Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 539/2017-T
Data da decisão: 2018-09-11  IRS  
Valor do pedido: € 1.617.534,82
Tema: IRS – Retenção na Fonte – Responsabilidade solidária.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), João Taborda Gama e Américo Brás Carlos, árbitros vogais, que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam:  

 

  1. Relatório

1. A..., Lda., sujeito passivo com o NIF..., com sede na Rua ..., lote n.º ...,  ...,  ..., ...-...  ... (doravante, a “Requerente”), vem nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado “RJAT”), e dos artigos 96.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral contra a liquidação adicional de IRS retenções na fonte n.º 2017..., referente ao exercício de 2012, no montante total de €1.617.534,82.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 11-01-2018.

2.1. Em 18-12-2018, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.

2.2. Em conformidade com o preceituado artigo 11.º, n.º 7, do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 11-01-2018.

2.3. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo. 

 

3.A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

3.1. A atividade que exerce habitualmente está relacionada com a construção civil, executando serviços de montagem e soldadura de tubagens em estruturas e edifícios de grande dimensão (a título de exemplo, plataformas petrolíferas e nucleares, refinarias ou petroquímicas).

3.2. A referida atividade é exercida, quase exclusivamente, fora de Portugal, sendo responsável pelo fornecimento da mão-de-obra necessária à execução dos trabalhos que lhe são adjudicados, não lhe incumbindo o fornecimento de bens ou equipamentos.

3.3. No ano de 2012, participou em diversos projetos na Bélgica, Holanda e Alemanha, sendo que a quase totalidade dos serviços por si prestados e faturados nesse ano foram executados no âmbito do projeto “...”, na Holanda.

3.4. De um volume total de faturação de €11.693.328,19, no ano de 2012, €9.278.621,44 referem-se ao projeto desenvolvido na Holanda, distribuído por 5 clientes distintos, sediados nesse país, a saber: B...; C...; D...; E...; F... .

3.5. O restante volume de faturação respeitou a outros projetos e clientes, sediados na Holanda (cerca de 4,8%), na Bélgica (cerca de 15,82%) e na Alemanha (cerca de 0,03%).

3.6. Em virtude da necessidade de deslocação dos seus trabalhadores para esses países, a Requerente procedeu ao pagamento de ajudas de custo, para ressarcimento das despesas incorridas por esses trabalhadores com alojamento e refeições.

3.7. Antes da realização de cada trabalho comunica a cada um dos trabalhadores deslocados que lhes será pago um valor mensal fixo, correspondente ao vencimento auferido e um valor a título de ajuda de custo em virtude do deslocamento temporário.

3.8. Relativamente às remunerações auferidas pelos trabalhadores deslocados no ano de 2012, pagou, na Holanda, o montante de €78.091,47, a título de imposto, tendo ainda, em 2014, pago um montante adicional de imposto de €215.000,00, por referência a 2012, na sequência de uma ação de inspeção ocorrida naquele país.

3.9. Em Portugal, relativamente ao exercício de 2012, os Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) da Direção de Finanças de ... levaram a cabo uma ação inspetiva de âmbito geral em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016..., com início em 14-11-2016 e conclusão em 11-04-2017.

3.10. Não é admissível ser liquidado IRS a uma entidade que não é sujeito passivo de imposto sob pena de total violação das normas constitucionais relativas à tributação do rendimento e do sistema jurídico criado em torno das mesmas.

3.11.  O responsável solidário (ou subsidiário) pela dívida do imposto é diferente do sujeito passivo do imposto a quem deve ser liquidado o imposto não retido.

3.12. Não pode ser considerada sujeito passivo do imposto alegadamente devido visto que este recaiu sobre quantias pagas aos trabalhadores deslocados no estrangeiro, ao seu serviço a fim de compensar despesas com alimentação e alojamento.

3.13. A Requerida desvalorizou a existência de dois tipos de responsabilidade tributária solidária, uma originária e outra que poderá qualificar-se como não originária tal como estabelecido no artigo 22.º, n.º 2 da LGT, pelo que, ao contrário do que sucede com a responsabilidade que se encontra plasmada no artigo 21.º da mesma LGT, os pressupostos em que assenta o facto tributário que dá origem à liquidação do imposto não se verificam quanto ao responsável solidário, pois este não é o sujeito passivo originário, é um terceiro para este efeito, sendo esta a situação dos autos.

3.14. A liquidação de “Retenções na Fonte”, pela Requerida, trata-se de um efetivo ato de liquidação de IRS, que corresponde a imposto que é devido unicamente pelos titulares dos respetivos rendimentos, isto é, pelos trabalhadores da Requerente que auferiram ajudas de custo e que aquela considera serem remuneração.

3.15. Assim, só após ser apurado, na esfera dos trabalhadores, o imposto efetivamente devido, sendo deduzidas eventuais importâncias pagas (ou acrescidas, no caso de não terem sido realizadas) a título de retenção na fonte, e ocorrendo o seu não pagamento, poderia a Requerente ser eventualmente chamada, enquanto responsável solidária, para este efeito.

3.16. Mas seria sempre, como se constatou, uma responsabilidade (solidária) pelo pagamento da dívida, nunca uma responsabilidade (originária) pelo imposto.

3.18. A liquidação do imposto diretamente à Requerente também é suscetível de violar o princípio da igualdade, capacidade contributiva e da proporcionalidade, na medida em que a emissão deste ato de liquidação, em nome da Requerente, obrigará ao pagamento do imposto e ou a garantir a dívida, em sede de processo de execução fiscal, o que desvirtua a essência destes dois princípios e cujo rendimento não foi auferido por si.

3.19. No caso de o ato de liquidação em causa se manter na ordem jurídica-tributária, não poderá deixar de ser tido em consideração, para efeitos de eventual emissão do ato de liquidação de 2012, os montantes dos impostos pagos no estrangeiro, tal como se encontra previsto no atual artigo 91º do CIRC.

 

4. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando em síntese, o seguinte:

4.1. O presente tribunal arbitral é incompetente para a apreciação do pedido formulado pela Requerente consubstanciado na consideração, numa futura liquidação, dos eventuais impostos pagos no estrangeiro para efeitos da dedução à coleta nos termos do artigo 91.º do CIRC, traduzindo-se tal exceção dilatória – incompetência do tribunal – na absolvição da instância.

4.2. O meio idóneo para obter o reconhecimento de um direito daquela natureza é a ação para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária plasmada no artigo 145.º do CPPT.

4.3. Da análise dos valores declarados pela Requerente, os SIT constataram que a rubrica de gastos com o pessoal representava 70,84% dos serviços prestados e que 66,66% do total desses gastos correspondem a ajudas de custo, sendo que a componente remuneração se traduz em 20,87%.

4.4. As rubricas com maior peso na determinação do resultado líquido da A... são os serviços prestados e os gastos com o pessoal, dos quais assume maior relevo os gastos com ajudas de custo, consideradas pelo sujeito passivo não tributadas em sede de IRS.

4.5. Da análise aos elementos de contabilidade e respetivos documentos de suporte verificou-se que a A... suportou despesas com refeições na Antuérpia de montante significativo, pelo que, a ajuda de custo abonada para os trabalhadores deslocados nessa localidade não pode ser considerada na sua totalidade fora do âmbito de incidência do IRS.

4.6. Além disso, os contratos facultados pela A..., de suporte aos serviços prestados no projeto ..., constatou-se que quer o alojamento quer a alimentação dos trabalhadores envolvidos nesse projeto é por conta ou do dono de obra – G... ou do cliente da A..., pelo que as importâncias pagas ou colocadas à disposição dos mesmos não têm um caracter compensatório, mas sim remuneratório sujeitos a tributação em sede de IRS e que a G... não foi reembolsada por esses encargos.

4.7. Os limites das ajudas de custo para os funcionários públicos encontram-se fixados na portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro, alterada pelo decreto-lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, e o limite diário mais elevado das ajudas de custo totaliza €119,13.

4.8. O decreto-lei n.º 106/98, de 24 de abril, estabelece as normas relativas ao abono de ajudas de custo e de transporte pelas deslocações em serviço público, sendo que, o abono de ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro e no estrangeiro é regulado por diploma próprio, conforme disposto no artigo 15.º do referido diploma legal.

4.9. Os critérios para atribuição de ajudas de custo por deslocação em serviço ao estrangeiro encontram-se regulamentados no decreto-lei n.º 192/95, de 28 de julho, alterado pelo decreto-lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro.

4.10. De acordo com o n.º 5 do artigo 2.º do decreto-lei n.º 192/95, de 28 de julho, alterado pelo decreto-lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, caso a deslocação inclua o fornecimento de uma refeição a ajuda de custo é deduzida de 30% percentuais, pelo que, a ajuda de custo abonada para os trabalhadores deslocados para a Antuérpia não pode ser considerada na sua totalidade fora do âmbito de incidência do IRS. Por outro lado, no caso das ajudas de custo suportadas no caso trabalhadores deslocados na Holanda a parcela da ajuda de custo não sujeita a IRS é nula.

4.11 De acordo com a LGT a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte, sendo a mesma efetivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido.

4.12. Quando o contribuinte é substituído por outra entidade que fica obrigada, em seu lugar, às obrigações relativas ao imposto que sobre si inicialmente recaíam, fica ela como único obrigado pelo pagamento dessa prestação e tem o nome de substituto.

4.13. O artigo 103.º, n.º 4 do Código do IRS introduzido no ordenamento jurídico português pela Lei do Orçamento do Estado de 2007 estabelece que tratando-se de rendimentos de IRS sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados, nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, deve ser o substituto a assumir a responsabilidade solidária pelo imposto não retido. 

