|
|
Versão em PDF |
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
PARTES
Requerente: A... SGPS, SA, NIPC PT ... com sede na ..., n.º ... ... - ... ...;
Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)
I. RELATÓRIO
-
Em 05 de Fevereiro de 2018, a Requerente entregou no CAAD um pedido de pronúncia arbitral (PPA) solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).
O PEDIDO
-
A Requerente, quanto ao IRC do exercício de 2012, impugna a liquidação 2017 ... de 27.02.2017, de que resultou um valor a pagar de € 48.023,14 (quarenta e oito mil vinte e três euros catorze cêntimos), liquidação dos juros compensatórios no montante de € 10.017,94, incluída naquela liquidação de IRC e liquidação dos juros moratórios do montante de € 325,34, também incluída naquela liquidação de IRC.
-
Tendo o PPA como “objecto imediato – declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida nos termos dos artigos 68.º e seguintes do CPPT com o pedido de anulação da liquidação adicional do IRC, acima identificada” e como “objecto mediato – declaração da ilegalidade e anulação do ato tributário de liquidação adicional do IRC do exercício de 2012” e ainda a “condenação da AT a restituir a quantia indevidamente paga no montante de € 48.023,14 acrescida de juros indemnizatórios devidos a favor da Requerente, desde a data do pagamento até a data da emissão da correspondente nota de crédito.”
A CAUSA DE PEDIR
-
A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), sujeita ao regime jurídico do Decreto-Lei n.º 495/88 de 30 de Dezembro (na redação introduzida pelo DL n.º 318/94, de 24 de Setembro), com o objecto social de “gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas”, sendo uma sociedade dominante de um grupo de sociedades, com sede em Portugal, tributadas nos termos do artigo 69.º do CIRC, pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).
-
Na sua função de SGPS, realizou, em cinco das seis sociedades por si participadas, (em 2012), nos termos previstos nos respectivos pactos sociais, entradas a título de prestações acessórias, em dinheiro, sem juros e sem prazo de reembolso, a saber: B... SA, C... SA, D... SA., E... SA e F... SA.
-
As sociedades B... SA e D... SA, em 2011, restituíram à Requerente, total ou parcialmente, as prestações acessórias., não tendo a AT aceite para efeitos fiscais os encargos financeiros suportados pela Requerente com os empréstimos bancários contratados para os financiar, durante o ano de 2012, com o fundamento na sua não indispensabilidade à produção de rendimentos ou à manutenção da fonte produtora (artigo 23º do CIRC).
-
Já quanto às sociedades E... SA e F... SA, que não restituíram no todo ou em parte essas prestações, a AT aceitou como custos os encargos financeiros suportados com os empréstimos bancários contratados para financiar as prestações acessórias realizadas.
-
Nas restituições das sociedades participadas à Requerente, foi respeitado o princípio da integridade do capital social, pelo que considera que foi apenas o facto de ter ocorrido a restituição das prestações acessórias (com o regime de prestações suplementares) que motivou a AT a promover esta liquidação, em desconformidade com o princípio da igualdade (face às outras duas sociedades) e em violação do artigo 32º-2 do EBF de cuja leitura resulta que “somente os encargos financeiros associados a aquisição das participações sociais estão abrangidos pela exclusão prevista no n.º 2 do artigo 32.º do EBF. Todos os demais devem ser considerados como custos fiscais em observância do disposto no art.º 3.º e art.º 17 do CIRC, do princípio da tributação do lucro real (art.º 104.º n.º 2 da CRP) e como medida da capacidade contributiva. Em conclusão e como se refere no Acórdão do CAAD n.º 39/2013-T, … o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do ativo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento.”
DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)
-
O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 05-02-2018.
-
Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 27.03.2018. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
-
O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 16.04.2018, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
-
Todos estes actos se encontram documentados nos registos constantes do Sistema de Gestão Processual que aqui se consideram reproduzidos.
-
Logo em 16-04-2018 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 22.05.2018 e juntou o PA em ficheiros informatizados compostos por Parte1.pdf - 20 folhas; PA 2 (Parte 2.pdf) - 17 folhas; PA 3 (Parte 3.pdf) - 15 folhas; PA 4 (Parte 4.pdf) - 16 folhas; PA 5 (Parte 5.pdf) - 14 folhas; PA 6 (Parte 6.pdf) – 16 folhas; PA 7 (Parte 7.pdf) – 11 folhas.
-
Em 23.05.2018 foi proferido despacho sobre a desnecessidade de realização da reunião de partes do artigo 18º do RJAT, a menos que ambas ou uma das partes viesse manifestar posição diversa. No mesmo despacho, presumindo-se que as partes aceitariam a tramitação processual proposta pelo TAS, foram convidadas para, no prazo de 10 dias, apresentarem alegações escritas, de forma sucessiva.
-
Apenas a AT apresentou em 18.06.2018 alegações.
-
Por despacho de 30.07.2018 foi agendada a data da prolacção da decisão final.
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
-
Legitimidade, capacidade e representação – As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
-
Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos da alínea l) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.
-
Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto da Requerente ter apresentado o pedido de pronúncia em 05.02.2018 e ter sido notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em 27.11.2017 (conforme alegado na parte D do PPA e conforme página 64 do PA 7, parte 7).
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE
(em144 artigos que constituem o PPA)
-
A Requerente com base no alegado no PPA e acima referido em c) a g) deste Relatório, refere o seguinte:
-
Princípio constitucional da igualdade - conclui a Requerente que porque “...”, o regime das prestações acessórias de capital efectuadas às sociedades E... e F... é essencialmente igual ao regime das prestações acessórias de capital efectuadas às sociedades B... e D...” e porque “não obstante ser essencialmente igual, o regime das prestações acessórias efectuadas pela reclamante a todas as sociedades suas participadas, a AT entendeu tratar de modo desigual as prestações de capitais realizadas nas sociedades B... E D...”, resulta que “a AT violou o princípio constitucional da igualdade o que constitui um vício invalidante do ato tributário controvertido”.
