Decisão Arbitral
I - Relatório
1. O A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ... n.º..., ...-... Lisboa (doravante designado por “Requerente”), apresentou, em 18-12-2017, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
2. O Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade de três atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), referente ao ano de 2015, no montante de € 158,89 (cento e cinquenta e oito euros e oitenta e nove cêntimos), acrescido de juros compensatórios que se cifram em € 3,59 (três euros e cinquenta e nove cêntimos), perfazendo assim o valor global de € 162,48 (cento e sessenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos), respeitantes a três veículos automóveis e, bem assim, dos atos de indeferimento dos recursos hierárquicos interpostos contra os atos que indeferiram as reclamações graciosas apresentadas pelo Requerente sobre os mencionados atos de liquidação e, consequentemente, determinar o reembolso do valor indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal.
3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 19-12-2017.
5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.
6. O Requerente foi notificado, em 07-02-2018, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
7. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 27-02-2018.
8. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 09-03-2018, apresentou, em 16-04-2018, a sua Resposta
9. A Requerida juntou, em 19-04-2018, o Processo Administrativo.
10. O Tribunal Arbitral por despacho, de 13-06-2018, solicitou que o Requerente indicasse os factos sobre os quais pretendia inquirir as duas testemunhas arroladas no pedido de pronúncia arbitral. O Requerente, em 21-06-2018, indicou os factos constantes do pedido de pronuncia arbitral sobre os quais pretendia a inquirição das testemunhas.
11. O Tribunal Arbitral por despacho, de 21-06-2018, determinou: (i) a dispensa da inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente atendendo à circunstância da matéria de facto, relevante para questão discutida nos presentes autos arbitrais, constar de prova documental; (ii) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, de acordo com os princípios gerais da economia processual e da proibição de atos inúteis e para promover a celeridade, a simplificação e a informalidade do processo arbitral, nos termos do disposto nas alíneas c) e e) do artigo 16.º e n.º 2 do artigo 29.º do RJAT, atendendo a que não foi invocada matéria de exceção nem suscitadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido; (iii) caso as partes pretendam proferir alegações escritas, estas deverão ser produzidas no prazo de 10 dias, a partir da notificação do presente despacho; (iv) indicar o dia 13 de julho de 2018 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral, devendo, até a essa data, o Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o respetivo pagamento ao CAAD.
12. O Requerente apresentou, em 03-07-2018, as alegações.
13. Em 04-07-2018, a Requerida apresentou as alegações, tendo, em 09-07-2018, remetido novas alegações, devido ao fato das primeiras alegações enviadas conterem inexatidões.
14. A posição do Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:
14.1. Nos presentes autos discute-se a legalidade de três atos de liquidação de IUC, de que o Requerente foi notificado na qualidade de anterior entidade locadora e proprietária de três veículos, em relação aos quais, na data da exigibilidade do IUC, já havia terminado o respetivo contrato de locação financeira e consequentemente sido transmitida a propriedade dos veículos para os anteriores locatários.
14.2. Sobre a presunção consagrada no n.º 1 do artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação (Código do IUC), a jurisprudência arbitral tem sido consensual no sentido de considerar que o legislador não determinou que o proprietário é sempre, obrigatoriamente, aquele que consta do registo automóvel e serviu-se apenas do registo para que, salvo prova em contrário, assim ficasse determinada a propriedade.
14.3. Em suma, trata-se de uma presunção (e não de uma ficção) relativa à incidência subjetiva do imposto, e que terá de ser necessariamente ilidível, em conformidade com o prescrito no artigo 73.º da LGT, o qual determina que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.
14.4. Nos termos do artigo 429.º do Código do Processo Civil, e uma vez que os factos que se pretendiam provar têm relevância para a decisão da causa – o cumprimento da obrigação constante do artigo 19.º do Código do IUC que, não obstante ter natureza acessória e nunca poder vir assim a ter impacto na determinação do sujeito passivo do imposto –, deve o Tribunal proceder à notificação da Requerida para juntar aos autos os documentos que provem o (in)cumprimento da obrigação controvertida. E caso assim não se entenda, ainda assim, tal facto jamais poderia ter consequências em sede de incidência subjetiva do imposto.
