DECISÃO ARBITRAL
O Árbitro Alexandre Andrade, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 20 de Fevereiro de 2018, decide no seguinte:
Relatório
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A A…, S.A. (adiante designada apenas por Requerente), com sede na …, …, … Piso, em Lisboa, NIF…, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada apenas por Requerida).
A Requerente pretendia que fosse apreciada a legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º …2017…, tendo pedido a anulação da decisão de indeferimento. Decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que, nas “próprias palavras” da Requerente (no Pedido de Pronúncia Arbitral), pugnou pela legalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2016…, respeitante ao exercício de 2012, a qual apurou um montante total a pagar de € 6.183,80, incluindo juros de mora e juros compensatórios, e um resultado fiscal corrigido de € 964.078,25. A Requerente pretendia ainda a condenação da Requerida no pagamento dos respetivos juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 5 de Dezembro de 2017 e posteriormente notificado à Requerida.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 29 de Janeiro de 2018, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 20 de Fevereiro de 2018.
Em 20 de Fevereiro de 2018, o Tribunal Arbitral Singular proferiu Despacho Arbitral para notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional.
Em 21 de Fevereiro de 2018 foi a Requerida notificada para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional.
A Requerida apresentou Resposta em 3 de Abril de 2018, defendendo a improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral e a manutenção na ordem jurídica do ato tributário impugnado, e, como consequência, a absolvição da Requerida do pedido.
A Requerida apresentou o Processo Administrativo em 10 de Abril de 2018.
Por Despacho Arbitral, datado de 12 de Abril de 2018, o Tribunal Arbitral Singular solicitou às Partes, de harmonia com o Princípio do Contraditório, assegurado, designadamente, através da faculdade conferida às Partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo, que se pronunciassem sobre o valor da utilidade económica do pedido. A Requerente e a Requerida apresentaram requerimento em resposta à solicitação do Tribunal Arbitral Singular.
Por Despacho Arbitral, datado de 14 de Maio de 2018, o Tribunal Arbitral Singular solicitou às Partes, também de harmonia com o Princípio do Contraditório, assegurado, designadamente, através da faculdade conferida às Partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo, que se pronunciassem sobre uma potencial situação de incompetência relativa do Tribunal Arbitral Singular em razão do valor. Apenas a Requerente apresentou requerimento em resposta a esta solicitação do Tribunal Arbitral Singular.
No mesmo Despacho Arbitral, datado de 14 de Maio de 2018, decidiu o Tribunal Arbitral Singular, de harmonia com o Princípio da Autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (n.º 2 do artigo 19.º e n.º 2 do artigo 29.º, ambos do RJAT), dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações. O Tribunal Arbitral Singular fixou como prazo para a Decisão Arbitral o dia 13 de Julho de 2018.
As Partes apresentaram alegações.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, ambos do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Antes de mais, há que apreciar a questão da potencial incompetência (relativa) deste Tribunal Arbitral Singular, em razão do valor, uma vez que, se este Tribunal Arbitral Singular não tiver competência para o presente Pedido de Pronúncia Arbitral, não poderá apreciar outras questões. Nos termos do artigo 13.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (adiante designado apenas por CPTA), aplicável por força da alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos [...] é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
Nos termos do n.º 2 do artigo 104.º do Código de Processo Civil (adiante designado apenas por CPC), aplicável pela alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a eventual incompetência relativa em razão do valor é de conhecimento oficioso pelo Tribunal.
2. Matéria de Facto
Analisada a prova documental produzida no âmbito do presente processo, o Tribunal Arbitral Singular considera provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade portuguesa constituída em 1989, cujo objeto social é, para além da gestão e promoção imobiliária, construção, compra, venda, revenda e administração de imóveis, a aquisição de outras sociedades e seu financiamento, assim como a participação em agrupamentos complementares de empresas, consórcios ou outras formas de associação.
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Em termos de IRC, sendo a Requerente uma entidade residente, pelo exercício a título principal de atividade comercial, industrial ou agrícola, a Requerente é tributada pelo regime geral e faz parte da composição do grupo em situação de tributação pelo RETGS, sendo sociedade dominante a B… as SGPS, S.A., com o NIF… .
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A Requerente foi objeto de ação inspetiva, de âmbito geral, aos exercícios de 2012, 2013 e 2014. Tal ação inspetiva foi motivada pela existência de consecutivos prejuízos fiscais.