-
Restituição das prestações acessórias - além desta desconformidade com a lei a Requerente refere que “sendo como é pacífico na doutrina e na jurisprudência que as prestações acessórias com o regime das prestações suplementares são componentes do capital próprio da entidade beneficiária, e a sua restituição, verificados que sejam os pressupostos de que depende, não afecta a sua qualificação jurídico tributária” é de concluir que “não afectando a deliberação de restituição, a qualificação jurídica das prestações acessórias como partes do capital próprio, o tratamento desigual aplicado às prestações acessórias efectuadas as sociedades B... e a D... SA, é ilegal por violação, entre outros, dos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da boa fé e da igualdade”.
-
Quanto ao “conceito de “atividade económica operacional” das SGPS e a inclusão, no âmbito da mesma, das atividades de financiamento gratuito às sociedades, como modo de exercício de uma atividade económica” defende que “a noção de atividade económica ou de interesse social revela-se no traço marcante, determinante, na admissibilidade fiscal dos gastos, quando aferida pelo artigo 23.º do CIRC”, “... questão ... claramente tratada no Ac. do STA de 07.02.2007, pese embora, e salvo o devido respeito, erradamente interpretado pela AT”, uma vez que “naquele aresto defendeu-se que os encargos financeiros suportados com empréstimos contratados para financiar a sociedade participada não eram custos da sociedade participante, mas não o eram, porque o seu objecto social não era o da gestão de participações sociais”, concluindo que “quer no plano doutrinal quer na esfera jurisprudencial, a ligação à atividade será o elemento nuclear da chave interpretativa do conceito de indispensabilidade”, pelo que “... para o caso em apreço, a análise do que se entende por “atividade” das sociedades, em particular de uma SGPS, revela-se essencial”.
-
Em geral, refere a Requerente, quanto à actividade das sociedades “os encargos financeiros incorridos com capitais obtidos, e posteriormente aportados à sociedade participada, é feito no interesse da participante, numa consequência direta da sua atividade de gestão de um ativo que emerge de uma participação, a qual é real ou potencialmente produtora de rendimento”.
-
Em especial, quanto à actividade das SGPS refere que “a atividade das SGPS – conceito essencial para aferir da indispensabilidade dos gastos por estas incorridos no âmbito da aplicação do artigo 23º do CIRC – não só respeita à gestão de participações sociais, como é este o seu único objecto contratual”. “A gestão de participações sociais envolverá, a sua aquisição, as operações de administração levadas a cabo pela participante necessárias à valorização do ativo financeiro adquirido, o financiamento de tal ativo e a eventual posterior alienação”. “Tudo isto se pode subsumir e se subsume na atividade de uma SGPS”, pelo que “assim sendo, o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do ativo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento”. “Em tal caso, os encargos financeiros que resultem de financiamentos contraídos para, posteriormente, reforçar o capital próprio de uma participada, incluem-se, fazem parte do âmbito da atividade de uma SGPS, atento o teor da norma, acima mencionada, que regula a sua atividade”. “Este é o “conceito de atividade económica das SGPS””
-
Pelo que será de concluir que “considerando o entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência no sentido de que as SGPS exercem a sua atividade económica através da gestão das suas participações e que os “financiamentos” efectuados àquelas constituem um modo de exercício da sua própria atividade, potenciadora do valor dos seus ativos financeiros, únicos que nos termos do seu regime legal lhe são permitidos, os encargos financeiros suportados com empréstimos contraídos para exercer aquela atividade, não podem deixar de ser considerados como custos indispensáveis ao abrigo do disposto no art.º 23.º do CIRC”.
-
Quanto à actividade das SGPS na vertente de financiamento das suas participadas, refere o seguinte, partindo da análise do artigo 32º-2º do EBF: “Somente os encargos financeiros associados a aquisição das participações sociais estão abrangidos pela exclusão prevista no n.º 2 do artigo 32.º do EBF. Todos os demais devem ser considerados como custos fiscais em observância do disposto no art.º 3.º e art.º 17 do CIRC, do princípio da tributação do lucro real (art.º 104.º n.º 2 da CRP) e como medida da capacidade contributiva. Em conclusão e como se refere no Acórdão do CAAD n.º 39/2013-T,…o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do ativo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento.”
-
Quanto aos vícios da liquidação aqui impugnada, entende a Requerente que “no caso dos autos o ato padece de vício de lei por preterição de formalidades essenciais – ausência de fundamentação substantiva” uma vez que “a AT na sequência do referido procedimento inspectivo, analisou os dados da contabilidade da Requerente e não colocou em causa a sua fiabilidade pelo que as declarações fiscais apresentadas com referência ao ano de 2012 beneficiam da presunção de veracidade e boa fé nos termos do art.º 75.º da LGT.”.
-
Refere que “o ato tributário controvertido é ilegal por violação do principio da igualmente, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e por inexistência de facto tributário” uma vez que nos termos do “ ... n.º 1 do art. 74º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, pelo que “cabia à AT, provar que esses custos não eram legalmente dedutíveis a luz do art.º 23.º do CIRC, dever que a AT não cumpriu”.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA
(em 46 artigos que constam da Resposta da AT)
-
A AT pugna pela manutenção na ordem jurídica dos actos impugnados por entender que os mesmos configuram uma correcta aplicação do direito aos factos e remete para o relatório da inspecção tributária quanto ao desenvolvimento da defesa apresentada.
-
Refere que “... apesar do objecto social da Requerente incluir a gestão de participações sociais, os financiamentos obtidos foram aplicados na actividade económica de terceiros, no caso sociedades participadas, pelo que os encargos suportados a montante não são imputáveis à Requerente por força do disposto no art. 23º do CIRC”, acrescendo que “... o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades pressupõe, justamente, que cada sociedade do Grupo entregue a sua declaração individual de rendimentos” nos termos do nº 1 do artigo 70º do CIRC.
