Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Hélder Faustino e Raquel Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
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No dia 21-12-2017, a A...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), titular do número de identificação fiscal ... e com sede na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação do B...- Fundo de Investimento Imobiliário, titular do número de identificação fiscal ..., do C...- Fundo de Investimento Imobiliário, titular do número de identificação fiscal ... e do D...- Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, titular do número de identificação fiscal ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) com os n.ºs 2017 ..., 2017 ... e 2017 ..., emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), com referência ao ano de 2017, no montante total de € 123.840,15.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
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é ilegal, por erros nos pressupostos de facto e de direito, a aplicação do AIMI aos fundos de investimento, pela detenção de imóveis no quadro da sua actividade;
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subsidiariamente, é ilegal a tributação de “terrenos para construção” a afectar a fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros”, porquanto não se encontram abrangidos pelo âmbito de incidência objectiva das normas em análise;
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subsidiariamente, é inconstitucional o regime legal do AIMI, na medida em que se aplique a todos os “terrenos para construção”, por contrário ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3 daquela Lei Fundamental.
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No dia 22-12-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 12-02-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 05-03-2018.
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No dia 17-04-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
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Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, abstiveram-se as partes de o fazer.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após o termo do prazo para apresentação de alegações pela Requerida. Posteriormente, aquele primeiro prazo foi prorrogado até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º/1 do RJAT.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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Os Fundos notificados das liquidações de AIMI objecto da presente acção arbitral são fundos de investimento imobiliário, geridos e administrados pela Requerente.
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No âmbito da actividade que desenvolvem, os referidos Fundos são, e eram em 2017, detentores de um acervo de imóveis, sendo que a detenção deste tipo de bens configura o substracto de toda a actividade daqueles fundos de investimento.
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Nessa qualidade, os Fundos foram notificados dos actos tributários de liquidação de AIMI objecto da presente acção arbitral, relativos ao ano 2017, com referência ao património predial detido pelos mesmos.
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Nas referidas liquidações a AT incluiu os seguintes imóveis:
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Os Fundos procederam ao pagamento, integral e atempado, dos actos tributários descritos, num montante global de € 123.840,15.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
A Lei do Orçamento do Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro) introduziu o “Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis” (“AIMI”), que entrou em vigor a 1 de Janeiro daquele mesmo ano.
A regulamentação do AIMI foi incluída numa secção específica aditada ao Código do IMI, compreendendo os artigos 135.º-A a 135.º-K.
Para o que ora interessa, estabelecem os n.ºs 1 e 3 do artigo 135.º-A do Código do IMI que, são sujeitos passivos do AIMI “as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português” a 1 de Janeiro do ano a que o Adicional respeita.
O n.º 2 do mesmo artigo dispõe que: “são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pela cabeça de casal”.
O AIMI incide, de acordo com o n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI, “sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular” – sendo que, a esta soma, deverá ser deduzida a quantia de € 600.000,00 sempre que o sujeito passivo seja uma pessoa singular ou uma herança indivisa.
Foram excluídos da incidência objectiva deste Adicional “os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”, conforme disposto no n.º 2 daquele mesmo artigo.
A taxa aplicável é de 0,4% para pessoas colectivas e de 0,7% para pessoas singulares e heranças indivisas, sempre que o valor tributável não seja superior a € 1.000.000,00, nos termos do n.º 1 do artigo 135.º-F do Código do IMI, sendo que, nos casos em que o valor tributável seja superior a € 1.000.000,00, é aplicável uma taxa de 1%, quando o sujeito passivo seja uma pessoa singular.
Nos termos do n.º 1 do artigo 135.º-G e do artigo 135.º-H, ambos do Código do IMI, o adicional de imposto em causa é liquidado anualmente, no mês de Junho, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios sujeitos a imposto e em relação aos sujeitos passivos que constem nas matrizes em 1 de Janeiro de cada ano, devendo o mesmo ser pago até ao final do mês de Setembro.
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Conforme se viu já, suscita a Requerente as seguintes questões:
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ilegalidade, por erros nos pressupostos de facto e de direito, da aplicação do AIMI aos fundos de investimento, pela detenção de imóveis no quadro da sua actividade;
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subsidiariamente, a ilegalidade da tributação de “terrenos para construção” a afectar a fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros”, porquanto não se encontram abrangidos pelo âmbito de incidência objectiva das normas em análise;
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também subsidiariamente, a inconstitucionalidade do regime legal do AIMI, na medida em que se aplique a todos os “terrenos para construção”, por contrário ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3 daquela Lei Fundamental.