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Da ação inspetiva à Requerente, respeitante ao exercício de 2012, foi apurado um resultado fiscal corrigido de - € 964.078,25 (valor negativo, devidamente assinalado com o símbolo “-“), que corresponde ao resultado fiscal declarado pela Requerente, no montante de - € 1.829.583,07 (valor negativo, devidamente assinalado com o símbolo “-“), menos as correções propostas à matéria tributável (exercício de 2012) no montante de € 865.504,82.
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A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2016…, respeitante ao exercício de 2012, na qual é indicado: (i) o montante total a pagar de € 6.183,80, incluindo juros de mora e juros compensatórios (correspondente às tributações autónomas), e (ii) o resultado fiscal corrigido de € 964.078,25 (conforme identificado no ponto D anterior).
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O objeto do Pedido de Pronúncia Arbitral é a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa com o n.º …2017…, por Despacho do Senhor Diretor adjunto da Direção de Finanças, datado de 31 de agosto de 2017 e notificado à Requerente no dia 6 de setembro de 2017.
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A decisão sobre a Reclamação Graciosa com o n.º …2017… manteve a legalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2016… (documento de cobrança n.º 2016…), respeitante ao exercício de 2012, a qual apurou um montante total a pagar de € 6.183,80, incluindo juros de mora e juros compensatórios, e um resultado fiscal corrigido de € 964.078,25 (prejuízos fiscais).
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A Requerente apresentou a Reclamação Graciosa com o n.º …2017… e o Pedido de Pronúncia Arbitral por entender: (i) Quanto ao montante apurado, na liquidação adicional ora em crise, a título de tributações autónomas, no valor de € 5.513,70 [...] o mesmo não é devido, uma vez que aquele montante já havia sido liquidado e pago pela B…, S.G.P.S., S.A., no âmbito da autoliquidação então efetuada em sede e para efeitos de Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, a qual ocorreu em moldes individuais na esfera da ora Requerente; (ii) Quanto ao resultado fiscal corrigido de € 964.078,25 [...], o mesmo resultou de uma incorreta interpretação da lei fiscal por parte dos Serviços de Inspeção Tributária que, no âmbito da Ação Inspetiva correspondente à Ordem de Serviço n.º OI2015…/…/…, ao nível de IRC dos exercícios de 2012, 2013 e 2014, que deu origem à aludida liquidação, concluíram que, por referência ao exercício de 2012, deveriam ser efetuadas correções ao resultado fiscal no montante de € 865.504,82 [...], por entenderem que os encargos respeitantes a empréstimos contraídos pela ora Requerente destinados ao financiamento das suas sociedades participadas não são dedutíveis para efeitos do disposto no número 1, do artigo 23.º do Código do IRC.
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A Requerente apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral para a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa com o n.º …2017…, bem como, em consequência, para a apreciação da legalidade da liquidação de IRC n.º 2016…, pedindo a condenação da Requerida na anulação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa identificada com o n.º …2017…, bem como, em consequência, a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2016…, respeitante ao exercício de 2012, a qual apurou um montante total a pagar de € 6.183,80, incluindo juros de mora e juros compensatórios, e um resultado fiscal corrigido de € 964.078,25.
Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e nos documentos juntos ao presente processo.
3. Apreciação da questão da incompetência (relativa)
Nos termos do n.º 2 do artigo 104.º do Código de Processo Civil (adiante designado apenas por CPC), aplicável pela alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a eventual incompetência relativa do Tribunal em razão do valor é de conhecimento oficioso pelo Tribunal.
Nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5.º do RJAT, os tribunais arbitrais funcionam com árbitro singular quando: a) o valor do pedido de pronúncia não ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo (i.e., quando não ultrapasse € 60.000,00) e b) o sujeito passivo opte por não designar árbitro.
Nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral é feito [...] do qual deve constar: e) a indicação do valor da utilidade económica do pedido.
A Requerente optou por não designar árbitro. A Requerente indicou, inicialmente, no Pedido de Pronúncia Arbitral, o valor de € 6.183,80, como o valor da utilidade económica do pedido. Foi, por isso, constituído Tribunal Arbitral Singular.
