Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 579/2017-T
Data da decisão: 2018-09-12  IRS  
Valor do pedido: € 3.633.851,16
Tema: IRS - Residência em território português.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

A..., contribuinte fiscal n.º..., residente na China, ... ..., ... ..., veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação de IRS relativo ao ano de 2012, pedindo a anulação desse ato, bem como dos atos tributários de liquidação de IRS n.º 2016... e de liquidação de juros n.º 2016..., no montante global de €3.633.851,16.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Administração Tributária efetuou uma liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2012 por considerar que o Requerente permaneceu em território nacional por mais de 183 dias no decurso desse ano, encontrando-se abrangido pelo disposto no artigo 16.º, n.º 1, alínea a), do Código de IRS.

 

No entanto, o Requerente por virtude das suas deslocações como jogador de futebol ao serviço da seleção ..., a participação nos jogos olímpicos, em Londres, o gozo de férias no ... e a transferência para o C ..., em 3 de setembro de 2012, não permaneceu em Portugal, nesse ano, mais do que 157 dias.

 

Acresce que em 2012, que o Requerente não era ainda casado com B..., o que só veio a ocorrer em 2015, e ainda que se entendesse que viviam em união de facto, não integravam o mesmo agregado familiar à face da lei, que não impunha a tributação conjunta (artigo 14.º do Código de IRS), pelo que o Requerente não poderia ser considerado como tendo residência habitual em Portugal em 31 de dezembro de 2012.

Invoca o vício de violação lei e, no que se refere à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o vício de falta de fundamentação por se ter baseado em novos fundamentos.

A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que o Requerente residiu em Portugal pelo menos até 3 de setembro de 2012, data em que foi anunciada a cedência dos direitos desportivos ao C..., tendo permanecido no país pelo menos 247 dias, pelo que deviam ser considerados na liquidação de IRS os rendimentos de trabalho obtidos fora do território nacional.

O Requerente alega que, no decurso de 2012, se encontrou ausente de Portugal em diversos períodos de tempo ao serviço do D... e da seleção ... ou em gozo de férias, mas não efetua a prova dessas deslocações, sendo que o conceito de “permanência” a que se refere o artigo 16.º, n.º 1, alínea a), do Código de IRS não é posto em causa por deslocações temporárias por razões profissionais.

            Conclui pela improcedência do pedido.

Na sequência da junção do processo administrativo, com a resposta, o Requerente veio requerer fosse ordenada a junção de cópia integral do Relatório de Inspeção Tributária, incluindo os pareceres do chefe de equipa e do chefe de divisão e o despacho do chefe de divisão, o despacho que sancionou as conclusões do Relatório, o despacho que fixou os rendimentos ao abrigo do artigo 65.º do Código do IRS, os anexos 1 a 4 identificados no Relatório de Inspeção e a guia de pagamento relativa a retenções a não residente submetida pelo D... .

Tendo sido determinada a junção dos elementos em falta, a Autoridade Tributária juntou aos autos as conclusões do Relatório de Inspeção Tributária, contendo o parecer do chefe de equipa e o despacho de concordância do chefe de divisão, datado de 23 de setembro de 2016.

O Requerente veio então deduzir um pedido de ampliação da causa de pedir, invocando o vício de inexistência jurídica do ato de apuramento e fixação dos rendimentos, face à ausência de junção do documento comprovativo da sua prática, e, a entender-se que esse ato foi o praticado, em 23 de setembro de 2016, pelo chefe de divisão com subdelegação de competência, o vício de incompetência relativa em razão da hierarquia, considerando que a competência para a prática do ato, nos termos do artigo 65.º, n.º 5, do Código do IRS, pertence ao diretor de finanças com poderes de delegação.

Pronunciando-se sobre a ampliação da causa de pedir, a Autoridade Tributária alegou que o rendimento do contribuinte foi apurado nos termos do artigo 76.º, n.º 3, do Código do IRS, sendo inaplicável ao caso o previsto no artigo 65.º, n.º 5, desse Código quanto à competência para a prática do ato.

 

3. O processo prosseguiu com a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, na qual se determinou a notificação da Requerida para juntar aos autos, no prazo de 30 dias, o despacho que apurou e fixou os rendimentos do Requerente, seguindo-se alegações escritas pelo prazo sucessivo de 15 dias a contar da notificação da junção do documento ou do termo do respetivo prazo.