-
Partindo do princípio que a “Requerente financia as suas participadas sob a forma de empréstimos com características de suprimentos e de prestações acessórias, sendo que estes suprimentos constituem activos remunerados uma vez que a Requerente debitou juros a todas as subsidiárias que deles beneficiaram em 2012, e as prestações acessórias constituídas junto das participadas são activos não remunerados dado que sobre as mesmas não foram cobrados quaisquer juros”, conclui “... que os gastos financeiros incorridos decorrentes do recurso à Banca e do recurso a empréstimos junto da C... S.A. da D..., S.A. e da G..., S.A. com o fim de libertar meios financeiros para as suas participadas, não podem ser considerados como directamente relacionados com a actividade de gestão de participações sociais da Requerente”, pela razão de que
-
“Não obstante em actas lavradas a 22/10/2010 ter sido deliberado a não exigibilidade das prestações acessórias concedidas às participadas em causa, constatou-se que em data posterior, a 02/07/2011, as prestações acessórias constituídas junto da B..., S.A. e D..., S.A. foram restituídas à A... SGPS, sendo que ambas as restituições, nos valores, respectivamente, de € 6.000.000,00 e € 10.000.000,00, tiveram como contrapartida a liquidação dos débitos no mesmo montante da A... SGPS para com estas suas participadas”. “Mais, a B..., S.A. e a D..., S.A. têm vindo a financiar a A... SGPS e esses empréstimos são remunerados”,
-
Pelo que “... a natureza de “capital próprio” que a Requerente pretende atribuir às prestações acessórias constituídas junto da B... S.A. e da D..., S.A., assimilando-as a prestações suplementares de capital (e defendendo a aplicabilidade do respectivo regime às mesmas) fica totalmente desprovida de sentido, porquanto a prática societária evidenciou claramente o seu carácter de financiamento não remunerado, tanto mais que a sua restituição ocorreu por “encontro de contas”, precisamente com financiamentos concedidos pelas participadas em causa à A... SGPS”.
-
“Por seu turno, as prestações acessórias constituídas junto da participada F..., S.A. (no montante de € 500.000,00) não foram objecto de qualquer restituição (nem reforço) desde a data da sua constituição, assumindo assim claramente uma natureza de “quase capital” (à semelhança do que se verificou relativamente às prestações acessórias efectuadas à E..., S.A.)”.
-
Acresce que “... mesmo que os financiamentos ora em causa sejam, indirectamente, do interesse da ... Requerente, na qualidade de sociedade participante, é indiscutível que que esses encargos não estão directamente relacionados com a sua actividade económica mas antes com a actividade económica das sociedades em questão, B..., S.A. e D..., S.A.”, e “uma vez que a Requerente não debitou aqueles encargos àquelas às sociedades, estes encargos não são dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável dessas sociedades, e também não podem ser imputáveis à esfera jurídica da Requerente por não serem indispensáveis à manutenção da sua fonte produtora, mas antes à fonte produtora de um terceiro, ainda que seja uma sociedade do Grupo”.
-
“Não obstante as SGPS poderem, em determinadas condições, conceder crédito a sociedades em que participam, quando incorrem em gastos financeiros, decorrentes de empréstimos obtidos, com o objectivo de serem aplicados na actividade económica daquelas sociedades, nos termos do art. 23º do CIRC, aqueles gastos não concorrem para a formação do resultado tributável, pelo simples facto de não gerarem qualquer influxo directo, mensurável e evidente no exercício da sua actividade”, sendo que a “... jurisprudência tem sido unânime na defesa da imputação directa dos gastos à sociedade geradora dos rendimentos, rejeitando gastos suportados para potenciar ganhos de sociedades terceiras, ainda que sendo uma sociedade participada/dominada”.
-
Termina a AT referindo o seguinte: “Na verdade, os encargos financeiros não aceites para efeitos fiscais respeitam unicamente aos empréstimos contratados para suportar as prestações acessórias realizadas às sociedades B..., S.A. e D..., S.A. e a decisão de os desconsiderar reside no facto de ter havido restituição”.
-
E acrescenta: “efectivamente, neste caso, constata-se que as prestações acessórias realizadas não seguem de todo o regime das prestações suplementares, porquanto se assiste à sua restituição à accionista por parte das participadas, não se verificando o requisito fundamental da permanência”. “Assim, contrariamente ao que o sujeito passivo argumenta, e sem prejuízo de ser evidente que as prestações acessórias em apreço não revestem a natureza de prestações suplementares, a qualificação das mesmas como tal não afecta a conclusão de que os gastos de financiamento incorridos pela Requerente não geraram quaisquer influxos directos, mensuráveis e evidentes no exercício da sua actividade mostrando-se, como tal, dispensáveis à realização dos rendimentos sujeitos a imposto e à manutenção da fonte produtora (nos termos da al. c) do nº 1 do art. 23º do CIRC”;
-
Pela razão de que “a actividade principal da Requerente consiste na mera aquisição e detenção de participações sociais, como actividade secundária,” e “... pode ainda desenvolver uma actividade de financiamento às participadas”, “porém, quando esse financiamento envolve encargos para a Requerente, os mesmos não concorrem para a formação do resultado tributável por constituírem gastos suportados para potenciar ganhos de sociedades terceiras, ainda que sendo sociedades participadas”.
-
Em sede de alegações, a AT sustentou o que já tinha expressado na resposta, a qual remete para o relatório da inspecção tributária.
II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR
As questões colocadas neste processo, já foram objecto de apreciação no CAAD, nomeadamente através da decisão colectiva nº 80/2013-T. numa situação em tudo idêntica, onde se discutiam situações similares.
Tal como naquela decisão arbitral colectiva, as questões que aqui se colocam são similares, a saber:
-
Os encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações acessórias sujeitas a regime idêntico das prestações suplementares, são ou não indispensáveis para efeitos de dedutibilidade e enquadramento no artigo 23º do Código do IRC?
-
Os encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações acessórias sujeitas a regime das prestações suplementares, são ou não dedutíveis em termos fiscais nos termos do artigo 32º nº 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais?