As questões que se colocam nos presentes autos de processo arbitral foram já objecto de várias decisões arbitrais, em algumas partes de sentido diverso, podendo consultar-se, a este propósito, os acórdãos arbitrais proferidos nos processos 668/2017-T, 675/2017-T, 686/2017-T, 692/2017-T, 681/2017-T, 688/2017-T, 664/2017-T, 677/2017-T, 603/2017-T, 694/2017-T, 687/2017-T, 683/2017-T, 676/2017-T, 666/2017-T, 682/2017-T, 696/2017-T, e 6/2018-T[1].
Vejamos, então.
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a.
Entende a Requerente que o legislador “ao instituir o AIMI, pretendeu criar um efectivo imposto sobre a fortuna imobiliária” e “visou garantir que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, reconhecendo que a mera detenção desses imóveis não constitui (e não pode constituir) um factor demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis” bem como que “resulta evidente que a ratio legis que esteve na génese da regra de exclusão de incidência objectiva, consagrada no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, assentou, essencialmente, na intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas actividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respectivo objecto social”.
Na perspectiva da Requerente, o legislador reconheceu “que a mera detenção desses imóveis não constitui (e não pode constituir) um factor demonstrativo de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis”, e “resulta evidente que a ratio legis que esteve na génese da regra de exclusão, consagrada no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, assentou, essencialmente, na intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas actividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respectivo objecto social.”.
No que a si diz respeito, alega a Requerente que os imóveis por si detidos são os verdadeiros elementos do seu “processo produtivo (...), seja enquanto bens de arrendamento, seja enquanto verdadeiros inventários destinados a transformação futura, destinando-se exclusivamente à prossecução da actividade dos mesmos e nunca podendo ser comparados com elementos demostrativos de riqueza”, que “a detenção daqueles imóveis representa, na verdade, o substrato de toda a actividade destes fundos – é inerente, necessária, indispensável à prossecução da mesma”, e que “tributar estes imóveis significaria tributar directamente uma “actividade económica” – algo que o legislador expressamente pretendeu evitar ao criar o AIMI.”.
Nesta base, conclui a Requerente que “não pode (...) aceitar – ou compreender – que a AT, através dos actos de liquidação ora controvertidos, tenha feito incidir este novo AIMI sobre o património detido pelos Fundos de Investimento Imobiliário aqui representados” nem que aquela Autoridade “tenha considerado, no apuramento do valor patrimonial tributário sujeito a AIMI, os “terrenos para construção” cuja potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços””.
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Pretende, em suma, nesta parte, a Requerente uma exclusão da incidência subjectiva do AIMI, incluindo na mesma “os sujeitos passivos que, por força das suas actividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respectivo objecto social.” e, designadamente e para o que ora importa, os Fundos de Investimento Imobiliário.
Quanto a esta questão, a orientação da jurisprudência do CAAD tem sido a de que a tributação opera independentemente da natureza da atividade desenvolvida, podendo, a título de exemplo, consultar-se as seguintes decisões (independentemente da decisão final quanto à procedência ou não do pedido arbitral):
a) relativamente a fundos de investimento imobiliário – Proc n.º 664/2017-T e Proc. n.º 686/2017-T;
b) relativamente a instituições financeiras – Proc. n.º 676/2017-T;
c) relativamente a instituições de locação financeira – Proc. n.º 696/2017 -T;
d) relativamente a empresas de construção e urbanização – Proc. n.º 6/2018-T.
A este respeito, escreveu-se no referido processo n.º 664/2017-T que:
“Em todo este contexto, o entendimento segundo o qual se pretendeu excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios afectos a actividades económicas, a pretexto de que foi intenção legislativa não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objecto social, não tem qualquer apoio na letra da lei nem nos elementos racional e sistemático de interpretação.”, concluindo-se que “a pretendida extensão da fórmula legislativa utilizada aos prédios afectos à actividade económica da empresa, independentemente da específica caracterização como prédios comerciais, industriais ou para serviços, não tem qualquer cabimento à luz critérios gerais da hermenêutica jurídica.”.
Também aqui se segue o referido entendimento, notando-se, adicionalmente, que a argumentação apresentada pela Requerente claudica em vários dos seus pressupostos.
Assim, não se subscreve o entendimento de que o legislador “ao instituir o AIMI, pretendeu criar um efectivo imposto sobre a fortuna imobiliária” considerando-se antes que o AIMI corresponde na substância à forma, tratando-se de um adicional ao IMI, concretizando o que havia sido o entendimento de alguns, incluindo o Tribunal Constitucional[2], que consideraram que “a verba 28.1 da TGIS se assumiu como uma “taxa complementar de IMI””.
Não se subscrevem igualmente as conclusões da Requerente, segundo as quais o legislador “visou garantir que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, reconhecendo que a mera detenção desses imóveis não constitui (e não pode constituir) um factor demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis”, bem como que “resulta evidente que a ratio legis que esteve na génese da regra de exclusão de incidência objectiva, consagrada no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, assentou, essencialmente, na intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas actividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respectivo objecto social”.