Nas alegações, O Requerente manteve a invocação do vício de inexistência jurídica do ato de apuramento e fixação dos rendimentos, considerou – respondendo à questão suscitada pela Autoridade Tributária na sua resposta – que é à Administração que compete o ónus da prova de que o Requerente permaneceu em Portugal, no decurso do ano de 2012, mais de 183 dias seguidos ou interpolados, e descreveu a matéria de facto tida como assente com base na prova documental e testemunhal produzida, concluindo pela procedência do pedido.

A Autoridade Tributária, nas contra-alegações, pronunciou-se no sentido da improcedência das questões prévias da inexistência jurídica do ato de apuramento dos rendimentos e da incompetência relativa do autor do ato, e, quanto à questão de fundo, manteve o entendimento de que o Requerente tinha contrato profissional com o D... até 2 de setembro de 2012 e manteve permanência no território nacional até essa data, o que não poderá ser contraposto por situações de ausência temporária por motivo de férias ou deslocações profissionais, considerando ainda que a residência fiscal em Portugal é ainda determinada pela aplicação do disposto no artigo 4.º da Convenção sobre a dupla tributação celebrada com a Rússia.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 14 de fevereiro de 2018.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Cabe apreciar e decidir.

 

 II – Fundamentação

 

Matéria de facto

4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte.

 

a) O Requerente foi notificado de uma liquidação adicional de IRS, referente ao exercício de 2012, e de uma liquidação de juros compensatórios, no montante global de €3.633.851,16;

b) O Requerente procedeu ao pagamento do montante em dívida, dentro do prazo fixado no documento cobrança voluntária;

c) A Autoridade Tributária realizou uma ação inspetiva com base na Ordem de Serviço n.º OI2013..., incidente sobre o ano de 2012, e em que se concluiu que o Requerente, no decurso do ano de 2012, permaneceu em Portugal até pelo menos 3 de setembro de 2012, no total de 247 dias, e que determinou a correção do rendimento tributável, no montante de € 9.625.808,34, mediante a consideração dos rendimentos de trabalho dependente obtidos fora do território nacional.

d) O Relatório de Inspeção Tributária obteve a concordância do chefe de divisão, por despacho de 23 de setembro de 2016, intervindo com subdelegação de competência do Diretor de Finanças Adjunto;

e) Em 15 de Fevereiro de 2017, O Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação, que foi indeferida por despacho de 8 de agosto de 2017;

f) O Requerente casou com B...em 16 de dezembro de 2015.

g) O Requerente foi jogador profissional de futebol, integrando a equipa do D... desde a época desportiva 2008/2009 e por um contrato válido por 4 temporadas com termo em 30 de junho de 2012;

h) Em 3 de setembro de 2012, o D... comunicou à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários ter chegado a um acordo com o C... (C...) para a cedência, a título definitivo, dos direitos de inscrição desportiva, e dos 85% dos direitos económicos que detinha do jogador de futebol A... (“A...”);

i) O Requerente deslocou-se para a Suíça no dia 27 de fevereiro de 2012, para participar num jogo em representação da seleção ..., e regressou a Portugal no dia 29 de fevereiro de 2012;

j) Em 13 de maio de 2012, o Requerente viajou para o ... para seguir um plano de preparação para uma possível convocação para a seleção ... de futebol;

l) No dia 24 de maio de 2012, o Requerente apresentou-se na cidade de Hamburgo, na Alemanha, para disputar um jogo amigável contra a Dinamarca, em representação da seleção ..., jogo este que teve lugar no dia 26 de maio de 2012;

m) No dia 27 de maio de 2012, o Requerente, integrado na comitiva da seleção ... de futebol, partiu da Alemanha para os Estados Unidos da América, onde iria participar em mais 3 jogos de preparação;

n) No dia 30 de maio de 2012, o Requerente participou no jogo de futebol contra a seleção dos Estados Unidos da América, na cidade de Washington;

O) No dia 3 de junho de 2012, o Requerente participou no jogo de futebol contra a seleção do México, na cidade de Dallas;

p) No dia 9 de junho de 2012, o Requerente participou no jogo de futebol contra a seleção da Argentina, na cidade de Nova Jersey;

q) No dia 10 de junho de 2012, o Requerente regressou ao ..., tendo participado em diversas iniciativas públicas;

r) No dia 9 de julho de 2012, o Requerente apresentou-se ao serviço da seleção ... de futebol, na cidade do Rio de Janeiro, para iniciar a participação nos Jogos Olímpicos de 2012;

s) No dia 17 de julho de 2012, o Requerente viajou para Londres para participar nos Jogos Olímpicos;

t) A seleção ... de futebol disputou todos os jogos do torneio olímpico, tendo jogado a final com a seleção do México no dia 11 de agosto de 2012;

u) No dia 12 de agosto de 2012, o Requerente partiu de Londres para Estocolmo, na Suécia para participar num jogo de futebol particular contra a seleção da Suécia, que teve lugar no dia 15 de agosto seguinte;

v) No dia 16 de agosto de 2012, o Requerente regressou à cidade do Porto;

x) No dia 2 de setembro de 2012, o Requerente viajou para o ... para participar em 2 jogos particulares pela seleção ... de futebol;

z) Nesse mesmo dia, o Requerente assinou um contrato para representar o C..., clube de futebol sediado na Rússia;

aa) No dia 12 de setembro de 2012, regressou a Portugal para seguir no dia seguinte para a Rússia para integrar a equipa do C...;

bb) Até ao final do ano de 2012, o Requerente participou em diversos jogos ao serviço do C... e da seleção ... de futebol;

cc) Na viagem de regresso ao ..., o Requerente chegou ao Porto no dia 11 de dezembro de 2012 e partiu de Lisboa no dia 14 de dezembro seguinte.

dd) No ano de 2012, o Requerente permaneceu em Portugal 31 dias em janeiro, 28 dias em fevereiro, 31dias em março, 30 dias em abril, 13 dias em maio, 16 dias em agosto, 4 dias em setembro e 4 dias em dezembro, no total de 157 dias.

ee) O Requerente residiu na Rússia desde setembro de 2012 a junho de 2016.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária, com a sua resposta, e a prova testemunhal produzida.

 

Questões de direito

 

Ampliação da causa de pedir

5. Na sequência da apresentação da resposta e do envio do processo administrativo, o Requerente veio requerer fosse ordenada a junção de cópia integral do Relatório de Inspeção Tributária, incluindo os pareceres do chefe de equipa e do chefe de divisão, o despacho do chefe de divisão, o despacho que sancionou as conclusões do Relatório, o despacho que fixou os rendimentos ao abrigo do artigo 65.º do Código do IRS, os anexos 1 a 4 identificados no Relatório de Inspeção e a guia de pagamento relativa a retenções na fonte a não residente.

A requisição deste último documento tinha apenas em vista efetuar a prova de que o Requerente tinha procedido ao pagamento do imposto devido em Portugal, visando responder ao argumento da Requerida, suscitado em sede de impugnação, de que o Requerente poderia obter por via da equiparação do conceito de permanência ao de presença física a anulação do imposto retido em Portugal (artigo 78.º da resposta).

Tendo sido determinada a junção dos elementos em falta, a Autoridade Tributária juntou aos autos as conclusões do Relatório de Inspeção Tributária, contendo o parecer do chefe de equipa e o despacho de concordância do chefe de divisão, datado de 23 de setembro de 2016.

O Requerente veio então deduzir, ao abrigo do disposto no artigo 63.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, um pedido de ampliação da causa de pedir, invocando o vício de inexistência jurídica do ato de apuramento e fixação dos rendimentos, face à ausência  do documento comprovativo da sua prática, e, a entender-se que esse ato foi o praticado, em 23 de setembro de 2016, pelo chefe de divisão com subdelegação de competência, o vício de incompetência relativa em razão da hierarquia, considerando que a competência para a prática do ato, nos termos do artigo 65.º, n.º 5, do Código do IRS, pertence ao diretor de finanças com poderes de delegação.

Deve começar por dizer-se que o artigo 63.º do CPTA não tem qualquer aplicação ao caso, visto que este preceito se destina apenas a permitir a ampliação do pedido quando já na pendência do processo judicial venham a ser praticados, no âmbito do procedimento, novos atos administrativos, de modo a que o interessado possa reagir mediante a ampliação do objeto do processo a factos supervenientes que tenham influência na definição da situação jurídica.

É também claro que a não apresentação do documento destinado a rebater o argumento jurídico invocado pela Requerida quanto ao pagamento do imposto em Portugal não justifica a ampliação da causa de pedir e quando muito pode ter consequências processuais em matéria de prova.

Apenas poderia admitir-se que o impugnante pudesse invocar novos vícios de conhecimento superveniente por efeito da junção de documentos por parte da Administração Tributária ou do próprio processo administrativo.   

O que o Requerente vem suscitar, no entanto, é a inexistência do ato de apuramento e de fixação de rendimentos por não ter sido apresentado o despacho a que se refere o artigo 65.º do Código do IRS.

O certo é que a Autoridade Tributária juntou, na sequência do despacho arbitral, o parecer do chefe de equipa e o despacho de concordância do chefe de divisão com as conclusões do Relatório de Inspeção Tributária, despacho esse datado de 23 de setembro de 2016 e emitido por subdelegação de competência. E tendo sido produzido, na sequência, o ato de liquidação adicional de IRS e de liquidação de juros compensatórios, com data limite de pagamento em 23 de novembro de 2016, e com base nos valores resultantes da correção determinada pelo Relatório de Inspeção Tributária, nenhuma razão há para considerar verificada a inexistência do ato de apuramento do imposto.

Além de que, a entender-se que ocorreu a inexistência jurídica do acto, o meio processual próprio não seria a impugnação judicial do ato administrativo – visto que o ato é tido como inexistente -, mas uma ação de simples apreciação que tivesse por objeto a declaração de inexistência de ato administrativo, cabendo ao Requerente a prova da aparência do ato, ou seja, a prova de que não foi praticado nenhum ato de liquidação (cfr. artigos 50.º, n.º 4, e 79.º, n.º 3, alínea b), do CPTA).

O Requerente coloca ainda a questão da incompetência relativa em razão da hierarquia porque o ato não foi praticado por órgão ou agente que disponha de competência, delegada ou subdelegada, para a sua prolação.

Ora, o artigo 65,º n.º 5, do Código do IRS dispõe que a competência para a prática dos atos de apuramento, fixação ou alteração de rendimentos é “exercida pelo diretor de finanças em cuja área se situe o domicílio fiscal dos sujeitos passivos, podendo ser delegada noutros funcionários sempre que o elevado número daqueles o justifique.” Ainda nos termos do artigo 44.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, os “órgãos administrativos normalmente competentes podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação de poderes, que outro órgão ou agente da mesma pessoa coletiva ou outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique atos administrativos sobre a mesma matéria.” O artigo 46.º, n.º 1, do mesmo Código permite ainda, salvo disposição legal em contrário, que o delegante possa autorizar o delegado a subdelegar”. Segundo o disposto no artigo 48.º o órgão delegado ou subdelegado “deve mencionar essa qualidade no uso da delegação ou subdelegação”.

Como se vê, a delegação de competência é legalmente permitida para o apuramento de rendimentos, sem restrição quanto ao poder de subdelegação. E, no caso, o despacho do chefe de divisão, de 23 de setembro de 2016, contém a menção da subdelegação, não havendo nenhuma indicação de que o subdelegado se não encontre habilitado com a correspondente atribuição de competências.    

Como resulta de todo o exposto, as questões prévias suscitadas pelo Requerente não são procedentes. 

6. A Autoridade Tributária determinou a liquidação adicional de IRS, na sequência de um procedimento inspetivo, com base na constatação de que o Requerente, no decurso do ano de 2012, permaneceu em Portugal pelo menos até 3 de setembro de 2012, data em quer o clube desportivo que o Requerente integrava anunciou a cedência dos direitos desportivos e económicos a uma entidade estrangeira, contabilizando assim um total de pelo menos 247 dias de permanência em território nacional nesse ano. Com esse fundamento, a Administração sujeitou a tributação em IRS os rendimentos de trabalho dependente obtidos fora do território nacional no montante de € 9.625.808,36.

 

O Requerente discute a legalidade do ato tributário por considerar que o conceito de residência, para efeitos do disposto no artigo 16.º, n.º 1, alínea a), do Código de IRS, pressupõe a presença física por um período superior a 183 dias, independentemente de considerações subjetivas sobre os motivos da permanência, devendo entender-se, segundo esse critério, que, por virtude das diversas deslocações durante o ano de 2012 a países estrangeiros, o Requerente não permaneceu em território nacional mais do que 157 dias.

 

É esta a questão a decidir.

 

Na redação vigente em 2012, o artigo 16.º do Código de IRS, na parte que mais interessa considerar, dispunha o seguinte:

 

1 – São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;

b)Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;

(…)

 

No que para o caso releva, o Código adotou dois conceitos alternativos de residência, um traduzido na permanência em território português em mais de 183 dias do respetivo ano, outro consistente na existência de habitação permanente no território nacional, o que permite associar ao conceito de residente um elemento subjetivo, a vontade do sujeito passivo de residir em determinado Estado.

 

Segundo aquele primeiro critério, o elemento determinante do conceito de residente é a presença física no território nacional durante a maior parte do período em causa, sendo esse elemento de conexão que expressa a ligação económica entre uma pessoa e o Estado e legitima a tributação dos rendimentos independentemente do local onde os mesmos sejam obtidos (Rui Morais, Sobre o IRS, 2.ª edição, Coimbra, págs. 17 e 18).