4.14. A causa das "Ajudas de Custo" "está na indemnização da adiantada cobertura das despesas efectuadas pelo trabalhador, por causa relacionada com o seu serviço”.

4.15. Quando essas ajudas de custo são contratualmente estipuladas de montante bastante elevado, com carácter regular e periódico excedendo em muito a própria remuneração declarada, configuram uma verdadeira remuneração acessória, sujeita, por isso, a tributação em sede de IRS categoria A.

4.16. O artigo 103.º, n.º 4 do Código do IRS terá aplicação nas situações em que os pagamentos efetuados ao sujeito passivo não são contabilizados como rendimento (como é o caso do salário mensal), nem comunicados como tal a esse mesmo sujeito passivo e, por esse facto, não se procedeu à retenção na fonte por conta do imposto devido a final, o que não passou despercebido ao legislador fiscal atentos os princípios da igualdade e da capacidade tributária.

4.17. No caso em apreço, apurou-se uma clara supressão dos montantes a pagar por parte da Requerente, obtendo, com essa estratégia, uma vantagem fiscal, aliás, muito bem quantificada no Relatório de Inspeção Tributária. 

4.18. Quanto à alegação da requerente de que tais despesas consubstanciam, ao invés, despesas relacionadas com a atividade de representação comercial da ora Requerente, desenvolvidas pelo responsável comercial da empresa nesse país, diga-se, desde já, que o doc. 2 ora junto pela requerente não constava nos elementos de contabilidade, à data da realização da ação de inspeção, e que as faturas em causa encontravam-se registadas na conta “#62515 – Deslocações e estadas”, e também não foram tributadas autonomamente como despesas de representação.

 4.19. Não se afigura que a capacidade contributiva, a igualdade, a proporcionalidade, e a coerência do sistema fiscal sejam sacrificadas no altar do regime de responsabilidade solidária do pagamento do imposto nas situações previstas no n.º 4 do artigo 103.º do CIRS, ou seja, perante “rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respectivos beneficiários.”

4.20. O aresto proferido pelo TC (publicado no Diário da República n.º 108/2016, Série II de 2016-06-06, páginas 17842 – 17847) pronunciou-se no sentido de não procedência das invocadas inconstitucionalidades, proferindo a decisão de não julgar inconstitucional a norma do nº4 do artigo 103º do IRS, que dispõe que «tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido».

 

Por despacho, de 15 de março de 2018, por não haver razões que o justificassem, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º e, para efeitos da realização da audiência de julgamento foi designado o dia 19 de abril de 2018 pelas 14 horas.

Realizada a audiência, foram ouvidas as testemunhas indicadas pelas partes, tendo o tribunal notificado a Requerente para juntar aos autos, no prazo de 10 dias, o relatório inspetivo relativo ao exercício de 2013 e a Requerida para, no mesmo prazo, juntar aos autos informação prestada pelo dono da obra às autoridades fiscais holandesas.

As Partes ficaram igualmente notificadas para, no prazo de 15 dias, apresentarem alegações sucessivas.

Notificada a Requerente da junção aos autos dos documentos apresentados pela Requerida (declaração das autoridades fiscais holandesas relativamente ao que lhes foi confirmado pelo dono da obra G...) veio a Requerente sustentar a inidoneidade dos mesmos para fazerem a prova pretendida pela Requerida, pedindo o seu desentranhamento.

Nesta sequência, veio a Requerida propor-se a fazer prova da genuinidade do referido documento através do depoimento prestado pelas funcionárias que estiveram envolvidas no procedimento de troca de informações e no qual foi proferida a referida declaração.

Por despacho de 29 de julho foram deferidos os pedidos de junção aos autos dos documentos apresentados pela Requerida relegando-se a valoração dos mesmos para momento oportuno da sentença arbitral.        

Por despacho de 3 de julho foi emitido despacho de prorrogação do prazo da arbitragem por dois meses tendo-se fixado como data limite o dia 11 de setembro de 2018.

As partes apresentaram alegações.

 

  1. Saneamento

 

5.1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

5.2. A Requerida veio, na resposta, suscitar a exceção de incompetência do Tribunal, porquanto no “art. 210º do p.p.a. pede a requerente, subsidiariamente, que: “ não poderá deixar de ser tido em consideração, para efeitos da eventual emissão do ato de liquidação de 2012, os montantes de imposto pagos no estrangeiro, tal como se encontra previsto no actual artigo 91.º do CIRC:”

Alega a Requerida que a Requerente “ao formular tal pedido pretende a requerente que o Tribunal Arbitral condene a AT a reformular uma liquidação, praticando uma nova liquidação e determinando um outro “quantum” do imposto a pagar, de acordo com um determinado entendimento que pretende venha a ser acolhido pelo Tribunal”, o que configuraria um pedido de reconhecimento de um direito.

Segundo a Requerida, “(…) ainda que tal pretensão pudesse eventualmente decorrer de uma hipotética execução de julgados que viesse a ser efectuada em caso de a decisão arbitral proferida ser de procedência do presente p.p.a., a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.”

Em exercício do contraditório veio a Requerente opor-se à procedência da exceção invocada.

 Esclarece a Requerente que o que invoca a este propósito é que o ato de liquidação em crise, por refletir o imposto pago sobre os serviços prestados na Holanda, no âmbito do “...”, a manter-se, configuraria uma situação de duplicação de coleta, pedindo igualmente a anulação da liquidação com base neste outro fundamento.

  Não estamos, por conseguinte, perante um pedido de condenação da Requerida a praticar nova liquidação nem tão pouco de reconhecimento de direitos, uma vez que a Requerente pede ao tribunal que anule o ato de liquidação impugnado com fundamento em duplicação de coleta.

Acresce que aquele pedido da Requerente é subsidiário, para o caso de se manter o ato tributário e é inequívoco que o pedido principal é “Termos em que deverá ser declarada a ilegalidade do ato de liquidação de IR referente ao ano de 2012, no montante de €1.617.534, 82, com a sua consequente anulação, nos termos e com os fundamentos acima expostos….”.

O Tribunal é, assim, competente e encontra-se regularmente constituído.

5.3.O processo não enferma de nulidades.

5.4. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

  1. Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

6. Factos provados

 

6.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. A Requerente foi constituída em 21 de novembro de 2002, sob a forma de sociedade por quotas, tendo, em 27 de setembro de 2013 sido transformada em Sociedade Anónima.
  2. Em 01 de janeiro de 2013 iniciou a atividade de “instalação de canalizações”, a que corresponde o CAE 043221.
  3. A Requerente exerce quase exclusivamente a sua atividade fora de Portugal e é responsável pelo fornecimento da mão de obra necessária à execução dos trabalhos que lhe são adjudicados.
  4. No ano de 2012 participou em diversos projetos na Bélgica, Holanda e Alemanha, sendo que a quase totalidade dos serviços por si prestados e faturados nesse ano foram executados no âmbito do projeto “...” sediado em ..., na Holanda.   
  5. Em virtude da deslocação dos trabalhadores para fora do território nacional para execução das obras a Requerente procedeu, nesse ano de 2012, ao pagamento de ajudas de custo.
  6. A coberto da OI n.º OI 2016..., emitida pelo Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., foi alvo de um procedimento de inspeção externa relativamente ao exercício de 2012.
  7. Da análise efetuada pelos SIT aos elementos contabilísticos e respetivos documentos de suporte nomeadamente as faturas emitidas pela A... no ano de 2012, verificou-se que a totalidade dos serviços prestados, nesse ano, foram faturados a sujeitos passivos residentes na Holanda, Bélgica e residualmente na Alemanha, tendo sido, igualmente, todos realizados fora do território nacional.
  8. De salientar que 79,35%, dos serviços foram prestados no âmbito do projeto ... em ..., na Holanda, conforme se resume no quadro seguinte:

  1. Além das faturas emitidas constam também da contabilidade recibos de ajudas de custo pagas ou colocadas à disposição dos trabalhadores da A... pela deslocação dos mesmos para a maioria das localidades acima mencionadas, sendo que 84,80% do total das ajudas de custo respeitam à deslocação dos trabalhadores para ... ou seja dos trabalhadores afetos ao projeto ..., conforme resumo no quadro seguinte.

 

  1. Foram, pois, analisados os elementos contabilísticos da Requerente, evidenciados no balancete analítico antes de apuramento de Resultados, e espelhado no mapa de demonstração de resultados da declaração anual de informação contabilística e fiscal, que se reproduz no quadro seguinte:

  1. Com efeito, da análise dos valores declarados, os SIT verificaram que a rubrica de gastos com o pessoal representa 70,84% dos serviços prestados declarados pela Requerente, e 66,66% do total dos gastos com o pessoal são respeitantes a ajudas de custo, enquanto, que o vencimento base representa apenas 20,87%, conforme se evidencia no quadro seguinte:

  • Verificou-se, portanto, que as rubricas com maior peso na determinação dos resultados líquidos da A... são os serviços prestados e os gastos com o pessoal, dos quais assume maior relevo os gastos com ajudas de custo, consideradas pelo sujeito passivo não tributadas em sede de IRS.
  • Diante dos elementos acima identificados, procederam os SIT ao seguinte enquadramento conforme se transcreve do RIT a fls. 13 do PA:

«III.1 CORREÇÕES EM SEDE DE RETENÇÕES NA FONTE DE IRS

Conforme referido anteriormente a A... pagou valores elevados de ajudas de custo alegadamente para compensar os trabalhados dos encargos com alojamento e refeições no estrangeiro verificando-se uma grande desproporcionalidade relativamente aos montantes pagos a título de vencimento.

