Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Gustavo Lopes Courinha e Elísio Brandão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
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No dia 18 de Outubro de 2017, A..., Lda., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., ..., Açores, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC relativa ao ano de 2014 (liquidação n.º 2017..., de 24.07.2017), que implicou um acréscimo de imposto a pagar, a título de tributações autónomas, no valor de 1.254.499,10 euros (um milhão, duzentos e cinquenta e quatro mil, quatrocentos e noventa e nove euros e dez cêntimos) e de liquidação de juros compensatórios no valor de 102.147,15 euros (cento e dois mil, cento e quarenta e sete euros e quinze cêntimos) totalizando 1.356.646,25 euros (um milhão, trezentos e cinquenta e seis mil, seiscentos e quarenta e seis euros e vinte cinco cêntimos), com data limite de pagamento em 22 de Setembro de 2017.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
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O acto impugnado violou as disposições conjugadas dos artigos 75.º, n.º 1 da LGT e 88.º, n.º 1 do CIRC por ter que se considerar ilidida a presunção de veracidade da contabilidade a que se refere o n.º 1 do artigo 75.º da LGT, tanto pela auditoria externa promovida pelo contribuinte, como pelo próprio relatório de inspecção;
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Não se verificando a referida presunção, caberia à AT provar a efetiva saída de meios monetários em que pretende fazer assentar a tributação autónoma a título de despesas não documentadas;
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Não tendo a AT feito essa prova e tendo o contribuinte, ora Impugnante, feito prova do contrário, através da disponibilização dos extractos bancários, não existiu sequer uma despesa, porque não houve qualquer dispêndio ou saída de meios monetários das contas bancárias da sociedade;
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É violado o artigo 74.º, n.º 1 da LGT, uma vez que a AT não fez prova da existência de despesas não documentadas que lhe permitam aplicar a norma de incidência constante do artigo 88.º, n.º 1 do CIRC;
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Os dois lançamentos contabilísticos internos, destinados a corrigir diferenças contabilísticas geradas em exercícios anteriores, não podem, em caso algum, ser considerados como uma despesa não documentada sujeita a tributação autónoma;
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Nestes casos, a AT deverá proceder à determinação da matéria coletável através de métodos indirectos (artigos 74.º, n.º 3 e 87.º da LGT) não podendo lançar mão da norma de incidência constante do artigo 88.º, n.º 1 do CIRC, no segmento em que a mesma prevê a tributação autónoma de despesas não documentadas à taxa de 50%;
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O acto de liquidação adicional de IRC ora impugnado é ilegal por não estarem reunidos os pressupostos de aplicação do o artigo 88.º, n.º 1 do CIRC, no segmento em que o mesmo prevê a tributação autónoma de despesas não documentadas à taxa de 50%.
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No dia 19-10-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 07-12-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 28-12-2017.
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No dia 06-02-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT, prazo esse que foi prorrogado até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º/1 do RJAT.
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Tendo em conta o período de férias judiciais e o disposto no artigo 17.º-A do RJAT, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º/2 do mesmo diploma, foi prorrogado por dois meses o prazo a que alude o n.º 1 do mesmo artigo.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A ora Requerente foi objecto de um procedimento inspectivo, através da OI2017..., de 24-05-2017, de carácter interno, âmbito parcial (IRC) e referente ao exercício de 2014, desencadeado pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de ... (...) no âmbito da acção central com o Código “... Controlo inventários iniciais e finais declarados na IES de 2014”.
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Nesse âmbito, em 13-01-2017, a ora Requerente foi notificada para remeter, no prazo de 15 (quinze) dias, os seguintes elementos:
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− Inventário de 2012 a 2015;
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− Balancetes analíticos de 2012 a 2014;
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− Lançamento contabilístico que deu origem ao ajustamento perdas/imparidades de inventários de 2013, no valor de € 354.529,98; e
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− Extrato da conta 36 – Produtos acabados de 2012 a 2014.
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A Requerente deu cumprimento ao solicitado, tendo remetido aos SIT da DF-AH todos os elementos mencionados.
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Após análise dos referidos documentos e porque os SIT «constataram que a matéria em análise configurava um certo grau de complexidade», foi emitido um despacho externo para recolha de elementos com data de 15-02-2107.