Porque importante para a fundamentação da presente Decisão Arbitral, reproduzem-se, aqui, os pontos 27 a 37 da Decisão Arbitral (do CAAD), datada de 15 de Fevereiro de 2018, no processo n.º 322/2017-T: 27. Em face do contexto supra, e fruto, desde logo, da introdução (ainda recente) da arbitragem tributária no meio jurídico português, é essencial ao bom funcionamento deste mecanismo uma abordagem prudente na análise destas questões perante a eventualidade de um erro de julgamento lesivo do interesse de qualquer uma das partes[1], posteriormente sujeito às reduzidas possibilidades de impugnação e recurso das decisões arbitrais. 28. A este respeito, e não por acaso, veja-se o disposto no artigo 5.º do RJAT no qual se definem os critérios subjacentes à composição dos tribunais arbitrais, nomeadamente o seu funcionamento com árbitro singular ou com intervenção do coletivo de três árbitros. 29. [...] os tribunais singulares funcionam quando o valor do pedido de pronúncia não ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo (atualmente o valor da alçada é de € 30.000) e o sujeito passivo opta por não designar árbitro. 30. Por outro lado, os tribunais arbitrais funcionam com intervenção do coletivo de três árbitros quando o valor do pedido da pronúncia ultrapasse o aludido limite de duas vezes o valor da alçada ou quando o sujeito passivo opte por designar árbitro (independentemente do valor do pedido da pronúncia). 31. Neste contexto, salienta-se como variável determinante à constituição de um tribunal coletivo o valor do pedido (inicialmente definido pela Requerente), procurando, por esta via, garantir-se a adequada proteção dos direitos e garantias das partes em diferendo, ao promover a análise do tema por um coletivo, e não unicamente por um único árbitro. 32. Com efeito, tal consubstancia um dos principais mecanismos no âmbito da arbitragem tributária no sentido de garantir a necessária ponderação e discussão de qualquer decisão a proferir, particularmente relevante quando o valor do pedido assume um caráter potencialmente material na esfera dos contribuintes, nos termos definidos no referido artigo 5.º. 33. De facto, existem múltiplas referências no artigo 5.º do RJAT ao “valor do pedido”, ainda que não exista nenhuma indicação sobre a forma de o determinar. 34. Neste contexto, refira-se a alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, em que se faz referência à “indicação do valor da utilidade económica do pedido”, como um dos requisitos do pedido de constituição do tribunal arbitral a apresentar pela Requerente. 35. De facto, o RJAT transfere para a Requerente a responsabilidade pela definição inicial do valor da utilidade económica do pedido, ainda que, naturalmente, sujeita a apreciação pelo tribunal, como se verifica no caso em apreço. 36. Neste contexto, não se vislumbra qualquer outra conclusão possível que não seja que a referência do artigo 10.º não é mais do que uma definição (ainda que apenas ligeiramente) mais detalhada do conceito do valor do pedido constante do artigo 5.º. 37. A este respeito, e conforme desenvolvido em doutas decisões arbitrais (veja-se, a título de exemplo, a decisão proferida no âmbito do processo n.º 151/2013T) a legislação subsidiária em relação ao RJAT para este efeito é o CPPT em que se encontram, no artigo 97.º-A, as regras expressas para a determinação do valor da causa, potencialmente aplicáveis a todas as situações referidas no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT.
Em 12 de Abril de 2018 este Tribunal Arbitral Singular proferiu Despacho Arbitral (ver referência no ponto 1. Relatório da presente Decisão Arbitral) onde solicitou às Partes que se pronunciassem sobre o cálculo do valor da causa associado ao presente processo, inicialmente definido pela Requerente em € 6.183,80.
Em face do Despacho produzido (datado de 12 de Abril de 2018), a Requerida respondeu, dizendo: 1. Está sob apreciação nos presentes autos arbitrais a legalidade da liquidação de IRC com o n.º 2016…, respeitante ao ano de 2012, no montante de 6.183,80€. 2. Significa isso que sendo o pedido formulado o de “condenação da AT à restituição do montante de imposto (…) no montante de € 5.513,70, acrescido do pagamento dos respetivos juros indemnizatórios”, a utilidade económica do mesmo, configurado pelo valor da ação, devendo corresponder, segundo o critério de fixação do valor da causa, previsto no art.º 297.º n.º 1 do CPC, a esse montante. 3. Assim, correspondendo a utilidade económica do pedido ao valor da causa, limitada esta pelo pedido efetuado pela Requerente, este será de € 6.183,80.