Ora, os gastos com ajudas de custo foram considerados pelo sujeito passivo como rendimentos não tributados, no entanto e conforme será exposto nos pontos seguintes conclui-se que parte dessas ajudas de custo não reúne as condições necessárias de não sujeição a imposto sobre o rendimento, nomeadamente as respeitantes aos trabalhadores que prestaram serviços no projeto ... em ... e os deslocados na ... .

III.1.1 ENQUADRAMENTO FISCAL DA AJUDAS DE CUSTO NO ESTRANGEIRO

De acordo com o artigo 2º do Código do IRS, em vigor à data dos factos 1. Consideram-se rendimentos de trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes de:

  1. Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado; (…)

2. As remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações … prémios … e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou

variáveis, de natureza contratual ou não.

           3.Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: (…)

d) As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício.

A circular 12, de 29/04/1991, emitida pela Direção de Serviços do IRS, determina que no caso das ajudas de custo abonadas por entidades não públicas aos seus trabalhadores, considera-se que excedem os limites legais as ajudas de custo superiores ao limite mais elevado fixado para os funcionários públicos.

Os limites das ajudas de custo para os funcionários públicos encontram-se fixados na portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro, alterada pelo decreto-lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, e o limite diário mais elevado das ajudas de custo totaliza €119,13.

Independentemente do cumprimento do limite máximo fixado há que assegurar a natureza da ajuda de custo, que nos termos nos termos do ofício n.º..., de 30 de Agosto de 1995, da DGCI8, estabelece que:

“o abono de ajudas de custo destina-se a fazer face a despesas com alimentação e alojamento” e ainda que “se as despesas com alimentação e alojamento são pagas pela entidade patronal, ou seja, dá-se o reembolso dos montantes efetivamente despendidos, o abono simultâneo de ajudas de custo por já não ter essa natureza e não se enquadrar em nenhuma outra norma de exclusão de tributação, deverá ser tributado como rendimento da categoria A”.

Refira-se também que a jurisprudência tem acolhido o entendimento de que as ajudas de custo caracterizam-se pela sua finalidade compensatória, uma vez que, representam uma compensação ou um reembolso pelas despesas que o trabalhador é obrigado a suportar por motivo de deslocação ao serviço da entidade patronal. A natureza de ajuda de custo fica prejudicada passando a caracterizar-se como verdadeiro rendimento do trabalho dependente, na parte em que exceda os limites fixados na lei ou as despesas não sejam efetivamente realizadas pelos trabalhadores. Neste último caso o facto determinante não é o excesso de ajuda de custo mas sim a sua própria natureza de remuneração e não de compensação por despesas de alojamento e refeições que não foram efetivamente suportadas pelo trabalhador, tratando-se portanto de uma verdadeira remuneração.

O decreto-lei n.º 106/98, de 24 de abril, estabelece as normas relativas ao abono de ajudas de custo e de transporte pelas deslocações em serviço público, sendo que, abono de ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro e no estrangeiro é regulado por diploma próprio, conforme disposto no artigo 15.º do referido diploma legal.

Os critérios para atribuição de ajudas de custo por deslocação em serviço ao estrangeiro encontram-se regulamentados no decreto-lei 192/95, de 28 de julho, alterado pelo decreto-lei 137/2010, de 28 de dezembro. O artigo 2.º do referido diploma legal, determina que:

“1 - O pessoal que se desloque ao estrangeiro e no estrangeiro, por motivo de serviço público, tem direito, em alternativa e de acordo com a sua vontade, a uma das seguintes prestações:

  1. Abono da ajuda de custo diária, em todos os dias da deslocação, de acordo com a tabela em vigor;
  2. Alojamento em estabelecimento hoteleiro de três estrelas, ou equivalente, acrescido do montante correspondente a 70/prct. da ajuda de custo diária, em todos os dias da deslocação, nos termos da tabela em vigor.(…)

5 - No caso de na deslocação se incluir o fornecimento de uma ou de ambas as refeições diárias, a ajuda de custo será deduzida de 30/prct. por cada uma, não podendo a ajuda de custo a abonar ser de valor inferior a 20/prct. Do montante previsto na tabela em vigor.”

Conforme referido anteriormente a A..., pagou ou colocou à disposição dos trabalhadores  deslocados para o estrangeiro, durante o ano de 2012 ajudas de custo, no montante total de €5.521.371,00, considerando que as mesmas encontram-se fora do âmbito de incidência do IRS, uma vez que têm caracter compensatório pelas despesas com alojamento e refeições, suportadas pelos trabalhadores e não ultrapassam o limite diário legalmente aceite (€119,13)

Contudo, da análise aos elementos de contabilidade e respetivos documentos de suporte verificou-se que a A... suportou despesas com refeições na Antuérpia de montante significativo, pelo que, a ajuda de custo abonada para os trabalhadores deslocados nessa localidade não pode ser considerada na sua totalidade fora do âmbito de incidência do IRS.

Por outro lado, analisados os contratos facultados pela A..., de suporte aos serviços prestados no projecto ..., constatou-se que quer o alojamento quer a alimentação dos trabalhadores envolvidos nesse projeto é por conta ou do dono de obra –G... ou do cliente da A..., pelo que as importâncias pagas ou colocadas à disposição dos mesmos não têm um caracter compensatório mas sim remuneratório sujeitos a tributação em sede de IRS.»

Tendo, nesta conformidade, detalhado cada uma das duas situações acima descritas nos termos que seguem:

«III.1.2 ANTUERPIA

A A..., no ano de 2012, pagou ou colocou à disposição ajudas de custo aos trabalhadores deslocados na Antuérpia no total de €114.767,00 que correspondem a 1133 dias de trabalho, a uma média diários de €100,00.

Tendo considerando que essas ajudas de custo encontram-se fora do âmbito de incidência do IRS, uma vez que têm caracter compensatório pelas despesas com alojamento e refeições, suportadas pelos trabalhadores e não ultrapassam o limite diário legalmente aceite (€119,13).

Da análise aos documentos de suporte aos registos contabilísticos, verificou-se que a A..., contabilizou diversos documentos respeitantes a gastos suportados com refeições na localidade de Antuérpia.

Os referidos documentos totalizam €33.810,95, se dividirmos este valor pelo total de dias de permanência dos trabalhadores na Antuérpia obtemos um valor de gasto diário com refeições de €29,84 (€33.810,95/1133 dias), o que se afigura corresponder ao valor de uma refeição diária por trabalhador.

Junta-se no Anexo 4 – Listagem das despesas suportadas com refeições na Antuerpia;

Extratos das contas “62515 – Desalocações e Estadas * ND”, e “62525 – Transportes de pessoal * ND”;

Cópia dos documentos de suporte aos gastos com refeições na Antuérpia.

Assim se a despesa com uma refeição diária foi suportada pela A... a mesma não pode ter sido suportadas pelo trabalhador visto que uma despesa só pode ser suportada uma vez e por uma única entidade Ora, de acordo com o n.º 5 do artigo 2.º do decreto-lei 192/95, de 28 de julho, alterado pelo decreto-lei 137/2010, de 28 de dezembro, caso a deslocação incluir o fornecimento de uma refeição a ajuda de custo é deduzida de 30% percentuais.

Face ao exposto e no que respeita às ajudas de custo pagas aos trabalhadores deslocados na Antuérpia apenas poderá ser considerada fora da incidência do IRS, 70% do limite legalmente diário da ajuda de custo aceite, ou seja €83,39 (€119,13 * 70%).

III.1.3 PROJETO ...

A A..., no ano de 2012, pagou ou colocou à disposição ajudas de custo aos trabalhadores deslocados em ... no total de €4.681.145,00 que considerou fora do âmbito de incidência do IRS, uma vez que considera terem um caracter compensatório pelas despesas com alojamento e refeições, suportadas pelos trabalhadores e não ultrapassam o limite diário legalmente aceite (€119,13).

Conforme referido no ponto II.3.6, no ano de 2012, 79,35% da atividade da A... foram serviços prestados em ..., no âmbito do projeto ... e 84,80% das ajudas de custo foram pagas aos trabalhadores deslocados em ... e por conseguinte afetos ao projeto ... .

Relativamente ao projeto ..., é do conhecimento desta direção de finanças tratar-se da construção de uma central elétrica denominada ..., em ... na Holanda, no período entre 2011 e 2013, na qual esteve envolvido o consórcio H..., constituído por 3 empresas – D..., I... e J...,SA. Neste projeto o dono da obra denominado de G..., responsabilizou-se pelo alojamento e refeições dos trabalhadores das empresas do consórcio H..., bem como dos trabalhadores das empresas subcontratados pelo mesmo e que a G... não foi reembolsada por esses encargos.

K... confirmou que os serviços prestados, pela A..., em ... foram contratados pelo consórcio H..., ou por empresas subcontratadas por este para a construção da central elétrica ..., sendo que efetivamente o dono de obra providenciava o alojamento e refeições dos trabalhadores.

Foram solicitados, ao sujeito passivo, os contratos de suporte aos serviços prestados no âmbito do projeto ..., tendo o mesmo apresentado os celebrados com os clientes D..., com o NIF: .... e E... BV, com o NIF: ..., e informado que quanto aos restantes contratos não os possui uma vez que os clientes não os facultaram.

De salientar que o valor faturado para os clientes acima mencionados corresponde a 89,19%, do total da faturação respeitante ao projeto..., conforme a seguir se demonstra:

 

Da análise ao contrato celebrado com o cliente D..., verifica-se que a A... é identificada como “Contractor”, a D... como “Client”, e a G... como “Owner”, sendo que na cláusula “C-1 Rates” do contrato é referido que:

“Boarding and Lodging (including breakfast, packed lunch and dinner) is for de account of Owner, at the Facilities of “…”, including transport to and from site”

Cuja tradução não oficial é:

Embarque e Alojamento (incluindo pequeno-almoço, almoço e jantar) é por conta do Proprietário, nas Instalações de "...", incluindo o transporte de e para o estaleiro.