14.5. O Requerente para afastar tal presunção, juntou ao seu Pedido de Pronúncia Arbitral faturas respeitantes à transmissão de cada uma das viaturas automóveis em causa, as quais, após boa cobrança, valiam igualmente como recibos.
14.6. Se havia sérias dúvidas da veracidade da prova documental junta nos presentes autos, não restava outra alternativa à AT senão recorrer aos mecanismos processuais adequados – o que não se verificou.
14.7. Acresce que também não assiste razão à AT quando alega que “a Requerente não logrou provar a pretensa transmissão dos veículos aqui em causa”, isto porque a Requerente procedeu à junção das faturas respeitantes às transmissões daqueles veículos, apesar de a Requerida não ter relevado tal acontecimento.
14.8. Ora, a fatura é justamente o documento que tem sido utilizado nos restantes processos arbitrais para comprovar a transmissão das viaturas automóveis e que sempre cumpriu, nessa sede, o seu exato propósito.
14.9. Em suma, não resta outra alternativa senão indeferir liminarmente as pretensões da AT quanto à alegada insuficiência das faturas juntas pelo Requerente, uma vez que as mesmas conduzem à conclusão de que o Requerente não era a proprietário dos veículos automóveis a que respeitam os atos tributários aqui em apreço.
14.10. Assim, os atos de liquidação de IUC que se contestam padecem de manifesta e irremediável ilegalidade, por terem sido emitidos ao abrigo de um erro crasso de facto sobre os pressupostos e, portanto, de uma violação flagrante da lei.
14.11. Relativamente à responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais e dos juros indemnizatórios, o Requerente sublinha que, nos termos da jurisprudência arbitral, tem sido assacado à AT esta mesma responsabilidade.
14.12. Em rigor, estes atos tributários são da única e exclusiva responsabilidade da AT, que, por conseguinte, não poderá deixar de assumir as custas arbitrais e ser devidamente responsabilizada pelo pagamento de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal.
15. A posição da Requerida, expressa na resposta e nas alegações, pode ser sintetizada no seguinte:
15.1. Ainda que se concluísse estarmos perante contratos de locação financeira outorgados pelo Requerente, sempre cabia a este último demonstrar ter dado cumprimento à obrigação acessória imposta pelo artigo 19.º do Código do IUC e nenhuma prova fez o Requerente quanto ao cumprimento desta obrigação, no que respeita aos veículos automóveis em análise nos autos.
15.2. Consultada a Conservatória do Registo Automóvel, verifica-se que o Requerente consta como proprietário dos veículos automóveis, conforme aliás atesta o processo administrativo e a própria P.I. do Requerente.
15.3. De facto, em matéria de locação financeira o Requerente só se poderia exonerar do imposto caso tivesse dado cumprimento à obrigação específica prevista naquela norma do Código do IUC. Neste desiderato, isto é, não tendo o Requerente dado cumprimento àquela obrigação, forçoso é concluir que aquele é o sujeito passivo do imposto.
15.4. Não obstante, o Requerente alegar ter celebrado contratos de locação financeira, certo é que aquele é responsável pelo pagamento dos respetivos IUC, uma vez que não comunicou a existência de locação financeira a que alude o artigo 19.º do Código do IUC.
15.5. Por outro lado, também o Requerente não juntou qualquer documento que prove a transmissão da propriedade do veículo, limitando-se a juntar cópia dos contratos de locação financeira, desconhecendo-se se os mesmos foram cumpridos ou se existem incumprimentos.
15.6. Em suma, o artigo 3.º do Código do IUC não comporta qualquer presunção legal.
15.7. Nestes termos, a não atualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito ativo deste Imposto.
15.8. A posição do Requerente, expressa nos autos, põe em causa, inequivocamente, a segurança e a certeza jurídicas (na medida em que o instituto do registo automóvel deixaria de proporcionar a segurança e a certeza que constituem as suas finalidades principais), assim como o poder-dever de a Requerida liquidar impostos.
15.9. Assim, os atos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IUC e do artigo 6.º do mesmo código, era o Requerente, na qualidade de proprietário, o sujeito passivo do IUC.