Com efeito, a este propósito, julga-se que a não afectação das actividades económicas pelo AIMI não foi um propósito último do legislador na criação do AIMI, mas antes um factor considerado pelo mesmo a vários níveis, no desenho do regime legal daquele.
Assim, e em primeira linha, como aponta a Requerente, o legislador excluiu da incidência do AIMI os “prédios urbanos” classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”.
Para além disso, todavia, o legislador criou taxas distintas para pessoas colectivas e para pessoas singulares, incluindo um agravamento nos casos em que o valor tributável seja superior a € 1.000.000,00, restrito àquelas últimas, o que não poderá deixar de se fundar, senão totalmente, pelo menos em grande parte, na consideração de que os imóveis detidos por pessoas colectivas, por regra, estarão afectos a actividades económicas.
Não se julga de acolher, do mesmo modo, o entendimento de que o legislador reconheceu “que a mera detenção desses imóveis não constitui (e não pode constituir) um factor demonstrativo de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis”. Com efeito, e isto será uma realidade notória e, como tal inultrapassável, será inegável que uma pessoa colectiva que detenha imóveis no valor de € 100.000.000,00 revela uma capacidade contributiva (na óptica do tributo que nos ocupa), manifestamente superior, a uma outra pessoa colectiva que, com a mesma finalidade, detenha imóveis no valor de € 100.000,00.
Por outro lado, e como se referiu já, o AIMI deve ser compreendido e tratado como tal, ou seja, como um adicional ao IMI. Ora, assim sendo, como será, a capacidade contributiva evidenciada pelas pessoas colectivas por intermédio da detenção de imóveis, ainda que afectos à sua actividade produtiva, é precisamente a mesma, quer no que diz respeito à sujeição a AIMI, quer no que diz respeito à sujeição a IMI.
Deste modo, e face a todo o exposto, julga-se ser de improceder, nesta parte, o pedido arbitral.
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b.
No que diz respeito ao primeiro pedido subsidiário formulado, considera a Requerente que “o legislador pretendeu tributar os imóveis com fins habitacionais. Tal intenção resulta da redacção da lei e, de resto, esteve na génese da criação deste adicional”.
Mais refere a Requerente que “tendo sido clara a intenção do legislador em excluir, através do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, a aplicação do AIMI a prédios afectos a actividades económicas, deverá entender-se necessariamente que os “terrenos para construção” afectos àquelas actividades estão igualmente incluídos nessa regra de exclusão”, sendo que, para a Requerente, “Entender que os “terrenos para construção” destinados, nos termos das respectivas cadernetas prediais, a fins de “comércio, indústria, serviços” ou “outros”, se encontram sujeitos a AIMI – como tem vindo a ser entendido pela AT – é manifestamente contrário ao espírito da lei e, de resto, ilegal” e que “a aplicabilidade do AIMI a este tipo de “terrenos para construção” sempre demonstraria uma manifesta inconsistência do regime legal em causa”.
Aponta, ainda, a Requerente, que “apenas por mero absurdo, se consideraria compreensível e adequado aos fins visados pelo AIMI a hipótese de a AT tributar um “terreno para construção” com uma utilização potencial de “indústria” e não tributar um prédio (edificado) com a mesma utilização – ainda que esse imóvel não esteja efectivamente a ser explorado no âmbito do exercício de uma actividade económica.”.
Neste contexto, para a Requerente, “a sujeição destes terrenos para construção ao AIMI provoca uma maior carga fiscal sobre este tipo de prédios urbanos e, consequentemente, não deixará de ter impacto nas actividades económicas que potencialmente serão desenvolvidas nestes imóveis”, pelo que “a metodologia de tributação adoptada pela AT, no sentido de incluir no valor tributável para efeitos de AIMI, os sujeitos passivos detentores de “terrenos para construção” com as finalidades identificadas pelo n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, configura um tratamento discriminatório que atenta, sem mais, contra o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e nos artigos 5.º e 55.º da Lei Geral Tributária (“LGT”)”.
Assim, conclui a Requerente, “os actos tributários de AIMI, na parcela que tributam os “terrenos para construção” destinados a fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros” – aqui correspondente ao valor de imposto de € 28.383,85”.
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No que concerne a este pedido subsidiário, pretende a Requerente, em suma, o alargamento das exclusões objectivas à sujeição de AIMI, consagradas no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, de modo a incluir aí, também, os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, desde que a construção aí prevista se reconduza a algum dos tipos a que se reporta o referido n.º 2, ou seja, a prédios urbanos destinados a fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros”.
No que diz respeito a esta questão, ora apresentada a decisão pela Requerente, a jurisprudência arbitral tem-se dividido.
Assim, por exemplo, a decisão proferida no processo 686/2017-T, concluiu ser de excluir da tributação em sede de AIMI os “terrenos para construção” sem afectação habitacional, ou seja, com fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros”.