-
A equiparação operada pela Requerida entre as prestações acessórias sujeitas a regime idêntico das prestações suplementares e partes de capital é admissível?
-
A Requerente tem direito a juros indemnizatórios?
-
Os actos tributários de liquidação (IRC e juros) foram devidamente fundamentados?
No PPA, a Requerente apresenta à discussão as seguintes desconformidades das liquidações impugnadas (IRC + Juros compensatórios + juros moratórios):
-
Falta de fundamentação substantiva;
-
Ilegalidade por violação do princípio da igualdade, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e por inexistência de facto tributário.
III. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.
FUNDAMENTAÇÃO
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.
Factos provados
-
A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), sujeita ao regime jurídico do Decreto-Lei n.º 495/88 de 30 de Dezembro (na redação introduzida pelo DL n.º 318/94, de 24 de Setembro e tem por objecto social a “gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas” - conforme artigos 1º e 2º do PPA e documento nº 4 junto com o PPA;
-
A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades, com sede em Portugal, tributadas, nos termos do artigo 69.º do CIRC, pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) e detinha, no exercício de 2012, as seguintes participações sociais:
- Conforme artigos 6º e 9º do PPA, apreciados nos termos dos nºs 6 e 7 do artigo 110º do CPPT.
-
Apresentou a Requerente, em 29 de Maio de 2013, com referência ao exercício de 2012, a declaração modelo 22, individual, e apurou, na declaração anual de rendimentos individual, um prejuízo fiscal do montante de € 662.28,67. Enquanto sociedade mãe, apresentou, para efeitos de IRC do exercício de 2012, a declaração modelo 22 do Grupo, na qual apurou a matéria colectável consolidada do montante de € 1.333.078,10 – conforme artigos 4º, 5º e 7º do PPA e documentos nºs 5 e 6 juntos com o PPA, apreciados nos termos dos nºs 6 e 7 do artigo 110º do CPPT.
-
A Requerente, quanto às seguintes sociedades por si participadas:
-
B..., SA, - na sequência das deliberações da Assembleia Geral, tomadas nos termos e com os limites previstos no pacto social, ao longo dos anos, as prestações acessórias da Requerente a esta sociedade, atingiram o montante total de € 7.500.000,00. Em 02-07-2011, por deliberação da Assembleia Geral, esta sociedade restituiu à Requerente a quantia de € 6.000.000,00, ficando as prestações acessórias reduzidas ao montante de € 1.500.000,00, resultando que após a restituição, a situação líquida da sociedade não ficou inferior à soma do capital e da reserva legal - conforme artigos 12º a 15º do PPA e documentos nºs 7 e 8 juntos com o PPA, apreciados nos termos dos nºs 6 e 7 do artigo 110º do CPPT;
-
H... e D..., SA - na sequência das deliberações da Assembleia Geral, tomadas nos termos e com os limites previstos nos respectivos pactos sociais, ao longo dos anos, as prestações acessórias da Requerente a esta sociedade, por efeito da fusão por incorporação ocorrida em 2010, atingiram, em termos consolidados, o montante global total de € 12.900.000,00 na sociedade incorporante, a D... SA. Em 22-07-2011, por deliberação da Assembleia Geral, esta sociedade restituiu à Requerente a quantia de € 10.000.000,00, ficando as prestações acessórias reduzidas ao montante de € 2.900.000,00, resultando que após a restituição, a situação líquida da sociedade não ficou inferior a soma do capital e da reserva legal – conforme artigos 16º a 19º do PPA e documentos nºs 9 e 10 juntos com o PPA, apreciados nos termos dos nºs 6 e 7 do artigo 110º do CPPT;
-
E... SA – na sequência das deliberações da Assembleia Geral, tomadas nos termos e com os limites previstos no pacto social, ao longo dos anos, as prestações acessórias da Requerente a esta sociedade, atingiram o montante total de € 2.000.000,00. Até finais de 2012 esta sociedade não efetuou a restituição, no todo em parte, das prestações acessórias realizadas pela Requerente – conforme artigos 20º e 21º do PPA e teor do PA junto pela AT com a resposta, factos apreciados nos termos dos nºs 6 e 7 do artigo 110º do CPPT;
-
F..., SA – na sequência das deliberações da Assembleia Geral tomadas nos termos e com os limites previstos no pacto social, ao longo dos anos, as prestações acessórias da Requerente a esta sociedade atingiram o montante total de € 500.000,00. Até finais de 2012 esta sociedade não efetuou a restituição, no todo em parte, das prestações acessórias realizadas pela Requerente - conforme artigos 22º e 23º do PPA e teor do PA junto pela AT com a resposta, factos apreciados nos termos dos nºs 6 e 7 do artigo 110º do CPPT.
