passivo, também não é fiscalmente dedutível (cf anexo IX).
Assim, apuraram-se os montantes do IVA indevidamente deduzido, cuja distribuição por períodos é a seguinte:
III.2.1.2. IVA RELATIVO A SERVIÇOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL
Como referido no ponto II.3.1., o sujeito passivo, nos períodos em análise, realizou serviços no âmbito do contrato de empreitada de expansão do terminal de ... de .... Esta empreitada encontra-se abrangida pela regra de inversão do sujeito passivo de imposto, prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2º do CIVA, conjugado com o informado/explicitado pelo oficio-circulado n.º 30101 de 2007.05.24. Pelo que, nas operações ativas realizadas pelo sujeito passivo sob análise, o mesmo não liquida o respetivo IVA, competindo ao adquirente a liquidação (e consequente dedução).
Da mesma forma, quando adquire serviços que se enquadrem naquela regra, é ao sujeito passivo sob análise a quem incumbe a obrigação de liquidar (e deduzir) o respetivo imposto Aliás, foi o que aconteceu com os seus fornecedores E.., F… ACE, G… e H…, citando alguns a título exemplificativo.
Refira-se que o próprio CIVA, no seu artigo 19 º n.º 8, aditado pela Lei do Orçamento do Estado para 2013, vem reforçar esta obrigação, indo de encontro aliás com a jurisprudência que vem sendo produzida e, limitando a dedução do IVA suportado, nos serviços abrangidos pela regra de inversão do sujeito passivo, à condição de o mesmo ter sido liquidado pelo adquirente dos serviços em causa. Significa isto que, ainda que o prestador dos serviços liquide indevidamente IVA nessas operações, este imposto não confere direito à dedução.
No decurso dos atos inspetivos, aquando da validação dos registos relativos às contas do IVA, verificou-se que o sujeito passivo sob análise adquiriu serviços que se enquadram na citada regra de inversão do sujeito passivo, sem que tivesse liquidado o respetivo imposto, e inclusive, deduzindo o imposto que os respetivos prestadores lhe liquidaram indevidamente, como é o caso dos prestadores a seguir identificados:
Face ao supra exposto, designadamente, ao artigo 2º n.º 1 alínea j) do CIVA, a obrigação de liquidação do imposto nas operações económicas tituladas pelos documentos supra identificados, é do adquirente desses serviços, ou seja, do sujeito passivo sob análise, independentemente do respetivo prestador ter procedido indevidamente à sua liquidação, e de a ter entregue ao Estado.
Assim, o IVA indevidamente liquidado pelos respetivos prestadores nas operações supra identificadas, não poderá ser fiscalmente dedutível por infração à regra de inversão do sujeito passivo de imposto prevista no artigo 2.º n.º 1 alínea j) do CIVA, conjugado com o informado/explicitado pelo ofício-circulado n.º 30101 de 2007.05.24
Todavia, embora competindo ao sujeito passivo sob análise a liquidação do IVA referente às faturas emitidas por aqueles prestadores e por si deduzido, verificou-se que o IVA indevidamente liquidado nas respetivas faturas pelos prestadores em causa, foi entregue nos cofres do estado.
Assim, não se verificando qualquer prejuízo para a economia do imposto, não serão efetuadas as correspondentes correções ao IVA deduzido pelo sujeito passivo sob análise, sem prejuízo de aplicação de coima pelo não cumprimento da regra de inversão prevista no CIVA, de acordo com o informado pelo Gabinete do Senhor Subdiretor-Geral da Inspeção Tributária (informação n º 11/2009, de 2009.04.02).
III.2.1.3. IVA RELATIVO A ENCARGOS NÃO DEVIDAMENTE DOCUMENTADOS
Face ao exposto no ponto III.1.1.2, e por infração ao artigo 19.º n.º 2 conjugado com o artigo 36.º n.º 4, ambos do CIVA, foi detetada a contabilização de gastos não devidamente documentados, que de seguida se relacionam e cujo IVA deduzido indevidamente se quantifica:
III.2.3. RESUMO DAS CORREÇÕES EM SEDE DE IVA
PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2010
PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2011
(...)
IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
O sujeito passivo foi notificado, através do ofício n.º 054744, de 2013.08.13, para a morada da sua sede social, e, ainda, através do ofício n.º 054745 da mesma data, para a morada dos escritórios da representante designada nos termos do artigo 52.º do RCPIT, para exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de conclusões do relatório, nos termos dos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária (RCPIT) (cf. anexo XXVI)
Em 2013.08.20 exerceu, o sujeito passivo, aquele direito que lhe assiste, por escrito, mediante requerimento que deu entrada nestes serviços no dia 2013.08.21, sob o n.º 078121 (cf. anexo XXVII)
(...)
III) IVA - encargos não devidamente documentados: € 629.766,60
Como referido no ponto III.2.1.3, foi contabilizado e deduzido IVA relativo a encargos que, no decurso dos atos inspetivos, se mostraram não devidamente documentados, ora porque o sujeito passivo não tinha na sua posse os documentos originais respetivos, ora porque não possuía os respetivos documentos alfandegários, no caso de IVA relativo a importações faturado por transitários, em infração ao disposto no artigo 19.º n º 2 e artigo 36 º n.º 4, ambos do CIVA, nos montantes de € 197,51 e de € 629.587,09, para os períodos de tributação de 2010 e de 2011, respetivamente.
No exercício do direito de audição o sujeito passivo juntou declarações emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por via eletrónica, em seu nome (cf documentos n.º 2 a 8), relativas aos meses em que ocorreu pagamento de IVA devido nas importações, e que anexa ao exercício do direito de audição como documentos n.º 2 a 8.
Da análise destas declarações bem como da sua conjugação com os outros elementos justificativos dos montantes de IVA faturados pelos transitários apresentados - prints dos movimentos de caixa e documentos únicos, emitidos pela respetiva alfândega -, conclui-se que foram justificados os seguintes montantes:
Verifica-se, assim, relativamente aos documentos apresentados em sede de exercício de direito de audição, que não foi justificado IVA faturado pelos transitados em causa, no montante de € 3.621,31, no exercício de 2011.
Face ao facto de se ter detetado que o documento único que integra o documento n.º 3 do exercício do direito de audição, emitido pela Alfândega Marítima de Lisboa, coincidir com o que integra o documento n.º 4, e de se referir aos elementos constantes deste - fatura, prints dos movimentos de caixa e declaração emitida pela AT - foi questionada a TOC do sujeito passivo sob análise.
Em resposta ao questionado, apresentou o documento único relativo aos elementos constantes do documento n.º 3 em falta, bem como esclareceu que a diferença verificada entre o montante faturado pelo transitário e o constante dos movimentos de caixa, do documento único e da declaração da AT (cerca de € 3.607,31), foi objeto de anulação, mediante emissão de nota de crédito por aquele transitário, não contabilizada por só agora a mesma ter sido exibida pelo respetivo transitário. Da análise à referida nota de crédito apresentada (cf anexo XXVIII) verifica-se que se trata de uma segunda via da nota de crédito datada de 2011.02.07.
Pelo que, se propõe manter a correção ao IVA deduzido no montante supra apurado de € 3.621,31.
IX.2. CONCLUSÃO - PROPOSTA
Face aos elementos e fundamentos apresentados pelo sujeito passivo, no âmbito do exercício do direito de audição, nomeadamente face ao exposto no ponto anterior deste capítulo, propomos alterar as correcões inicialmente propostas, como de seguida se quantifica, e manter as correções que não foram objeto de contestação nesta fase pelo mesmo, como de seguida se quantifica, e cujo resumo se apresenta nas primeiras páginas do relatório.
(...)
C. RESUMO DAS CORREÇOES EM SEDE DE IVA
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A Requerente aceitou o ajustamento preconizado pela AT no que respeita à dedução indevida do IVA relativo a encargos não devidamente documentados (liquidação adicional de IVA n.º …, no montante de € 3.621,31 e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º … no montante de € 357,96) tendo procedido ao seu pagamento;
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Na sequência das restantes correcções, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:
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Em 28-03-2014, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra as referidas liquidações oficiosas de IVA e de juros compensatórios respeitantes aos exercícios de 2010 e 2011, tendo a mesma sido objecto de indeferimento (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 19-09-2014, a Requerente apresentou o Recurso Hierárquico contra a referida decisão de indeferimento, tendo o mesmo sido indeferido por despacho notificado à Requerente em 25-09-2015 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Dá-se como reproduzido o Saheholders Agrrement and INternal Regulation Regarding the Operation do the ... ACE, cuja cópia consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
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Dá-se como reproduzido o documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
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Em 22-12-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
a) Não se provou que o Registo Nacional de Pessoas Colectivas tivesse informado a Requerente que o NIPC ..., emitido em 3 de Março de 2009, seria oficiosamente anulado por forma a não se verificar uma duplicação.