Esta decisão, tendo por base a unidade do sistema jurídico, defende a possibilidade de interpretação extensiva da exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135-B do CIMI, no caso desses autos, relativamente aos prédios urbanos classificados como “para serviços”, “como expressando uma intenção legislativa de excluir também da tributação os terrenos destinados à construção desses prédios”.
Para o referido Tribunal Arbitral, “Sendo o facto tributário escolhido como índice de capacidade contributiva a titularidade de património imobiliário de valor considerado elevado….”, seria uma falta de coerência não aplicar o AIMI a edifícios destinados a comércio, indústria ou serviços e aplicá-lo aos terrenos que se destinam à sua construção, tanto mais que o valor dos terrenos é incorporado no valor dos edifícios.
Referiu ainda o mesmo Tribunal que, se assim não decidisse, concluiria pela inconstitucionalidade material da norma que prevê tal tributação.
Já nas decisões proferidas nos processos n.º 676/2017-T e n.º 664/2017-T (o primeiro diz respeito a Fundos de Investimento Imobiliário e o segundo a uma instituição de crédito), decidiram-se desfavoravelmente as pretensões dos aí requerentes, no sentido de afastar a tributação dos “terrenos para construção”, mesmo que a construção prevista seja para fins “comerciais, industriais ou serviços”.
Relativamente à tributação dos terrenos para construção com fins não habitacionais, ambas as referidas decisões convergem, podendo ler-se, na primeira, o seguinte:
“Tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efectuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica”.
Não se contestando que sob o ponto de vista de política fiscal a solução pudesse ter sido diferente, e ressalvado o muito respeito por outras opiniões, julga-se que a exclusão de tributação da totalidade ou parte dos “terrenos para construção” não foi a solução adoptada, já que o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI apenas prevê a exclusão de tributação relativamente ao AIMI dos prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, precisamente nos termos das alíneas b) e d), do n.º 1 do artigo 6.º, o que conduz, inevitavelmente, à tributação dos prédios previstos nas duas restantes alíneas desse mesmo artigo 6.º do CIMI, ou seja, prédios urbanos classificados como “habitacionais” (al. a)) ou como “terrenos para construção” (al. c)).
Abrangidos pela tributação em causa, nos termos da letra da lei, estão todos os prédios urbanos classificados como “habitacionais” e todos os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, e não apenas alguns deles, sendo que caso o legislador, na sua norma de exclusão de tributação, pretendesse excluir uma parte dos prédios referidos nas alíneas a) e c), do n.º 1 do art.º 6.º do CIMI, teria tido todas as possibilidades de o fazer.
Do mesmo modo, poderia o legislador ter alterado as espécies de prédios urbanos previstas no artigo 6.º do CIMI, por exemplo, sub-dividindo os terrenos para construção consoante os fins a que os mesmos se destinassem, o que não aconteceu.
Relativamente à possibilidade de interpretação extensiva da exclusão consagrada no referido n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, em ordem a abranger os terrenos para construção não destinados a habitação – solução adoptada nas decisões que acolheram pretensões semelhantes à da Requerente, ora em apreço – julga-se, sempre ressalvado o respeito devido a outros entendimentos, que não será de acolher.
Assim, e desde logo, crê-se que não se verifica a identidade de situações à luz dos critérios juridicamente relevantes, necessária a operar a referida extensão da cláusula de exclusão da sujeição objectiva, ou seja, não se afigura que os terrenos para construção se encontrem numa situação idêntica à dos prédios construídos, do ponto de vista da teleologia daquela cláusula de exclusão.
De um ponto de vista teleológico, tal cláusula terá subjacente, em primeira linha[3], o propósito de não onerar com o AIMI os prédios afectos, ou susceptíveis de afectação imediata, a processos produtivos, não se revestindo os terrenos para construção, de tais características, dado que enquanto um prédio construído estará, ou será susceptível de ser imediatamente, afectado a processos produtivos, os terrenos de construção não se encontram em tal situação.
Conforme, de resto, o próprio Tribunal Constitucional já reconheceu, existem diferenças fundamentais e relevantes entre um prédio construído e um terreno para construção.
Nas palavras daquele alto Tribunal[4]:
“Para efeitos fiscais, os prédios (...) distinguem-se claramente dos terrenos para construção, nos termos do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), sendo a primeira daquelas categorias constituída por edifícios ou construções já existentes (...), enquanto a segunda compõe-se exclusivamente de terrenos para os quais se encontra consolidado por um ato administrativo de controlo prévio de uma operação urbanística o direito de construir edifícios destinados àquele ou a outros fins.
Assim, enquanto que os edifícios (...) correspondem a uma edificabilidade real, definitivamente incorporada na esfera jurídica do seu titular, os terrenos para construção correspondem a uma edificabilidade meramente potencial, juridicamente consolidada na esfera jurídica do proprietário do terreno, mas ainda não materializada.