-
As prestações acessórias da Requerente às empresas participadas, foram registadas na contabilidade como activos, em subcontas da conta 41113 – Participações de Capital – Prestações Acessórias e evidenciam um saldo de 6 900 000,00 desde 01.01.2012 até 31.12.2012, constituem activos não remunerados, uma vez que a Requerente não cobrou quaisquer juros, conforme o seguinte quadro:
- Conforme PA (parte 2), ponto III.1.1.1 início da página 15 e início da página 16, junto pela AT com a Resposta;
-
Por forma a financiar as suas participadas, a Requerente obteve financiamentos, os quais se destinaram à realização de prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, em favor daquelas entidades e passou a suportar os respectivos encargos financeiros, contabilizando-os, nomeadamente no exercício de 2012, como custos do exercício fiscalmente relevantes, entendendo que os mesmos se destinavam ao indispensável financiamento das suas participadas, enquanto (únicos) activos geradores de rendimentos tributáveis da Requerente – posição global da Requerente no PPA e da Requerida na Resposta e bem assim no Relatório de Inspecção junto com a Resposta da AT;
-
Os gastos financeiros suportados pela Requerente A... SGPS, associados ao financiamento obtido no ano de 2012 ascendem a €2.075.534,60, e incluem os juros suportados com financiamento bancário e com o financiamento efetuado pelas participadas - no montante de € 2.010.806,76 (registados na conta 691) - e o Imposto do Selo pago no valor de € 64.727,84 (registado na conta 6812), conforme se demonstra:
- Conforme PA3 junto pela AT com a Resposta (final da página 25);
-
Ao abrigo da OI 2016... foi realizado pela AT, quanto à Requerente e ao “Grupo I...”, um procedimento inspectivo de natureza externa, de âmbito geral, ao exercício de 2012, tendo sido elaborado o respectivo projecto de relatório final que foi notificado à Requerente em 30.01.2017, para exercício de audição prévia, o que promoveu opondo-se às correcções propostas, em 15.02.2017, tendo sido notificado o respectivo relatório final em data não determinada – conforme artigo 27º do PPA, artigo 1º da Resposta da AT e teor do PA junto pela AT com a resposta no seu conjunto;
-
Em consequência daquele procedimento inspectivo, a AT corrigiu o resultado fiscal apurado pela Requerente na sua declaração modelo 22 e consequentemente na declaração consolidada, alterando o resultado tributável declarado em mais € 155.782,83, correspondente às seguintes correcções: (1) correcção negativa referente a encargos financeiros desconsiderados relacionados com financiamento não remunerado, € 252.178,64 (2) correcção positiva referente a encargos financeiros deduzidos em excesso afectos à aquisição de participações sociais (artigo 31º nº 2 do EBF) € 96.395,81 – conforme artigos 1º e 2º da Resposta da AT; artigo 28º do PPA e teor do PA junto pela AT com a resposta;
-
A correcção – não-aceitação como custo do exercício de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital – de acordo com o referido no ponto IX.2.2. (dois últimos parágrafos) do Relatório de Inspecção, sintetiza-se no seguinte: “porém, no caso da A... SGPS, constata-se que as prestações acessórias por ela realizadas, não seguem de todo o regime das prestações suplementares, porquanto, assiste-se à sua restituição por parte das participadas a quem foram efetuadas aquelas prestações acessórias, não se verificando o requisito da permanência. E, neste sentido, será de retirar do quantum do valor de aquisição das partes de capital o valor correspondente às prestações para efeitos de cálculo dos encargos financeiros afetos à aquisição de partes sociais e como tal, considerá-las como "Outros Ativos"”. “Refira-se por fim que, face à reformulação dos cálculos relativos aos encargos financeiros não aceites fiscalmente nos termos do artigo 23º do CIRC ..., também os gastos financeiros associados à aquisição de partes de capital a desconsiderar por força do estipulado no nº 2 do artigo 32º do EBF resultam alterados, concretamente, neste caso, reduzidos em € 96.395,81, face à importância acrescida pelo sujeito passivo” – conforme página 31 do PA Parte 5 junto pela AT com a Resposta.
-
Em data não determinada a Requerente foi notificada da liquidação de IRC 2017 ... de 27.02.2017, de que resultou um valor a pagar de € 48.023,14 (quarenta e oito mil vinte e três euros catorze cêntimos), liquidação dos juros compensatórios no montante de € 10.017,94, incluída naquela liquidação de IRC e liquidação dos juros moratórios do montante de € 325,34, também incluída naquela liquidação de IRC – conforme documento nº 1 junto com o PPA;
-
Em 28.04.2017 a Requerente procedeu ao pagamento do valor referido no ponto anterior – conforme parte inicial do PPA e documento nº 2 página 1/1 em anexo ao PPA;
-
Em 31.07.2017 a Requerente deduziu uma reclamação graciosa contra a liquidação referida no número 11 supra, tendo aí exercido o direito de audição prévia (em 15.11.2017), face ao projecto de decisão de indeferimento que lhe foi antes notificado (em 25.10.2017) e tendo-lhe sido notificada a decisão final de indeferimento em 27.11.2017 – conforme parte introdutória do PPA e páginas 60 a 64 do PA Parte 7 junto pela AT com a Resposta;
-
Em 05 de Fevereiro de 2018 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – conforme registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
Os factos levados à matéria assente configuram-se como sendo aceites, expressa ou tacitamente, por ambas as partes.
IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR
Prestações suplementares, prestações acessórias, suprimentos e empréstimos ou mútuos.
Em primeiro lugar, cumprirá abordar quatro realidades jurídicas distintas do Direito das Sociedades Comerciais, que são abordadas neste processo: prestações suplementares, prestações acessórias, suprimentos e empréstimos ou mútuos.
No site da Ordem dos Contabilistas Certificados (https://www.occ.pt/pt/noticias/as-prestacoes-suplementares-prestacoes-acessorias-e-os-suprimentos) pode ler-se o seguinte, que pela sua clareza, precisão e concisão, aqui se reproduz:
“Em determinada fase do seu percurso as sociedades necessitam de capitalização ou porque atravessam uma tese de expansão e crescimento ou porque se encontram em recessão e correm o risco, por exemplo, de ver perdido mais de metade do seu capital social, violando a norma do artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais. Daí surge a necessidade, por vezes imperiosa, de se capitalizarem e a figura das prestações suplementares.
As prestações suplementares de capital têm uma função dupla: a capitalização da sociedade, ou seja, adequar o capital próprio às necessidades sociais ou então também podem funcionar como uma garantia dos credores, porque não podem ser restituídas se o Capital Próprio ficar inferior à soma do capital e da reserva legal, ou seja, é uma garantia para os credores e é essa uma das funções do Capital Próprio de uma sociedade.
As prestações suplementares, ao contrário dos suprimentos, representam um reforço do Capital Próprio da sociedade e contribuem para a capitalização da empresa e para a protecção dos credores. O Capital Próprio e o Capital Social, devem ser vistos cada vez com maior credibilidade e não apenas como uma obrigação legal, decorrente do cumprimento da Direito Societário.