A Requerente alega no artigo 28.º do pedido de pronúncia arbitral que ocorreu tal informação, mas não apresenta qualquer prova.
b) Não se provou que a Requerente tivesse solicitado a conversão do NIPC inicialmente atribuído e referente a entidade não residente sem estabelecimento estável.
Essa alegação é feita no artigo 26.º do pedido de pronúncia arbitral, mas não fi apresentada qualquer prova.
2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.
3. Matéria de direito
A sociedade de direito alemão A..., doravante designada por “A...”, com identificação fiscal DE ..., dispõe em Portugal, no Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC), de dois registos:
i) como entidade não residente sem estabelecimento estável, ao qual corresponde o NIPC ..., obtido em 03-03-2009 para a realização de acto isolado (aquisição de participações sociais);
ii) como entidade não residente com estabelecimento estável, ao qual corresponde o NIPC ..., obtido em 07-04-2009 – a Requerente, sob a forma de sucursal.
Em 17-04-2009, a referida sociedade de direito alemão constituiu com a sociedade B... Engenharia, S.A., um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE) ( [2] ), designado por “... Expansão do Terminal de ... de ..., ACE”, com o NIPC ..., doravante denominado por ..., tendo por objectivo realizar o contrato de empreitada de expansão do terminal de ... de ..., propriedade da D…, Terminal de ....
Para a constituição do ACE, a A... utilizou o NIPC ..., tendo naquela data já o NIPC ....
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, «face ao débito de custos comuns por parte do ACE ... ao sujeito passivo sob análise, por não serem os custos mas o resultado fiscal do ACE a imputar aos membros, na proporção da sua participação (artigo 6.º n.º 2 CIRC), e não ser o sujeito passivo um dos membros daquele ACE, não são fiscalmente dedutíveis, e consequentemente o respetivo IVA liquidado nessas notas de débito, deduzido pelo sujeito passivo, também não é fiscalmente dedutível».
3.1. Posições das Partes
A Requerente defende, em suma, o seguinte:
– é completamente irrelevante para os efeitos pretendidos pela AT, a utilização para formalização do ACE do NIPC ..., atribuído à A..., em vez do NIPC ..., atribuído à Requerente;
– a Requerente não constituiu qualquer entidade jurídica com autonomia face a si, visando, ao invés, actuar em Portugal única e exclusivamente no desenvolvimento do “Projecto de Expansão do Terminal de ... – PETS” e através de uma extensão jurídica de si mesmo criada para efeitos tributários, ou seja, uma Sucursal/estabelecimento estável que é imposto pela lei fiscal nas circunstâncias da actividade (empreitada/subempreitada como duração muito superior a 6 meses) da Requerente em Portugal;
– o uso de um NIPC ou outro não pode de modo algum representar uma entidade distinta, desdobrada a partir da A..., na tese da AT, que de facto não existe;
– estes custos e IVA associado estavam relacionados com a empreitada em Portugal, incluindo a constituição do ACE que a serviu, da requerente/A...;
– na Cláusula 2 do contrato de sub-empreitada, acordou-se que aos serviços a serem prestados pela Requerente, deveria ser aplicado o “full back-to-back general principle”, em relação ao contrato principal estabelecido entre o ...-ACE e a REN;
– à luz do referido princípio, todas as obrigações, riscos e responsabilidades que, directa ou indirectamente, resultassem da realização do “Projecto de Expansão do Terminal de ... – PETS”, bem como todos e quaisquer custos, independentemente da sua natureza e/ou origem, necessários à execução e conclusão do projecto, incluindo, aqueles com referência aos trabalhadores, equipamentos e materiais e, bem assim, a outras tarefas e serviços necessários ou adequados à execução e conclusão do projecto, seriam da responsabilidade da Requerente, devendo ser suportadas pela mesma;
– nos termos da Cláusula 5 deste contrato de sub-empreitada– “Remuneration regime, Price and Payments” do contrato, e ainda ao abrigo do princípio full back-to-back, foi definido que os trabalhos a serem facturados (ao ... ACE) seriam do tipo e montante entretanto acordados entre o ACE e a D…, ficando os mesmos dependentes de aprovação desta entidade;