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Do relatório de inspecção consta que «junto do Contabilista Certificado da Empresa, foram então analisados com mais profundidade os elementos Contabilístico/Fiscais do Sujeito Passivo, bem como os documentos comprovativos existentes».
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Dessa análise concluíram os SIT que a conta 12 (depósitos bancários) do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) «apresenta um valor muito elevado até ao período de tributação de 2013 face aos rendimentos declarados na conta 72 – Prestações de Serviços».
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Da análise «do balanço constante da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal – IES, relativa aos períodos de tributação de 2008 a 2014» os SIT constataram «a seguinte evolução do saldo, na conta SNC 12 - Depósitos Bancários:
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Mais constataram a seguinte evolução do saldo da conta SNC 72 – Prestações de Serviços:
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Mais constataram os SIT que «até ao período de tributação de 2014 não há extratos bancários, pelo que constata-se que o sujeito passivo não procedeu à reconciliação, não sendo possível apurar o saldo efetivo da conta SNC 12 - Depósitos Bancários».
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Os SIT procederam a uma «análise com efeitos retrospectivos até ao ano de 2012 ao extracto da conta SNC 12 - Depósitos bancários».
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No que diz respeito «ao período de tributação de 2012» e após descreverem os lançamentos contabilísticos estão na origem do saldo de € 3.034.294,97 na conta de depósitos à ordem em 31-12-2012, os SIT observaram que «os lançamentos contabilísticos supra evidenciados encontram-se suportados apenas com documentos de natureza interna (Avisos de Lançamento), não tendo sido disponibilizados quaisquer documentos de natureza/origem externa (constituição de depósitos a prazo)».
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No que diz respeito «ao período de tributação de 2013», consta do RIT que «a conta SNC – 12 – Depósitos à Ordem não é utilizada para lançamentos a débito, apenas um lançamento a crédito de € 2.921.720,87, de acordo com Diário Lançamento 4 - Operações Diversas (Anexo III), Lançamento interno nº..., datado de 31-12-2013 por contrapartida da conta SNC 13 – Depósitos a prazo, que é debitada no valor de € 3.571.263,87, sendo que € 483.588,53 são provenientes da conta SNC 11 – Caixa, no mesmo lançamento interno, sem qualquer documento externo de suporte. Em virtude de se trata[r]-se de uma nota de lançamento com muitos movimentos, não foi possível constatar de que conta provem o valor de € 165.954,50 para perfazer € 3.571[.]263,87 debitados da conta a prazo».
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Referindo-se novamente no RIT o facto de os «lançamentos contabilísticos supra evidenciados encontrarem-se suportados apenas com documentos de natureza interna (Avisos de Lançamento), não tendo sido disponibilizados quaisquer documentos de natureza/origem externa (constituição de depósitos a prazo, documentos bancários, entre outros)» e que «até ao período de tributação de 2012 a conta SNC 11 – Caixa é pouco utilizada. No entanto, no exercício de 2013 verifica-se que esta conta e a única conta da Classe 1 – “Meios Financeiros” utilizada para lançamentos a débitos, sendo que os movimentos a débito são referentes a recebimentos da SNC 21-clientes e os créditos são pagamentos da Conta SNC 22 -fornecedores e Conta SNC 23 - Pessoal, contudo a análise ao extracto da referida conta demonstra que foram contabilizados pagamentos a terceiros sem disponibilidade financeira para tal, pois o “caixa” durante vários meses apresentou um saldo credor apesar de continuar a efetuar-se pagamentos a terceiros».
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No que diz respeito «ao período de tributação de 2014», consta do n.º III do projecto de relatório e no relatório de inspecção que «a conta SNC 11 - Caixa é reforçada com um débito de € 3.664.109,64 por contrapartida da conta SNC 13 – Depósitos bancários a prazo tendo por base unicamente um documento elaborado internamente no ...(anexo IV), sem qualquer documento externo de suporte. Verifica-se ainda que a conta SNC 56 - Resultados transitados é debitada por contrapartida da conta SNC 11 - Caixa no valor de € 3.584.283,36, tendo por base unicamente um documento elaborado internamente no ... (anexo V)».
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Considerando o facto de a sociedade, ora Impugnante, apresentar lucro tributável desde 2008, reconhecido e mensurado na conta SNC 56 – Resultados transitados, foi solicitada pelos SIT «cópia da ata de encerramento das contas do exercício de 2014 (anexo VI), para verificar se no referido ano houve distribuição de lucros face ao lançamento contabilístico suportado pelo documento interno no ...».
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Pela análise da referida acta concluiu a AT que não houve lugar a distribuição de dividendos pelo que «o reconhecimento contabilístico supra indicado consubstancia uma saída de meios monetários (€ 3.584.283,36) da sociedade por contrapartida da redução do seu capital», sendo «manifestamente impossível aferir a identidade concreta do(s) verdadeiro(s) destinatário(s) dos meios monetários» e que «considerando que o referido reconhecimento contabilístico não foi registado em qualquer conta de sócios/accionistas (nem existe qualquer Ata da sociedade nesse sentido), à AT encontra-se vedado o recurso à presunção a que alude o artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, pelo que não resta outra solução juridicamente legal e sustentável que não seja a tributação de despesas (saída de meios monetários da sociedade) não documentadas, pelo recurso ao disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC – tributações autónomas – taxa de 50% ao [abrigo do] artigo do nº 1 do artigo 88° CIRC, redacção dada pelo Decreto–Lei nº 159/2009 de 13 de julho, com a devida redução em 30% para a Região Autónoma dos Açores de acordo com o D.L.R. 2/99/A, de 20 de Janeiro».
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No RIT, conclui-se, ainda que:
“i. Os registos contabilísticos supra identificados encontram-se suportados apenas com recurso a meros documentos internos, sem qualquer suporte externo que permita que os mesmos se mostrem idóneos, identificando a sua origem e destino;
ii. Os registos contabilísticos ocorridos em 2014 evidenciam uma saída de fluxos financeiros da sociedade (crédito da conta SNC 11 – caixa), por contrapartida de uma descida acentuada do capital da sociedade, nomeadamente a conta de resultados transitados (SNC 56), assistindo-se a notória “descapitalização” da sociedade;
iii. Embora confrontada[o] para o efeito, o Sujeito Passivo não logrou apresentar justificações/esclarecimentos que, de forma inequívoca, permitam validar a origem e destino (destinatários dos montantes monetários supra indicados) do fluxo financeiro saído alegadamente da conta SNC 11-Caixa, por contrapartida do capital da sociedade.
iv. Em momento algum, nomeadamente nas divulgações inerentes às suas demonstrações financeiras, o Sujeito Passivo justificou/informou que promoveu correções relativas a períodos anteriores (materialmente relevantes) tendo recorrido ao disposto na NCRF 4;
v. O Sujeito Passivo não cumpriu com a obrigação a que alude o artigo 63.º-C da LGT.
vi. Ao agir assim, verifica-se que o sujeito passivo ocultou e alterou os factos ou valores que deveriam constar da contabilidade, dos registos e das declarações fiscais, impossibilitando o correto apuramento da matéria colectável, sua fiscalização e controlo, traduzindo-se esta conduta como ilegítima e tipificada no art. 103º do RGIT, sendo punível enquanto fraude fiscal”.
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Por ofício da AT – Direção de Finanças de ... (Serviços de Inspecção Tributária) – n.º..., de 02-06-2017, foi a ora Requerente notificada para exercer o direito de audição prévia «sobre o projeto de correções do relatório de inspeção», tendo-lhe sido concedido para o efeito o prazo de 15 (quinze) dias.
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A ora Requerente solicitou, em 09-06-2017, o alargamento do prazo para exercer o seu direito de audição prévia para o máximo de 25 (vinte cinco) dias.
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Em 19-06-2017, a AT notificou a ora Impugnante da decisão de alargar o prazo para exercer o seu direito de audição prévia para o referido limite máximo.
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Sobre o projeto de correcções do relatório de inspecção pronunciou-se a Impugnante em 03-07-2017.
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No relatório de auditoria externa solicitado pela Impugnante à B..., Lda. (B...), que abrangeu «os anos de 2005 a 2014, tendo sido efetuada uma revisão de todas as rubricas das demonstrações ao longo deste período», concluiu-se que «no final do exercício de 2014 foram regularizadas diversas contas por contrapartida de capitais próprios provocando a sua diminuição no montante de 3.584.253,36 euros», e foram identificados saldos passíveis de correcção ao longo dos anos em apreciação que, no final do ano de 2013, totalizavam um valor estimado de 3.594 milhares de euros.
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Concluiu-se na referida auditoria que «caso a Empresa, no exercício de 2014, tivesse reexpressado retrospectivamente a informação comparativa em resultado da identificação de erro, tal como preconizado na NCRF 4 – “Políticas contabilísticas, Alterações nas estimativas contabilísticas e Erros”, poderiam ter sido imputados a períodos anteriores os seguintes efeitos:
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No que diz respeito à reconciliação dos movimentos financeiros em bancos com as operações divulgadas nas demonstrações financeiras da Impugnante, o relatório de auditoria externa elaborado pela B... concluiu «um nível significativo de correlação entre os movimentos contabilísticos e os movimentos bancários», apesar de terem sido identificadas «situações de entradas e saídas de meios financeiros das contas bancárias que não tiveram expressão contabilística», conforme se mostra no quadro seguinte:
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O referido relatório apenas logrou obter a totalidade dos extratos bancários a partir do exercício de 2008, computando que a divergência acumulada inicial se cifrou em € 3.008.621,60.
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Nos exercícios anteriores a 2008, segundo o mesmo relatório, verificaram-se as saídas de meios financeiros sem a respectiva correspondência documental e contabilística, conforme a tabela seguinte:
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De acordo com o mesmo relatório «apesar de não ter sido possível identificar a totalidade dos motivos que originaram a regularização de contas de 2014, foi possível imputar o total da correção efetuada pela contabilidade em 2014 aos anos a que respeitam até 2009 e concluir que uma parte significativa (cerca de 3.008 milhares de euros) do montante regularizado em 2014 resulta de erros reportados a períodos anteriores a 2009» e que «os restantes erros imputados aos exercícios de 2009 a 2013 totalizam cerca de 394 milhares de euros e distribuem-se pelos diferentes anos».
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Conclui-se, ainda naquele relatório, que:
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«o total da regularização efetuada em 2014 foi superior à devida por um montante que estimámos em cerca de 192 milhares de euros, a qual decorre essencialmente de uma sobrevalorização de passivos em cerca de 54 milhares de euros e de uma subavaliação de ativos que estimamos em cerca de 138 milhares de euros»; e que
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«a sobrevalorização dos capitais próprios imputáveis aos exercícios de 2012 e 2014, nos montante aproximados de 310 e 192 milhares de euros, e a subavaliação dos capitais próprios imputável ao exercício de 2013 no montante de 143 milhares, resultam essencialmente do efeito líquido de entradas e saídas de meios financeiros das contas bancárias que não tiveram expressão contabilística, motivo pelo qual foi considerado pela Auditoria que deveriam diminuir os capitais próprios quando as saídas são superiores às entradas e aumentar os capitais próprios pela situação inversa».
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No que diz respeito à análise das principais componentes das demonstrações financeiras, o relatório de auditoria externa contém diversas referências que permitem concluir pela existência de várias insuficiências contabilísticas, designadamente:
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«C. Inventários
De acordo com as informações obtidas junto da Empresa responsável pela contabilidade, os saldos apresentados no final dos exercícios de 2005 a 2010 tiveram como suporte informações obtidas junto do Sr. C... (gerente em funções durante este período) as quais não foram suportadas documentalmente.»
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«D. Contas a receber
Clientes
Da nossa análise aos procedimentos adotados, concluímos que estes não foram suficientes para garantir a conformidade dos registos contabilísticos e consequentemente da informação financeira divulgada. Apesar da existência de procedimentos extra contabilísticos que garantem a eficácia do controlo sobre as contas a receber, durante o período de análise, verificámos que a informação existente na contabilidade é insuficiente, não garantindo, portanto, a razoabilidade dos saldos. Importa salientar, a este respeito, que a A... subcontrata os serviços de contabilidade a uma entidade externa, tendo sido verificadas deficiências significativas na interação com a gestão, especialmente durante o período em apreciação até 2011.
Nos registos contabilísticos, desde o ano de 2005 até ao final do exercício de 2008, os movimentos de faturação e recebimento não foram registados na conta corrente de clientes, procedimento que foi alterado no ano de 2009, passando a conta corrente a registar os movimentos de faturação e alguns movimentos de recebimento, ainda que de forma insuficiente até meados do ano de 2014.
Da nossa análise aos movimentos que estão na origem dos saldos contabilísticos divulgados verificámos o seguinte:
i) Nos anos de 2005 e 2006 a rubrica de clientes não apresenta qualquer saldo ou movimento;
ii) O saldo de clientes no final de 2007 resulta de um movimento contabilístico de transferência (datado de 31.12.2007) da rubrica de bancos por 980.324 euros, não tendo sido identificado suporte documental ou outra justificação;
iii) A rubrica de clientes não apresenta qualquer movimento contabilístico durante o exercício de 2008, transitando para 2009 o saldo registado no final do exercício de 2007;
iv) Durante o exercício de 2009 foram registados movimentos de faturação e recebimento com o mesmo valor, exceto no que respeita à emissão de um recibo por 16.342,06 euros.
v) Já no exercício de 2010, apenas foram registados movimentos de faturação na conta corrente de clientes, não tendo sido registado qualquer movimento de recebimento, motivo pelo qual esta rubrica registou um aumento significativo neste exercício.
vi) Durante o exercício de 2011 foram registados na conta corrente de clientes movimentos de faturação, tendo esta rubrica sido diminuída por um movimento contabilístico de 2.505.025,20 euros por contrapartida da rubrica de depósitos à ordem sem que para o efeito exista suporte documental ou justificação;
vii) No exercício de 2012 foram registados a débito na conta corrente de clientes movimentos de faturação, destacando-se (atendendo ao montante) um movimento a crédito de 700 mil euros por contrapartida de depósitos à ordem, o qual não apresenta qualquer suporte documental ou justificação;
viii) Durante o exercício de 2013 foram registados diversos movimentos de faturação e recebimento, destacando-se (atendendo ao montante) um movimento a crédito de 386.811,53 euros por contrapartida de depósitos à ordem sem que para tal exista suporte documental ou justificação;
ix) No exercício de 2014 foram registados na conta corrente de clientes diversos movimentos de faturação e recebimento, não tendo sido identificados movimentos atípicos.
E. Meios financeiros líquidos
De acordo com a informação obtida junto do responsável pela contabilidade, durante o período em apreciação não foram elaboradas reconciliações bancárias, ao que acresce o facto de os movimentos contabilísticos nas rubricas de depósitos à ordem resultarem, por vezes, de informações obtidas verbalmente junto do Sr. C... (gestor em funções até ao ano de 2011) nomeadamente sobre o pagamento a fornecedores e recebimento de clientes. Este procedimento esteve na origem de registos contabilísticos que agregam diversos movimentos financeiros, situação que inviabiliza a sua correspondência com os movimentos financeiros e, consequentemente, a elaboração de reconciliações bancárias; Ainda de acordo com as informações obtidas junto dos serviços de contabilidade, não existiam procedimentos de conferência do caixa, podendo a movimentação contabilística resultar do desconhecimento sobre a forma de pagamento ou recebimento das faturas entregues na contabilidade ou, em outras situações, da transferência de diferenças não justificadas apuradas em determinado momento em outras rubricas. De acordo com as informações obtidas junto da Empresa, os saldos efetivos de caixa no final de cada período são residuais, motivo pelo qual os ajustamentos de Auditoria reduziram a zero os saldos de caixa divulgados nas demonstrações financeiras»;
«G. Passivo não corrente
Fornecedores
Da nossa análise aos procedimentos adotados pela Empresa responsável pela contabilidade, concluímos que estes não foram suficientes para garantir a conformidade dos registos contabilísticos e consequentemente da informação financeira divulgada. Apesar da existência de procedimentos extra contabilísticos que garantem a eficácia do controlo interno sobre contas a pagar, verificámos que a informação existente na contabilidade era insuficiente especialmente no que respeita ao registo de movimentos financeiros, não garantindo esta a razoabilidade dos saldos. De acordo com as informações obtidas junto do responsável pela contabilidade, especialmente durante o período de exercício de funções do Sr. C..., a informação obtida não era suficiente para refletir nas contas correntes todos os movimentos com fornecedores, ao que acresce o facto de não existirem procedimentos de conferência, nomeadamente o confronto com os saldos existentes no sistema de controlo de gestão.
Não obstante a inexistência de procedimentos de conferência suportados documentalmente, de acordo com as informações obtidas junto do responsável pela contabilidade, no final de cada exercício o Sr. C... indicava verbalmente à contabilidade quais os saldos a pagar a fornecedores, motivando a regularização de diversos saldos, principalmente por contrapartida das rubricas de meios financeiros líquidos.
Ainda de acordo com as informações obtidas, no final do exercício de 2010 foi facultado à contabilidade um número significativo de documentos para lançar, não tendo existido a possibilidade de conferir os saldos de fornecedores com o Sr. C..., motivo pelo qual não foram refletidos pagamentos que deveriam diminuir o saldo da conta corrente. Por este motivo o exercício de 2010 encerrou com um saldo de cerca de 1.004 milhares de euros.
Estado e outros entes públicos
Conforme referido anteriormente neste relatório, verificámos que a informação existente na contabilidade era insuficiente especialmente no que respeita ao registo de movimentos financeiros, não garantindo, portanto, a razoabilidade dos saldos. Por este motivo os registos contabilísticos indicavam saldos a pagar ao Estado e à Segurança Social que de acordo com os elementos e informações obtidos não se encontravam em dívida.
(...)
Outras contas a pagar
Conforme referido anteriormente neste relatório, verificámos que a informação existente na contabilidade era insuficiente especialmente no que respeita ao registo de movimentos financeiros, não garantindo, portanto, a razoabilidade dos saldos. Por este motivo, os registos contabilísticos indicavam saldos a pagar ao pessoal que de acordo com os elementos e informações obtidos não se encontravam em dívida»
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A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Conforme, com acerto, define a Requerida, “A questão essencial a decidir consiste em saber se a regularização dos saldos de Depósitos a Prazo e Caixa por contrapartida da redução do capital próprio da sociedade pode ser atribuída à realização de despesas não documentadas e como tais sujeitas a tributação autónoma, nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC”.
Com efeito, conforme consta do RIT e da matéria de facto provada, a AT verificou que no exercício de 2014 da Requerente «a conta SNC 11 - Caixa é reforçada com um débito de € 3.664.109,64 por contrapartida da conta SNC 13 – Depósitos bancários a prazo tendo por base unicamente um documento elaborado internamente no 1006002 (anexo IV), sem qualquer documento externo de suporte. Verifica-se ainda que a conta SNC 56 - Resultados transitados é debitada por contrapartida da conta SNC 11 - Caixa no valor de € 3.584.283,36, tendo por base unicamente um documento elaborado internamente no 1006004 (anexo V)».
Tendo por base a referida constatação, bem como a de que não houve lugar a distribuição de dividendos, concluiu a AT que «o reconhecimento contabilístico supra indicado consubstancia uma saída de meios monetários (€ 3.584.283,36) da sociedade por contrapartida da redução do seu capital», sendo «manifestamente impossível aferir a identidade concreta do(s) verdadeiro(s) destinatário(s) dos meios monetários» e que «considerando que o referido reconhecimento contabilístico não foi registado em qualquer conta de sócios/accionistas (nem existe qualquer Ata da sociedade nesse sentido), à AT encontra-se vedado o recurso à presunção a que alude o artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, pelo que não resta outra solução juridicamente legal e sustentável que não seja a tributação de despesas (saída de meios monetários da sociedade) não documentadas, pelo recurso ao disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC – tributações autónomas – taxa de 50% ao [abrigo do] artigo do nº 1 do artigo 88° CIRC, redacção dada pelo Decreto–Lei nº 159/2009 de 13 de julho, com a devida redução em 30% para a Região Autónoma dos Açores de acordo com o D.L.R. 2/99/A, de 20 de Janeiro».
A Requerente insurge-se, para além do mais, contra a liquidação operada, sustentando, para além do mais, que “se verifica (...) erro de direito na aplicação conjugada dos artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 88.º, n.º 1 do CIRC por a AT não ter feito prova do preenchimento da fattispecies tributária, i. e., a existência de despesas não documentadas” (artigo 148.º do Requerimento Inicial), e que “o ato de liquidação adicional de IRC ora impugnado é ilegal por não estarem reunidos os pressupostos de aplicação do artigo 88.º, n.º 1 do CIRC, no segmento em que o mesmo prevê a tributação autónoma de despesas não documentadas à taxa de 50%.” (artigo 173.º do Requerimento inicial).
Salienta a Requerente que “caberia à AT provar a efetiva saída de meios monetários em que pretende fazer assentar a tributação autónoma a título de despesas não documentadas” e que “a AT não fez prova da existência de despesas não documentadas que lhe permitam aplicar a norma de incidência constante do artigo 88.º, n.º 1 do CIRC” (cfr. art.º 175.º do Requerimento inicial).
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O artigo 88.º/1 do CIRC, na redacção aplicável, dispunha que:
“As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo
23.º- A”.
A primeira questão que se coloca relativamente à aplicação do normativo em causa é a da verificação, ou não da ocorrência de despesas não documentadas.
No caso, julga-se que tal demonstração ocorre, sendo, de resto, tal facto confessado pela própria Requerente, que reconhece expressamente terem “sido identificadas «situações de entradas e saídas de meios financeiros das contas bancárias que não tiveram expressão contabilística»” (artigo 38.º do Requerimento inicial), a existência de “movimentos bancários não justificados” (artigo 53.º do Requerimento inicial), bem como a existência “de diferenças acumuladas do caixa” (artigo 163.º do Requerimento inicial).
De resto, a própria sugestão da Requerente, segundo a qual “a AT deverá proceder à determinação da matéria coletável através de métodos indiretos” (artigo 172.º do Requerimento inicial), acaba por incorporar uma confissão de que, de facto, ocorreram despesas não documentadas, e que, por isso, não são passíveis de ser apuradas por métodos directos.
Deste modo, e face ao exposto, não se tem dúvidas que a contabilidade da Requerente, não obstante a sua incorrecção e falta de fidedignidade, evidencia, com consistência suficiente a ocorrência de despesas não documentadas.
Não obstante, enquanto tributação em sede de IRC, a aplicação da tributação autónoma em questão está sujeita às normas próprias daquele tributo, que não sejam incompatíveis com a sua natureza, designadamente e no que ao caso importa, no que diz respeito às regras relativas à especialização dos exercícios e periodização do lucro tributável, conforme decorre, para além do mais, dos artigos 8.º e 18.º do CIRC, com as necessárias adaptações, derivadas da circunstância de a tributação autónoma em questão, conforme jurisprudência reiterada quer do Supremo Tribunal Administrativo, quer do Tribunal Constitucional, se estar perante um tipo de tributação que tem subjacente um facto tributário instantâneo e de natureza financeira.
Deste modo, para que uma concreta tributação autónoma do género daquela que ora nos ocupa seja legalmente aplicável, para além da demonstração – feita, no caso, como se viu – da ocorrência de despesas não documentadas, e da respectiva quantificação, torna-se necessário demonstrar que as mesmas ocorreram no exercício a que se reporta a correspondente liquidação, ou seja, e no caso, no exercício de 2014.
Neste sentido, entendeu-se já no acórdão arbitral proferido no processo 287/2017T[2] que “só as despesas efectuadas n[um] período de tributação podem ser tributadas com referência a esse exercício.”.
Assim, e em suma, a legal aplicação do artigo 88.º/1 do CIRC pressupõe a demonstração de:
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ocorrência de despesas não documentadas;
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num determinado exercício; e
-
num determinado montante.
No que diz respeito à ocorrência de despesas não documentadas, como se viu já, verifica-se que a AT reuniu indícios consistentes da respectiva ocorrência, indícios esses corroborados, conforme também se viu, pela própria confissão da Requerida.
Não obstante, tal confissão, de que de facto ocorreram despesas indocumentadas, está restringida, no que ao exercício de 2014 diz respeito, ao montante de €192.041,00 (cfr. artigos 38.º 53.º e 68.º do Requerimento inicial).
Relativamente às restantes despesas, alega a Requerente que as mesas ocorreram em exercícios anteriores, sendo que, face aos factos apurados não é possível a este Tribunal concluir que assim não seja.
Ora, como a Requerente salienta, nos termos do artigo 74.º da LGT “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
No caso, pretendendo a AT aplicar a tributação invocando o disposto no artigo 88.º/1 do CIRC, é àquela Autoridade que assiste o ónus de demonstrar os respectivos factos constitutivos incluindo, no que para o caso interessa, a ocorrência de despesas indocumentadas no exercício de 2014, e o respectivo montante.
A este propósito, cumpre notar que os movimentos contabilísticos onde a AT assentou a sua actuação, e que se revelam não estar devidamente sustentados em documentação de suporte, não incorporam em si qualquer registo de uma despesa (ou despesas), ou seja, a transferência de disponibilidades patrimoniais da Requerente para terceiros, pelo que não se está perante um caso em que há um registo contabilístico directo de uma despesa indocumentada, mas perante registos que não têm suporte material e documental e que, por isso, indiciam a ocorrência prévia de despesas indocumentadas e não contabilizadas.
Não obstante, não é possível, julga-se, extrair de tais movimentos contabilísticos o momento em que as despesas indiciadas ocorreram, sendo que, à parte o valor referido (€192.041,00) confessado pela Requerente como tendo ocorrido no exercício de 2014, e à míngua destes elementos, não é possível concluir, para lá de qualquer dúvida razoável, que, naquele exercício, hajam ocorrido outras despesas correspondentes ao restante valor dos movimentos registados pela Requerente, e assinalados pela AT.
Deste modo, e face às regras do ónus da prova, bem como ao disposto no artigo 100.º/1 do CPPT, haverá que concluir pela verificação do arguido erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, na parte em que foi liquidada tributação autónoma relativa a despesas não documentadas sobre o valor em excesso de €192.041,00, com a consequente anulação parcial das liquidações de imposto e juros compensatórios sub iudice.
É certo que se poderá questionar, face à natureza própria da tributação em questão, e concretamente da função dissuasora/sancionadora de comportamentos (realização de despesas não documentadas) que lhe está subjacente, se não pode tal função acabar em parte comprometida em casos, como o presente, em que ocorrem regularizações contabilísticas de despesas financeiramente incorridas em exercícios anteriores, não sendo tais regularizações consideradas elas mesmas como despesas não documentadas.
Estará aí em causa, a aplicação – ou melhor, a forma de aplicação – das supra-referidas regras relativas à especialização dos exercícios e periodização do lucro tributável às tributações autónomas que, tendo em conta a natureza jurídica que lhes tem sido reconhecida, enquanto facto tributário instantâneo e financeiro, implica que, em contra-ciclo com o que ocorre com o regime-regra do IRC stricto sensu, se atribua relevância ao movimento financeiro, e não à respectiva imputação económica.
Não obstante, e tendo em conta regime legal positivado da tributação autónoma sub iudice, julga-se que está para lá dos limites da intervenção do intérprete e aplicador da Lei (que está obrigado a fixar temporalmente a despesa num exercício concreto) alargar o âmbito de sujeição àquela aos movimentos contabilísticos regularização de despesas indocumentadas financeiramente incorridas em exercícios anteriores, carecendo, tal alargamento, necessariamente e face ao princípio da legalidade tributária, de intervenção legislativa.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
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Anular parcialmente a liquidação n.º 2017..., de 24-07-2017, na parte em que sujeitou a tributação autónoma o valor em excesso de €192.041,00, e proporcionalmente, a respectiva liquidação de juros compensatórios;
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Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando o montante de € 983,70 a cargo da Requerente, e de € 17.376,30, a cargo da Requerida.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 1.356.646,25, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 18.360,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de Agosto de 2018
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Gustavo Lopes Courinha)
O Árbitro Vogal
(Elísio Brandão)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.