As prestações suplementares, apesar de poderem ser consideradas um capital adicional, não implicam um aumento do capital ou uma redução, caso haja restituição. Com efeito, o capital social representa um montante fixo, enquanto as prestações suplementares, podem ser consideradas uma parte móvel do Capital Próprio.
Questão interessante e que suscita muitas dúvidas é a distinção entre prestações acessórias e prestações suplementares. As prestações acessórias são contabilizadas como passivo, se forem onerosas ou restituíveis ou noutras rubricas apropriadas. As prestações suplementares, como já vimos, são sempre contabilizadas como Capital Próprio. As prestações suplementares dependem sempre de uma deliberação, mediante autorização no contrato de sociedade originário ou mediante alteração do mesmo, enquanto nas prestações acessórias basta a sua consagração no contrato de sociedade para que sejam directamente exigíveis aos sócios.
As prestações suplementares não são remuneradas e as prestações acessórias podem vencer juros. O não cumprimento das prestações suplementares pode acarretar a exclusão do sócio, enquanto que nas prestações acessórias, não afecta a situação do sócio, salvo disposição contrária constante do contrato de sociedade.
Quanto aos requisitos de reembolso também existem diferenças substanciais, pois a restituição das prestações suplementares depende da integridade do capital social, como também já vimos, não existindo esta limitação para as prestações acessórias.
Situação diversa é a necessidade de financiamento, decorrente de dificuldades financeiras, mais ou menos pontuais, estrangulamentos de tesouraria, fundo de maneio insuficiente e daí o recurso muito frequente aos empréstimos ou ao contrato de suprimento. Com efeito, o Código das Sociedades Comerciais estabelece um tipo legal de contrato para as sociedades por quotas no âmbito do Direito Societário: o contrato de suprimento. Os suprimentos são empréstimos dos sócios à sociedade fazendo parte e influenciando o seu passivo, ficando esta obrigada a restitui-los e não se circunscreve apenas ao mero empréstimo de fundos. para que o empréstimo seja considerado um crédito de suprimento, tem de ter um carácter de permanência e há ainda a destacar o facto de, regra geral, serem remunerados, ao contrário do que acontece com as prestações suplementares. Caso não tenha o tal carácter de permanência de, pelo menos um ano, não passa de um vulgar crédito, não se identificando como uma situação jurídica de suprimento. Como é sabido, a figura do contrato de suprimento apenas está prevista para as sociedades por quotas. Contudo, há autores que defendem que, quanto aos suprimentos resultantes do pacto social, a sua aplicação às sociedades anónimas é possível (parte final do artigo 287º C.S.C.), sendo considerada uma obrigação acessória.
Questão interessante é saber se os suprimentos se podem transformar em capital. Os suprimentos visam, antes de mais, atender a dificuldades económicas e/ou de tesouraria, pelo que, não estão vocacionados para se transformarem em capital. Certos autores consideram os suprimentos um sucedâneo de capital, mas que evita o seu aumento formal e legal. Contudo, havendo a renúncia expressa ao seu reembolso e estando os suprimentos devidamente comprovados e avalizados por um revisor oficial de contas, parece-nos legal o aumento do capital social por esta via (Bibliografia: Sofia Gouveia Pereira, As Prestações Suplementares de Capital; Aveiro Pereira, O Contrato de Suprimento)”.
Recorrendo, por facilidade de consulta, a textos que são facilmente acessíveis, (e apenas por esta razão), pode ler-se em http://www.newco.pro/pt/prestacoes-suplementares-e-acessorias, o seguinte:
“Prestações acessórias
Os estatutos da empresa podem impor a todos ou a alguns sócios a obrigação de efetuarem prestações para além das entradas. Estas podem ser criadas através de alteração ao contrato de sociedade, mas, neste caso, o aumento das prestações impostas apenas é eficaz para os sócios que nele tenham consentido.
Normalmente, as prestações acessórias, que podem ser gratuitas ou onerosas (caso haja contrapartida para o sócio ou não), podem consistir em:
-
Entradas em dinheiro (ex.: mútuo de determinada quantia);
-
Proporcionar à empresa o gozo de um determinado bem (ex.: veículo automóvel ou um escritório);
-
Prestação de determinadas funções (ex.: o exercício da gerência).
As prestações acessórias extinguem-se com a dissolução da empresa e, salvo disposição contratual em contrário, a falta de cumprimento das obrigações acessórias não afeta a situação do sócio como tal.
Prestações suplementares
De forma a aumentar o capital próprio de uma sociedade por quotas sem recorrer a um aumento de capital social, que pode ser um processo dispendioso, burocrático e demorado, recorre-se muitas vezes às prestações suplementares.
As principais diferenças entre as prestações suplementares e o aumento de capital são as seguintes:
-
As prestações suplementares não dão direito a voto nem a participação nos dividendos;
-
As prestações suplementares são sempre realizadas em dinheiro;
-
A restituição das contribuições é deliberada pelos sócios, só se podendo realizar se a situação líquida da empresa não se torne inferior à soma do capital e reserva legal, e tendo o sócio em causa liberado a sua quota.
Outras caraterísticas das prestações suplementares:
-
As prestações suplementares são feitas por simples deliberação dos sócios, fixando o montante exigido e prazo da prestação;
-
Só podem ser exigidas prestações suplementares se o contrato de sociedade o permitir (o contrato deve definir o montante global, os sócios que ficam obrigados e o critério de distribuição das prestações suplementares);
-
Não vencem juros;
-
Não podem ser restituídas depois de declarada a falência da empresa;
-
A restituição deve respeitar a igualdade entre os sócios que as efetuaram;
-
Se o sócio não efetuar a prestação fica sujeito à exclusão e a perda total ou parcial da quota.”