– nos termos do Shareholders Agreement celebrado entre a Requerente e B..., foi definido que os custos comuns incorridos no âmbito da obra e facturados ao ACE deveriam ser alocados de acordo com a percentagem de serviços a ser realizados à D… (no âmbito do contrato de empreitada), na proporção de 64,29% redebitados à Requerente e 35,71% à B... (cf. Cláusula 8 – “Distribution of Liabilities” do contrato junto como documento n.º 11 com o pedido de pronúncia arbitral);
– no âmbito do “Projecto de Expansão do Terminal de ... – PETS”, o ... ACE redebitou à Requerente e à B... os custos comuns incorridos com a prestação dos serviços no projecto em causa na proporção supra mencionada;
– o ACE era contratualmente falando transparente para os seus membros, designadamente (mas não só) no sentido em que todos os encargos em que incorresse relativos à empreitada para a qual foi constituído, eram assumidos pelos seus membros, o que se concretizou, no que aqui importa, via débitos desses encargos que o ACE lhes fazia;
– débitos estes para efeitos dos quais foi indicado e utilizado o NIPC da A... correspondente à Sucursal em Portugal, isto o seu registo como entidade com estabelecimento estável em Portugal, ou seja, o NIPC ...;
– em contrapartida desta assunção de encargos, e de outros encargos suportados directamente pela requerente ou pela B... com a execução da empreitada/sub-empreitada, o ACE entregava à requerente e à B... a totalidade do preço da empreitada recebido do dono da obra (a D…);
– não há qualquer imposição (legal ou contratual) de que os ACE apurem lucros, ou de que este ACE em particular apure lucros, ou que tenham estrutura patrimonial ou outra em dose suficiente para lhes permitir ser mais do que um intermediário transparente que unifica, na relação com terceiros, dois cooperantes independentes;
– a fundamentação utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira absolutamente nada diz a fundamentação das correcções, nem poderia dizer, por não ser possível por via destes parâmetros (os relevantes para o IVA) fazer a correcção à dedução do IVA aqui em causa: IVA nos débitos do ACE constituído para efeitos de uma empreitada em Portugal, débitos estes aos sub-empreiteiros (e membros do ACE), entre os quais a requerente (juntamente com a B...), que por sua vez facturaram a esse ACE o preço dessa empreitada (operação sujeita a IVA com direito à dedução);
– está-se pois, sem necessidade de mais análise, perante uma fundamentação falhada (que não procede) para as correcções em sede de IVA, sem necessidade de mais considerações;
– a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o NIPC de entidade não residente sem estabelecimento estável – previsto única e exclusivamente no contexto constitutivo do ACE – tem verdadeira substância e personalidade jurídica própria, assumindo o mesmo autonomia face à Requerente, sociedade de direito alemão;
– a sucursal não reveste personalidade jurídica, não constituindo por isso um sujeito autónomo de Direito, apesar de ter personalidade tributária;
– muito menos autonomia terá o mero registo da Requerente de entidade não residente sem estabelecimento estável;
– para efeitos de IVA, a Requerente (A...) é o único sujeito passivo deste imposto, sendo que actua em Portugal através de um estabelecimento estável, para efeitos de IVA e IRC;
– a Requerente actuou sempre em Portugal através do seu estabelecimento estável e do NIPC ... da Sucursal, conforme resulta evidente das facturas emitidas no âmbito do ACE e, de resto, de todos os documentos relevantes para efeitos fiscais;
– ainda que a Requerente tivesse actuado no âmbito do “Projecto de Expansão do Terminal de ... – PETS” através do seu número de registo de entidade não residente sem estabelecimento estável (conforme parece pretender a AT), a verdade é que se verificaria, em qualquer caso, a prevalência do seu estabelecimento estável (Sucursal) no que respeita à imputação de rendimentos (e, por maioria de razão, de custos) provenientes de actividades idênticas ou similares às realizadas através desse estabelecimento estável;
– não é a obtenção de um registo de IVA em Portugal que confere à Requerente a natureza de sujeito passivo, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA. A qualidade de sujeito passivo da Requerente é preexistente ao seu registo de IVA em Portugal, pois, para tal, basta ser uma entidade que desenvolve uma actividade económica (que o é, nos termos do citado artigo 2.º, n.º 1 do Código do IVA”;
