DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros José Baeta de Queiroz (presidente), Luis Menezes Leitão e Maria Antónia Torres (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar este tribunal arbitral colectivo, constituído em 11 de Janeiro de 2018, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
1.1. A..., S.A., contribuinte nº..., com sede na ..., ..., ..., Concelho de ..., na sequência dos actos de autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) relativos aos anos de 2014 e de 2015, relativamente aos quais apresentou reclamação graciosa, e de cujo indeferimento foi notificada em 9 de Agosto de 2017, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante “RJAT”[1]).
1.2. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são, em súmula, as seguintes:
A ora Requerente procedeu em 26 de Fevereiro de 2016 à apresentação da declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2014, tendo procedido à autoliquidação de tributações autónomas de IRC, desse mesmo ano, no montante de 72.758,65.
Em 23 de Fevereiro de 2017, a Requerente entregou a declaração Modelo 22, com referência ao exercício de 2015, tendo procedido à autoliquidação de tributações autónomas de IRC, desse mesmo ano, no montante de 65.895,33.
A Requerente apresentou reclamação graciosa contra as referidas autoliquidações respeitantes ao exercício de 2014 e 2015, de cujo indeferimento foi notificada em 9 de agosto de 2017.
Sucede que, o sistema informático da AT revela anomalias consubstanciadas no assinalar de divergências (“erros”) que impedem que a Requerente inscreva o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC, expurgado, i.e., deduzido, dentro das forças da colecta de IRC resultante da aplicação destas taxas, dos montantes de beneficio fiscal reconhecido à empresa ao abrigo do SIFIDE, na modalidade de crédito de imposto dedutível à colecta de IRC, o que resultou num excesso de imposto pago por referência aos exercícios fiscais aqui em causa.
O montante de SIFIDE atribuído, disponível para utilização no final do exercício de 2014 e de 2015, ascendia, respectivamente, a € 830.557,29 e € 1.557.431,49.
Em suma, a Requerente dispõe de créditos de IRC para abate à respectiva colecta em montante muito superior à colecta das tributações autónomas em IRC dos exercícios em análise, abate esse que o sistema informático da AT não permite.
É de referir que a AT não apura nem apurou o lucro tributável da Requerente por métodos indirectos: ele foi apurado nos termos normais, via apresentação da modelo 22.
Acresce ainda que a Requerente não era no momento relevante entidade devedora ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições.
Conforme referido, o sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas, o SIFIDE. Aquele sistema não permite, pois, deduzir os créditos de SIFIDE a uma parte do IRC final efectivamente apurado – as tributações autónomas.
Ou seja, intencional ou inadvertidamente, a declaração Modelo 22 do IRC e respectiva articulação com a programação do sistema informático da AT impede que se deduza à colecta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 da declaração Modelo 22, o SIFIDE ainda por deduzir à colecta de IRC.
Continua a Requerente, argumentando que é jurisprudência quase unânime que a tributação autónoma em IRC, é IRC; e que se lhe aplicam as normas de liquidação do IRC constantes do artigo 89.º e ss do CIRC, existindo vários acórdãos nesse sentido.
A recusa da AT é estranha porquanto recentemente a AT tomou posição sobre o tema tendo afastado apenas a dedução à colecta das tributações autónomas em IRC dos créditos de imposto por dupla tributação internacional. A incongruência está na recusa da AT em aplicar o mesmo à colecta das tributações autónomas em IRC com respeito a outras parcelas igualmente dedutíveis à colecta do IRC. E a impossibilidade lógica está na interpretação da mesma exacta expressão no mesmo exacto preceito (o n.º 2 do artigo 90.º do CIRC: “Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções…”) com sentidos opostos consoante a parcela dedutível, ou alínea em causa, é uma, ou outra.
Caindo igualmente, aparentemente, em impossibilidade lógica, a LOE 2016 se por um lado reafirmou que o artigo 89.º do CIRC se aplica à tributação autónoma (parte 1 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC), por outro lado excluiu a tributação autónoma do n.º 2 do artigo 90.º seguinte (parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC), e a ambas estas prescrições, de sentido contrário, atribuiu, à primeira vista, e contraditoriamente, carácter interpretativo.
Sublinhe-se que o prisma da contagem dos votos (ou do pesar da inclinação da jurisprudência) até 30 de Março de 2016 é um primeiro sintoma de que se está perante uma lei inovadora quanto à exclusão prescrita na parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC.
Entende a Requerente, que pode, e deve, concluir-se que o artigo 135.º da LOE 2016 se refere apenas à parte 1 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, interpretação que pela negativa é autorizado pela manifesta incorrecção da redacção daquele artigo 135.º (conforme desenvolvido supra), revelador do pouco cuidado que o legislador teve em ser preciso, e que pela positiva é autorizada pela presunção de que o legislador adoptou as soluções mais acertadas e pela directriz da interpretação conforme à Constituição (em fase mais adiantada deste sumário da análise apresentar-se-á fundamento adicional para esta interpretação do artigo 135.º da LOE 2016).