Esta distinção (prestações acessórias versus prestações suplementares, dadas as suas diferentes finalidades) não assume neste processo relevância, posto que é a própria AT que reconhece, tal como se escreve na decisão colectiva CAAD 80/2013-T: “As prestações suplementares e bem assim as prestações acessórias sujeitas a regime idêntico, concedidas pelo sujeito passivo e contabilizadas mensalmente no seu balanço, são consideradas partes de capital porquanto entre as mesmas existem, sob vários aspectos, similitudes que para efeitos do disposto no artigo 31.º e 32.º do Código das Sociedades Comerciais, conduzem à sua integração no âmbito do artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais”. “De facto, ambas constituem entregas pecuniárias que satisfazem funções análogas às do capital social, razão que justifica a inexigibilidade do crédito e bem assim a “inexistência de qualquer remuneração própria, para além da resultante do desenvolvimento da própria actividade social sofrendo o mesmo risco do capital social” (Parecer n.º 107/04, de 30 de Novembro, do Centro de Estudos Fiscais)”.
***
Resulta dos factos provados que as prestações acessórias facultadas pela Requerente às suas participadas, considerando o saldo do ano de 2012, seguiram o regime das prestações suplementares, mesmo as que foram realizadas às empresas B... SA e D... SA (as que aqui estão em causa). O mesmo ocorreu relativamente à sua restituição, uma vez que foi respeitado o princípio da integridade do capital.
Ora, é a própria AT, através do Parecer 107/04 de 30.11.2004 do CEF, que considera que as prestações acessórias que assim funcionam, equivalem a prestações suplementares.
Outro aspecto que a AT coloca como sendo impeditivo do reconhecimento das prestações acessórias (no regime de prestações suplementares) como instrumento de produção de custos financeiros (empréstimos bancários) dedutíveis nos termos do artigo 23º do Código do IRC, por não passarem do critério de indispensabilidade dos custos, é a forma como, em concreto se processou, a restituição à Requerente (pontos 14.7 e 14.8 da Resposta da AT), ou seja, por encontro de contas.
Entende-se que esta factualidade não deve ter essa leitura. Em primeiro lugar, como se escreve no Relatório de Inspecção existe, no Grupo aqui em causa, uma “gestão partilhada dos meios financeiros”, que se caracteriza na existência de “suprimentos” e “prestações acessórias” (página 16 do PA2). Cada instrumento, com finalidade distinta (suprimentos, empréstimos ou prestações acessórias) segue o seu regime próprio, ao nível da contabilidade e da fiscalidade. Em segundo lugar, será normal que existam débitos/créditos diversos entre sociedades, mesmo em relação de domínio (princípio da plena concorrência), pelo que, quando a Assembleia Geral das sociedades comerciais B... SA e D... SA, decidiram a devolução à Requerente das prestações acessórias “como contrapartida que o acionista liquide o mesmo montante dos seus débitos para com a sociedade”, parece configurar uma forma possível de agilizar a devolução, uma vez que não é colocado em causa que esses “débitos” existiam, estavam bem contabilizados e correspondiam a operações efectivamente realizadas entre as sociedades.
***
O TAS conhecerá, em primeiro lugar, do vício cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, conforme prescreve o artigo 124.º nº 2 do CPPT, ou seja, no caso, o alegado “erro de direito”.
***
As questões que aqui se colocam são idênticas às que se colocaram na decisão colectiva arbitral CAAD 80/2013-T, a saber:
“A questão de fundo a dirimir nos presentes autos, pacificamente aceite como tal pelas partes, é de simples formulação, podendo resumir-se a saber se os encargos financeiros suportados por uma sociedade gestora de participações sociais para a realização de prestações suplementares (aqui prestações acessórias no regime de prestações suplementares) a favor de sociedades suas participadas, concorrem ou não para o apuramento do lucro tributável, tendo em conta o teor do artigo 32.º nº 2 do EBF.
Segundo a ATA, e a liquidação impugnada, a resposta deverá ser negativa, uma vez que, não só, a realização de prestações suplementares (aqui prestações acessórias no regime de prestações suplementares) se deverá considerar abrangida pela expressão “aquisição” de partes de capital, utilizada pelo artigo 32.º do EBF, como também aqueles encargos não passarão no critério de indispensabilidade dos custos, exigido genericamente pelo artigo 23.º do CIRC.
Já a Requerente entende não assistir razão à ATA, sustentando que, por um lado, a realização de prestações suplementares não corresponde à aquisição de qualquer parte de capital, e que, por outro, se deverá entender que a dedutibilidade dos respectivos encargos não se encontra afastada pelo referido artigo 23.º do CIRC”.
Refere-se na decisão colectiva arbitral CAAD 80/2013-T, a que aderimos, o seguinte:
“As questões em causa foram já objecto de tratamento jurisprudencial, quer nos tribunais administrativos e fiscais, quer nos tribunais arbitrais, podendo ser consultado, a esse respeito, o Acórdão do STA proferido no processo 107/11 de 30/11/2011 disponível em www.dgsi.pt, que se reporta à questão da indispensabilidade dos custos financeiros suportados para a realização de prestações suplementares (aqui prestações acessórias no regime de prestações suplementares), bem como, a nível arbitral, recaindo já sobre ambas as vertentes da questão formulada, as decisões dos processos 9/2012-T; 69/2012-T; 12/2013-T, disponíveis em www.caad.org.pt/content/show/id/35/s/3.
Seria fastidioso e inútil estar aqui a reproduzir ipsis verbis os argumentos espraiados nas decisões arbitrais indicadas, que decidiram questão em tudo análoga à que nos ocupa nos presentes autos.
Em suma, da aprofundada análise da questão levada a cabo naqueles arestos arbitrais, resulta, desde logo, que, na esteira da decisão do STA acima citada, não se pode afirmar que os custos financeiros suportados com a realização de prestação suplementares (aqui prestações acessórias no regime de prestações suplementares), sejam dispensáveis à manutenção da fonte produtiva.
A este respeito, apenas se reforçará o (muito e bem) dito nas citadas decisões arbitrais, referindo que parece claro que, estando em causa uma sociedade gestora de participações sociais, cuja actividade, pela própria natureza consiste na valorização das participações sociais por si detidas, a dotação de uma sociedade participada dos capitais próprios, ao permitir que esta melhor e mais eficientemente exerça a respectiva actividade, com o consequente aumento do lucro, é um acto idóneo à manutenção e valorização da fonte produtiva da sociedade gestora.