– os critérios da sede ou do estabelecimento estável e simples registo para efeitos de IVA estabelecem o tipo de conexão que os sujeitos passivos de IVA têm com o território nacional, mas não são constitutivos de novos sujeitos passivos de IVA” pelo que “[e]m síntese, existe, um único sujeito passivo de IVA”;
– a entidade que integra o ACE, para além da B..., é unicamente a sociedade A..., ora Requerente, sendo a mesma considerada como sujeito passivo relevante, para efeitos de IVA, no que concerne às relações mantidas com o agrupamento, relevando, para efeitos de localização das operações e facturação dos débitos de custos comuns incorridos pelo ACE o seu estabelecimento estável (NIPC ...), não podendo, por conseguinte, o direito à dedução ser limitado da forma arbitrária e desproporcional como a AT o pretende fazer, pois cumpriu todos os requisitos;
– no que tange aos requisitos subjectivos ou substantivos, resulta evidente que o IVA incluído nos débitos efectuados pelo ..., ACE à Requerente (cf. 2.º fluxo descrito na ilustração constante do artigo 44.º supra) se afigura dedutível na sua esfera porquanto respeita a encargos suportados por si no âmbito do projecto em análise, que lhe permite prestar os serviços que factura ao ACE no âmbito do mesmo projecto;
– os custos em análise seriam directamente suportados pela Requerente no caso de desenvolver o “Projecto de Expansão do Terminal de ... – PETS” sem a participação do ..., ACE. Porém, atento o modelo de negócio adoptado, os custos são suportados pelo ACE, numa primeira fase, que posteriormente os debita à Requerente, consubstanciando os mesmos elementos essenciais da actividade tributada que a última desenvolve, i.e., serviços de construção civil;
– os serviços de construção civil que a Requerente presta ao ACE, e que por sua vez são debitados por este à D…, integram no seu preço os custos comuns incorridos pelo ACE e debitado à Requerente, revestindo tais custos uma relação directa e imediata com as operações tributadas da Requerente;
– não merece acolhimento o entendimento da AT segundo o qual as referidas notas de débito deveriam ter sido emitidas a um suposto membro do ACE que assumiria autonomia jurídica face à Requerente, porquanto mesmo que por absurdo se aceitasse a existência desse alegado membro (ficcionado membro, supostamente materializando-se, segundo a AT, no NIPC obtido pela A... declaradamente para efeitos de um acto isolado de aquisição de uma participação social, ele não utilizou tais recursos para as suas actividades tributadas (aliás, tal NIPC nem teve qualquer actividade, nunca se registou sequer para efeitos fiscais, como se viu), tendo, antes, tais recursos sido utilizados pela Requerente através do seu estabelecimento estável em Portugal (e correspondente NIPC);
– a ser acolhido o entendimento da AT no presente caso (que desconsidera liminarmente a existência de um estabelecimento estável em Portugal), tal solução redundaria na necessidade de os referidos gastos comuns serem facturados pelo ACE ao número de IVA da Requerente na Alemanha e, por conseguinte, à localização dos referidos serviços nesse território, sendo devido IVA alemão;
– no caso de um sujeito passivo de IVA ter um estabelecimento estável para efeitos deste imposto noutro país para além do Estado da sede, resultando evidente que é aquele estabelecimento estável que recebe determinado serviço e o utiliza para as suas necessidades próprias, a operação em apreço deverá ser localizada, por imperativo legal, no país onde se encontra o estabelecimento estável (Portugal, no caso) e não na sede;
– os serviços debitados pelo ..., ACE à aqui Requerente (e à B...) tinham a natureza de custos comuns incorridos pelo agrupamento na realização da empreitada de construção civil relativa ao “Projecto de Expansão do Terminal de ... – PETS” sendo que, conforme resultava do contrato celebrado pelas partes, os mesmos deveriam ser facturados à Requerente, concretamente ao seu estabelecimento estável português, porquanto era este que utilizava os referidos inputs para a prossecução da sua actividade tributada, consubstanciada na referida empreitada de expansão do terminal de ... (sub-empreitada, da perspectiva da requerente).