 

E essa regra é igualmente a aplicável por efeito da “Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento” (CDT), celebrada entre a República Portuguesa e a Federação da Rússia (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 10/2012, publicada no Diário da República, I Série-A, de 23 de Fevereiro de 2002), e que é inspirada no articulado do Modelo de Convenção sobre o Rendimento e o Património da OCDE (Convenção Modelo).

 

O artigo 15.º da Convenção, sob a epígrafe “Profissões Dependentes”, é semelhante ao artigo 15.º da citada Convenção Modelo (“Rendimentos do emprego”), cujo n.º 2 faz também depender a atribuição do poder de tributar os rendimentos a um dos referidos Estados, da permanência ou não no território por um período de 183 dias, sendo que os Comentários a este preceito, a que nem Portugal nem a Rússia colocaram reservas, concluem: “…existe um único método compatível com os termos do presente número - o método dos dias de presença física”-, e, mais adiante “…qualquer dia inteiro passado fora do Estado onde é exercida a atividade, em férias, em viagem de negócios ou por qualquer outra razão, não deve ser tido em consideração. Toda e qualquer fração, ainda que breve, de um dia, durante o qual o contribuinte está presente num Estado, conta como dia de presença nesse Estado para efeitos do cálculo do período de 183 dias”.

 

Note-se que, em relação ao período de tributação de 2012, não era ainda aplicável a atual formulação do nº 2 do artigo 16º do Código IRS, que na redação introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, veio considerar “como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo”. Pelo que, no caso vertente, haverá que atender na contagem dos dias de permanência em Portugal qualquer fração de um dia em que o Requerente se encontre presente no território, incluindo os dias de partida ou de chegada em caso de deslocações a países estrangeiros.

 

             Ora, a Requerida, no cômputo dos dias de permanência do Requerente em território português, somou os dias de calendário, sem interrupção, entre 1 de janeiro de 2012 e 3 de Setembro de 2012, num total de 247 dias, desconsiderando os dias em que o Requerente não teve qualquer presença física no território nacional.   

 

Por seu lado, o Requerente comprovou que entre o período de 1 de Janeiro de 2012 e o referido dia 3 de Setembro passou 94 dias fora do território português, o que se traduz em 153 dias de permanência nesse período de tempo, a que acrescem 4 dias em dezembro de 2012, num total de 157 dias. O Requerente não poderá, por isso, ser considerado residente em território português à luz do critério definido no artigo 16.º, n.º 1, alínea a), na redação vigente à data dos factos, com base neste critério da permanência.

 

Tendo o Requerente permanecido em território português por menos tempo do que os referidos 183 dias, poderia ser, ainda assim, considerado residente em Portugal se aqui dispusesse em 31 de Dezembro de 2012 “de habitação em condições de supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual”, segundo a alínea b) do n.º 1 do artigo 16º do Código do IRS.

 

No entanto, ficou provado que nessa data o Requerente tinha residência em São Petersburgo na sequência da sua transferência para o clube C... daquela cidade. E ainda que o Requerente tivesse na cidade do Porto uma habitação disponível que pudesse utilizar quando ali regressasse de férias ou de passagem, esta não seria, desde logo à face da lei portuguesa, a sua “residência habitual”.

 

Cabe ainda referir que as convenções sobre dupla tributação não contêm uma qualquer definição de “residente fiscal num dos estados contratantes” - limitando-se a remeter essa definição para a respetiva lei interna -, e apenas instituem regras de desempate, que visam  determinar em qual dos estados contratantes alguém será havido como residente fiscal, nos casos em que, à luz da lei interna de ambos os estados,  deva ser havido como seu residente (cfr. artigo 4º, n.ºs  1 e 2, do MOCDE).

Ora, tendo ficado provado que o Requerente não preencheu, no ano em causa, nenhum dos elementos de conexão, tipificados no Código de IRS, definidores da condição de residente no nosso país, não tem aplicação ao caso - diferentemente do que entende a Requerida - a CDT Portugal-Rússia, pelo que o Requerente não pode ser considerado residente fiscal em Portugal ao abrigo dessa Convenção.

Como se impõe concluir, no ano de 2012, o Requerente deve ser considerado não residente em Portugal, e, consequentemente, a sua obrigação tributária em IRS apenas poderia incidir sobre os rendimentos obtidos em território português.

 

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação de IRS n.º 2016 ... e de liquidação de juros n.º 2016..., no montante global de €3.633.851,16.

b) Em consequência, anular o despacho de 8 de agosto de 2017 que indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 3.633.851,16, que não foi contestado pela Requerida, e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar (artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).

 

Notifique.

 

Lisboa, 12 de setembro de 2018

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

 

Rui Duarte Morais

 

 

 

O Árbitro vogal

 

 

Américo Brás Carlos