15.10. O Requerente veio instruir o seu pedido de pronúncia arbitral com a junção dos contratos de locação. Daqui decorre naturalmente a seguinte questão: constituirão os contratos prova suficiente para abalar a (suposta) presunção legal estabelecida no artigo 3.º do Código do IUC? Claramente que não, pelo que se impugnam para todos os efeitos legais os documentos juntos à P.I.
15.11. Efetivamente, os contratos de locação não provam que foi transmitida a propriedade sobre o veículo automóvel. Na verdade, a AT desconhece se o contrato foi cumprido ou se houve transmissão de propriedade. Com efeito, o Requerente não junta um único extrato financeiro ou cheque que prove que o contrato de locação foi cumprido. A prova apresentada pelo Requerente é constituída, exclusivamente, por documentos particulares, unilaterais e internos, com um valor insuficiente para a luz do direito probatório material, negar a validade de factos – a propriedade de veículos – sobre os quais existe uma prova legal – uma presunção legal – que isenta a Requerida de qualquer ónus probatório, e que não e contrariável através de mera contraprova, que lance dúvida sobre os factos provados pela presunção.
15.12. Ora, não tendo o Requerente cuidado da atualização do registo automóvel, como aliás podia e lhe competia e não tendo mandado cancelar as matrículas dos veículos aqui em apreço, forçoso é concluir que o Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível. Assim, levou inexoravelmente a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita e, paralelamente, a seguir a informação registral que lhe foi fornecida por quem de direito. Logo, não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim o próprio Requerente. Consequentemente, deverá o Requerente ser condenado ao pagamento das custas arbitrais e, pelo exposto, não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios.
II - Saneamento
16. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades.
Não foram suscitadas exceções.
Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
III - Mérito
III.1. Matéria de facto
17. Factos provados
17.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
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O Requerente é uma instituição de crédito que, no âmbito da sua atividade, se dedica ao financiamento do sector automóvel, procedendo à celebração - entre outros – de contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis.
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Relativamente ao veículo de matrícula ... (Mês: agosto; Ano: 2000), o Requerente foi notificado para proceder ao pagamento do IUC, referente ao ano de 2015, (Demonstração da liquidação n.º 2015...) proveniente do ato de liquidação, efetuado em 12-11-2016, no valor de 41,72€, acrescido de juros compensatórios, no período de 01-09-2015 a 12-11-2016, no valor de 2,01€, num total de 47,73€ (conforme Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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O Requerente, em 14-12-2016, efetuou o pagamento voluntário do IUC referido na alínea anterior (vd., Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
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O veículo identificado na alínea B) constitui o bem objeto do contrato de locação financeira (n.º 2005/.../...) celebrado, em 24-01-2005, entre o Requerente, na qualidade de locador, e B..., contribuinte n.º..., como locatário (conforme Documento n.º 4 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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O contrato de locação financeira, identificado na alínea anterior, tinha a duração de 60 meses (vd., n.º 2, alínea a), das Clausulas Particulares do contrato de locação financeira junto como Documento n.º 4 anexo ao pedido de pronúncia arbitral).
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O veículo identificado na alínea B) foi vendido, em 28-04-2010, ao anterior locatário (B...) pelo preço de 226,90€, conforme fatura/recibo n.º 2010..., emitida pelo Requerente (vd., Documento n.º 7 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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Relativamente ao veículo identificado na alínea B), em 02-11-2017, foi indeferido, por despacho do Diretor de Serviço Central, o recurso hierárquico (n.º ...2017...) interposto pelo ora Requerente, em 10-07-2017, do indeferimento da reclamação graciosa (n.º ...2017...), proferido através de despacho do Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, de 23-06-2017, do ato de liquidação do IUC relativo ao ano de 2015 (vd., Anexo B junto ao pedido de pronuncia arbitral).