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende neste processo a posição assumida no Relatório da Inspecção Tributária, dizendo, sem suma, o seguinte:
– as correcções realizadas em sede de IVA ora em causa, relativas a imposto indevidamente deduzido, prendem-se, por conseguinte, com a legitimidade da Requerente para deduzir o IVA suportado com encargos debitados pelo ACE Projesine;
– na decisão da reclamação graciosa conclui-se que a Requerente não tem direito à dedução, nos termos dos artigos 19.º e 20.º do CIVA visto que:
a) Constitui um estabelecimento estável, com personalidade e capacidade tributária
distinta da casa-mãe, não podendo assumir gastos e deduzir IVA, da responsabilidade da casa-mãe;
b) Não faz parte do ACE, visto que o ACE foi constituído com recurso ao NIPC, atribuído à A..., enquanto entidade não residente sem estabelecimento estável, devendo, em consequência, os resultados apurados no âmbito do ACE, ser imputados a essa entidade e não à Requerente;
c) As facturas foram emitidas tendo em atenção e fazendo referência a um acordo de partilha de custos (shareholders agreement), celebrado entre os membros do ACE, ou seja, a B... e a A..., sem estabelecimento estável, não sendo a então Reclamante parte interveniente nesse contrato;
d) As facturas titulam gastos desenvolvidos em prol do ACE, relacionando-se com as operações activas do ACE e não com as operações activas da Reclamante, condição necessária para que o IVA liquidado nessas facturas possa ser considerado dedutível na esfera da Requerente, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA;
– na decisão do recurso hierárquico refere-se que
-
Foram contabilizadas notas de débito emitidas pelo ACE ..., referentes a despesas por si suportadas e imputadas à Requerente, a título de “repartição de custos comuns do ACE”, na proporção de 64,29%;
-
O contrato de ACE prevê a contribuição genérica para os seus encargos na proporção de 15% por parte da A... e 85% por parte do outro membro. Por outro lado, o “acordo e regulamento interno” daquela entidade estipula a distribuição de obrigações/passivos, entre os seus membros, na proporção de 64,29% para a A... e 35,71% para o outro membro;
-
estando, portanto, em causa, a distribuição de resultados ou encargos entre os membros do ACE.
– a Requerente não corresponde a qualquer um dos
membros do ACE ...;
– é a própria sociedade de direito alemão, com registo em território nacional como residente sem estabelecimento estável que integra o ACE em causa – e não a Requerente;
– no âmbito do IVA, o ACE é considerado um sujeito passivo, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIVA e as prestações de serviços efectuadas entre o ACE e os seus membros estão, por regra, sujeitas a IVA, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), artigo 4.º, n.º 1 e artigo 6.º, n.º 6, alínea a) do CIVA;
– se a entidade não residente com estabelecimento estável e a entidade não residente sem estabelecimento estável configuram, no plano civil, a mesma pessoa colectiva, já no plano fiscal, a conclusão é outra: são sujeitos passivos distintos;
– as sucursais de uma sociedade com sede em país estrangeiro, com estabelecimento estável em Portugal, embora não tenham personalidade jurídica, dispõem de personalidade tributária e capacidade tributária quanto aos rendimentos gerados em Portugal;
– nos termos do n.º 2 do artigo 16.º da LGT, os estabelecimentos estáveis são sujeitos activos e passivos nas relações tributárias e únicos titulares dos direitos e deveres tributários correspondentes;
– as sucursais, podem constituir sujeitos passivos de IVA, diferenciados e dotados de personalidade tributária própria e distinta, no âmbito do desenvolvimento das respectivas actividades;
– o conceito de estabelecimento estável para efeito de IVA é autónomo e independente de outros que se coloquem a par em matéria de impostos, nomeadamente nos impostos sobre o rendimento;
– o artigo 7.º, n-.º 2, da Convenção Modelo da OCDE confirma esta tese;
– em sede de IVA, há diferenças significativas consoante se trate de entidade não residente com ou sem estabelecimento estável;
– as facturas titulam gastos desenvolvidos na actividade ACE, relacionando-se com as suas operações activas e não com as operações activas da Requerente, condição necessária para que o IVA liquidado nessas facturas pudesse ser considerado dedutível na esfera da Requerente, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA;
– o IVA liquidado nas notas de débito emitidas pelo ACE, por respeitar a custos comuns que deviam der imputados aos seus membros, não é dedutível na esfera da Requerente, visto que esta não é membro do ACE;
– pretendendo-se a imputação dos resultados do ACE ao estabelecimento estável em Portugal, deveria a sociedade de direito alemão ter constituído o ACE indicado como membro o estabelecimento estável, ou seja, a Requerente – o que não fez;
– não há, com tal entendimento, qualquer violação do princípio da neutralidade visto que no caso em apreço estão em causa sujeitos passivos distintos, podendo o IVA ser dedutível pela A... enquanto sujeito passivo de imposto em Portugal na qualidade de não residente sem estabelecimento estável.