Acresce, conforme desenvolvido supra, que a atribuição de natureza interpretativa a uma norma fiscal não desencadeia por si só a aplicação do regime de aplicação de leis no tempo previsto no Código Civil (CC). Concretizando, e sintetizando, o regime de aplicação de leis no tempo previsto no CC (onde se inclui por direito próprio o seu artigo 13.º), não se aplica no que respeita a matérias que disponham de um regime privativo para o efeito, em obediência a princípios distintos, como é o caso (actualmente) dos impostos: cfr. artigo 12.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
Em qualquer caso o artigo 13.º do CC e a prescrição de retroactividade que aí se contém só se aplica a normas interpretativas, por oposição a falsas normas interpretativas. E a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC é, supondo que foi realmente intenção do legislador atribuir-lhe carácter interpretativo (matéria a que se regressará infra), uma falsa norma interpretativa.
De parte alguma da LOE 2016 resulta identificada a norma que a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC visaria interpretar, o que constitui mais um sintoma de que se está perante uma novidade normativa, por oposição a visão interpretativa de norma velha.
Admitindo a Requerente, a benefício de raciocínio, que a norma objecto de interpretação seja o n.º 2 do artigo 90.º do CIRC (não se vê outra possível candidata), a pergunta relevante passa então a ser esta: que ambiguidade se detecta na referência aí ao IRC que não fosse partilhada então também e na mesma medida quer pelo precedente n.º 1 do mesmo artigo 90.º, quer pelo precedente artigo 89.º
Que se veja, nenhuma ambiguidade ou opacidade: todas estas normas se dirigem à liquidação do IRC, sem qualquer ambiguidade, na fase pós regulamentação da colecta primária (que se obtém pela aplicação das taxas de IRC às matérias colectáveis de IRC, nos termos dos antecedentes artigos 1 a 88.º do CIRC).
O que nos leva a mais uma forte razão para considerar que a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC não é interpretativa para efeitos de aplicação da lei no tempo, isto é, para efeitos de activar o disposto no artigo 13.º do Código Civil (supondo, a benefício de raciocínio, que este é aplicável em matérias que dispõem de regulamentação privativa em sede de aplicação de lei no tempo).
Com efeito, não podem, por impossibilidade lógica e sistémica, ambas as partes, 1 e 2, do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, serem simultaneamente interpretativas do que dispõem os artigos 89.º e 90.º do CIRC (ambos inseridos na mesma fase da liquidação do IRC, pós obtenção da colecta primária), em sentidos opostos.
E sabendo-se da esmagadora jurisprudência, acompanhada pela AT, no sentido da qualificação da colecta da tributação autónoma em IRC como possuindo a natureza de IRC, fácil é concluir que quem nesta dualidade de prescrições de sentido oposto tem natureza interpretativa é a parte 1, e que portanto, e necessariamente, a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC tem carácter inovatório (contra-corrente, no caso contra a inserção da colecta primária da tributação autónoma na colecta do IRC).
E com isto reforça-se a primeira das razões qualitativas acima apresentadas: a impossibilidade lógica detectada, a antinomia, só se resolve se se interpretar a atribuição de natureza interpretativa ao novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, pelo artigo 135.º da LOE 2016, como querendo referir-se à parte 1, e não à parte 2, do referido n.º 21. Se, não obstante todas as razões que acima se elencaram, se entender ainda assim (i) que o artigo 135.º da LOE 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março) atribuiu natureza interpretativa também à parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, isto é, também ao segmento normativo “não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global [de tributação autónoma em IRC] apurado”, introduzido pela mesma LOE 2016 (pelo seu artigo 133.º), (ii) e que daí resultaria a aplicação do artigo 13.º do CC enquanto prescreve a aplicação retroactiva das leis interpretativas, estar-se-á perante uma inconstitucionalidade material do referido artigo 135.º da LOE 2016, por violação da proibição de retroactividade em matéria de impostos prevista no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição, quer se tenha concluído, quer não (e entende-se que não), estar-se perante uma lei materialmente interpretativa, e por violação, também, do princípio da separação de poderes e do princípio da independência do poder judicial.
Certo é que a Requerente pagou imposto em montante superior ao legalmente devido, pelo que, declarada a ilegalidade das (auto)liquidações aqui peticionadas, a Requerente tem direito não só ao respectivo reembolso, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, a juros indemnizatórios.
1.4 Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:
Tanto a jurisprudência como a doutrina já abordaram abundantemente a caracterização da figura “tributações autónomas” em IRC (e em IRS) e a evolução legislativa verificada desde a sua criação, pelo art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 09.06, até à actualidade.
As considerações tecidas a este respeito revelam que a figura das tributações autónomas tem sido instrumentalizada para a prossecução de objectivos diversos, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude –, através de despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, na esfera dos respectivos beneficiários, até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por “lavagem de dividendos” (cfr. n.º 11 do art.º 88.º CIRC) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (cfr . n.º 13 do mesmo preceito).
Acrescentando ainda que, em termos de denominador comum, se poderia afirmar que este tipo de tributação tem como alvo «despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros».
Reconhece-se que o caracter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspectos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.
Na realidade, a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes.
Esse apuramento de forma independente implica que, num caso, se trate da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria colectável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código, i.e., tendo como ponto de partida o lucro da entidade (cfr.n.º 1 do art.º 15.º do CIRC) e, no outro caso, se trate da aplicação das taxas aos valores das matérias tributáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.
Não há uma liquidação única de IRC, mas, antes dois tipos de apuramentos, isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, de acordo com a mesma base jurídica – a alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC - e nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias. Ora, quando, no processo de liquidação, há lugar ao apuramento de IRC com base na matéria colectável que tem por base o lucro e ao apuramento de tributações autónomas, o montante globalmente apurado, nos termos do alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º, não tem um carácter unitário, já que nele se integram valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também distintas, pelo que de tal diferenciação devem ser extraídas as necessárias consequências no plano das deduções previstas nas alíneas do n.º 2, no sentido de que só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime- regra do imposto.
Na sequência da integração das tributações autónomas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2010, de 29/12, o legislador parece não ter sentido a necessidade de explicitar, de forma abrangente – i.e. em todos os normativos onde se manifestam – as consequências da coexistência de duas formas de imposição dentro do sistema do IRC, limitando-se a acautelar as situações em que a isenção do IRC não se projectava nas tributações autónomas.
Tal traduziu-se no aditamento efectuado à redacção do art.º 12.º do CIRC no sentido de clarificar, com carácter interpretativo, que as sociedades e outras entidades abrangidas pelo regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, excepto quanto às tributações autónomas.
A par disso, foi ainda estabelecido (cfr. o então n.º 6 do art.º 109.º do CIRC, actual art.º 117.º) que a obrigação de apresentar a declaração periódica de rendimentos abrange as entidades isentas de IRC, quando estejam sujeitas a tributação autónoma.
Ficou, assim, ao cuidado do intérprete e do aplicador da lei a tarefa de, perante a necessidade de, para determinados efeitos – nomeadamente das deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC ou do cálculo dos pagamentos por conta ou ainda do Resultado da Liquidação (art.º 92.º) –, identificar a parte relevante de colecta do IRC, extraindo dos normativos aplicáveis um sentido útil, literalmente possível, que permita uma solução coerente e conforme com a natureza e funções atribuídas a cada componente do imposto.
Com efeito, para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerada o IRC apurado com base na matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do art.º 87.º do respectivo Código.
Pois que, é de salientar que a coerência e adequação deste entendimento alicerça-se na própria natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, os quais, de acordo com a definição do art.º33.º da LGT são «as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário», constituindo uma «(…) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da percepção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efectivar-se através das retenções na fonte.»
Assim sendo, a delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, “montante apurado nos termos do número anterior”, e no n.º 1 do art.º 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º”, deve ser feita de forma coerente; o que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria colectável determinada com base no lucro e nas taxas do art.º 87.º do Código.
Sendo a única (e consistente) interpretação da expressão “montante apurado nos termos do número anterior” com a natureza das deduções referidas nas alíneas nas alíneas do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC, relativas a: créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica (actuais alíneas a) e b)); benefícios fiscais (actual alínea c)); pagamento especial por conta (actual alínea d)); e retenções na fonte (actual alínea e)).
Na realidade, faça-se notar que o traço comum a todas as realidades reflectidas nas deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria colectável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.
Por sua vez, no que aos benefícios fiscais respeita, o crédito de imposto ou dedução à colecta configura uma das modalidades técnicas, de entre as previstas no n.º2 do art.º2.º do EBF, que têm sido adoptadas, sobretudo, nas medidas de incentivos fiscais ao investimento, fundamentalmente, por duas razões: Uma, ligada à operacionalidade do benefício, pela transparência e simplicidade do cálculo da despesa fiscal associada que, como é sabido, representa a receita fiscal (do IRC) cessante, e, outra, que se prende com a filosofia subjacente aos benefícios, ou seja a sua indexação à rendibilidade do investimento, segundo a qual «a dedução de uma certa percentagem de um investimento à colecta de um imposto sobre lucros só se efectiva se houver lucro, o que premeia a rendibilidade do investimento».
Assim, também, para as deduções à colecta a título de benefícios fiscais, o montante ao qual são efectuadas só pode respeitar ao imposto liquidado com base na matéria colectável, determinada com base nas regras do capítulo III e das taxas previstas no art.º 87.º do CIRC.
Isso, sob pena de uma incongruência resultante da subversão da necessária interligação que, no plano material, deve existir entre os objectivos prosseguidos pelos benefícios e a própria grandeza representada pelo lucro.
Aliás, a posição defendida pela AT tem um apoio explícito no disposto no n.º 5 do art.º 90.º do CIRC – através do qual o legislador fornece uma indicação clara de que o montante do imposto liquidado, ao qual são efectuadas as deduções referidas no n.º 2 do mesmo artigo, não inclui o montante correspondente às tributações autónomas –, ao estatuir que as deduções que são imputadas aos sócios ou membros de entidades abrangidas pelo regime da transparência fiscal estabelecido no art. 6.º (entidades que estão sujeitas ao pagamento das tributações autónomas, por força do art.º12.º) são «deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo».
Dado que o comando deste normativo se dirige aos sócios ou membros de entidades transparentes – os quais, no processo de apuramento do respectivo lucro tributável, devem integrar no mesmo os valores (relativos ao lucro tributável/prejuízo fiscal ou à matéria colectável, consoante o caso) que lhe são imputados – o que o legislador indica, de forma inteiramente clara, é que as deduções previstas no n.º2 do art. 90.º do CIRC, que igualmente são imputadas aos sócios ou membros, devem ser efectuadas ao montante do imposto apurado com base na matéria colectável em que esteja reflectida a imputação prevista no art.º 6.º do CIRC, e, não já, note-se e sublinhe-se, ao montante relativo às tributações autónomas.
Ora, se é este o procedimento a adoptar pelos sujeitos do IRC que são sócios ou membros de entidades transparentes, relativamente às deduções respeitantes à entidade transparente na qual participam, seria de todo incongruente, para além de não ter qualquer apoio na lei, defender a tese de que, para as deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, que directamente respeitam a esses sujeitos passivos, as mesmas poderiam ser efectuadas ao montante apurado com as tributações autónomas.
Começando pela dedução relativa a benefícios fiscais (alínea b) do n.º 2 do art.º 90.º), quando se trata de benefícios ao investimento, que tem subjacente a filosofia de que o benefício constitui um prémio cuja amplitude varia com rendibilidade dos investimentos, pois, quanto mais elevado foi o lucro/matéria colectável do IRC maior será a capacidade para efectuar a dedução.
Verifica-se, portanto, uma ligação indissociável entre o montante do crédito de imposto por investimento e a parte da colecta do IRC calculada sobre a matéria colectável baseada no lucro e, a não ser assim, subverter-se-ia a necessária articulação que, no plano material, deve existir- entre os objectivos prosseguidos pelos benefícios fiscais e o seu impacto na própria grandeza que serve de base ao cálculo da matéria colectável e da colecta - o lucro.
A defesa da tese da Requerente louva-se na expressão utilizada no regime do SIFIDE a respeito da dedução à colecta do IRC (cf. n.º 1 do art.º 36.º do Código Fiscal do Investimento, aditado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17/06) “montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC”, e até à sua concorrência”. Pese embora as variantes redaccionais utilizadas em diferentes normativos do Código Fiscal do Investimento, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e de legislação extravagante, que regulam os benefícios fiscais visam alcançar o mesmo resultado – dedução ao IRC liquidado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do respectivo Código – e, portanto, não introduzem qualquer diferença na delimitação do seu real conteúdo.
Diga-se, aliás, que para designar a mesma grandeza, tanto o n.º 1 do art.º 92.º como o n.º 1 do art.º 105.º do Código do IRC, referem-se ao “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º” e sobre o seu conteúdo, quer a AT, quer os contribuintes em geral, sempre reportaram os cálculos previstos nesses preceitos – resultado da liquidação e pagamentos por conta, respectivamente - à parte da colecta do IRC que tem por base a matéria colectável determinada como base no lucro, o que revela que não pode atribuir-se um alcance diferente a expressões idênticas, consoante se pretenda que o efeito seja favorável ou desfavorável ao contribuinte.
Fica, assim, demonstrado que as normas que regulam a dedução dos benefícios fiscais ao investimento integram-se, pelo modo como operam e pelas finalidades adstritas aos benefícios, na estrutura do regime-regra do IRC, pelo que não são conciliáveis com a ratio legis das tributações autónomas, nem com os respectivos factos geradores, e a prova é que o próprio legislador teve o cuidado de marcar essa linha divisória no art.º 3.º, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 49/2013.
O SIFIDE 2009 e 2010, bem como o SIFIDE II, permite às empresas a obtenção de um benefício fiscal, em sede de IRC, proporcional à despesa de investimento em investigação e desenvolvimento (ao nível dos processos, produtos e organizacional) que consigam evidenciar, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido (Cfr. Lei n.° 55- A/2010 de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.° 82/2013 de 17 de Junho e Lei n.° 83-C/2013 de 31 de Dezembro.
O benefício a obter com o SIFIDE II traduz-se na possibilidade de deduzir à coleta de IRC apurada no exercício, um montante de crédito fiscal que resulta do somatório das seguintes parcelas: Taxa base: 32,5% das despesas realizadas no exercício; Taxa incremental: 50% do acréscimo das despesas realizadas no exercício face à média aritmética simples das despesas realizadas nos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 1.500.000.
Consequentemente, no regime previsto, as despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao oitavo exercício imediato.
A questão prévia essencial, e que aqui se impõe, está em saber como identificar o “montante apurado nos termos do número anterior” a que alude o proémio do n.º 2 do artigo 90°, do CIRC a que deve então ser deduzido o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, numa dupla percentagem: a) Taxa base - 32,5% das despesas realizadas no período de tributação, e b) Taxa incremental - 50% do acréscimo das despesas realizadas no período de tributação em relação à media aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de 1 500 000 euros.
Os valores que traduzam o benefício fiscal em sede de SIFIDE são deduzidos "aos montantes apurados nos termos do artigo 90º do Código do IRC, e até à sua concorrência" e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis e que, na falta ou insuficiência de colecta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas “poderão ser deduzidas até ao 6.° exercício imediato”.
Pois bem, o “montante apurado nos termos do número anterior” a que se refere o n.º 2 do artigo 90°, quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte (situação que ocorre nos autos), é apurada com base na matéria colectável baseada no lucro, que conste nessa liquidação/autoliquidação [cf. artigo 90.°, n.° 1, alínea a) do CIRC].
Sendo o crédito de imposto em que se traduz o SIFIDE deduzido apenas ao montante assim apurado, ou seja, com base na matéria colectável [é o disposto no artigo 5o, alínea a), da Lei reguladora do SIFIDE, impedindo esta expressamente que os créditos dele decorrente sejam deduzidos quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos].
Atenta a natureza e a razão de ser das tributações autónomas, não é possível admitir, sob pena de subversão da ordem de valores, a dedução do SIFIDE (ou de outros benefícios fiscais), sob pena de descaracterização dos princípios que especificamente se pretendem prosseguir, quer com tais incentivos, quer com as tributações autónomas.
Admitir essa possibilidade levaria, no limite, a que um sujeito passivo pudesse efectuar a dedução a título de SIFIDE (ou outros benefícios fiscais – vide RFAI, CFEI) ao montante de tributações autónomas incidentes sobre despesas não documentadas, subvertendo por completo a função dessas tributações na prevenção ou evitação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados. Destarte, se dúvidas restassem sobre a questão controvertida, elas foram dissipadas com a natureza interpretativa atribuída pelo art.º 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, ao disposto no n.º 21 aditado ao art.º 88.º do Código do IRC, pelo art.º 133.º da mesma Lei, com a seguinte redacção: «A liquidação das tributações Autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado».
A mera evidência de decisões contraditórias é demonstrativa de per si daquilo que a Requerente pretende escamotear, ou seja, que a questão não era controvertida, e assim afastar a necessidade do carácter interpretativo atribuído ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, transformando-o numa interpretação retroactiva da lei, a qual, todos concordam, constitucionalmente proibida.
Posto isto, resulta que o próprio efeito interpretativo conferido por aquela Lei seria, per si, desnecessário, porquanto, conforme se demonstrou, nenhuma outra interpretação seria passível de ser efectuada tendo em consideração a teleologia e hermenêutica jurídica das normas em apreço.
Sempre se diga que qualquer interpretação que não aplique a norma constante da Lei Orçamento de Estado para 2016, vertida no artigo 133.º, que aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2016, publicado a 30.03.2016, com entrada em vigor no dia seguinte, nos quais se preconiza, com carácter interpretativo, que «A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado» e que, por conseguinte, permita a dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais efectuados em sede de IRC, in casu, o SIFIDE, essa decisão é materialmente inconstitucional, por a) violação do princípio da legalidade, ínsito no art.º 103.º n.º 2 da CRP, b) violação do princípio da separação dos poderes, plasmado no art.º 2 da CRP, c) violação do princípio da protecção da confiança previsto no art.º 2.º da CRP, d) violação do princípio da igualdade, na sua formulação positiva da capacidade contributiva, decorrente do art.º 13.º, n.º2 e do 103.º, n.º2 ambos da CRP.
Na situação dos autos, o apuramento do imposto foi efectuado pela Requerente, desconhecendo a Requerida quaisquer orientações genéricas e/ou indicações publicadas que levassem a Requerente a actuar nesse sentido.
1.5. Foi dispensada a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18º do RJAT, assim como a inquirição de testemunhas que se considerou um acto desnecessário.
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:
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A Requerente procedeu em 26 de Fevereiro de 2016 à apresentação da declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2014, tendo procedido à autoliquidação de tributações autónomas de IRC, desse mesmo ano, no montante de € 72.758,65.
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Em 23 de Fevereiro de 2017, a Requerente entregou a declaração Modelo 22, com referência ao exercício de 2015, tendo procedido à autoliquidação de tributações autónomas de IRC, desse mesmo ano, no montante de € 65.895,33.
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Foi apresentada pela Requerente reclamação graciosa contra as referidas autoliquidações respeitantes ao exercício de 2014 e 2015, de cujo indeferimento foi notificada em 9 de Agosto de 2017.
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O sistema informático da AT não possibilita que os contribuintes inscrevam o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC, expurgado dos montantes de benefício fiscal reconhecido à empresa ao abrigo do SIFIDE, na modalidade de crédito de imposto dedutível à colecta de IRC;
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O montante de SIFIDE atribuído à empresa, disponível para utilização no final do exercício de 2014 e de 2015, ascendia, respectivamente, a € 830.557,29 e € 1.557.431,49.
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O lucro tributável da Requerente foi apurado nos termos normais, via apresentação da modelo 22.
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A Requerente não era no momento relevante entidade devedora ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições.
Factos não provados:
Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado.
Fundamentação da Matéria de Facto
A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental apresentada pela Requerente e pela Requerida, junta aos autos.
4. DO DIREITO
Fixada a matéria de facto, importa conhecer a matéria de direito suscitada pelas partes. São as seguintes as questões a examinar:
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Da ilegalidade da declaração de autoliquidação de IRC e respectivas taxas de tributação autónoma
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Do direito a juros indemnizatórios
A) DA ILEGALIDADE DA DECLARAÇÃO DE AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRC E RESPECTIVAS TAXAS DE TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA
O Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDEII), aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 5.º:
Artigo 4.º
Âmbito da dedução
1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:
a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;
b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.
2 - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 10 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.
3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.
4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.
5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de usufruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.
6 - A taxa incremental prevista na alínea b) do n.º 1 é acrescida em 20 pontos percentuais para as despesas relativas à contratação de doutorados pelas empresas para actividades de investigação e desenvolvimento, passando o limite previsto na mesma alínea a ser de (euro) 1 800 000.
7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de actos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Artigo 5.º
Condições
Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o artigo 4.º os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:
a) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;
b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.
Refere o artigo 3º da Lei 49/2013, de 16 de Julho (CFEI):
Artigo 3.º
Incentivo fiscal
1 - O benefício fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20 % das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2013.
2 - Para efeitos da dedução prevista no número anterior, o montante máximo das despesas de investimento elegíveis é de 5 000 000,00 EUR, por sujeito passivo.
3 - A dedução prevista nos números anteriores é efetuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação que se inicie em 2013, até à concorrência de 70 % da coleta deste imposto.
4 - No caso de sujeitos passivos que adotem um período de tributação não coincidente com o ano civil e com início após 1 de junho de 2013, as despesas relevantes para efeitos da dedução prevista nos números anteriores são as efetuadas em ativos elegíveis desde o início do referido período até ao final do sétimo mês seguinte.
5 - Aplicando-se o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução prevista no n.º 1:
a) Efetua-se ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria coletável do grupo;
b) É feita até 70 % do montante mencionado na alínea anterior e não pode ultrapassar, em relação a cada sociedade e por cada exercício, o limite de 70 % da coleta que seria apurada pela sociedade que realizou as despesas elegíveis, caso não se aplicasse o regime especial de tributação de grupos de sociedades.
6 - A importância que não possa ser deduzida nos termos dos números anteriores pode sê-lo, nas mesmas condições, nos cinco períodos de tributação subsequentes.
7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de quaisquer operações previstas no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Conforme o que dispunha o artigo 3º do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (aprovado pelo artigo 13º da Lei 10/2009, de 10 de Março):
Artigo 3.º
Incentivos fiscais
1 - Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:
a) Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:
i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de (euro) 5 000 000;
ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a (euro) 5 000 000;
b) Isenção de imposto municipal sobre imóveis, por um período até cinco anos, relativamente aos prédios da sua propriedade que constituam investimento relevante;
c) Isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante;
d) Isenção de imposto do selo relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante.
(…)
Refere o artigo 90º do CIRC, na redacção em vigor até 31 de Dezembro de 2013:
1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:(Redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04)
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada; (Redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04, produzindo efeitos a partir de Janeiro de 2011, no que respeita ao regime simplificado - n.º 2 do artº92 da lei referida).
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
2 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação internacional;
b) A relativa a benefícios fiscais;
c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;
d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.
3 —(Revogado pela Lei n.º 3-B/2010-28/04, produzindo efeitos a partir de Janeiro de 2011, no que respeita ao regime simplificado - n.º 2 do artº92 da lei referida).
4 — Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.
5 — As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
6 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
7 — Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.
8 — Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos nºs 2 a 4.
9 — Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.
10 — A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.
Refere ainda o artigo 88º do mesmo diploma (na mesma redacção):
1 — As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do artigo 23.º
2 — A taxa referida no número anterior é elevada para 70 % nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola e ainda por sujeitos passivos que aufiram rendimentos enquadráveis no artigo 7.º (Redacção dada pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
3 - São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica. (Redacção da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro)
4 - São tributados autonomamente à taxa de 20 % os encargos efectuados ou suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º.(Redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010-31/12)
5 — Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.
6 — Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afectos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo, bem como as depreciações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.
7 - São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades. (Redacção da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro)
8 — São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respectivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
9 — São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes, escriturados a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam.
10 — (Revogado pela Lei n.º 3-B/2010-28/04, produzindo efeitos a partir de Janeiro de 2011, no que respeita ao regime simplificado - n.º 2 do artº92 da lei referida)
11 — São tributados autonomamente, à taxa de 25 %, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. (Redacção dada pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
12 — Ao montante do imposto determinado, de acordo com o disposto no número anterior, é deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, não podendo nesse caso o imposto retido ser deduzido ao abrigo do n.º 2 do artigo 90.º
13 — São tributados autonomamente, à taxa de 35 %: (N.º 13 aditado pela Lei n.º 3-B/2010-28/04)
a) Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efectuado directamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade;
b) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.
14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores. (Aditado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro).
Houve um aditamento ao artigo 88º do CIRC, que resultou da entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de Março, relativamente a este aspecto (nº 21), pelo que na redacção agora vigente se refere o seguinte:
“21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.
Contudo, esta alteração legislativa em nada altera a situação no caso em apreço. Não obstante a lei referir que se trata de uma lei de natureza interpretativa, o que ocorre é que as leis interpretativas têm natureza retroactiva e tal situação seria inconstitucional em matéria fiscal, por violação do disposto no artigo 103º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”
Por outro lado, a maioria da jurisprudência arbitral considera que deverá existir a possibilidade de deduções ao montante apurado a título de tributação autónoma em IRC, que, à data em que ocorreram os factos, não era contrária à lei.
Veja-se, por exemplo, o Acórdão do CAAD nº 769/2014-T:
“Assim, a questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se os créditos fiscais que, no ano de 2011, foram reconhecidos à Requerente, em sede de SIFIDE, podem ser deduzidos à colecta produzida pelas tributações autónomas que a oneraram nesse exercício fiscal, na parte em que não podem ser deduzidos à restante colecta de IRC. Há tributações autónomas previstas no CIRC (artigo 88.º do CIRC) e tributações autónomas previstas no CIRS (artigo 73.º do CIRS). A colecta por elas proporcionada constitui colecta do imposto respectivo, estando sujeita à generalidade de normas previstas nos códigos referidos, potencialmente aplicáveis. Quanto ao IRC, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código. Mas, a solução desta questão conceitual da natureza da colecta proveniente das tributações autónomas previstas no CIRC não permite resolver a questão de saber se os créditos provenientes do SIFIDE podem ser deduzidos a essa mesma colecta. Na verdade, o diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência». O n.º 3 do mesmo artigo confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior». Assim, a questão que interessa resolver, é, independentemente da natureza do imposto a que se referem as tributações autónomas, a de saber se o montante das tributações autónomas é «apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC», pois, se o for, terá de se concluir que, para determinar o limite da dedução, se atende à colecta proveniente das tributações autónomas. O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10). Por isso, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária nos termos do artigo 90.º do CIRC, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se às taxas aplicáveis e à respectiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efectuado nos termos do artigo 90.º. As diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável, assenta na determinação da matéria tributável e nas taxas, previstas nos Capítulos III e IV do CIRC, mas não nas formas de liquidação, que se prevêem no Capitulo V do mesmo Código e são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC. Por isso, sendo para o artigo 90.º, inserido neste Capítulo V, que se remete no artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE, não se vê suporte legal para efectuar uma distinção entre a colecta proveniente das tributações autónomas e a restante colecta de IRC, pelo facto de serem distintas as taxas e as formas da determinação da matéria tributável.”
Posição idêntica apresenta o Acórdão do CAAD nº 219/2015-T, que sublinha:
“É certo que, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, as tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções. Mas, também é certo que, como está ínsito naquela afirmação, essas tributações autónomas apenas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais, e os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF). E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, como se infere do facto de estes benefícios serem indicados como estando especialmente excluídos do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC. Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas. Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC. No que concerne à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a inconstitucionalidade desta interpretação por incompatibilidade «com os princípios constitucionais da legalidade tributária, da igualdade na repartição da carga tributária, da prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e da tributação pelo lucro real, nos termos do disposto nos artigos 13.º e 103.º, n.º 1 e 2 da CRP», não é explicitado pela Autoridade Tributária e Aduaneira porque é entende que essa incompatibilidade existe, nem se vislumbra como possa existir. Na verdade, quanto ao princípio da legalidade tributária, a interpretação legal é a defendida pela Requerente, pelo que se disse, sendo ilegal a interpretação defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Por outro lado, o princípio da legalidade abrange a forma de liquidação dos tributos, só podendo a sua liquidação ser efectuada «nos termos da lei» [artigos 103.º, n.º 3, da CRP e 8.º, n.º 2, alínea a) da LGT, pelo que, a não ser aplicável o artigo 90.º do CIRC à liquidação de tributações autónomas, teria de se concluir que não existiria no CIRC qualquer norma sobre a forma de liquidação destas tributações, o que se reconduziria a que enfermaria de inconstitucionalidade a sua liquidação, por ofensa do em princípio da legalidade, que se não compagina liquidação de tributos sem os termos em que ela se efectua estarem previstos na lei. No que concerne aos princípios da igualdade na repartição da carga tributária, da prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e da tributação pelo lucro real também não se vê que colidam com a interpretação da Requerente, pois esta é aplicável à generalidade dos contribuintes que estejam na mesma situação e os benefícios fiscais, se é certo que diminuem a carga fiscal, têm justificação em razões de interesse público que se sobrepõem aos interesses da tributação, como se referiu.”
Também o Acórdão do CAAD nº 369/2015-T, no que se reporta ao RFAI, apresenta semelhante entendimento:
“Uma interpretação da lei, não expressamente imposta pelo texto legal, que restrinja o “aproveitamento” dos benefícios fiscais em causa feriria a credibilidade das “promessas legislativas” em matéria fiscal, seria, em suma, contrária ao princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito. Aceite a dedutibilidade à coleta das tributações autónomas dos créditos resultantes do RFAI, pergunta-se: relativamente a um grupo de sociedades sujeito ao RETGS, a dedução deverá ser feita à coleta das tributações autónomas relativa ao conjunto das sociedades do grupo ou apenas relativamente à de cada uma das sociedades que aproveitou de tal benefício fiscal? Pensamos que a resposta decorre diretamente da lei, uma vez que o n.º 6 do art.º 90º do CIRC dispunha que quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1”.
Entendimento esse que é reforçado pelo Acórdão do CAAD nº 370/2015-T, que decidiu nos mesmos termos.
Tendo em conta o disposto nos diplomas legais à data, e conforme o entendimento da maioria da jurisprudência arbitral, terá, portanto, de se entender que deveria ser admitido pela Autoridade Tributária a dedução dos benefícios fiscais (nomeadamente de SIFIDE) pela Requerente à colecta da tributação autónoma, pelo que as autoliquidação de IRC terão de se considerar como ilegais.
B) DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Como refere o nº 1 do artigo 43º da LGT, são devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Como decorre ainda do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral.
Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.
No caso em apreço, estamos perante declarações de autoliquidação, que foram formuladas nos termos do sistema informático disponibilizado. Ocorre então que as declarações foram formuladas pela Requerente, com as limitações que o sistema informático lhe impôs e não directamente pela Requerida.
Contudo, na situação em apreço, a Requerida, após a apresentação da reclamação graciosa, poderia ter corrigido o erro em causa, o que não fez, indeferindo a mesma.
Estamos, neste caso, perante uma decisão por parte da Autoridade Tributária, decisão essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do artigo 43º da LGT.
Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide artigo. 43º/1 da LGT), podemos entender que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor em questão, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.
5. DECISÃO
Julga-se procedente o pedido de declaração da ilegalidade das autoliquidações de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, da Requerente, relativas ao exercício de 2014 e 2015, no montante correspondente aos montantes de tributação autónoma, de respectivamente € 72.758,65 e € 65.895,33, determinando-se a sua restituição acrescida de juros indemnizatórios, até ao seu integral pagamento.
Fixa-se o valor do processo em € 138.653,98 (cento e trinta e oito mil seiscentos e cinquenta e três euros e noventa e oito cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
O montante das custas é fixado em € 3.060 (três mil e sessenta euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a serem pagos pela Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 11 de Junho de 2018
Os Árbitros
(José Baeta de Queiroz)
(Luís Menezes Leitão)
(Maria Antónia Torres)
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.