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Relativamente ao veiculo de matrícula ... (Mês: novembro; Ano: 2000), o Requerente foi notificado para proceder ao pagamento do IUC, referente ao ano de 2015 (Demonstração de liquidação n.º 2015...), proveniente do ato de liquidação efetuado em 12-03-2016, no valor de 52,00€ acrescido de juros compensatórios, no período de 01-12-2015 a 12-03-2016, no valor de 0,59€, num total de 52,59€ (conforme Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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O Requerente, em 15-04-2016, efetuou o pagamento voluntário do IUC referido na alínea anterior (vd., Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
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O veículo identificado na alínea H) constitui o bem objeto do contrato de locação financeira (n.º 2000/.../...) celebrado, em 24-11-2000, entre o Requerente, na qualidade de locador, e C... Lda., n.º de pessoa coletiva..., como locatário (conforme Documento n.º 5 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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O contrato de locação financeira, identificado na alínea anterior, tinha a duração de 60 meses (vd., n.º 2 das Clausulas Particulares do contrato de locação financeira junto como Documento n.º 5 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
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O veículo identificado na alínea H) foi vendido, em 23-05-2005, ao anterior locatário (C... Lda) pelo preço de 7.975,75€, conforme fatura/recibo n.º 2005..., emitida pelo Requerente (vd., Documento n.º 8 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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Relativamente ao veículo identificado na alínea H), em 04-09-2017, foi indeferido, por despacho do Diretor de Serviço Central, o recurso hierárquico (n.º ...2017...) interposto pelo ora Requerente, em 26-01-2017, do indeferimento da reclamação graciosa (n.º ...2016...), proferido através de despacho do Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, de 16-12-2016, do ato de liquidação do IUC relativo ao ano de 2015 (vd., Anexo C junto ao pedido de pronuncia arbitral).
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Relativamente ao veículo de matrícula ... (Mês: novembro; Ano: 2005), o Requerente foi notificado para proceder ao pagamento do IUC, referente ao ano de 2015, (Demonstração da liquidação n.º 2015...) proveniente do ato de liquidação, efetuado em 16-04-2016, no valor de 65,17€, acrescido de juros compensatórios, no período de 01-12-2015 a 16-04-2016, no valor de 0,99€, num total de 66,16€ (conforme Documento n.º 3 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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O Requerente, em 23-05-2016, efetuou o pagamento voluntário do IUC referido na alínea anterior (vd., Documento n.º 3 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
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O veículo identificado na alínea N) constitui o bem objeto do contrato de locação financeira (n.º 2005/.../...) celebrado, em 14-10-2005, entre o Requerente, na qualidade de locador, e D... Lda., pessoa coletiva n.º..., como locatário (conforme Documento n.º 6 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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O contrato de locação financeira, identificado na alínea anterior, tinha início a 14-10-2005 e termo a 05-12-2009 (vd., n.º 2, alínea a), das Clausulas Particulares do contrato de locação financeira junto como Documento n.º 6 anexo ao pedido de pronúncia arbitral).
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O veículo identificado na alínea N) foi vendido, em 26-02-2010, ao anterior locatário (D... Lda.) pelo preço de 1.844,63€, conforme fatura/recibo n.º 2010..., emitida pelo Requerente (vd., Documento n.º 9 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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Relativamente ao veículo identificado na alínea N), em 04-09-2017, foi indeferido, por despacho do Diretor do Serviço Central o recurso hierárquico (n.º ...2017...) interposto pelo ora Requerente, em 26-01-2017, do indeferimento da reclamação graciosa (n.º ...20160...), proferido através de despacho do Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, de 16-12-2016, do ato de liquidação do IUC relativo ao ano de 2015 (vd., Anexo D junto ao pedido de pronuncia arbitral).
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Os adquirentes dos veículos, referidos nas alíneas F), L) e P), não tinham, à data dos factos tributários, efetuado os registos de aquisição junto da Conservatória do Registo Automóvel, pelo que, na base de dados desta, o Requerente continuava a figurar como proprietário dos referidos veículos.
17.2. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
17.3. Fundamentação da matéria de facto
Quanto à matéria de facto dada como provada a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação da prova documental junta aos autos.
A Requerida impugna como meio de prova os três contratos de locação financeira, relativos aos veículos supra identificados, apresentados pelo Requerente como Documentos n.ºs 4, 5 e 6 juntos ao pedido de pronúncia arbitral (vd., n.ºs 95.º, 96.º e 97.º da Resposta da Requerida).
Os referidos contratos constituem meios idóneos de prova. Não existem, aliás, quaisquer elementos que permitam entender que os dados inscritos nesses contratos não correspondam à verdade contratual, não vendo este Tribunal razões para os pôr em causa. Aliás, sendo os referidos contratos documentos particulares cabia à Requerida impugnar a veracidade da letra e da assinatura, mas a Requerida não o fez.
Pelo exposto, os contratos de locação financeira apresentados pelo Requerente (vd., n.º 17.1., alíneas D), J) e P) supra) têm força probatória plena, assim como as fatura/recibos relativas à venda dos veículos, objeto dos referidos contratos (vd., n.º 17.1., alíneas F), L) e R) supra), apesar destas não terem sido mencionadas pela Requerida.
Assim sendo, atendendo à matéria em apreciação nos autos, o Tribunal considerou irrelevante a audição das duas testemunhas arroladas pelo Requerente, como oportunamente se decidiu (vd., n.º 11 supra).
17.4. Cumulação de pedidos
O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a três liquidações de IUC, bem como a três decisões de indeferimento, proferidas em sede recurso hierárquico, após o indeferimento expresso de três reclamações graciosas.
Considerando o disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT e atendendo à identidade dos factos tributários, e aos idênticos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta à cumulação dos presentes pedidos.
III.2. Matéria de Direito
18. Em face do exposto, nos números anteriores, a questão principal a apreciar nos presentes autos consiste em saber se, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º. 1, do Código do IUC, o sujeito passivo do IUC é a locadora ou o novo proprietário, caso se tenha verificado que, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, o veiculo continue registado em nome da locadora (seu anterior proprietário) apesar de já ter ocorrido a sua venda.
Cumpre apreciar.
19. O artigo 3.º do Código do IUC, nos seus números 1 e 2, na redação em vigor à data dos factos a que se reporta o presente pedido, dispõe o seguinte:
"1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2. São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes co reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação."
20. A incidência subjetiva do IUC tem sido objeto de numerosas decisões nos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, no sentido de considerar que a norma acima citada contem uma presunção legal que admite prova em contrário.
A este respeito a Decisão Arbitral n.º 145/2017-T (e para cujo teor desde já aqui remetemos) afirma:
“Sobre esta questão, ou seja, a de saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1, do art.º 3.º do CIUC, consagra uma presunção, deve notar-se que a jurisprudência firmada no CAAD aponta no sentido de que a dita norma consagra uma presunção legal ilidível. Com efeito, desde as primeiras Decisões, proferidas sobre esta matéria, no ano de 2013, entre as quais se podem, nomeadamente, referir as proferidas no quadro dos Processos n.ºs 14/2013-T, 26/2013-T e 27/2013-T, até às mais recentes de que se podem indicar as Decisões proferidas no âmbito dos Processos n.º 69/2015-T, n.º 191/2015-T e n.º 202/2015 - T, passando por inúmeras Decisões proferidas no ano de 2014, de que se mencionam, a título de mero exemplo, as Decisões proferidas nos Processos n.ºs 34/2014-T, 120/2014-T e 456/2014 - T, todas apontam para o entendimento de que o n.º 1, do art.º 3.º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.
A este propósito, deve também referir-se a recente Decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida, em 23-01-2017, no Proc. N.º 463/13.4BELRS, onde se considera que a “[…] impugnante logrou ilidir a presunção estabelecida no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC.”
Deve ainda considerar-se o entendimento inscrito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-03-2015, Processo 08300/14, disponível em: www.dgsi.pt, que secunda a referida jurisprudência, quando nele vem expressamente referido que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC “[…] consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível por força do art.º 73.º da LGT”. “
21. A posição constante da Decisão Arbitral supra citada merece a nossa concordância e dispensa-se, por desnecessária, a reprodução da respetiva fundamentação, no presente processo.
22. Concluindo-se, de acordo com o exposto nos n.ºs anteriores, que a norma de incidência subjetiva do IUC consagra uma presunção ilidível, importa verificar se os factos alegados pelo Requerente, nos presentes autos arbitrais, constituem, ou não, prova bastante para a sua elisão.
23. Na factualidade objeto dos presentes autos arbitrais, os veículos relativamente aos quais impendeu o pagamento do IUC foram vendidos em data anterior àquela a que o imposto respeita, apesar de, num caso, a venda ter ocorrido no mesmo ano, mas em mês anterior àquele em que ocorreu o facto gerador e a consequente exigibilidade do imposto (vd., alíneas F), L) e R) do n.º 17.1. supra). Mas os adquirentes dos referidos veículos, não tinham, à data dos factos tributários, efetuado os registos de aquisição junto da Conservatória do Registo Automóvel, pelo que, na base de dados desta, o Requerente continuava a figurar como proprietário dos mesmos (vd., alínea T) do n.º 17.1. supra).
24. Devido à celebração do contrato de compra e venda o proprietário de pleno direito passa a estar abrangido diretamente pelo n.º 1 do artigo 3.º do CIUC. Face ao disposto no artigo 408.º, n.º 1, do Código Civil, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei. É o caso do contrato de compra e venda de veículo automóvel (vd., artigos 874.º e 879.º, alínea a), do Código Civil), o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal.
25. O direito de propriedade dos veículos automóveis está sujeito a registo, nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de fevereiro, com as alterações subsequentes e cuja finalidade, de acordo com o artigo 1.º, n.º 1, consiste em “...dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. Efetivamente, a falta de registo não afeta a validade do contrato de compra e venda, mas apenas a sua eficácia, e mesmo esta, unicamente perante terceiros de boa fé para efeitos de registo.
26. Dos elementos constantes dos autos verifica-se que à data da exigibilidade do imposto a que respeitam as liquidações em causa, o Requerente não era o proprietário dos veículos identificados nos autos, por já anteriormente se ter operado as respetivas transferências de propriedade, nos termos da lei civil.
27. Os meios de prova apresentados pelo Requerente, constituídos por cópias das faturas/recibos de vendas (vd., alíneas F), L) e R) do n.º 17.1. supra) gozam de presunção de veracidade que lhes é conferida nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT. Assim, estes documentos afiguram-se idóneos e com força bastante para ilidir a presunção em que se suportam aquelas liquidações.
28. Aliás, a Requerida não se pronunciou relativamente às cópias das faturas/recibos de vendas e não arguiu fatos que afastem a presunção de veracidade relativamente aos referidos documentos, nos termos das alíneas do n.º 2 do artigo 75.º da LGT.
29. Em consequência do exposto, as liquidações objeto do presente processo arbitral devem ser anuladas com a consequente restituição do imposto indevidamente cobrado ao Requerente.
30. O Requerente solicita também que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
31. Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.
32. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.
33. No presente caso, ainda que se reconheça não ser devido o imposto pago pelo Requerente, não se descortina que, na sua origem, se encontre um erro imputável à AT. Ao promover a liquidação oficiosa do IUC a AT limitou-se a dar cumprimento à norma do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC e imputou a qualidade de sujeito passivo deste imposto à pessoa coletiva em nome da qual os veículos se encontravam registados.
34. O n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC tem a natureza de presunção legal, daí decorre, para a AT, o direito de liquidar o imposto e exigi-lo a essas pessoas, sem necessidade de provar os factos que a ela conduz, conforme expressamente prevê o n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil.
35. Neste termos, julga-se improcedente o pedido no que respeita ao reconhecimento do direito a juros indemnizatório a favor do Requerente.
36. O Tribunal Arbitral, nos termos do atrás exposto, julgou o procedente o pedido principal do Requerente e, por isso, de acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código do Processo Civil, aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a responsabilidade pelo pagamento da taxa arbitral é inequivocamente da Requerida.
IV - Decisão
De harmonia com o exposto, decide-se:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente anular, com todas as consequências legais, as liquidações do IUC, a que se referem os documentos de cobrança anexos ao pedido de pronúncia arbitral, e restituir ao Requerente o imposto indevidamente pago;
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Julgar improcedente o pedido no que respeita ao reconhecimento do direito a juros indemnizatório a favor do Requerente;
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Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo.
V - Valor do Processo
Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 162,48 (cento e sessenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos).
VI - Custas
Custas a cargo da Requerida, no montante de € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 12 de julho de 2018
O Árbitro
Olívio Mota Amador