3.2. Reenvio prejudicial
A Requerente pede, a título subsidiário, que, na medida em que não seja claro para o Tribunal Arbitral, não obstante a jurisprudência comunitária já produzida sobre a matéria, o alcance dos artigos 167.º, 168.º 169.º e 179.º da Directiva IVA, ou de qualquer outra norma da directiva IVA que possa em seu juízo interferir com a boa solução deste caso, deverá então este Tribunal Arbitral promover o reenvio prejudicial, das questões que entenda suscitar, para o Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).
Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.
No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.
Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º14).
Porém, no caso em apreço, está em causa a interpretação de normas do Direito da União Europeia sobre a qual existem dúvidas interpretativas e não se conhece jurisprudência do TJUE que decida de forma clara sobre as questões essenciais que são colocadas no presente processo.
O TJUE tem pacificamente admitido reenvio prejudicial em processos arbitrais tributários (como se vê pelo acórdão de 11-06-2015, proferido no processo n.º C-256/14).
Assim, não havendo possibilidade de recurso relativamente às questões colocadas, é de entender que é obrigatório o reenvio prejudicial, à face do preceituado no artigo 267.º do TFUE, que estabelece que «sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal».
Nestes termos, formulam-se as seguintes questões em
Reenvio prejudicial
Os artigos 44.º, 45.º, 132.º, n.º 1, alínea f), 167.º, 168.º, 169.º, 178.º, 179.º e 192.º-A, 193.º, 194.º e 196.º da Directiva Iva (Directiva n.º 2006/112), os artigos 10.º e 11.º do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 e o princípio da neutralidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal Portuguesa recuse o direito a dedução de IVA por uma sucursal de uma sociedade de direito alemão, numa situação em que:
– a sociedade de direito alemão obteve um número de identificação fiscal em Portugal para a realização de acto isolado, designadamente «aquisição de participação social», correspondente a entidade não residente sem estabelecimento estável;
– posteriormente, foi registada em Portugal a sucursal da referida sociedade de direito alemão, sendo-lhe atribuído um número fiscal próprio, como estabelecimento estável desta sociedade;
– depois, a sociedade de direito alemão, utilizando o primeiro número de identificação, celebrou com outra empresa um contrato de constituição de um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), para execução de um contrato de empreitada em Portugal;
– posteriormente, a sucursal, usando o seu número fiscal próprio, celebrou um contrato de subempreitada com o ACE, sendo nele acordadas as prestações recíprocas entre a sucursal e o ACE e que este último deveria debitar aos sub-empreiteiros, nas proporções acordadas, custos em que incorresse;
– o ACE indicou nas notas de débito que emitiu para debitar custos à sucursal o número de identificação fiscal desta e liquidou IVA;
– a sucursal deduziu o IVA liquidado nas notas de débito;
– as operações activas do ACE são constituídas (por via de subempreitada), pelas operações activas da sucursal e da outra empresa integrante do ACE, tendo aquelas facturado ao ACE a totalidade da receita que este facturou ao dono da obra.
Termos em que acordam em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira e das alegações das Partes, bem como cópia do processo administrativo e dos documentos juntos com as peças processuais.
Lisboa, 29-06-2016
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Raquel Franco)
(Luís Manuel Pereira da Silva)
[1] Regulado pela Lei n.º 4/73, de 4 de Junho (alterada pelo Decreto-Lei n.º 157/81, de 11 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º 36/2000, de 14 de Março, e pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março) e regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 430/73, de 25 de Agosto, (alterado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º 36/2000, de 14 de Março, e pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro).
[2] Regulado pela Lei n.º 4/73, de 4 de Junho (alterada pelo Decreto-Lei n.º 157/81, de 11 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º 36/2000, de 14 de Março, e pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março) e regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 430/73, de 25 de Agosto, (alterado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º 36/2000, de 14 de Março, e pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro).