DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A. – PARTES
A..., a seguir designado por Requerente, com o NIF..., residente na Rua de..., nº..., ...-... Porto, veio requerer em 11 de Janeiro de 2018 a constituição do tribunal arbitral singular em matéria tributária, ao abrigo do prescrito no art. 2º, nº 1, alínea a) do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária - RJAT) e nos arts. 1º, alínea a) e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, com a finalidade de ser dirimido o litígio que o opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, que doravante será designada por Requerida.
B. – CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL
1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 12/01/2018 e automaticamente notificado ao Requerente e à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12/01/2018, tendo o Presidente do respectivo Conselho Deontológico designado o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 1, do RJAT, encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.
2. Em 28/02/2018, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do art. 11º, nº 1, alínea b) do RJAT, e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.
3. Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 20/03/2018, nos termos do preceituado na alínea c), do nº 1, do art. 11º do Decreto – Lei nº 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.
C. – PRETENSÃO
O Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e a consequente anulação das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis, identificadas nos autos, no valor total de 5.200,96 euros, nos termos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral, e, em consequência
Determine a restituição do imposto que foi pago pelo Requerente, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data do respectivo pagamento 08/01/2018 até integral reembolso.
D. – TRAMITAÇÃO DO PROCESSO
Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 20/03/2018, seguiram-se os posteriores termos processuais na forma seguinte:
- Em 20/03/2018 – Foi notificada a Requerida para, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 17º do RJAT, apresentar resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo, por via electrónica.
- Em 30/04/2018 – A Requerida apresentou Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral, remeteu despacho de designação dos juristas representantes da Requerida e inseriu na “Plataforma” on line do CAAD o processo administrativo, tendo sido, de tudo, notificado o Requerente.
- Em 07/05/2018 – O Tribunal Arbitral determinou a notificação do Requerente para se pronunciar por escrito sobre a matéria de excepção deduzida pela Requerida, o que foi executado nesta data.
- Em 21/05/2018 – O Requerente apresentou resposta escrita às denominadas pela Requerida excepções.
- Em 26/05/2018 – O Tribunal Arbitral dispensou a reunião a que alude o art. 18º do RJAT, fixou prazo para as Partes apresentarem alegações escritas, facultativas e sucessivas, e indicou o dia 30 de Julho para a prolação da decisão, o que foi notificado às Partes em 28/05/2018.
- Em 06/06/2018 – O Requerente informou o Tribunal que não apresentava alegações escritas por ser matéria de direito, o que foi notificado à Requerida nesta data.
- Em 18/06/2018 - A Requerida apresentou alegações escritas.
- Em 21/06/2018 – O Tribunal solicitou às Partes a apresentação das suas peças processuais em formato word, ao abrigo do princípio da colaboração.
- Em 13/07/2018 – Por a Requerida não ter apresentado as suas peças processuais em formato word, foi reiterado o pedido, tendo o prazo para a prolação da decisão final sido remetido para o prazo estabelecido no art. 21º, nº 1 do RJAT (rectificado o número do artigo por despacho de 24/07/2018, que, por erro material, inicialmente fora indicado como 26º).
- Em 21/08/2018 – Foi de novo reiterado o pedido de apresentação pela Requerida das peças processuais em formato word, ao abrigo do princípio da colaboração, uma vez que não foi obtida resposta.
- Em 05/09/2018 – Prolação da decisão arbitral.
E. – PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS
A fundamentar o Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente, alegou, em síntese, o seguinte:
- O pedido de pronúncia arbitral é interposto dos seguintes actos tributários de IMI, referente ao período de tributação de 2013 | 2014 | 2015 | 2016, relativamente à fracção designada pela letra ‘M’ do prédio inscrito sob o artigo..., da freguesia de ..., que estão feridos de ilegalidade e, portanto, devem ser anulados.
ANO
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ID. LIQUIDAÇÃO
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VALOR
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2013
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2013 …
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€ 1.333,58
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2014
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2014 …
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€ 1.333,59
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2015
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2015 …
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€ 1.333,58
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2016
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2016 …
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€ 1.200,22
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- Para tanto, alega o Requerente que dispõe a al. n), do n.º 1, do art. 44º do EBF que estão isentos de IMI “Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.”
- É que, na redacção anterior, o normativo contemplava todos os imóveis que integrassem determinado conjunto urbano de interesse público, e, só com o Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, é que o legislador passou a fazer referência a imóveis individualmente classificados.
- Sem concretizar o sentido da expressão “imóveis individualmente classificados”.
- Sendo esta a letra do normativo em exame, resulta claro que com nova redacção da al. n), do n.º 1, do art. 44º do EBF, o legislador apenas indiciou o quid objecto de isenção,
- sem precisar, qual ou quais os imóveis susceptíveis de se serem subsumidos na estatuição normativa.
- Pelo que, como o Estatuto dos Benefícios Fiscais não nos dá o conceito de prédio individualmente classificado,
- o mesmo há-de ser preenchido de acordo com as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, segundo o art. 11º da LGT.
- Para tal desiderato prescreve o n.º 1, do art. 9º do Código Civil que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”
- Reconstituindo o pensamento legislativo, crê o Requerente que o legislador não quis excluir do benefício fiscal todos os imóveis que integrem um conjunto urbano,
- mas apenas e tão só aqueles imóveis que não integrando um conjunto urbano, e por si só a título individual não possam ser classificados pelo Ministério da Tutela (Ministério da Cultura).
- Pois de outra forma, inexiste possibilidade de classificação individual de imóveis, como sendo imóveis de interesse público.
- Em sua opinião, essa possibilidade decorre desde logo do facto de o Ministério da Cultura, ao abrigo da Lei de Bases do Património, Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, apenas atribuir a classificação a conjuntos urbanos.
- Nunca atribuindo a classificação de bens imóveis de interesse público a imóveis individuais, que não sejam monumentos, como pretende a AT.
- Na verdade, dispõe o n.º 1, do art. 15º da Lei de Bases do Património que “Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional (…)”.
- Pelo que, em face de quanto vem consagrado na Lei de Bases do Património Cultural, apenas podem ser qualificados como bens imóveis de interesse público ou municipal aqueles que representem testemunho material com valor cultural,
- e que por sua vez podem preencher o conceito de bens imóveis, os monumentos, conjuntos ou sítios,
- sem que, em momento algum, um imóvel isoladamente possa aceder a tal qualificação.
- Motivo pelo qual a classificação é feita pelo Ministério da Cultura por referência a aglomerados e/ou conjuntos urbanos.
- Na hipótese em escrutínio, o Ministério da Cultura, ao abrigo da Lei de Bases do Património, atribuiu ao conjunto urbano da ... e ... a classificação de bem imóvel de interesse público – cfr. Portaria 400/2010, DR 114, II Série, 15/06/2010,
- uma vez que se trata de um aglomerado urbano que corporiza um conjunto com interesse cultural que demarca uma concreta circunscrição geográfica da cidade do Porto.
- Com efeito, sendo a fracção designada pela letra ‘M’, do prédio inscrito sob o artigo..., da freguesia de ..., uma parte integrante desse bem imóvel, com a denominação de conjunto urbano de interesse público,
- preenche o conceito de bem imóvel para efeitos de classificação patrimonial,
- embora, se afaste do conceito jurídico de imóvel (enquanto prédio rústico ou urbano).
- No entender do Requerente, à luz do quid que aqui nos ocupa, tal não assume relevância, na medida em que falamos de prédios enquanto conjuntos urbanos.
- Assim sendo, demonstrado que a ratio legis do art. 44º, nº 1, al. n) do EBF, aponta no sentido de que a expressão prédio individualmente classificado, por referência à Lei de Base do Património deve ser interpretada como monumento, sítio ou conjunto urbano deverá reconhecer-se a ilegalidade dos actos de liquidação de IMI.
- Segundo o Requerente, este entendimento é perfilhado pelo Ministério da Cultura em parecer que foi solicitado por um contribuinte cujo imóvel se situa no mesmo aglomerado urbano referido no doc. n.º 5 junto à petição inicial.
- Neste parecer, o Ministério da Cultura, considerou relativamente aquela fracção que, “(…) é uma componente de um imóvel classificado, visto como uma unidade indivisível, do ponto de vista da Lei 107/2001 e do ponto de vista conceptual, da doutrina do património.”
- Porquanto, em face de um procedimento prévio de qualificação e classificação do património arquitectónico nacional o Ministério da Cultura “(…) escolheu integral o prédio em causa no bem a classificar, por entender que ele concorria para o valor patrimonial.”.
- Mais enfatizando, que a classificação do imóvel a título individual não está prevista na Lei de Bases do Património Cultural.
- Considerando que os conjuntos habitacionais, a par dos monumentos, constituem uma categoria de bens, definida à luz do direito internacional, posteriormente adoptada pelo direito nacional, nos termos da qual se qualifica como conjunto arquitectónico: “(…) o agrupamento homogéneo de construções urbanas ou rurais, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, cientifico, social ou técnico e suficientemente coerentes para serem objecto de uma delimitação topográfica.” – art. 1º, n.º 2 da Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa, Granada, 3 de Outubro de 1985.
- Concluindo assim, que também em obediência aos conceitos de direito internacional “(…) a classificação de um conjunto não deixa de ser uma classificação individual (…)”,
- Devendo por essa razão ser subsumidos no âmbito de aplicabilidade da alínea n), do n.º 1, do art. 44º do EBF.
- Alega, ainda, o Requerente ser esta a jurisprudência deste Centro de Arbitragem Tributária, que apreciando hipótese similar, observou, que estando os imóveis situados numa zona qualificada como zona de interesse nacional, devem beneficiar da isenção de imposto.
- Considerando-se na fundamentação da decisão que vem de se referir, proferida no âmbito do processo n.º 325/2014, de 08/11/2014, que “O art. 15º, nº7, da Lei 107/2001 refere expressamente que "os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria os bens qualificados como de interesse nacional".
- Integrando a lista de património nacional os imóveis sitos num determinado aglomerado urbano assim qualificados pelo Ministério da Cultura.
- Daí que, tenha considerado, que, “(…) conforme consta do artigo 15º da Lei 107/2001 e do art. 3º do Decreto-Lei 309/2009, um bem classificado como de interesse nacional é designado como "monumento nacional", independentemente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio, sendo claro que os imóveis que compõem o conjunto ou sítio são abrangidos por essa classificação."
- Ao que adianta, esclarecendo: “O facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do art. 56º do Decreto-Lei 309/2009 apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de protecção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio (cfr. nº 2).”
- Fundamentando que só “Por esse motivo se compreende que o artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre "prédio classificado como monumento nacional" e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal", só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já à dos prédios de interesse nacional.”
- “É um facto que há autores como José Casalta Nabais ou Nuno Sá Gomes, que defenderam uma interpretação restritiva das isenções aos imóveis classificados no intuito de excluir dos benefícios atribuídos em sede de IMI ou IMT todas as situações em que não tenha ocorrido um procedimento ou acto de classificação individual como monumento nacional, imóvel de interesse público ou municipal."
- Porém, “O intuito de seguir a posição expressa por estes ilustres autores determinou a alteração ao art. 6º g) do Código do IMT pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, levando a que a isenção tenha deixado de abranger "as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro" para passar apenas a contemplar "as aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".”
- Contudo, importa sublinhar que, “(…) o legislador não alterou simultaneamente os benefícios fiscais em sede de IMI no mesmo sentido, apesar de ter procedido à modificação da redacção do próprio art. 44º do EBF, continuando a sua alínea n) a exigir a classificação individual para atribuição da isenção apenas no caso dos imóveis de interesse público ou municipal, mas não fazendo exigência semelhante para os monumentos nacionais.”
- “Antes pelo contrário, a norma do nº5 do art. 44º, na redacção que lhe foi atribuída pela Lei 3-B/2010, de 28 de Abril, dispõe expressamente que "a isenção a que se refere a alínea n) do nº. 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal (…)".”
- Pelo que, segundo o Requerente, em face dos argumentos que alinhou, não poderá deixar de se concluir que resulta assim evidente, a classificação individual de imóvel para efeitos de isenção de IMI, nos termos da al. n), fo n.º 1, do art. 44º do EBF, deve ser interpretada como monumento, sítio ou conjunto urbano.
- O mesmo será dizer que, incluindo-se a fracção designada pela letra ‘M’, do prédio inscrito sob o artigo..., da freguesia de ..., no aglomerado urbano sito entre a ... entre o ... e a ..., deve ser classificada como imóvel de interesse publico, e como tal abrangida pelo benefício fiscal de isenção de IMI.
- Em face de tudo o que expendeu, segundo o Requerente, resulta claro e evidente, que a AT incorreu em erro ao considerar que a fracção em escrutínio não reveste a qualidade de imóvel com interesse público
- sem levar em linha de conta que de acordo com a Lei de Bases da Cultura, apenas os aglomerados urbanos merecem tal qualificação, embora por referência a cada um dos imóveis que os integram,
- o que, nos termos do art. 99º do CPPT, gera a sua anulabilidade.
- E, sendo anuláveis, não poderão manter-se na Ordem Jurídica, que assim foi violada.
- Relativamente ao IMI de 2013, considera o Requerente que a AT, apenas revogou o benefício fiscal de IMI em Maio de 2015,
- o que significa que em nome da salvaguarda dos direitos e interesses adquiridos pelos contribuintes, não pode vir agora liquidar IMI, do ano de 2013, quando em 31 de Dezembro de 2014 estava vigente ao beneficio de isenção de imposto que lhe havia sido reconhecido previamente.
- Alega, ainda, que, após a liquidação de IMI, procedeu em 08.01.2018 ao pagamento do imposto que lhe foi debitado.
- E que, a razão da liquidação do imposto pago radica na não aplicação ao caso vertente do benefício fiscal de isenção de IMI,
- pelo que, em sua opinião, ocorreu erro imputável aos serviços, que, nos termos do art. 43º da LGT cria o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte.
- Sendo certo que, conforme resulta do artigo 100º da LGT, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
- Dado que no caso dos autos a liquidação efectuada é o resultado de um erro jurídico emergente da não aplicação do beneficio fiscal de isenção de IMI, deverá a AT ser condenada a pagar ao requerente o imposto pago no valor de € 5.200,96, bem como os juros indemnizatórios que se vencerem desde a data do pagamento (08.01.2018) até efectiva devolução ao contribuinte.
- Termos em que deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado provado e procedente e, consequentemente serem anulados os actos de liquidação de IMI aqui em causa e,
- ainda ser a AT condenada ao pagamento da quantia de € 5.200,96 já paga pelo Requerente, acrescida de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento (08.01.2018).
F. – RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta, na qual, em síntese, alegou o seguinte:
POR EXCEPÇÃO
- A peticionada anulação das liquidações de IMI ora controvertidas tem como causa de pedir o artigo 44º/1-n) do EBF.
- As liquidações colocadas em crise são o resultado da decisão de indeferimento do pedido de isenção IMI, proferida a 2015/05/28 pelo Chefe de Finanças de Porto ... .
- Decisão à qual o Requerente reagiu mediante a dedução de Acção Administrativa, distribuída a autuada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o nº .../16...BEPRT.
- A qual se encontra pendente, tendo o Requerido já apresentado as competentes Contestação e Alegações.
- A referida Acção Administrativa, porque visa colocar em crise o acto em matéria tributária que está na base das liquidações de IMI aqui impugnadas no pedido de pronúncia arbitral - a decisão que indeferiu a isenção de IMI - porque preenche os pressupostos de dependência e necessidade, constitui uma verdadeira questão prejudicial com enquadramento no artigo 15º do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos ("CPTA"), ex vi artigo 29º/1-b) do RJAT.
- Com efeito, dependendo, como dependem, as liquidações de IMI sub judice da legalidade da decisão de indeferimento da isenção e dado que a discussão desta última encontra-se em aberto em sede da referida Acção Administrativa, forçoso é concluir que o desfecho desta última constitui uma questão prejudicial, e como tal, impõe-se ao Tribunal Arbitral Singular a suspensão da presente instância até que a questão da discussão da legalidade do indeferimento do pedido de isenção de IMI seja dirimida na Acção Administrativa distribuída sob o nº .../16...BEPRT e consolidada na ordem jurídica.
- Uma vez que, em face da questão de fundo, tal como foi estruturada pelo Requerente nos presentes autos, se corre o sério risco de não ser garantida a coerência entre julgados, ou melhor, o princípio da homogeneidade das decisões.
- Note-se ainda que o princípio geral da irrecorribilidade na arbitragem em matéria tributária não garante a uniformização de julgados, a qual resulta particularmente garantida junto dos tribunais administrativos, pela possibilidade de recurso para instâncias superiores.
- Por outras palavras, impõe-se desde já que o Tribunal Arbitral Singular evite ser colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 580º/2 do CPC).
- Com vista à anulação das liquidações de IMI sub judice, o Requerente suscita, ao longo dos artigos 55º a 58º do pedido de pronúncia arbitral, a questão da pretensa ilegalidade da decisão de revogação da isenção de IMI, alegando que durante os períodos de 2013 e 2014 esteve isento daquele tributo e, como tal, o benefício fiscal constitui um direito adquirido, logo insusceptível de revogação e de posterior liquidação.
- Todavia, o Requerente labora em grave erro, porquanto não distingue acto tributário de acto em matéria tributária.
- Com efeito, ao colocar em causa a decisão de revogação da isenção de IMI por via do pedido de pronúncia arbitral, o Requerente pretende, no fundo, que o Tribunal Arbitral Singular profira decisão no sentido do reconhecimento daquela isenção prevista no artigo 44º/1-n) do EBF, relativamente aos anos de 2013 e 2014, o que implica a apreciação de um alegado vício em torno da revogação da isenção e da questão do "direito adquirido" ou do "direito constituído".
- Ora, à luz desta pretensão é a Acção Administrativa que configura o meio processual adequado para efectuar a apreciação da matéria (pois que aquela constitui o meio de reacção destinado a apreciar actos em matéria tributária - artigo 97º/2 do Código do Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), e não o pedido de pronúncia arbitral (pois que este constitui um dos meios de reacção destinados a apreciar actos tributários . artigo 2º/1 do RJAT).
- Significa isto, portanto, que o Requerente pretende enxertar uma Acção Administrativa no presente pedido de pronúncia arbitral, o que não é legalmente possível, pelo que o Tribunal Arbitral Singular deve abster-se de conhecer parcialmente do pedido, uma vez que o meio processual utilizado pelo Requerente não comporta a apreciação daquele.
- A impropriedade do meio processual consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 577º e 278º/1 ambos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º/1-e) do RJAT.
- Em decorrência directa do que se acaba de afirmar, importa igualmente suscitar a incompetência do Tribunal Arbitral Singular porquanto a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei.
- À luz daquele artigo resulta claramente que se encontra fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes ao reconhecimento de isenções fiscais, sob pena de violação da lei.
- A questão da revogação das isenções fiscais aqui em causa é matéria reservada à jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais.
- A incompetência material do Tribunal Arbitral Singular para a apreciação da questão da isenção fiscal consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no artigo 576º/1 e 2 e no artigo 577º-a) do CPC ex vi do artigo 29º/1-e) do RJAT.
POR IMPUGNAÇÃO
- O Requerente alicerça a sua pretensão mediante a suscitação de uma única questão, qual seja a circunstância de as liquidações de IMI assentarem em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ou seja, no entendimento do Requerente o prédio urbano, onde se localizam a sua fracção autónoma, está individualmente classificado, na medida em que ele é parte integrante do "Conjunto urbano da ... entre o ... e a ..." (classificado por Portaria 400/2010, de 15 de Junho) e, como tal, o prédio reúne os pressupostos estabelecidos na lei para usufruir da isenção de IMI consagrada no artigo 44º/1-n) do EBF.
- A Requerida depois de analisar a evolução do conceito de "classificação" no regime jurídico do património até chegar à Lei 107/2001, de 8 de Setembro ("LBPC"), por via da qual se estabeleceram as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, bases e regime aqueles que são os actualmente vigentes na ordem jurídica, refere que
- Com efeito, da leitura da p.i. resulta que o Requerente utiliza indiferentemente conceitos jurídico-patrimoniais completamente distintos entre si, como sejam:
- Através do seu artigo 15º, a LBPC veio consagrar três conceitos jurídicos- patrimoniais distintos em matéria de bens culturais imóveis, a saber:
-
A Categoria (cfr. artigo 15º/1);
-
A Classificação (cfr. artigo 15º2); e
-
A Designação (cfr. artigo 15º/3).
- Pois bem, e para aquilo que releva no caso sub judice, Categoria e Classificação não são conceitos similares, mas conceitos com um recorte técnico preciso que por isso não podem ser empregues de forma indiferenciada, como, no fundo, acaba por propor o Requerente.
- O artigo 15º, nº 1, da LBPC prevê três diferentes Categorias, a saber:
- O legislador patrimonial de 2001 optou por não proceder a uma definição daquelas três categorias, antes se limitando a adoptar as definições de Monumento, Conjunto e Sítio constantes das convenções a que a República Portuguesa aderiu, designadamente:
-
A Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural, concluída em Paris a 1972/11/23 sob a égide da UNESCO ("Convenção da UNESCO de 1972");
-
A Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa, concluída em Granada a 1985/10/03 sob a égide do Conselho da Europa ("Convenção de Granada de 1985").
- Assim, as definições das Categorias de Conjunto patentes quer na Convenção da Unesco de 1972 e quer na Convenção de Granada de 1985 comungam da mesma ideia-base: um Conjunto consiste num grupo de edifícios, num grupo de construções.
- O artigo 15º, nº 2, da LBPC prevê três diferentes Classificações:
- Não assiste razão à Requerente quando esta afirma que:
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O legislador de 2008 introduziu a expressão "imóveis (sic) individualmente classificados", sem precisar qual ou quais os imóveis susceptíveis de serem subsumidos na estatuição e sem que o EBF forneça tal conceito;
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O legislador não quis excluir da isenção todos os prédios que integram um conjunto urbano, mas apenas e só os prédios que, não integrando um conjunto, não possam ser classificados.
-
Um imóvel isolado nunca pode aceder à qualificação de "Imóvel de Interesse Público".
- Quanto ao primeiro argumento, cumpre dizer que jamais desde 2008 se esteve dependente - como ainda hoje não se está - da definição daquele do pseudo-conceito de "prédio individualmente classificado", porquanto tal noção resulta cristalinamente da articulação da lei.
- Efectivamente:
-
A definição de "prédio" consta inequivocamente do artigo 2º do Código do IMI ("CIMI") desde 2003;
-
A definição de "classificação" consta inequivocamente do artigo 18º da LBPC desde 2001;
-
O termo "individualmente" não passa de um advérbio de modo.
- "Prédio individualmente classificado" não consiste em nenhum conceito particular, razão pela qual, obviamente, quer a legislação do património cultural quer a legislação fiscal não o prevêem em lado algum.
- Quando a lei fiscal refere "prédio individualmente classificado" está a aludir ao conceito de "prédio classificado", porém particularizando-o, restringindo-o, dizendo que não é todo e qualquer "prédio classificado".
- O segundo argumento do Requerente é de que o legislador não quis excluir da isenção todos os prédios que integram um conjunto urbano, mas apenas quis excluir da isenção todos os prédios que não integram um conjunto urbano, é facilmente afastada pela mera consulta ao sistema de inventário de bens classificados organizado pela Direcção-Geral do Património Cultural, em decorrência directa dos artigos 16º/2-b) e 19º da LBPC, onde constam dezenas de exemplos de bens culturais imóveis que não integram um conjunto urbano mas que consistem em apenas um prédio.
- Quanto ao terceiro argumento, chama-se à colação o já exemplo do Pavilhão de Portugal (em Lisboa), o qual se encontra individualmente classificado como de "Interesse Público" (Portaria nº 240/2010) à luz do actual conceito de "Interesse Público" estabelecido na LBPC, e que apenas não usufrui dele em decorrência de, ele próprio, já beneficiar da isenção subjectiva patente no artigo 11º do CIMI.
- A verdadeira questão a decidir nos presentes autos é saber se se encontram isentos de IMI todos e quaisquer prédios urbanos integrados no espaço denominado por "Conjunto urbano da ... entre o ... e a ...", sabendo-se que este último pertence à categoria de "Conjunto":
- As definições das Categorias de Conjunto patentes quer na Convenção da UNESCO de 1972 e quer na Convenção de Granada de 1985 comungam da mesma ideia-base: um Conjunto consiste num grupo de edifícios, num grupo de construções.
- Da leitura destas definições da Categoria de Conjunto ressalta desde logo a característica da "unidade" em torno dos "grupos de construções", pelo que o termo "unidade" não foi utilizado num sentido técnico ligado a uma determinada área do saber ou da ciência, pelo que deve ser interpretado à luz do seu significado corrente.
- Subjacente à Categoria de Conjunto esteve um requisito de unidade ou coesão arquitectónica, requisito esse que é diferente do conceito de uniformidade, ou seja, a definição de Conjunto apela a uma certa unidade ou continuidade arquitectónicas, admitindo assim que nem todos os "grupos de construções" gozam de uma uniformidade ou homogeneidade totais, podendo no seio de um conjunto existir imóveis desprovidos de valor cultural.
- Para ambas as convenções basta uma harmonia ou um nexo (i.e., o valor cultural universal excepcional) entre os diversos elementos ou partes do todo, e não uma ligação comum entre todos os elementos ou partes do todo.
- O "Conjunto urbano da ... entre o ... e a ...", apesar de remontar à Idade Moderna, chegou aos nossos dias sob uma aparência distinta daquela época histórica, pois apresenta ao lado de construções da Época Moderna, construções da Época Contemporânea, em resultado de factores tão diversos como a evolução histórica do aglomerado urbano, a durabilidade dos materiais empregues, de opções estéticas conscientes ou até da inobservância dos respectivos regimes de ordenamento urbanístico.
- Não faz sentido isentar de IMI um prédio que remonta a 2010, quando o benefício fiscal aqui em causa constitui um incentivo à conservação e manutenção de imóveis antigos por parte dos seus proprietários.
- Embora o prédio a que pertence a fracção propriedade do Requerente esteja inserido no "Conjunto Urbano da ... entre o ..., não se encontra classificado como Imóvel de Interesse Público", pelo que não reúne os requisitos para usufruir do benefício fiscal concedido pelo artº 44º, nº 1, al. n) do EBF.
- A liquidação impugnada não padece de ilegalidade.
- Acresce que a isenção fiscal prevista no artº nº 44, nº 1, al. n) do EBF só pode ser atribuída a um prédio, cujo conceito fiscal, constante do artº 2º do CIMI é mais amplo que o conceito civil de prédio, constante do artº 204/2 do Cód. Civil.
- Um conjunto classificado não é um prédio no sentido fiscal, mas sim uma universalidade.
- O denominado "Conjunto urbano da ... entre o ... e a ..." NÃO é um PRÉDIO, nem no plano civil nem no plano fiscal!
- O Requerente não cumpriu o ónus probatório que lhe incumbe de demonstrar que o prédio onde se insere a sua fracção está classificado.
- O documento nº 5 da p.i. é consistente, a "proposta de resposta a pedido de parecer do Dr. A... sobre "classificação individual de prédio" emitida pela Direcção Regional de Cultura do Norte não passa de um mero acto opinativo, que foi dado por uma entidade que é destituída de competência em matéria de reconhecimento do benefício fiscal aqui em causa, nomeadamente quanto à questão da discussão da natureza do prédio.
- E o acto opinativo esse, aliás, está em directa oposição com o entendimento veiculado pela Direcção- Geral do Património Cultural, conforme Documento 9 junto:
"(...) Tratando-se de classificação em que se optou pela categoria de "Conjunto", não é legítima nem legalmente possível a conclusão de se considerarem individualmente classificados os imóveis por ela abrangidos."
- Apenas a Direcção-Geral do Património Cultural podia certificar que o prédio aqui em causa está classificado à luz da LBPC, conforme se retira do artigo 44º, nºs 5 e 6, do EBF.
- O pedido de certificação da classificação de prédios consta do modelo oficial corporizado no Documento 10 junto.
- Até hoje, o Requerente jamais juntou qualquer certidão regularmente emitida pela DGPC.
- Aliás, o Requerente nem sequer demonstrou que o prédio em causa está integralmente situado no interior da triangulação formada pela ..., ... e ... .
- Demonstração essa que não é de somenos, porquanto resulta do documento 8 junto que o prédio em causa está (também) localizado nos seguintes arruamentos: Rua Dr. ... e Rua ... .
- Em primeiro lugar, como se sabe, a jurisprudência não é fonte imediata de direito (artigo 1º do Código Civil).
- Por outro lado, as decisões dos tribunais somente têm eficácia no caso concreto, apenas valendo como meio mediato ou derivado do conhecimento do direito.
- Contrariamente aos países que perfilham um sistema jurídico de common law, as decisões dos tribunais não constituem precedente vinculativo, mas sim, precedente meramente persuasivo (artigo 8º/3 do Código Civil).
- Em segundo lugar, nenhum daqueles processos invocados se refere ao "Conjunto urbano da ... entre o ... e a ...", mas a centros históricos inscritos na "Lista do Património Mundial" da UNESCO.
- Nenhum daqueles processos se refere sequer ao 2º segmento do artigo 44º/1-n) do EBF, ou seja, a questão do "prédio individualmente classificado", mas sim ao primeiro segmento relativo à classificação como "Monumento Nacional".
- Precisamente sobre o "Conjunto urbano da ... entre o ... e a ..." recaiu a decisão arbitral proferida no processo nº 354/2017-T, decisão esta foi clara ao decidir pela total improcedência da tese (também) aqui veiculada pelo Requerente.
- Em terceiro lugar, quanto elenco de decisões arbitrais, apenas se apraz dizer pela Requerida que não se olvida a existência de jurisprudência firmada no Centro de Arbitragem Administrativa (doravante "CAAD") relativamente à matéria em apreço, todavia não a acompanha, porquanto a Requerida se rege por normas legais e não por correntes jurisprudenciais.
- Acresce, por fim, que, as invocadas decisões arbitrais não tiveram, nem de perto nem de longe, o elenco de questões suscitadas pela Requerida ao longo da Resposta apresentada nos presentes autos, nem os documentos a ela anexos, umas e outros que necessariamente deverão ser alvo de pronúncia por parte do tribunal, designadamente,
-
A indissociabilidade da isenção aqui em causa ao conceito fiscal de prédio;
-
A competência exclusiva da Direcção-Geral do Património Cultural para atestar prédios classificados como de Interesse Nacional, mediante certidão constante do modelo oficial, conforme documento 10 ora junto;
-
A inconstitucionalidade da interpretação veiculada pelo Requerente em torno do artigo 44º/1-n) do EBF (cfr. infra).
- Apenas a decisão arbitral proferida no processo nº 354/2017-T se debruçou sobre o bem cultural aqui em causa, decisão esta que julgou improcedentes as teses (também) agora preconizadas pelo Requerente.
- De resto, cumpre apenas salientar que o entendimento veiculado pelo Requerente e pela jurisprudência arbitral por si invocada vai ao arrepio:
-
Da doutrina fiscal mais relevante produzida sobre esta matéria
(vide José Casalta Nabais, Nuno Sá Gomes, Carlos Paiva e Mário Januário);
-
Da doutrina administrativa da Direcção-Geral do Património Cultural que - como já supra se viu - tem entendido que "(...) Tratando-se de classificação em que se optou pela categoria de "Conjunto", não é legítima nem legalmente possível a conclusão de se considerarem individualmente classificados os imóveis por ela abrangidos" (cfr. Documento 9 ora junto);
-
Da Jurisprudência emanada, por exemplo, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (Documento 11 ora junto);
-
Da jurisprudência arbitral do CAAD especificamente sobre o bem cultural aqui em causa; e
-
Do entendimento do próprio Estado Português (Documentos 12 e 13 juntos).
- A interpretação proposta pelo Requerente é uma interpretação que ofende o basilar princípio da igualdade tributária na medida em que, enquanto proprietário de uma fracção do prédio urbano integrado no denominado "Conjunto urbano da ... entre o ... e a ..." (prédio esse que remonta a 2010) e destituído de valor cultural individual, o Requerente pretende ser privilegiado, sem razão justificável, relativamente aos demais proprietários de imóveis não classificados.
- Por outro lado, a mesma interpretação redunda na fruição indevida de um benefício por parte de quem nada contribui para a protecção do património cultural, dado que a propriedade de um prédio urbano que remonta a 2010 em nada se compara à propriedade de prédios urbanos dotados de valor cultural e individualmente reconhecido.
- Paralelamente, a interpretação dada pelo Requerente é ofensiva do princípio da capacidade contributiva, já que, enquanto proprietária de um prédio urbano destituído de valor cultural, pretende usufruir de uma isenção fiscal destinada a beneficiar proprietários de imóveis que efectivamente detêm valor cultural e que estão sujeitos a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que os proprietários de imóveis de construção recente.
- Finalmente, a argumentação veiculada pelo Requerente redunda na violação do princípio da autonomia local, porquanto redunda na atribuição de um benefício fiscal sem qualquer critério, com óbvio prejuízo para as receitas municipais, já que o IMI é, como o seu próprio nome indica, um imposto municipal cujas receitas revertem a favor dos municípios onde os imóveis se localizam (cfr. artigo 1º do Código do IMI).
- Consequentemente e à luz de tudo quanto se expôs, forçoso é concluir que as liquidações ora colocadas em crise encontram suporte factual e legal, devendo por isso permanecer na ordem jurídica.
G. - RESPOSTA DA REQUERENTE ÀS EXCEPÇÕES DEDUZIDAS PELA REQUERIDA
Na resposta à matéria das excepções invocadas pela Requerida, alega a Requerente o seguinte:
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 279º do CPC uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta pode afectar e prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser.
Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente.
Neste contexto, e existindo entre duas acções esse nexo de prejudicialidade, deveria ser suspensa a instância na causa dependente, até à decisão da causa prejudicial.
Contudo, poderá não ser aconselhável a suspensão da instância na causa dependente – nomeadamente por a mesma ou se encontrar mais avançada ou ser expectável que a decisão desta seja proferida de forma mais célere – se a questão prejudicial (discutida, na acção prejudicial) já estava a ser discutida na acção dependente (por ter sido invocada nos respectivos autos).
Acresce que a possibilidade de suspensão da instância na causa prejudicial – como forma de evitar a incompatibilidade de julgados – é reforçada nas situações em que os fundamentos invocados para a pretensão deduzida na causa prejudicial são os mesmos que já haviam sido invocados na acção dependente.
Ora, considerando que se existe efectivamente uma acção administrativa especial a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º .../13...BEPRT cujo objecto é a anulação da decisão de revogação da isenção de IMI e da decisão de indeferimento proferida em sede de Recurso Hierárquico, que apesar de esta ser prejudicial aos presentes autos é expectável que a decisão arbitral proferida o seja de forma mais célere [considerando o nível de pendências no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto], e que como a própria AT reconhece a questão já se encontra a ser discutida na acção dependente.
Deverá ser suspensa não a questão dependente que corre termos nos presentes autos, mas sim a questão prejudicial que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º .../13...BEPRT.
Por outro lado, veio alegar a AT a incompetência do tribunal Arbitral singular para a apreciação da isenção fiscal indicando que a Requerente nos artigos 55º a 59º do seu pedido de pronúncia arbitral vem questionar a pretensa ilegalidade da decisão de revogação da isenção de IMI.
Antes de mais cumpre salientar que, lendo e relendo o referido petitório não resulta do pedido de pronúncia arbitral e muito menos dos referidos artigos que a Requerente visa a anulação da decisão de revogação da isenção de IMI.
Alega o Requerente que pugna pela ilegalidade das liquidações de impostos pelo que não se compreende em face do petitório a interpretação conferida pela AT.
Nestes termos podemos sempre concluir que quem labora em erro ao invocar a incompetência do tribunal Arbitral sempre será a AT pelo que sempre terá de improceder a excepção de incompetência em razão da matéria invocada pela Requerida.
Concluindo, diz que deverá ser suspensa a acção administrativa especial que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º .../13...BEPRT; e sempre terá de improceder a excepção de incompetência em razão da matéria do Tribunal Arbitral invocada pela Requerida.
H. – ALEGAÇÕES
- O Requerente informou o Tribunal que não apresentará alegações escritas por ser matéria de direito.
- A Requerida apresentou alegações escritas, em que reiterou toda a argumentação esgrimida na sua Resposta.
I. – QUESTÕES A DECIDIR
Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:
1 – Excepção invocada pela Requerida de incompetência do Tribunal Arbitral.
2 – Questão prejudicial de pendência de processo no TAF que tem por objecto o indeferimento pela Requerida do pedido de isenção do IMI.
3 - Quanto ao mérito:
3.1 – Legalidade das liquidações de IMI, identificadas no Pedido de Pronúncia Arbitral, no valor total de 5. 200,96 euros.
3.2 – Juros indemnizatórios – Existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do art. 43º da LGT, no caso de serem anuladas as liquidações e determinado o reembolso da importância peticionada, que teria sido indevidamente paga.
4 – Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.
J. – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
1. O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é materialmente competente, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do art. 2º do RJAT (Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro).
2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2 do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março.
3. Considerada a identidade do facto tributado, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o Tribunal admite a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos actos tributários que são objecto deste processo, uma vez que estão cumpridos os requisitos estabelecidos no art. 3º, nº 1 do RJAT.
4. O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.
L. – MATÉRIA DE FACTO
L. 1 – FACTOS PROVADOS
Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:
1. O Requerente é proprietário da fracção designada pela letra “M” do prédio inscrito sob o artigo..., da freguesia de ... .
2. A fracção em causa tem a seguinte localização, conforme respectiva caderneta predial: ... Nº: ...Lugar: Porto Código Postal: ...-... PORTO
3. O imóvel em apreço foi construído em 2010 e é parte integrante do imóvel designado “Conjunto urbano da ..., entre o ... e a ...”, classificado conjunto de interesse público, pela Portaria n.º 400/2010, de 15 de Junho, DR, II série.
4. O Requerente solicitou à Direcção-Geral de Cultura do Norte parecer sobre a “classificação individual de imóveis”, tendo-lhe sido remetida proposta de resposta através do ofício datado de 13.07.2011, onde se conclui que “a classificação de conjunto não deixa de ser uma classificação individual, daí decorrendo um conjunto de externalidades negativas, e outras positivas, para os proprietários e titulares de bens que fazem parte integrante deste conjunto, que deverão ser confrontados com a aplicação de um bloco legal e administrativo regulador da intervenção em património cultural arquitectónico perfeitamente uniforme e de acordo com os princípios vigentes em direito internacional”.
5. Através de ofício datado de 11.07.2012 a Requerida comunicou ao Requerente que, por despacho de 06.09.2011, foi deferido, face ao disposto na alínea g) do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, a isenção de IMT relativamente ao bem identificado no pedido.
6. Por ofício datado de 27.04.2015, a Requerida notificou o Requerente para audição prévia – isenção de prédios classificados- alínea n do n.º 1 do artigo 44.º do EBF – com fundamento de que, em 26.09.2011, data em que fora formulado o pedido de isenção, já se encontrava em vigor a alteração introduzida no artigo 40.º [actual 44.º], n.º 1, alínea n), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, pela Lei n.º 53-A/2006 de 29 de Dezembro, que acrescentou um novo elemento literal no texto do preceito – a classificação individual do prédio.
7. Segundo o mesmo ofício, a isenção foi indevidamente concedida por a classificação em causa não ser individual, tendo antes sido homologada a classificação de conjunto urbano, como Conjunto de Interesse Publico, razão por que seria proposta a revogação do despacho que concedeu a isenção.
8. O Requerente exerceu o direito de audição através de requerimento apresentado no em 14.05.2015. pronunciando-se no sentido de ser mantida a isenção.
9. Em 28.05.2015 foi proferido pelo Chefe de Finanças Porto ... decisão de indeferimento do pedido de isenção do IMI formulado pelo Requerente relativamente ao imóvel em causa.
10. O Requerente instaurou acção administrativa especial que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o n.º .../16...BEPRT, impugnando aquele despacho.
11. A acção acabada de identificar encontra-se pendente, aguardando decisão.
12. A Requerida procedeu à liquidação do IMI relativo à fracção em causa, num total de € 5.200,96, assim discriminado:
─ ano de 2013, liquidação n.º 2013..., no valor de € 1.333,58;
─ ano de 2014, liquidação n.º 2014..., no valor de € 1.333,59;
─ ano de 2015, liquidação n.º 2015..., no valor de € 1.333,58;
─ ano de 2016, liquidação n.º 2016..., no valor de € 1.200,22;
13. O Requerente procedeu, em 08.01.2018, ao pagamento do imposto liquidado.
14. O Requerente requereu em 11 de Janeiro de 2018 a constituição de tribunal arbitral singular para dirimir o litígio em apreço.
15. O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 20/03/2018.
L. 2 – FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
Os factos dados como provados estão baseados nos documentos constantes do processo administrativo, dos que foram indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.
L. 3 – FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados com relevância para a apreciação das questões a decidir.
M. – MATÉRIA DE DIREITO
Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.
Antes de mais, e relativamente às apelidadas excepções suscitadas pela Requerida, cumpre dizer o seguinte:
M.1 – Quanto à alegada pela Requerida incompetência material do Tribunal Arbitral, importa conhecer a mesma em primeiro lugar, uma vez que, tratando-se de matéria de ordem pública, o seu conhecimento deverá proceder o de qualquer outra matéria, nos termos dos arts. 16º do CPPT e 13º do CPTA, por força dos arts. 21º, nº 1, alíneas a) e c) do RJAT e 2º, alínea c) do CPPT.
Segundo a Requerida, é a acção administrativa que configura o meio processual adequado para efectuar a apreciação de actos em matéria tributária e não o pedido de pronúncia arbitral, cuja competência se resumirá à apreciação de actos tributários.
Pelo que, em sua opinião, este tribunal arbitral será incompetente por tal matéria extravasar as competências que lhe estão reservadas por lei.
Ora, esta argumentação carece que qualquer apoio jurídico, uma vez que o pedido de pronúncia arbitral respeita tão-só às liquidações de IMI que estão identificadas no processo, pretendendo o Requerente a declaração de ilegalidade e anulação de tais actos.
É inequívoco que o objecto do processo são actos de liquidação de IMI e o pedido deduzido é o da declaração de ilegalidade e a anulação dessas liquidações, matéria que cabe na competência da jurisdição arbitral e que, assim sendo, este tribunal pode conhecer nos termos do estabelecido nos arts. 2º, nº 1, alínea a) do RJAT, soçobrando, assim, a excepção de incompetência material do tribunal arbitral deduzida pelo Requerente.
Carece, assim, de fundamento a excepção invocada pela Requerida de incompetência deste Tribunal Arbitral
M.2 – Relativamente à questão prejudicial cabe dizer o seguinte:
Alegando que as liquidações de IMI dependem da legalidade da decisão de indeferimento da isenção, e que a discussão desta última encontra- se, em aberto, em sede de acção administrativa de impugnação, conclui a Requerida que o desfecho desta última constitui uma questão prejudicial, e como tal, impõe-se a suspensão da presente instância até que a questão da discussão da legalidade do indeferimento do pedido de isenção de IMI seja dirimida na acção administrativa distribuída sob o nº .../16...BEPRT e consolidada na ordem jurídica.
Afirma que, em face da questão de fundo, tal como foi estruturada pelo Requerente nos presentes autos, se corre o sério risco de não ser garantida a coerência entre julgados, ou melhor, o princípio da homogeneidade das decisões.
E ainda que o princípio geral da irrecorribilidade na arbitragem em matéria tributária não garante a uniformização de julgados, a qual resulta particularmente garantida junto dos tribunais administrativos, pela possibilidade de recurso para instâncias superiores.
Apreciando:
Na acção em apreço por este Tribunal arbitral discute-se a legalidade das liquidações supra identificadas, por o Requerente entender que o imóvel deve beneficiar de isenção de IMI, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, alínea n), do EBF.
A acção administrativa especial intentada pelo Requerente noTribunal Administrativo e Fiscal do Porto destina-se a impugnar o despacho do Chefe de Finanças Porto..., de 28.05.2015, que revogou a isenção que fora concedida, pelo despacho de 06.09. 2011, e comunicada por ofício de 11.07.2012.
Embora ambas as acções impliquem, na óptica do Requerente, a necessidade da análise de uma mesma questão ─ apurar se o prédio deve ou não ser considerado como prédio “individualmente” classificado como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável, para efeitos da isenção de IMI ─ a verdade é que os pedidos formulados são distintos.
Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a decisão da primeira tira razão de ser à existência da segunda (Alberto dos Reis, Comentário, III, pg. 206).
Ora, o Tribunal não pode deixar de apreciar a (i)legalidade da liquidação, em conformidade com os elementos de facto existentes à data, sendo irrelevante que o despacho que retirou a isenção tenha sido impugnado no Tribunal Administrativo.
Com efeito, a circunstância de estar pendente essa acção administrativa não determina a necessidade de suspensão desta acção, mas sim uma eventual oportuna reformulação das liquidações, em conformidade com o que vier a ser decidido naquela acção.
Só assim não seria se naquela acção tivesse sido requerida a suspensão da eficácia do acto que retirou a isenção, o que não consta dos autos tenha ocorrido.
Acresce que, ainda que, por hipótese, se verificasse fundamento para a suspensão desta acção, o artigo 272.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, estabelece que, não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se a causa estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
Atendendo a que nestes autos já estamos em fase de prolação da decisão, e que o recurso à arbitragem se destina a conferir maior celeridade à resolução das questões tributárias, em todas as circunstâncias a suspensão se mostraria inconveniente.
Do que se decide não resulta qualquer prejuízo para o Requerente, pois, reitera-se, a eventual procedência da acção administrativa terá como consequência a reformulação das liquidações em conformidade. E assim também se evita qualquer contradição na ordem jurídica.
E se não existe fundamento para suspender esta acção, muito menos poderia este Tribunal suspender a acção que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, como o Requerente pretende, por carecer em absoluto de competência para o efeito ─ só o Tribunal onde pende a acção tem competência para suspendê-la.
Termos em que se indefere a suscitada questão prévia prejudicial.
M.3 Do mérito
Sustenta o Requerente a ilegalidade das liquidações em causa por entender que o prédio deve ser considerado como prédio “individualmente” classificado como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável, para efeitos da isenção de IMI prevista no artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF.
Estão em causa as liquidações dos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, sendo que a situação da primeira é distinta das demais, pelo que será analisada separadamente.
Da liquidação relativa ao ano de 2013
Assim, em 31 de Dezembro de 2014, data a atender para a liquidação do IMI, ainda se encontrava em vigor a isenção concedida pelo despacho de 06.09. 2011, uma vez que foi revogada por despacho de 28.05.2015.
Dispõe o artigo 14.º do EBF que O acto administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável, nem pode rescindir-se o respectivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por acto unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado.
Como se refere no acórdão do STJ A, de 12.05.2013, proc. 0566/12, dgsi,
Tal preceito visa conceder aos contribuintes a garantia de que as decisões administrativas de reconhecimento ou de concessão de benefícios fiscais não serão alteradas a não ser nas hipóteses aí referidas, permitindo-lhes assim efectuar as suas opções económico-financeiras com segurança. E essas hipóteses são apenas duas: (i) a inobservância das obrigações impostas pela lei ou pelo acto reconhecedor do benefício e que constituíram o pressuposto da sua motivação legal e funcional; (ii) a indevida concessão do benefício por erro nos pressupostos em que o acto assentou.
O fundamento invocado pela Requerida para proceder à revogação da isenção foi ter o benefício sido indevidamente concedido, encontrando-se assim preenchida a segunda situação em que é admissível a revogação do benefício fiscal.
Resta determinar em que prazo é legalmente admissível essa revogação.
Nesta matéria, entre outros, acompanhamos, mutatis mutandis, o referido acórdão do STA, onde se lê:
“A Lei Geral Tributária prevê especificamente a possibilidade legal de revogação de actos administrativos em matéria tributária no seu art. 79º, diferenciando-a, assim, da possibilidade legal de revisão dos actos tributários constante do art. 78º, revisão que se reporta a actos de liquidação ou a actos de fixação da matéria colectável, e que, sendo da iniciativa da Administração Tributária por erro imputável aos serviços, pode ter lugar no prazo de 4 anos após a liquidação se o tributo tiver sido pago ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago.
Mas nem esse diploma legal nem o CPPT contém qualquer norma sobre o prazo para a aludida revogação, pelo que tal prazo só pode ser o constante das regras do CPA – diploma que constitui legislação complementar e subsidiária ao direito tributário [art.ºs 2º, alínea c), da LGT e 2º, alínea d), do CPPT] – e que devem ser aplicadas no direito tributário de acordo com a natureza do caso omisso, mais precisamente as regras que directamente regulam a revogação dos actos administrativos nos art.ºs 136º e segs.
Assim, o prazo para a revogação de tal acto administrativo de concessão da isenção de IRS só pode ser o constante nas normas do CPA, que não o relativo ao prazo previsto para a revisão do acto de liquidação daquele imposto.
Ora, nos termos do disposto nos artigos 136.º e 141.º do CPA, o prazo para a revogação de acto constitutivo de direitos inquinado por vício conducente à sua anulabilidade, como foi o invocado no acto revogatório, era o relativo ao prazo da sua impugnação contenciosa, que é de um ano nos termos do art.º 58.º do CPTA e que manifestamente foi ultrapassado.”
Em síntese: O acto de revogação de benefício fiscal de isenção de tributo, que produz efeitos ex tunc e ocorre mais de um ano depois do acto concedente da isenção, é ilegal por violação do disposto no art. 141º do CPA.
Nessa conformidade, assiste razão ao Requerente quanto à liquidação relativa ao ano de 2013, que, por isso, se anula, por ilegalidade.
Das liquidações relativas aos anos de 2014, 2015 e 2016
Já no que concerne às liquidações relativas aos anos de 2014, 2015 e 2016, não assiste razão ao Requerente, pois o acto de liquidação não enferma de qualquer vício.
Com efeito, a liquidação foi feita de acordo com os elementos de facto e de direito existentes à data.
Recorda-se que a isenção de que o imóvel beneficiava, concedida por despacho de 06.09.2011, foi revogada pelo despacho do Chefe de Finanças Porto..., de 28.05.2015, tendo as liquidações ocorrido em consequência desse despacho, que produziu efeitos na ordem jurídica (não constando que tenha sido requerida a suspensão de eficácia do acto, mormente na acção administrativa).
Face a esse despacho, a Requerida não podia deixar de proceder a estas liquidações nos termos em que o fez.
As liquidações em apreço são, pois, actos consequentes, que Lopes de Sousa, Código do Procedimento e do Processo Tributário, Áreas Editora, vol. II, pág. 338, define como “aqueles que têm como pressuposto o acto anulado ou revogado e são influenciados pelo seu conteúdo”.
A decisão da acção administrativa projectará os seus efeitos nas liquidações em causa, assim se garantindo que a Requerida não fique prejudicada caso lhe seja reconhecida razão.
Nessa conformidade, não cabe no objecto desta acção apurar se o prédio deve ou não ser considerado como prédio “individualmente” classificado como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável, para efeitos da isenção de IMI.
Improcede, pois, a pretensão do Requerente relativamente às liquidações dos anos de 2014, 2015 e 2016 e, em consequência, também, neste caso, o pedido relativo aos juros indemnizatórios.
Relativamente a liquidação de IMI, relativa ao ano de 2013, que se julga ilegal e, consequentemente, se anula, coloca-se a questão relativamente ao direito a juros indemnizatórios, que foram pedidos pelo Requerente.
Esta matéria está regulada no art. 24º do RJAT, o qual expressamente determina no seu nº 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a Administração Tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, e, preceitua, ainda, no seu nº 5 que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”
Também o art. 100º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no art. 29º, nº 1, alínea a) do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.
Por seu lado, o art. 43º, nº 1 da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Nesta conformidade, coloca-se a questão de saber se, face às circunstância em que ocorreu a liquidação em apreço e à jurisprudência firmada, designadamente, pelo Supremo Tribunal Administrativo, se pode considerar ter havido um erro imputável aos serviços na situação vertente.
Ora, conforme se referiu anteriormente, a liquidação sub judice é ilegal e foi efectuada pela Requerida após o STA se ter bastamente pronunciado sobre esta matéria, em sentido contrário aquele que foi adoptado pela Requerida, o que não poderia desconhecer.
Assim, dúvidas não há que está preenchido o requisito estabelecido no art. 43º, nº 1 da LGT, ou seja, a ilegalidade da liquidação resultou de um erro cometido pelos serviços tributários, condição para serem exigidos juros indemnizatórios.
Tem assim o Requerente direito não só ao reembolso da prestação que pagou relativamente a esta liquidação de IMI, relativa ao ano de 2013, mas também a receber juros indemnizatórios, nos temos das disposições combinadas dos arts. 24º, nº 1, alínea b) do RJAT e 100º e 43º, ambos da LGT, à taxa resultante do nº 4 do art. 43º da LGT.
No que concerne à responsabilidade pelo pagamento das custas, esta matéria está regulada no art. 572º do Código do Processo Civil, aplicável por força do art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, em termos da mesma ser proporcional ao decaimento das Partes.
N. – DECISÃO
Atento o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente a excepção deduzida pela Requerida de incompetência deste Tribunal Arbitral.
b) Julgar improcedente a questão prévia prejudicial invocada pela Requerida.
c) Declarar a legalidade das liquidações de IMI identificadas no Pedido de Pronúncia Arbitral, referentes aos anos de 2014, 2015 e 2016, no valor total de 3.367,38 euros, e, consequentemente, julgar, neste caso, improcedente o pedido do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente.
d) Declarar a ilegalidade da liquidação de IMI identificada no Pedido de Pronúncia Arbitral referente ao ano de 2013, no valor de 1.333,58 euros e julgar, neste caso, procedente o pedido de reconhecimento do direito a lucros indemnizatórios desde a data do seu pagamento até integral reembolso.
e) Condenar a Requerente e a Requerida a pagarem as custas do presente processo (art. 527º, nºs 1 e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT) na proporção do decaimento.
Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex. 315º, nº 2) e 97º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 5. 200,96 euros.
Custas: De harmonia com o nº 4 do art. 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 5 de Setembro de 2018
O Árbitro
José Nunes Barata
(Redacção pela ortografia antiga)