Ou seja, a tributação de prédios (...) incide sobre a realidade existente, sobre coisas corpóreas, ao contrário da tributação de terrenos para construção, que incide sobre direitos de construção, sobre coisas futuras, como aliás evidencia o artigo 45º do CIMI, ao estabelecer que o valor patrimonial destes últimos é determinado exclusivamente pelo volume e a qualidade da edificação a construir no terreno, e não pelas suas características atuais.
Dir-se-á, com acerto, que tanto uns como outros correspondem a património imobiliário (...). E que, pelo seu valor imobiliário, ambos são aptos a traduzir uma certa forma de riqueza. Mas as comparações terminam aí, porque, precisamente, a diferente natureza destes bens não permite fazer equivaler a capacidade contributiva dos respetivos proprietários, atuais ou futuros, apenas com base na sua afetação e no seu valor patrimonial tributário (VPT).”
Efectivamente, os prédios já construídos possuem uma realidade material correspondente à tipologia que lhes cabe. Ou seja, a um prédio construído e licenciado para, ou que tenha como destino normal, o comércio, a indústria ou serviços, corresponderá a uma realidade material adequada a tais finalidades e, para o que interessa, objectivamente distinta de um prédio construído e licenciado, ou com destino normal, para habitação.
Os terrenos para construção, por outro lado, distinguem-se dos restantes terrenos, num plano meramente jurídico, ou seja, em função de uma actuação de um ente público (concessão de licença ou autorização, admissão de comunicação prévia ou emissão de informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção - cfr. art.º 6.º/3 e 37.º/3 do CIMI) ou dos proprietários (declaração de finalidade no título aquisitivo; cfr. art.º 6.º/3 do CIMI), às quais a Lei atribui determinados efeitos jurídicos.
Deste modo, em função da apontada diferenciação material, a alteração da afectação de um terreno para construção, do ponto de vista das notas relevantes para a problemática em causa, poderá ser simples, bastando, por exemplo, uma mera declaração no título aquisitivo, a apresentação e admissão de uma comunicação prévia, ou a apresentação e aprovação de um pedido de informação prévia.
Já a alteração da finalidade de um edifício construído, de habitação para comércio/indústria/serviços, ou vice-versa, implicará, sob um ponto de vista da normalidade, a realização de obras mais ou menos profundas (e necessários licenciamentos).
Acresce, ainda, que um prédio construído tem incorporado um valor significativo correspondente à construção, que, mesmo nos casos em que não esteja concretamente afectado à utilização intendida, constituirá um incentivo natural à sua exploração económica já que, sempre de um ponto de vista da normalidade, um imóvel construído não só não gerará rendimentos, como se desvalorizará (em função da sua degradação) pela sua não utilização.
Já um terreno para construção, não só não incorpora, de per si, qualquer incentivo natural para a sua edificação e subsequente afectação a uma actividade produtiva, como, também de um ponto de vista de normalidade, poderá ocorrer precisamente o contrário, ou seja, em função de determinadas condições de mercado que criem expectativas de ganhos meramente especulativos, poderão existir incentivos para os respectivos proprietários manterem a sua condição de terrenos não edificados.
A este propósito, a Requerente afirma a sujeição dos terrenos para construção em causa ao AIMI “provoca uma maior carga fiscal sobre este tipo de prédios urbanos e, consequentemente, não deixará de ter impacto nas actividades económicas que potencialmente serão desenvolvidas nestes imóveis”.
Ora, à luz da teleologia surpreendida à norma interpretada, atrás exposta, o certo é que tal impacto, até poderá ser positivo, na medida em que a tributação dos terrenos para construção poderá constituir um incentivo à sua edificação, acelerando-se, assim, a efectiva utilização dos imóveis em actividades produtivas.
Tudo o que se expôs, julga-se, justificará uma distinção de tratamento, em linha com o regime legalmente consagrado, e em contralinha com a extensão da cláusula de não sujeição objectiva por via da extensão interpretativa.
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Não obstante, sempre se acrescerá que uma compreensão abrangente do AIMI no quadro do regime do IMI, apontará, justamente, no sentido do real propósito do legislador sujeitar ao primeiro todos os terrenos para construção, e não meramente os destinados a habitação.
Senão vejamos.
No desenho do AIMI, e na sequência do que foi a evolução da tributação em sede da verba 28.1 do CIS, o legislador deixou bem claro (por força, desde logo da nomenclatura e sistemática da tributação criada, bem como da remissão expressa para a normação do IMI relevante) a sua intenção de que as categorias relevantes para a tributação em questão se delineassem de acordo com os critérios próprios do CIMI.
E, nos termos deste Código, os terrenos - que é a categoria que agora nos ocupa - podem integrar as categorias de:
-
rústicos; ou
-
urbanos;
-
"para construção" de edifícios destinados a habitação, comércio, serviços ou indústria;
-
destinados a "outros" fins.
O legislador, no regime do AIMI criado, excluiu da sujeição àquele os terrenos qualificados como "rústicos", por via sujeição exclusiva dos prédios urbanos no n.º 1 do artigo 135.º-A, e os terrenos qualificados como "urbanos" destinados a "outros" fins, por via da cláusula de exclusão do n.º 2 daquele referido artigo, sendo que a não exclusão dos terrenos "para construção" de edifícios com determinados destinos (designadamente comércio, serviços ou indústria), não se pode deixar de considerar suficientemente fundada em considerações de ordem material, como se viu já.
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Por fim, não poderá deixar de se considerar relevante nesta matéria, que o STA tem entendido que para a determinação do VPT dos terrenos para construção é irrelevante a afectação da construção projectada.
Assim, no Ac. do STA de 20-04-2016, proferido no processo 0824/15[5], considerou-se que:
"Decorre desta norma que a fórmula acima transcrita apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados, ou seja, àqueles que já edificados são para habitação, comércio, indústria e serviços.
Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.
Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.
Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.".
E, mais adiante, no mesmo aresto:
"Mas tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios uma regra específica – a constante do artigo 45 onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42. Tendo em conta o projecto de construção aprovado e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I.
O que significa que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação a fórmula matemática consagrada no artigo 38 do CIMI.
E sendo assim os coeficientes de afectação e de qualidade e conforto relacionados com o prédio a construir também não podem nem devem ser tidos em conta nessa avaliação.
Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.
Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados."
O referido entendimento foi sancionado por acórdão do Pleno do Contencioso Tributário do STA de 21-09-2016, proferido no processo 01083/13[6], em cujo sumário se sintetiza que:
"III - Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).
IV - O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
V - O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto."
Deste modo, conclui-se que em sede de aferição do VPT no quadro do CIMI não releva, o destino da construção projectada nos "terrenos para construção", não se distinguindo, do ponto de vista da tributação patrimonial e, consequentemente, da evidenciação da capacidade contributiva, os terrenos para construção de edifícios de habitação, dos terrenos para construção de edifícios de comércio, indústria ou serviços.
Pelo contrário, e em função da aplicação do coeficiente de afectação consagrado no artigo 41.º do CIMI, nos edifícios construídos, a destinação dos edifícios repercute-se no valor patrimonial, e consequentemente na capacidade contributiva, considerada para efeitos de tributação.
Em sede de AIMI, face ao quanto já se expôs quanto à natureza desta tributação (enquanto adicional ao IMI), não existirão justificações para divergir de tal critério, ou seja, para considerar que a detenção de "terrenos para construção" com edifícios projectados de finalidades distintas, sinalize diferentes capacidades contributivas.
Face a tudo o quanto se expôs, considerando-se não ser de proceder ao alargamento, por via da interpretação extensiva, das exclusões objectivas à sujeição de AIMI, consagradas no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, de modo a incluir aí, também, os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, desde que a construção aí prevista se reconduza a algum dos tipos a que se reporta o referido n.º 2, ou seja, a prédios urbanos destinados a destinados a fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros”, deverá improceder, também este pedido arbitral.
***
c.
Também a título subsidiário, entende a Requerente que o regime de tributação em AIMI é contrário ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, e ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3, ambos da CRP, porquanto, no seu entender, o regime legal do AIMI, em concreto os respectivos artigos 135.º-A e 135.º-B, ambos do Código do IMI, e a tributação resultante do mesmo, promovem um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, e “a aplicação do AIMI ao património imobiliário detido por entidades dedicadas à exploração imobiliária (aqui compreendendo a compra, a venda, a construção, a promoção e o arrendamento), só poderia decorrer da ideia de que aqueles imóveis, factores produtivos destas sociedades e meios para o exercício da sua actividade económica, configuram um indício de acrescida capacidade contributiva – o que não pode ser aceite”.
Louva-se ainda a Requerente, nesta matéria, no Acórdão n.º 250/2017 do Tribunal Constitucional, de 24 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 156/20, já atrás citado.
Nesta matéria, a Requerente repete em grande parte argumentos anteriormente apresentados.
Assim, volta a Requerente a considerar “evidente que, ao instituir o AIMI, o legislador pretendeu tributar os prédios com fins habitacionais, enquanto efectivas manifestações de riqueza” e que “foi clara a intenção do legislador de excluir do âmbito de aplicação do AIMI todos os prédios afectos a actividades económicas”, o que, como se viu já, não se subscreve.
Interroga, também, a Requerente sobre “se os “prédios comerciais, industriais ou para serviços” e os “prédios outros” estão expressamente excluídos do âmbito de aplicação do AIMI – porque afectos a actividades económicas, as quais o legislador não quis onerar, – como podem incluir-se naquele âmbito os “terrenos para construção” afectos àqueles mesmos fins?”.
A resposta a tal questão, como também se viu já, vai no sentido de existir uma diferença substancial entre os terrenos para construção e os edifícios já construídos, sendo que estes são susceptíveis de estar, ou de serem imediatamente afectados, às actividades a que se destinam, ao contrário daqueles.
Deste modo, ao contrário da Requerente, não se crê que “Ao fazer aquela distinção – além de atentar contra o espírito da lei, acima já demonstrado – estaríamos a distinguir realidades que não podem ser distinguidas para este efeito: por um lado, i) prédios comerciais, industriais, para serviços ou outros já edificados e por outro, ii) terrenos para construção com destino a comércio, indústria, serviços ou outros.”, não se verificando a arguida violação do princípio da igualdade.
Alega, ainda, a Requerente este respeito, que “caso fosse de aceitar a tributação em AIMI dos imóveis detidos por estas entidades, o sector da actividade imobiliária ficaria deveras penalizado, o que, naturalmente, não tendo qualquer justificação racional, não pode ser aceite” e que “as entidades deste sector assumiriam, deste modo, uma oneração adicional em relação à generalidade das sociedades, com base num “hipotético índice de capacidade contributiva” que não tem correspondência com a realidade”.
A este propósito, como também se viu já, a capacidade contributiva visada é a mesma do IMI, a que é adicionado o AIMI, sendo que o legislador optou por consagrar taxas de tributação mais ligeiras para as pessoas colectivas, em relação às pessoas singulares.
Quanto à oneração fiscal do sector imobiliário, em relação a outros sectores, note-se, desde logo, que dentro do sector económico em causa, as sociedades são tratadas igualmente, e que se contém dentro do âmbito da liberdade de actuação do legislador, sendo, de resto, prática comum e aceite, a interferência nas actividades económicas, incentivando fiscalmente umas, e onerando fiscalmente outras.
Acresce ainda que, no caso, ao contrário do que aponta a Requerente, não estamos perante uma oneração, mas perante uma não desoneração.
É que, bem vistas as coisas, a estrutura normativa criada para o AIMI consiste numa abrangência geral daquele[7], sobrepondo-se aos imóveis sujeitos a IMI, seguida do afastamento da incidência relativamente a determinado tipo de prédios, pretendendo, em primeira linha, que seja reconhecida uma exclusão ao âmbito subjectivo da sujeição, e insurgindo-se, em segunda linha, contra o âmbito da referida cláusula de exclusão da incidência objectiva.
Deste modo, não é a Requerente – ou os imóveis por si detidos e sobre os quais foi liquidado imposto – que se encontram, ao serem tributados, perante uma situação excepcional de oneração, mas antes a não oneração pretendida – por via da exclusão subjectiva ou objectiva – que, a reconhecer-se, se revestiria de carácter excepcional.
No mais, a argumentação da Requerente em matéria de constitucionalidade, acaba por reflectir alguma argumentação constante da jurisprudência constitucional relativa à, entretanto revogada, tributação em sede da verba 28.1 do Código do Imposto do Selo, designadamente da que foi condensada no já várias vezes referido Acórdão n.º 250/2017 do Tribunal Constitucional, de 24 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 156/20, também invocado pela Requerente.
Ali refere-se, para além do mais, o seguinte, com correspondência nas questões ora suscitadas pela Requerente:
-
"a norma cuja validade se discute confundiu manifestações de riqueza com fatores de produção dessa mesma riqueza.";
-
“se por trás do tributo imposto ao proprietário de uma casa de habitação de valor patrimonial superior a um milhão de euros poderá estar um contribuinte com força económica suficiente para suportar a respetiva carga fiscal, por trás do tributo imposto ao proprietário de um terreno para construção estará normalmente um empreendedor, em regra sob a forma de uma sociedade comercial dedicada à promoção imobiliária, sobre cuja força económica nada sabemos. Na verdade, não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica. Desconhecemos qual a margem de lucro que retirará do seu exercício, se é que está em condições jurídicas e económicas de a desenvolver, ou se não terá mesmo uma situação líquida negativa.";
-
"a diferente realidade da tributação de terrenos para construção, que se repercute mais sobre a atividade económica desenvolvida pelo seu proprietário do que sobre o valor do bem em si mesmo. Com a agravante de que a respetiva carga fiscal, se não inviabilizar em definitivo aquela atividade, acabará por ser suportada pelo consumidor final dos produtos imobiliários que dela resultar, de cuja capacidade contributiva nada podemos presumir sem conhecer a respetiva tipologia edificatória e valor.".
E, mais adiante:
"Porque a verba 28.1, além do mais, desconsidera a natureza jurídica dos contribuintes, não distinguindo sujeitos individuais de pessoas coletivas, nem o fim específico prosseguido por estas últimas, ela incidirá indiscriminadamente, por exemplo, sobre uma moradia de luxo num empreendimento turístico do Algarve e sobre um terreno para construção de um edifício de habitação coletiva em regime cooperativo nos subúrbios metropolitanos de Lisboa ou do Porto."
Assim, do referido acórdão do Tribunal Constitucional, parece poder retirar-se o entendimento, sustentado pela Requerente, de que a não consideração da finalidade da detenção do imóvel e/ou da qualidade do sujeito que o detém, poderá gerar a inconstitucionalidade do tributo.
Não se subscreve, contudo, tal entendimento, na linha do voto de vencido lavrado no aresto em questão, pelo Ilustre Conselheiro Manuel da Costa Andrade.
Assim, e o próprio Tribunal Constitucional evidencia isso mesmo, uma coisa é a tributação do rendimento, outra a do património, sendo que esta, por natureza, atenderá essencialmente ao valor patrimonial dos bens detidos, e não à situação pessoal do seu detentor, sendo, até em função das razões de praticabilidade, reduzidos os factores de pessoalização.
O tipo de argumentos apresentados pelo Tribunal Constitucional na matéria em causa, funda-se essencialmente em necessidades de pessoalização que se afiguram, tal como formuladas, não só impraticáveis, como também, de alguma forma, subversivas.
Com efeito, as referidas considerações serão, desde logo, e sem mais, directamente, transponíveis, para o IMI, para ISV, para o IUC, para os IECs, para o IS e mesmo, de alguma forma, para o IVA. Também aí os factos tributários abstraem, muitas vezes exactamente da mesma forma, senão de forma ainda mais pronunciada, da situação pessoal dos respectivos sujeitos passivos.
Assim, também em sede daqueles tributos, não se distingue, por regra, as manifestações de riqueza (capacidade contributiva) dos factores de produção dessa mesma riqueza (ou seja: um facto tributário sujeito a IMI, ISV, IUC, IECs, IS, abstrairá, por regra, da circunstância de o mesmo ter ocorrido no quadro do "consumo" [lato sensu] ou da "produção de riqueza"), sendo que a diferenciação ocorrerá, como no caso do AIMI, por via da consideração como custo do imposto suportado, em sede de imposto sobre o rendimento (cfr. art.º 23.º/2/f) do CIRC).
Acresce que existem outras situações pacificamente aceites - justamente em homenagem ao princípio da praticabilidade - de abstracção da situação pessoal dos sujeitos passivos, significativamente mais evidentes do que as apontadas pelo Tribunal Constitucional, e que, a acolher-se o entendimento daquele Alto Tribunal, ficariam irremediavelmente feridas de inconstitucionalidade. Pense-se, desde logo, na situação de alguém que adquire um imóvel com recurso a crédito garantido pela hipoteca do mesmo imóvel, sendo, de um ponto de vista não só pessoal, como patrimonial, evidente a disparidade de capacidade contributiva (“riqueza”) entre o referido sujeito passivo, e o detentor de um imóvel de igual valor, mas integralmente pago.
Por outro lado, devidamente compreendidas, crê-se que as preocupações do Tribunal Constitucional dizem mais respeito à forma de avaliação do património, do que à sua sujeição. Ou seja: caso o valor patrimonial esteja justamente fixado, e usando o exemplo utilizado pelo Tribunal Constitucional, o proprietário de uma moradia de luxo num empreendimento turístico do Algarve e de um terreno para construção de um edifício de habitação colectiva em regime cooperativo nos subúrbios metropolitanos de Lisboa ou do Porto, evidenciarão, do ponto de vista patrimonial, a mesma capacidade contributiva, ou seja, serão detentores de um bem com idêntico valor patrimonial.
Deste modo, e face ao exposto, julga-se que não será de retirar consequências da jurisprudência do Tribunal Constitucional em apreço, em sede de constitucionalidade das normas do AIMI, aplicadas no caso, nomeadamente no que diz respeito à violação das normas da Constituição apontadas pela Requerente, improcedendo por isso, também nesta parte, o pedido arbitral.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
-
Absolver a Requerida do pedido;
-
Manter na ordem jurídica os actos tributários objecto da presente acção arbitral; e
-
Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 123.840,15, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 05 de Setembro de 2018
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Hélder Faustino)
A Árbitro Vogal
(Raquel Franco)
[3] Ressalvadas algumas situações marginais referentes a prédios afectos a serviços públicos, ou actividades não empresariais, abrangidos pela espécie “outros”.
[4] Cfr. Acórdão proferido no processo 250/2017, já citado.
[7] Exceptuando-se, a partir de 2018, as empresas municipais; cfr. n.º 4 do artigo 135.º-A do CIMI.