Aliás, numa situação em que a sociedade gestora, em função da sua posição na praça relativamente ao crédito, seja susceptível de obter crédito em condições mais vantajosas que a sociedade participada, a utilização de crédito obtido pela primeira em benefício da segunda será, manifestamente, uma decisão economicamente fundada, na medida em que os custos globais da operação serão diminuídos.
Também no que diz respeito à não exclusão do cálculo do lucro tributável dos encargos financeiros com a realização de prestações suplementares (aqui prestações acessórias no regime das prestações suplementares), se subscrevem as supra-referidas decisões arbitrais, citando-se, em jeito de síntese, a decisão do processo 12-2013T, onde se pode ler que:
“em geral, o regime das mais-valias visa conceder um regime especial favorável aos imobilizados tangíveis e financeiros (ações e quotas) das sociedades, como forma de combater o efeito de lock-in – fenómeno que no sistema fiscal da realização condiciona o racional fluir económico dos ativos (compra e venda) por razões que se prendem com constrangimentos fiscais (pagamento do imposto). No fundo, evitar o cenário de um sujeito que não vende um ativo (ação ou quota) de que é titular – e todas as razões económicas o aconselham – apenas pelo facto de ir pagar nesse momento um elevado imposto (porque a tributação só é descarregada com a venda do ativo e não na cadência da sua valorização anual). É este motivo que justifica a infra tributação dos ativos tangíveis e financeiros (ações e quotas), corporizado num regime fiscal especial de tributação das mais-valias.
E nada disso se verifica nas prestações suplementares (aqui prestações acessórias no regime de prestações suplementares). Elas são devolvidas, ao par, segundo as regras do direito comercial. Não existe, nem que se quer forçar a existência, de um mercado (secundário) de volumosas transações de prestações suplementares (aqui prestações acessórias no regime de prestações suplementares). E não é crível que os parcos detentores de prestações suplementares (aqui prestações acessórias no regime de prestações suplementares) abaixo do par não queiram receber o seu valor nominal, com receio ou temor do pagamento de imposto associado; ou que isso seja um óbice económico tal que justifique criar ou inseri-los no regime especial das mais e menos valias.”
Entende-se assim, acolhendo-se aqui os argumentos tecidos nas decisões arbitrais citadas, que a referência do artigo 32.º/2 do EBF a “partes de capital”, se reporta a partes do capital social.
Reforçando aqueles argumentos, notar-se-á apenas que aquela norma fala em “partes de capital de que sejam titulares”, o que sugere fortemente que se reporte a partes de capital tituláveis, o que não será o caso do direito à restituição das prestações suplementares (aqui prestações acessórias no regime de prestações suplementares).
Por outro lado, a mesma norma do EBF, refere-se também aos “encargos financeiros suportados com a sua aquisição” (das partes de capital), o que, igualmente de uma maneira impressiva, inculca a ideia de que se trata de partes de capital susceptíveis de serem transaccionadas (adquiridas e vendidas), o que reforça o reporte anterior à titularização das mesmas.
Ora, as únicas titularizações de capital de sociedades existentes no direito português serão as quotas e as acções. E mesmo que se diga que o direito ao reembolso dos suprimentos pode ser transaccionado, o certo é que tal direito não é titulado, e, mesmo que o fosse, seria um título de crédito (a um crédito – ao reembolso) e não um título de capital.
Assim, também pela via exposta, e no sentido da jurisprudência arbitral indicada, se há-de concluir que o artigo 32.º/2 do EBF se refere a partes de capital social.”
Será, pois de concluir, tal como se concluíu na decisão colectiva arbitral CAAD 80/2013-T, a que aderimos, o seguinte:
“Nestes termos, e na medida em que faz uma aplicação desconforme dos artigos 32.º/2 do EBF e 23.º do CIRC, haverá que anular a liquidação impugnada, procedendo ... o pedido.
A procedência da invalidade em causa, conferindo uma tutela segura e eficaz dos interesses da Requerente, prejudica o conhecimento das restantes questões pela mesma colocadas, e atrás já elencadas, motivo pelo qual não se procederá ao conhecimento das mesmas.”
Reembolso dos valores pagos
Na sequência da aludida desconformidade do acto de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente e bem assim dos juros compensatórios e moratórios, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia de € 48 023,14.
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios
Como resulta do acima referido, a ilegalidade advém de uma interpretação do artigo 32º-2 do EBF, conjugado com o artigo 23º do Código do IRC.
A Requerente pagou a quantia liquidada e tem direito ao reembolso da quantia paga em 28.04.2017, no valor de 48 023,14 euros.
Pelo que se referiu, a ilegalidade do acto de liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois emitiu a liquidação por sua iniciativa, com interpretação da lei que aqui não logrou obter vencimento.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar.
Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento do valor global liquidado, até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
V - DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos:
-
Julga-se procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa a que se alude no ponto 13. dos factos assentes, que se anula, por estar em desconformidade com a norma contida no artigo 32º-2 do EBF, conjugada com a do artigo 23º do Código do IRC, na leitura acima propugnada;
-
Julga-se procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação a que se alude no ponto 11. dos factos assentes, que se anula, por estar em desconformidade com a norma contida no artigo 32º-2 do EBF, conjugada com a do artigo 23º do Código do IRC, na leitura acima propugnada;
-
Julga-se procedente o pedido de reembolso do montante de 48 023,14 euros a que se alude nos pontos 11 e 12 dos factos assentes;
-
Julga-se procedente o pedido de juros indemnizatórios e condena-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar esses juros à Requerente, calculados sobre a quantia de € 48 023,14, deste a data do pagamento e até a data da emissão da nota de crédito.
***
Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de € 48 023,14.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 142,00 segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 31 de Julho de 2018
Tribunal Arbitral Singular (TAS),
Augusto Vieira
Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
|
|