Assim, G... na qualidade de “Owner”, do contrato em causa, assume por sua conta as despesas com o alojamento e refeições dos trabalhadores da A..., pelo que as mesmas não podem ter sido suportadas pelo trabalhador visto que uma despesa só pode ser suportada uma vez e por uma única entidade.

Junta-se no Anexo 5 – Cópia do contrato celebrado com D...

Analisado o contrato celebrado com a E..., verifica-se que a A... é identificada como “Contractor”, a E... como “Client”, e a cláusula “C- RATES”, à semelhança do contrato com a D... menciona que:

“Client must provide lodging and transportation to and from the site”

que traduzido, não oficialmente, significa que:

O cliente deve fornecer alojamento e transporte de e para o estaleiro.

Portanto pode concluir-se que a E..., na qualidade de cliente, suporta as despesas com o alojamento e refeições com os trabalhadores da A..., não podendo as mesmas terem sido suportadas pelo trabalhador visto que uma despesa só pode ser suportada uma vez e por uma única entidade.

Junta-se no Anexo 6 – Cópia do contrato celebrado com a E...

As cláusulas dos contratos celebrados com a D... e a E... confirmam o facto que já era do conhecimento destes serviços, ou seja que as despesas com alojamento e refeições dos trabalhadores alocados ao projeto ..., não foram suportados pelos mesmos, pelo que as ajudas de custo que lhe foram pagas ou colocadas à disposição não têm um caracter compensatório mas sim remuneratório e por conseguinte encontram-se sujeitas a tributação em sede de IRS Relativamente aos restantes clientes, que contrataram os serviços da A... para o projeto ... e relativamente aos quais não foram apresentados pelo sujeito passivo os respetivos contratos, não foram portanto apresentados elementos que contrariassem os fatos conhecidos por estes serviços, bem como a informação prestada por K... na qualidade de administrador da A... de que o alojamento e as refeições são assumidas pela G... .

(…)

Face o exposto concluiu-se que a A..., no ano de 2012, pagou ou colocou à disposição rendimentos de trabalho dependente a trabalhadores deslocados na ... e em ..., sujeitos a tributação, que não contabilizou como tal, mas efetuou antes a sua caracterização como rendimentos não sujeitos a imposto, mais concretamente a título de ajudas de custo.

Esses rendimentos, sujeitos a tributação, também não foram comunicados como tal aos trabalhadores, uma vez que não foram incluídos nas declarações de rendimentos entregues pela A... aos trabalhadores, referente às importâncias devidas no ano de 2012 e respetivo imposto retido na fonte, de acordo com a alínea b) 2 do n.º 1 do Código do IRS.

As importâncias em causa também não foram incluídas na declaração Modelo 10, a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 119.º do Código do IRS, em vigor à data dos factos, e que contém os rendimentos anuais dos trabalhadores sujeitos a tributação em sede de IRS e por conseguinte também não foram comunicados como tal aos trabalhadores.

Face ao exposto conclui-se que a A..., substituto tributário no apuramento e entrega da retenção na fonte sobre os rendimentos, pagos ou colocados à disposição aos trabalhadores deslocados na ... e ... (erradamente considerados como ajudas de custo não tributadas), é responsável solidário pelo imposto não retido, nos termos do n.º 4 do artigo 103.º do Código do IRS.

III.1.5 CÁLCULO DA RETENÇÃO DE IRS EM FALTA

Tendo-se concluído que os encargos suportados pela A... como alegadas ajudas de custo, pagas ou colocadas à disposição dos trabalhadores deslocados na ... e em ..., constituem, em parte no primeiro caso e no todo no segundo, rendimentos do trabalho dependente e por conseguinte sujeitos a retenção na fonte nos termos dos artigos 98.º e 99.º do Código do IRS e no Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de janeiro3, que aprova o Regime Jurídico das Retenções na Fonte.

De acordo com os referidos normativos e diploma legal, as entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente são obrigadas a reter o imposto no momento do pagamento ou colocação à disposição, desses rendimentos, dos respectivos titulares e a proceder à respectiva entrega nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas.

Para efeitos de apuramento da retenção em falta foram solicitados e apresentados pela A... os seguintes ficheiros em excel:

  1. Lista de remunerações mensais por funcionário;
  2. Lista da situação familiar dos trabalhadores à data de 2012;
  3. Lista de ajudas de custo pagas ou colocadas à disposição mensalmente por funcionário.

Com base nos recibos de deslocação constantes nos elementos de contabilidade, foram acrescentadas à lista de ajudas de custo facultada pela A..., colunas com as localidades, o número de dias e o valor unitário da ajuda de custo, verificando-se que este varia entre os €95,00, €100,00 e €109,00.

A lista de remunerações mensais por funcionário e da situação familiar dos trabalhadores foram obtidas a partir do programa de processamentos de salários da A..., e correspondem aos valores registados na contabilidade conforme se demonstra no seguinte quadro de correspondência:

 

A diferença de €167,70 (€1.827,93 – €1.995,63) entre os valores de subsídio de alimentação sujeito, registados na contabilidade e os evidenciados na lista de remunerações, é compensada com uma diferença de igual valor entre os valores de subsídio de alimentação não tributados (€8.088,34 – €7.920,64). Da comparação entre os recibos de vencimento e a lista de remunerações verifica-se que para os trabalhadores abaixo discriminados, os valores de subsídio de alimentação constantes na lista encontravam-se totalmente excluídos de tributação, enquanto que os recibos de vencimento incluem uma componente de subsídio de alimentação tributado no montante total de €167,70, pelo que foi feita a correção na lista de remunerações para os valores dos recibos, anulando assim as diferenças entre a contabilidade e a lista de vencimentos.

 

No apuramento do IRS a reter sobre as remunerações do trabalho dependente, pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares, ter-se-á em conta a situação pessoal e familiar dos trabalhadores em 2012, de acordo com a lista facultada pela A... .

Junta-se no Anexo 8 – Lista da situação familiar dos trabalhadores

A retenção de IRS é efetuada sobre as remunerações pagas ou postas à disposição dos trabalhadores, mediante a aplicação das taxas que lhe correspondam, constantes da respetiva tabela das taxas de retenção na fonte sobre o trabalho dependente.

As tabelas de retenção na fonte são anualmente aprovadas por despacho do Ministério das Finanças e no caso concreto, aos rendimentos pagos ou colocados à disposição no mês de janeiro de 2012 foram aplicadas as tabelas do ano de 2011 e para os restantes meses as tabelas do ano de 2012.

Junta-se no Anexo 9 – Despacho n.º 2517-A/2011, de 3 de fevereiro, que aprova as tabelas para 2011, Despacho n.º 20175-A/2012, de 10 de fevereiro, que aprova as tabelas para 2012.

Na determinação das retenções na fonte de IRS em falta, relativamente aos trabalhadores com ajudas de custo por se encontrarem deslocados na ... e em ... foram seguidos os passos abaixo discriminados, que originaram a elaboração de um mapa, que se junta no Anexo 10 com o cálculo da retenção mensal em falta por trabalhador:

  1. Determinação do valor de ajudas de custo não sujeita, que no caso da Antuérpia corresponde a 70% do limite legalmente diário da ajuda de custo aceite, ou seja €83,39 (€119,13 * 70%) e no caso de ... é nula;

Note-se que existem trabalhadores que num mês estiveram deslocados em 2 localidades diferentes tendo esse fato sido considerado.

3. Apuramento do total dos rendimentos sujeitos a retenção por funcionário:

                       3.1.No apuramento do total dos rendimentos sujeitos não foram considerados os subsídios de férias e de Natal uma vez que as respetivas retenções são calculadas autonomamente, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 3.º 4 do Decreto-lei n.º 42/91, de 22 de janeiro.

   3.2.Assim, o valor inicial sujeito a retenção na fonte corresponde ao somatório dos seguintes códigos da lista de remunerações:

Ao valor inicial sujeito foram acrescentadas as ajudas de custo tributadas conforme fundamentos descritos nos pontos III.1.2 e III.1.3;

Apurado o total da remuneração mensal de cada trabalhador sujeita a IRS, e sabendo a respectiva situação familiar, foi determinada a taxa de retenção na fonte que lhe corresponder, de acordo com as tabelas de retenção, que se juntam no Anexo 9.

Relativamente ao mês de janeiro de 2012 e dado que as tabelas de retenção na fonte para 2012 só foram publicadas em 10/02/2012, manteve-se o procedimento utilizado pelo sujeito passivo de aplicar as tabelas em vigor para o ano de 2011.

Finalmente ao valor mensal sujeito apurado, para cada trabalhador, foi aplicada a taxa corresponde e determinado o valor da retenção na fonte mensal por trabalhador ao qual foi subtraído o valor da retenção na fonte já efetuada pela A... .

Junta-se no Anexo 10 – Mapa de apuramento da retenção mensal em falta por trabalhador.

Dos valores resultantes dos cálculos apresentados no mapa que se junta no Anexo 10, podemos concluir que o total mensal das retenções na fonte sobre o rendimento do trabalho dependente em falta, nos termos dos artigos 98.º e 99.º do código do IRS, é o que se sintetiza no quadro seguinte:

 

l) Notificada do Projeto de Relatório nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira, para no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição a Requerente não logrou exercer o referido direito pelo que foi elaborado o respetivo Documento de Correção.

m) A Requerente foi citada para o processo de execução fiscal n.º ...2017..., no âmbito do qual procedeu ao pagamento do montante total de €51.000,00 (doc n.º 7, junto com o Pedido Arbitral).

n) A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à penhora de créditos fiscais no montante de € 12. 708,70 (doc n.º 8 junto com o Pedido Arbitral).  

 

6.2. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

6.3. Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário [“CPPT”] e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [“CPC”], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

A prova testemunhal obtida em julgamento não se afigura relevante para apreciar a questão central colocada, que é essencialmente de Direito.

De igual modo não foram dados como provados ou não provados quaisquer factos relacionados com os pontos 203.º a 205.º do Requerimento Inicial da Requerente, bem como com os documentos juntos pela Requerida, na sequência da audiência de julgamento, por versarem matéria valorada pelo Tribunal sem relevância para a decisão da causa, no quadro legal aplicável.

 

III.2. Matéria de Direito

 

  1.  Da ilegalidade do ato de liquidação por inexistência do facto tributário

 

A questão central a decidir consiste em saber se o Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares (IRS), alegadamente indevidamente não retido, no caso dos autos, sobre os montantes pagos a título de ajudas de custo poderá ser liquidado, e o seu pagamento exigido, diretamente e em primeira instância, à própria Requerente, ao abrigo da norma prevista no artigo 103.º, n.º4, do CIRS. 

            Segundo a Requerente, em termos sintéticos, a liquidação ora contestada deveria ter sido notificada não a si (substituto), como sucedeu efetivamente, mas a cada um dos trabalhadores (substituídos), na sua qualidade de sujeito passivo do imposto e responsável originário pelo pagamento do imposto não retido. Na verdade, sendo o substituído o verdadeiro titular do rendimento sujeito a tributação, mais especificamente das verbas agora requalificadas pela Administração Tributária como rendimento do trabalho dependente, é a sua situação tributária que carece de correção, devendo a liquidação do imposto em falta ser-lhe dirigida.

             Em sentido contrário, argumenta a Requerida que segundo a norma do artigo 103.º, n.º 4, do CIRS, introduzida no ordenamento jurídico pela Lei do OE de 2007, tratando-se de rendimentos de IRS sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados, nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, deve ser o substituto a assumir a responsabilidade solidária pelo imposto não retido.

Vejamos.

 

A questão assim colocada já foi objeto de análise designadamente nas Decisões Arbitrais correspondentes aos processos n.ºs 119/2015-T e 120/2015-T, cuja jurisprudência, por com ela concordarmos, passamos a reproduzir, no caso dos autos.

          Começando pela análise dos textos legais pertinentes, nos termos da LGT podemos distinguir dois tipos de solidariedade tributária, com especificidades próprias suficientes para justificar tratamentos distintos entre ambas. Assim, e por um lado, temos a solidariedade que ocorre “quando os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa”, denominada, pelo artigo 21.º da LGT, como “solidariedade passiva”, e que se poderá designar, igualmente, como “originária”, na medida em que existe uma ligação direta dos obrigados solidários, ao facto gerador da obrigação de imposto.

            Por outro lado, deteta-se na LGT um outro tipo de solidariedade, que se poderá, à luz da sistemática desta, qualificar como “não originária”, e que se reporta à responsabilização de terceiros pela dívida tributária do sujeito passivo originário, conforme genericamente previsto no artigo 22.º, n.º 2 daquela Lei. Aqui, ao contrário da solidariedade originária a que se reporta o artigo 21.º, “os pressupostos do facto tributário” não se verificam em relação ao responsável solidário, uma vez que este não é – por definição – sujeito passivo originário.

            Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 119/2015-T, este tipo de casos – do artigo 22.º, n.º 2 da LGT – é distinto do primeiro – a que alude o artigo 21.º da mesma Lei, não restarão dúvidas, já que nesta última situação, em que “os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa”, todos os obrigados serão sujeitos passivos originários do imposto, na medida em que, justamente, os pressupostos do facto tributário se verificam em relação a todos eles, enquanto que na hipótese a que alude o artigo 22.º, n.º 2 da LGT, confessadamente, estão em causa terceiros, que não o sujeito passivo originário do imposto.

            “Ou seja: nos casos em que “os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa”, como, por exemplo, na tributação do agregado familiar em sede de IRS, teremos uma situação de solidariedade tributária originária; nos casos em que “os pressupostos do facto tributário” não se verificam em relação ao responsável solidário, mas que, por força da lei, aquele é solidariamente responsável pela dívida tributária, e eventuais acessórios, do devedor originário – como acontece no caso dos gestores de bens ou direitos de não residentes – teremos uma situação de solidariedade tributária não originária.

           “A análise da distinção entre aqueles dois tipos de solidariedade tributária que resultam da LGT, não carece de ser iniciado do zero, já que a doutrina civilística, estudiosa da matéria de longa data, detectou já a comunhão de fim das obrigações solidárias, como um dado incontornável a ter em conta na matéria, sendo tido, inclusivamente, como um pressuposto da genuína solidariedade (…)”.

            “Trata-se de casos que têm por objecto a mesma prestação e em que ao credor é reconhecida a faculdade de exigir de qualquer dos devedores a prestação integral, mas que escapam ao regime regra da solidariedade”.

            “Exemplos deste tipo de situações são o caso do operário atropelado em serviço, que poderá exigir a indemnização quer ao atropelante, quer à entidade patronal; o caso do comerciante furtado, que poderá exigir a reparação do prejuízo quer ao ladrão, quer ao vigilante que, negligenciou os seus deveres de vigia; ou o caso da vítima de incêndio, que poderá exigir a reparação do prejuízo quer ao incendiário, quer à seguradora que previamente contratou para cobrir esse risco”.

            “Nota característica destas situações, é que o cumprimento da obrigação perante o credor por um dos devedores, em certos casos extingue a responsabilidade dos restantes, enquanto que noutros não. Assim, se, nos exemplos supra, o atropelante, o ladrão ou o incendiário reparem os danos, a entidade patronal, o vigilante ou a seguradora, respectivamente, ver-se-ão exonerados de qualquer obrigação; já se forem estes últimos a satisfazerem, perante o credor, a obrigação que lhes cabe, a obrigação dos restantes permanecerá, respondendo eles pela totalidade da obrigação, perante o devedor que cumpriu perante o credor (…)”.

            “Como conclui o Ilustre Mestre Antunes Varela (…), “quando, na intenção das partes ou no espírito da lei, exista comunhão de fim a unir as obrigações, ou seja, colaboração dos devedores ao serviço do mesmo interesse do credor, há solidariedade; quando, pelo contrário, não há comunhão de fim, mas simples coincidência de fins das prestações, assente uma disjunção ou num escalonamento sucessivo das obrigações, falta a solidariedade (havendo apenas uma pluralidade de obrigações independentes, destinadas à satisfação do mesmo interesse do credor), embora alguns preceitos das obrigações solidárias possam ser aplicados, por analogia, ao tratamento jurídico de tais situações.”

            “Retornando ao domínio do direito fiscal, e aplicando aqui a doutrina que se vem de referir, concluir-se-á que nas situações que acima se designaram como de solidariedade originária, estaremos perante casos de verdadeira comunhão de fim, fundada na comunhão do próprio facto tributário, justificativa da aplicação directa dos preceitos civis relativos à solidariedade”.

            “Já nas situações que acima se designaram como de solidariedade não-originária, o que verificará é a referida coincidência de fins, como, retornando ao exemplo dos gestores de bens ou direitos de não residentes, decorre da circunstância de o cumprimento da obrigação pelo sujeito passivo originário (não residente, no exemplo) exonerar o responsável solidário (gestor, no mesmo exemplo), enquanto que o cumprimento pelo responsável solidário (gestor), não exonerará o sujeito passivo originário da sua obrigação (que persistirá, agora, perante aquele, por via do direito de regresso), o que poderá justificar a aplicação, por via da analogia, das partes do regime geral da solidariedade, na medida em que tal se justifique”.

            “Pode-se concluir, assim, face ao quadro legal positivo, com suficiente segurança, que as diferenças entre os dois tipos de solidariedade tributária detectada, relacionados essencialmente com as circunstâncias de:

-  num deles (artigo 21.º da LGT) haver uma comunhão no facto tributário entre os devedores (que, como tal, assumirão a qualidade de sujeitos passivos originários do imposto), com a consequente existência de um nexo relacional entre eles, em termos de o cumprimento da obrigação tributária por qualquer deles, gerar o direito de regresso do cumpridor sobre os restantes;

-enquanto noutro (artigo 22.º/2 da LGT), o facto tributário se verifica apenas quanto a um devedor (ou, academicamente, a um grupo de devedores), que se assume como sujeito passivo originário, pelo que, cumprindo este a obrigação tributária, nenhum direito lhe caberá contra os restantes, que, por seu lado, cumprindo, poderão exigir do(s) devedore(s) originário(s) o pagamento de quanto lhes foi imposto pagar.

são justificativas de um tratamento distinto, na medida em que as diferenças verificadas o justifiquem.”

          Transpondo o exposto ao caso dos autos, importa conjugar os preceitos analisados com o disposto no artigo 103.º, n.º4 do CIRS, segundo a redação vigente à data do facto tributário (ano de 2012).

            A Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, aditou ao artigo 103.º do CIRS um n.º 4, em que estabelece que «tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respectivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido».

Como vimos, foi com base neste preceito que a Autoridade Tributária e Aduaneira se baseou para liquidar o IRS e juros compensatórios e notificar a Requerente para o seu pagamento.

Esta norma visa especificamente os pagamentos de rendimentos que constituam «remunerações» como deixou claro o Relatório do Orçamento do Estado para 2007, em que se refere, na página 29, o seguinte:

 Responsabilidade Solidária

 Instituição de um regime de responsabilização solidária do substituto pelo imposto não retido aos beneficiários dos rendimentos em situações qualificadas como práticas fraudulentas relacionadas com a omissão ou redução do montante das remunerações pagas, seja pela sua não contabilização, seja pela sua caracterização como rendimentos não sujeitos a tributação (v.g. ajudas de custo).

 O preceito contido no n.º 4 do artigo 103.º do CIRS constitui uma exceção à regra do n.º 2, aplicável às restantes situações de retenção na fonte de rendimentos efetuada meramente a título de pagamento por conta de imposto devido a final, em que se estabelece que «cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária»[1].

Mas, como se vê pelo facto de neste n.º 4 se prever a responsabilidade do substituto como solidária, a responsabilidade originária do imposto não retido continua a caber ao substituído, consubstanciando-se o regime excecional do n.º 4 apenas na natureza da responsabilidade do substituto que, em vez de ser subsidiária, é solidária, para além de o substituto ser responsável exclusivo pelos «juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo da apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior».

            Estamos aqui, portanto, perante um caso em que o titular do rendimento sujeito a IRS, e substituído, é o responsável originário (em consonância com a primeira parte do artigo 28.º, n.º 2, da LGT) e em que a responsabilidade tributária (cfr. artigo 22.º, n.ºs 1 e 2 da LGT) do substituto é, não subsidiária, conforme regra do artigo 22.º, n.º4, da LGT, reafirmada na segunda parte do n.º 2 do artigo 28.º da LGT, mas solidária.

           Aplicando ao caso concreto o quanto acima se expôs, entende-se que, no caso concreto, desde logo, o procedimento de liquidação e, sobretudo, o consequente ato de liquidação, deveriam ter sido dirigidos (pelo menos também) contra o responsável originário – os substituídos, titulares dos rendimentos sujeitos a imposto – e não unicamente contra o responsável solidário. Com efeito, não estando aqui em causa uma situação abrangida pelo artigo 21.º, n.º1 da LGT, ou seja, em que “os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação” ao responsável solidário, inexiste, na esfera deste, facto tributário, pelo que a liquidação terá de ser feita na esfera do sujeito passivo originário, de acordo com as normas próprias do imposto em causa (no caso, o IRS), e ainda que com a participação no procedimento respetivo (de liquidação) do responsável solidário, ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 2 do CPPT.

            Assim, retomando o que ficou dito na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 119/2015-T, como resulta da leitura da norma do artigo 103.º, n.º4 do CIRS, em causa, o substituto é responsabilizado solidariamente pelo imposto não retido e não pelas importâncias não retidas. Com efeito, não se poderá – e o legislador não o faz (…) – confundir imposto com importâncias retidas por conta daquele.

            “Com efeito, como se escreveu ainda no recente Acórdão do STA de 23-09-2015, proferido no processo 0997/15: “O imposto sobre o rendimento de pessoas singulares é um imposto que, como a sua denominação indica é devido por pessoas singulares, incidindo sobre o valor anual dos rendimentos por estas auferidos ao longo do ano, artº 1º do Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares.

A retenção na fonte não é um imposto, mas um mecanismo de cobrança, instituído pelo sistema fiscal português com o objectivo de aumentar a eficácia na cobrança do imposto (IRS). Pela utilização de tal mecanismo, o Estado recebe, mensalmente, por conta do imposto que será devido no final de cada ano pelos trabalhadores por conta de outrem ou trabalhadores que prestem serviços e que não estejam abrangidos pelo regime de isenção uma parte do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares que a estas compete pagar.

Para o sujeito passivo de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares trata-se de um pagamento antecipado do imposto que é devido no final de cada ano. Para a entidade que procede à sua retenção trata-se de uma dívida tributária e não do pagamento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares. Esta apenas procede ao desconto no vencimento do trabalhador da quantia que o estado tem a receber em sede de tributação de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares desse trabalhador, incumbindo-lhe a entrega desse valor ao estado. O mesmo ocorre quando a entidade a quem foi prestado um serviço retém do custo do serviço que deveria pagar ao prestador, e, para este seria rendimento tributável em sede de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, o valor correspondente ao imposto sobre o rendimento de pessoas singulares.

Mas a empresa que procede à retenção na fonte não passa, por isso a ser tributada em sede de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares. Arrecada os valores de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares que são devidos pelos trabalhadores/ prestadores de serviço que deve entregar nos cofres do estado.

“Assim, na presente situação não restarão dúvidas que o substituto pode ser responsabilizado solidariamente pelo imposto, que é aquilo que a lei refere, e não já pelas importâncias não retidas.”

            “Ora, o imposto, in casu, só é definido (só se torna líquido, certo e exigível) após a liquidação realizada, nos termos do CIRS, aos respectivos sujeitos passivos. Só aí é que vai ser determinado, nos termos legais, o quantum de imposto legitimamente exigível pelo credor tributário, e só aí, justamente, será determinável a extensão da responsabilidade solidária do substituto relapso, confrontando o valor dos montantes cuja retenção foi ilegalmente omitida, com o valor do imposto devido, havendo-o, restringindo-se a responsabilidade em questão, ao menor dos dois valores”.

            “Ou seja: entende-se que a responsabilidade decorrente da norma do artigo 103.º/4 do CIRS aplicável, devidamente interpretada no contexto sistemático em que se insere, consagra a responsabilização solidária do substituto pelo imposto não retido (e não pelas importâncias não retidas), daí decorrendo que se torna necessário, em primeiro lugar, determinar o quantum daquele, e só depois o valor da retenção devida.”

            “Assim, e concretizando, se estiver em falta uma retenção de 100, e, liquidado o imposto nos termos do CIRS, resultar, por exemplo:

-a existência de um imposto a pagar de 120, o substituto será solidariamente responsável por 100;

-a existência de um imposto a pagar de 60, o substituto será solidariamente responsável por 60, não obstante as importâncias não retidas ascenderem a 100;

- a inexistência de imposto a pagar (ou mesmo um reembolso), a responsabilidade solidária do substituto será nula, não obstante as importâncias não retidas ascenderem a 100”.

“A única – e fundamental – diferença introduzida pela norma do artigo 103.º/4 do CIRS aplicável, ora em causa, é a alteração do tipo de responsabilidade tributária do substituto, do regime regra da responsabilidade subsidiária (decorre da regra geral do artigo 22.º/4 da LGT, e específica do artigo 28.º/2 da mesma Lei), para o regime excepcional da responsabilidade solidária, e não uma alteração do objecto daquela mesma responsabilidade tributária”.

“Ou seja: o artigo 103.º/4 do CIRS, em questão, altera o tipo de responsabilidade tributária, mas não o seu objecto, que não deixa de ser o imposto, para passar a ser a importância não retida”.

“Por isso, e em suma, no caso do artigo 103.º/4 do CIRS, em análise, o substituto não se torna responsável por nada diferente do que já o era, nos termos do artigo 28.º/2 da LGT, apenas variando o grau de responsabilidade, pelo mesmo, por assim dizer, objecto”.

“Tudo isto, bem se compreenderá, se se atender às regras próprias do cálculo do imposto devido em sede de IRS, e à circunstância de o respectivo funcionamento normal poder, com facilidade, gerar situações em que o imposto devido pelo sujeito passivo originário, seja nulo ou, não o sendo, inferior à retenção devida. Daí que, apenas liquidado, devidamente, o IRS devido pelo(s) sujeito(s) passivo(s) originários, e contrastado com este o montante das importâncias cuja retenção foi devida, seja possível determinar a extensão da responsabilidade solidária do substituto, sob pena de se poderem gerar situações de enriquecimento injustificado para a Fazenda Pública (…)”.

“Conclui-se, assim, com a Requerente, que a AT, nos actos tributários em crise, converteu “o substituto em substituído, como se fosse titular ou beneficiário do rendimento que se pretende tributar.”.

“Efectivamente, relativamente à Requerente não se verificou qualquer facto tributário sujeito a IRS. A mesma é responsável, a título solidário, pelo imposto devido pelos seus trabalhadores, a quem terá omitido, ilegalmente, retenções na fonte, até ao valor das retenções omitidas. Mas não foi esse (o IRS dos sujeitos passivos originários) o imposto liquidado nos actos tributários em crise”.

“Deste modo, atenta a arguida inexistência de facto tributário subjacente às liquidações objecto da presente acção arbitral, e tendo em conta que “como vem afirmando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, inexistindo facto tributário (...), não se verifica o pressuposto do imposto”(…) (no caso, o artigo 1.º do CIRS)”.

“Tratando-se o vício em questão, de um vício de violação de lei, e inexistindo qualquer norma legal que o fulmine com nulidade, deverão as liquidações objecto da presente acção arbitral, então, ser anuladas.”

           Em suma, também no caso em apreço não se nega que a Requerente pudesse ser solidariamente responsável e demandada em primeira linha, como defende a Requerida, mas apenas pelas dívidas de imposto de cada um dos trabalhadores, que ilegalmente não reteve, e não pelas importâncias que ela própria não reteve, que servirão, unicamente, como limite àquela responsabilidade, e que foi aquilo (o facto) sobre que foi, ilegalmente, como se viu, liquidado imposto, nas liquidações objeto de impugnação.

            Dito por outras palavras, a entidade Requerida poderia efetivamente demandar a Requerente, mas apenas pelo montante de imposto que deveria ter retido, depois de previamente determinado o quantum da sua responsabilidade, através da liquidação do imposto devido pelos sujeitos passivos originários, o que não ocorreu. Com efeito, a Requerida limitou-se a refazer os cálculos apurando uma hipotética retenção que, segundo o seu entendimento, deveria ter sido efetivada pela Requerente quando disponibilizou as remunerações aos trabalhadores.

Contrariamente ao defendido pela Requerida, o artigo 103.º, n.º 4, do Código do IRS não tem uma pretensão antiabusiva nos termos colocados. O referido artigo pretende, sim, assegurar dois objetivos complementares: em primeiro lugar, colocar sobre o substituto, enquanto entidade mais qualificada, um ónus de diligência adicional na determinação dos montantes sujeitos a retenção na fonte/tributáveis e, em segundo lugar, facilitar o processo de cobrança coerciva. Com efeito, não se tratando de responsabilidade subsidiária, não será aplicável o artigo 23.º, n.º 2 da LGT que obriga à excussão prévia do património do devedor principal. Assim, após a determinação do imposto devido (e não das quantias a reter) e da respetiva notificação do sujeito passivo de facto (no caso concreto os trabalhadores), a Autoridade Tributária e Aduaneira pode, ainda em primeira linha, reclamar o pagamento do imposto junto do substituto sem curar desenvolver um demorado processo de verificação do património do substituído e confirmar se este tem, ou não, património para proceder ao pagamento do imposto em falta.

“De resto”, como ficou consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 120/2015-T, “será esta a interpretação que se compagina com o princípio constitucional da proporcionalidade, pois, sendo a responsabilidade solidária uma responsabilidade por dívidas de outrem e sendo apenas em relação ao devedor originário que se verifica a capacidade contributiva que justifica a tributação, não é razoável fazer-lhe a exigência da dívida sem se verificar uma situação de necessidade, que só se verifica em caso de incumprimento pelo devedor originário no prazo de pagamento voluntário”.

“Sendo este o entendimento que se deve adoptar em geral quanto à exigência de

pagamento ao responsável solidário, a sua adopção justifica-se reforçadamente na situação excepcional de responsabilidade solidária prevista no artigo 103.º, n.º 4, do CIRS, desde logo, porque, antes de mais, é imprescindível apurar se há algum imposto devido pelo devedor originário e, em caso afirmativo, qual o seu montante, que, no caso de rendimentos sujeitos a englobamento para determinação do IRS, é óbvio que não tem de coincidir com o montante que seria retido na fonte se a retenção fonte fosse efectuada”. Acresce que, a interpretação ora seguida é, igualmente, a que melhor salvaguarda a obtenção de receita fiscal por parte do Estado. Isto porque, sendo a retenção por conta, o quantum do imposto devido pode ser inferior ao montante da retenção - caso em que estaria em causa o princípio da capacidade contributiva – mas pode perfeitamente ser superior caso em que o Estado se veria privado de receita fiscal devida.

 

Conclui-se, assim, que, por estas razões, a interpretação adequada do artigo 103.º, n.º 4, do CIRS, tendo em conta os elementos hermenêuticos, sistemático e teleológico, mediados pelo princípio da proporcionalidade, vai no sentido propugnado pelas decisões arbitrais mencionadas.

Assiste desta forma razão à Requerente ao defender que inexiste facto tributário, quanto à liquidação de IRS, pois, o facto tributário que gera a responsabilidade solidária é constituído pelo não pagamento voluntário pelos devedores principais dos montantes de IRS não retidos possam ser exigido a cada um destes (e não pelo montante que devia ser retido, que é apenas o limite máximo da responsabilidade do responsável solidário, a nível do imposto), situação essa que não ocorreu. Só depois de ser apurado qual o montante do imposto a pagar por todos os devedores principais é que poderá existir uma situação de responsável solidário da Requerente, relativamente ao montante que se vier a ser apurado, na medida em que não for pago voluntariamente.

Termos em que se justifica a anulação da liquidação de IRS, com fundamento em vício de violação de lei, por inexistência de facto tributário.

Procedendo o pedido de pronúncia quanto à liquidação de IRS, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das demais questões colocadas pela Requerente, incluindo as de constitucionalidade do artigo 103.º, n.º 4, do CIRS, por violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade.  

       

*

 

  1. Do pedido de juros indemnizatórios

 

Como ficou assente, nos factos dados como provados, a Requerente já procedeu ao pagamento do montante total de € 51.000,00 e a Requerida procedeu à penhora de créditos ficais no valor total de € 12.708,70.

Nesta sequência a Requerente pede, ainda, que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, calculados sobre o montante do imposto e correspondentes juros compensatórios já pagos e penhorados em excesso.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária e Aduaneira a partir do termo do prazo previsto para recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até o termo do prazo previsto para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Já nos termos do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” mais não é do que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

A doutrina também tem defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto a condenação em juros indemnizatórios ou a condenação por indemnização por garantia indevida [cfr. Carla Castelo Trindade (2016), “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 121 e Jorge Lopes de Sousa (2013), “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, 116].

Das várias situações em que são devidos juros indemnizatórios indicadas no artigo 43.º da LGT, haverá lugar aos mesmos se se entender que ocorreu erro imputável aos serviços.

No caso em apreço, é manifesto que o vício de ilegalidade que afeta as liquidações impugnadas e juros compensatórios é imputável à Requerida, pois as correções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que a ilegalidade em causa fosse praticada. 

A Requerente tem assim direito à restituição do imposto indevidamente pago, bem como a juros indemnizatórios, incluindo sobre os créditos indevidamente penhorados.

Acontece que dos autos não resultam elementos que permitam determinar o montante da indemnização, pelo que a condenação terá de ser efetuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (arts. 609.º, n.º 2, do CPC e 565.º do CC).

 

  1. Decisão

 

Termos em que acorda o presente Tribunal em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, nesta sequência,
  2. Anular a liquidação de IRS referente ao ano de 2012, no montante de €1.617, 534, 82;
  3. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios referentes aos montantes do imposto indevidamente pago e penhorado e correspondentes juros compensatórios e condenar a Requerida a pagar a quantia que for determinada em execução de sentença. 

 

 

  1. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.617.534,82.

 

Notifique.

 

Lisboa, 11 de setembro de 2018.

 

Os árbitros,

 

Fernanda Maçãs (Presidente)

 

João Taborda da Gama (Vogal)

 

Américo Brás Carlos (vogal)

(vencido, nos termos de declaração de voto anexa)

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Votei contra o Acórdão pelas razões que se seguem.

 

1. O ato tributário em discussão foi praticado ao abrigo da norma do nº 4 do artigo 103º do CIRS, a qual dispõe:  

 

«Tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respectivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido».

 

2. Tal norma foi aditada ao CIRS pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, no âmbito das «medidas legislativas (medidas anti-abuso)» com o seguinte objetivo expresso (vd. Relatório do Orçamento do Estado para 2017, pp. 26 e 29):

 «Responsabilidade Solidária

 Instituição de um regime de responsabilização solidária do substituto pelo imposto não retido aos beneficiários dos rendimentos em situações qualificadas como práticas fraudulentas relacionadas com a omissão ou redução do montante das remunerações pagas, seja pela sua não contabilização, seja pela sua caracterização como rendimentos não sujeitos a tributação (v.g. ajudas de custo).»

 

3. Na situação de que tratam os autos, uma entidade patronal não efetuou a retenção na fonte devida sobre os rendimentos de trabalho dependente sujeitos e não isentos de IRS, sendo que também não os contabilizou como tal, nem como tal os comunicou aos respetivos trabalhadores.

 

4. Em face dos factos provados, o Tribunal não considerou que tais rendimentos, classificados pela Requerente como ajudas de custo, estivessem excluídos da sujeição em IRS, no que se concorda.

 

5. No que, com o devido respeito, se discorda, é da interpretação que o Acórdão faz do citado nº 4 do artigo 103º do CIRS e da responsabilidade solidária neste consagrado.

 

6. Em conclusão, decidiu o Acórdão:

«como resulta da leitura da norma do artigo 103.º, n.º4 do CIRS, em causa, o substituto é responsabilizado solidariamente pelo imposto não retido e não pelas importâncias não retidas».

«Dito por outras palavras, a entidade Requerida poderia efetivamente demandar a Requerente, mas apenas pelo montante de imposto que deveria ter retido, depois de previamente determinado o quantum da sua responsabilidade, através da liquidação do imposto devido pelos sujeitos passivos originários, o que não ocorreu.»

«Assiste desta forma razão à Requerente ao defender que inexiste facto tributário, quanto à liquidação de IRS, pois, o facto tributário que gera a responsabilidade solidária é constituído pelo não pagamento voluntário pelos devedores principais dos montantes de IRS não retidos possam ser exigido a cada um destes (e não pelo montante que devia ser retido, que é apenas o limite máximo da responsabilidade do responsável solidário, a nível do imposto), situação essa que não ocorreu. Só depois de ser apurado qual o montante do imposto a pagar por todos os devedores principais é que poderá existir uma situação de responsável solidário da Requerente, relativamente ao montante que se vier a ser apurado, na medida em que não for pago voluntariamente.

Termos em que se justifica a anulação da liquidação de IRS, com fundamento em vício de violação de lei, por inexistência de facto tributário.».

 

7. Para fundamentar esta decisão, o aresto faz sua a argumentação constante dos Acórdãos do CAAD, processos nº 119/2015-T e nº 120/2015-T.

Do primeiro Acórdão, destacou:

“Assim, na presente situação não restarão dúvidas que o substituto pode ser responsabilizado solidariamente pelo imposto, que é aquilo que a lei refere, e não já pelas importâncias não retidas.”

            “Ora, o imposto, in casu, só é definido (só se torna líquido, certo e exigível) após a liquidação realizada, nos termos do CIRS, aos respectivos sujeitos passivos. Só aí é que vai ser determinado, nos termos legais, o quantum de imposto legitimamente exigível pelo credor tributário, e só aí, justamente, será determinável a extensão da responsabilidade solidária do substituto relapso, confrontando o valor dos montantes cuja retenção foi ilegalmente omitida, com o valor do imposto devido, havendo-o, restringindo-se a responsabilidade em questão, ao menor dos dois valores”.

            “Ou seja: entende-se que a responsabilidade decorrente da norma do artigo 103.º/4 do CIRS aplicável, devidamente interpretada no contexto sistemático em que se insere, consagra a responsabilização solidária do substituto pelo imposto não retido (e não pelas importâncias não retidas), daí decorrendo que se torna necessário, em primeiro lugar, determinar o quantum daquele, e só depois o valor da retenção devida.”

 

E do segundo Acórdão, citou:

“será esta a interpretação que se compagina com o princípio constitucional da proporcionalidade, pois, sendo a responsabilidade solidária uma responsabilidade por dívidas de outrem e sendo apenas em relação ao devedor originário que se verifica a capacidade contributiva que justifica a tributação, não é razoável fazer-lhe a exigência da dívida sem se verificar uma situação de necessidade, que só se verifica em caso de incumprimento pelo devedor originário no prazo de pagamento voluntário”.

“Sendo este o entendimento que se deve adoptar em geral quanto à exigência de pagamento ao responsável solidário, a sua adopção justifica-se reforçadamente na situação excepcional de responsabilidade solidária prevista no artigo 103.º, n.º 4, do CIRS, desde logo, porque, antes de mais, é imprescindível apurar se há algum imposto devido pelo devedor originário e, em caso afirmativo, qual o seu montante, que, no caso de rendimentos sujeitos a englobamento para determinação do IRS, é óbvio que não tem de coincidir com o montante que seria retido na fonte se a retenção fonte fosse efectuada”.

 

8. Sem prejuízo de também no âmbito dos Acórdãos CAAD se encontrarem posições contrárias às constantes dos citados arestos, como é o caso do bem fundamentado Acórdão nº 118/2015-T, não pode ser esquecido que, para além do julgamento sobre a necessária conformidade constitucional das decisões do tribunal arbitral, um dos traços mais estruturantes do RJAT, criado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, é a subordinação das decisões deste Tribunal «aos acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo» (…) «quanto à mesma questão fundamental de direito» (art. 25º, nºs 1 e 2 do RJAT). 

 

9. E sobre a natureza da retenção na fonte já se pronunciou, lapidarmente, o STA no seu Acórdão de 23.09.2015, processo nº 0997/15, onde resumiu (os sublinhados são meus):

«I - A retenção na fonte não é um imposto mas um mecanismo de cobrança instituído pelo sistema fiscal português com o objetivo de aumentar a eficácia na cobrança do imposto (IRS).(…)

III - Para o sujeito passivo de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares trata-se de um pagamento antecipado do imposto que é devido no final de cada ano. Para a entidade que procede à sua retenção trata-se de uma dívida tributária e não do pagamento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares. (…)

V – Contrariamente ao que se verifica em relação ao IRS devido pelas pessoas singulares, esta dívida tributária constitui-se e apura-se no momento em que é disponibilizado o rendimento e deve ser entregue nos cofres do estado até ao dia 20 do mês seguinte.»

 

10. Atendendo, pois, à natureza da retenção na fonte, concluo, discordando da presente decisão, que:

a) A obrigação de retenção na fonte que recai sobre o substituto é uma obrigação própria e independente da obrigação de imposto que recai sobre o substituído e titular do rendimento;

b) A obrigação de retenção na fonte é, nos termos da lei, uma obrigação presente (não futura) não sujeita a qualquer condição suspensiva, uma vez que constitui-se e apura-se no momento em que o substituto disponibiliza o rendimento, qualquer que venha a ser a dívida tributária do substituído. No quadro normativo português, para mais acrescido da intenção anti-fraudulenta que expressamente presidiu à introdução do nº 4 do artigo 103º do CIRS, seria, aliás, inaudito se a obrigação de retenção na fonte por parte do substituto estivesse em suspenso até à liquidação do IRS do titular do rendimento e concomitante apuramento da dívida de imposto deste, que pode ocorrer até cerca de um ano e meio depois da disponibilização do rendimento.    

 

11. Mas, precisamente sobre o sentido da norma do nº 4 do artigo 103º do CIRS, o Tribunal Constitucional (acórdão nº 231/2016, de 06.06.2016) concluiu, em face de uma pretensão e argumentação similar à da Requerente nos presentes autos[2], do seguinte modo:  

«… podemos estabelecer os elementos essenciais da substituição tributária:

a) O substituto tributário é alguém que não preenche os pressupostos de uma obrigação tributária;

b) Não obstante, a lei faz recair sobre essa pessoa tal obrigação; e

c) Esta obrigação recai sobre ela na qualidade de devedor principal

E continuou:

«O n.º 1 do artigo 512.º do Código Civil (doravante, “CC”) esclarece que a solidariedade entre devedores ocorre «quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera» (…) «Ou seja: os montantes relativos às retenções não efetuadas podem ser exigidos, na sua totalidade, indistintamente, a um ou a outro.

Prosseguiu depois o dito Acórdão julgando pela constitucionalidade da norma do nº 4 do artigo 103º do CIRS em face dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade, da proporcionalidade e da coerência do sistema fiscal.

 

12. Não há qualquer divergência quando, no caso sub judice, o presente Acórdão reconhece que estão reunidos os pressupostos da responsabilidade tributária solidária da Requerente. A divergência é sobre o objeto dessa responsabilidade.

 

13. Como se vê da jurisprudência atrás citada, venceu no Acórdão a argumentação assente numa incorreta interpretação da parte final do nº 4 do artigo 103º do CIRS «o substituto assume responsabilidade tributária pelo imposto não retido”, e particularmente da expressão «imposto não retido», para concluir que tal responsabilidade só tem lugar se e depois de se ter verificado haver dívida de imposto do titular do rendimento em montante que não tivesse sido retido. 

 

14. Com o devido respeito, porém, é outro o sentido da dita expressão, como resulta da ponderação, sistematicamente feita, das regras estruturantes do instituto da retenção na fonte presentes no CIRS e no Decreto-Lei nº 42/91, vigentes ao tempo.

 

15. Dessas regras, decorre que a retenção na fonte ou é liberatória e o montante a ser obrigatoriamente retido pelo substituto é precisamente o montante da dívida gerada especificamente por tal rendimento, que não é englobado[3], ou é, como nos autos, por conta do imposto devido a final pelo substituído. Em nenhum caso se confronta tal retenção na fonte com o montante de IRS devido no ano em causa pelo respetivo titular ou pelo seu agregado familiar.

Dispõe o nº 1 do artigo 98º do CIRS, sob a epígrafe «Retenção na fonte – regras gerais»: «… a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, as entidades registadoras ou depositárias (…) são obrigadas (…) a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses actos ocorrem.» Na mesma linha, dispunham também o nº 1 do artigo 99º do CIRS e o artigo 2º-A do Decreto - Lei  nº 42/91, a propósito da retenção sobre rendimentos das categorias A e H: «As entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente (…) são obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos seus titulares», sendo que a quantia a reter resulta da «aplicação das taxas que lhes correspondam, constantes da respetiva tabela». O mesmo se diga do nº 1 do artigo 100º do CIRS: «As entidades que paguem ou coloquem à disposição remunerações do trabalho dependente (…) devem (…) reter o imposto de harmonia com a seguinte tabela de taxas».

 

15. De todas estas normas, é forçoso concluir também que:

a) A obrigação de retenção na fonte sobre os rendimentos do trabalho dependente que recai sobre os substitutos tem a medida que resulta da aplicação de taxas próprias em função da remuneração mensal (e não a anual) do trabalhador, constantes de tabelas especificas publicadas anualmente para o efeito, e não a medida da dívida de IRS do ano em causa resultante da aplicação das taxas gerais do IRS (art. 68º do CIRS);

b) E que as importâncias a reter têm a natureza de imposto por conta do IRS devido a final, quer aquelas se revelem excessivas, quer insuficientes em face do montante da dívida do titular dos rendimentos apurada a final.

 

16. Daí, que como se viu, a lei sempre se expresse relativamente às importâncias retidas, como «imposto retido». O qual, «imposto retido», é diferente de «imposto devido». Tal dicotomia «imposto retido, versus imposto devido», já resultante dos princípios e normas gerais relativos ao instituto da retenção na fonte, tem, aliás específica consagração legal expressa. Os, ao tempo, artigos 14º e artigo 16º, nº 1, do Decreto-Lei nº 42/91 (Regime Jurídico de Retenção na Fonte do IRS), hoje artigos 102º-A, nº 1 e 102º-B, nº 1, do CIRS, não deixam margem para dúvidas. Dispõe o primeiro: «Verificando-se, na liquidação anual de IRS, que foi retido ou pago por conta imposto superior ao devido (…)». Distingue também a segunda norma: «A diferença entre o imposto devido a final e o que tiver sido entregue nos cofres do Estado».   

 

17. Portanto, «imposto retido», significa toda a importância a reter pelos substitutos tributários independentemente do imposto devido a final pelo titular dos rendimentos.

 

18. Não tem por isso, razão a posição que fez vencimento neste Acórdão. A Requerente estava obrigada a efetuar a retenção na fonte sobre os rendimentos do trabalho dependente no momento do seu pagamento ou colocação à disposição, nos termos das tabelas de retenção aplicáveis.

 

E, porque nenhuma outra ilegalidade se verifica, deveria ter sido mantido o ato tributário sub judice.

 

 

 

Américo Brás Carlos

   



[1] Esta regra também consta do n.º 2 do artigo 28.º da LGT.

[2] Tratou-se do recurso da decisão preferida no Acórdão CAAD, nº 118/2015-T. 

[3] Embora, havendo outros rendimentos, possa não ser a dívida de IRS do sujeito passivo, no ano respetivo.