No seguimento do mesmo Despacho (datado de 12 de Abril de 2018), a Requerente respondeu dizendo: O objeto da presente ação é a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º …2017… [...]. A referida decisão [...] pugnou pela legalidade da liquidação adicional de IRC número 2016…, respeitante ao exercício de 2012, a qual apurou um montante total a pagar de € 6.183,80 [...] e um resultado fiscal corrigido de € 964.078,25, [...] a que corresponde o documento de cobrança n.º 2016... [...]. Neste sentido, estabelece a alínea a) do número 1 do artigo 97.º do CPPT, “Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: (...) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende.” Assim, correspondendo o valor da liquidação cuja anulação se requer nos presentes autos ao montante de € 6.183,80 [...], é esse o valor da utilidade económica do pedido.
Após as respostas das Partes ao Despacho de 12 de Abril de 2018, considerando, por um lado, o valor da liquidação adicional cuja anulação a Requerente requereu, no montante de € 6.183,80 e, por outro, considerando que as correções ao resultado fiscal ascendiam ao montante de € 865.504,82 e que o valor do resultado fiscal corrigido, cuja ilegalidade a Requerente peticionou, era de € 964.078,25, este Tribunal Arbitral Singular, por Despacho Arbitral (ver referência no ponto 1. Relatório da presente Decisão Arbitral), datado de 14 de Maio de 2018, solicitou às Partes que se pronunciassem sobre uma potencial situação de incompetência relativa do Tribunal Arbitral Singular em razão do valor.
É o que aqui de analisa.
A Requerida não se pronunciou.
A Requerente respondeu dizendo (entre outros fundamentos): O objeto da presente ação é a apreciação da declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (“IRC”) número 2016…, respeitante ao exercício de 2012, no valor de 6.183,80 [...]. [...] o pedido da Requerente cinge-se à anulação da “decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º …2017…, com a consequente condenação da AT à restituição do montante de imposto indevidamente pago, no montante de € 5.513,70 [...], acrescido do pagamento dos juros indemnizatórios. Na verdade, a impugnação de correções ao resultado fiscal estaria sujeita ao prazo de 30 dias a que alude a alínea b) do número 1 do artigo 10.º, em conjugação com a alínea b) do número 1 do artigo 2.º, ambos do RJAT, tendo o mesmo sido manifestamente ultrapassado, à data da apresentação do pedido de constituição arbitral.
Veja-se,
A Requerente, no artigo 1.º do Pedido de Pronúncia Arbitral (e na sua resposta ao Despacho Arbitral datado de 12 de Abril de 2018) refere: O objeto da presente ação é a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º …2017… .
A Requerente, na Reclamação Graciosa (artigos 32.º e 33.º e 36.º a 38.º), diz: III. Do Objeto da Reclamação, 32.º Constitui objeto da presente reclamação graciosa o ato tributário de IRC supra identificado, o qual apurou um montante total a pagar de € 6.183,80 [...] e um resultado fiscal corrigido de € 964.078,25 [...]. 33.º O referido ato tributário encontra-se fundamentado (apenas em parte destaque-se, e, no que concerne à correção ao resultado fiscal) no Relatório de Inspeção Tributária [...]. 36.º Nesta senda, conclui o RIT, por referência ao exercício de 2012, que deverão ser efetuadas correções ao resultado fiscal, em sede de IRC, no montante de € 865.504,82 [...]. 37.º No entanto, por não concordar com a correção levada a cabo pelos SIT, relativamente ao exercício de 2012, a qual originou a liquidação cuja legalidade ora se contesta, a Reclamante vem deduzir a presente reclamação graciosa. 38.º A qual recai, concretamente, sobre o ponto “III.1 Gastos de Financiamento do RIT [...].
Diz, ainda, a Requerente na Reclamação Graciosa (artigos 94.º e 95.º): Mas, passaremos, então à apreciação da questão de fundo. B. Da dedutibilidade dos encargos financeiros suportados no interesse das participadas. Conforme referem, e bem, os SIT, no RIT, a questão central “é a de saber se os encargos financeiros suportados pela A… são efetivamente um gasto fiscal enquadrável no artigo 23.º do Código do IRC”.
Terminando a Requerente a sua Reclamação Graciosa (artigos 186.º e 187.º): Nestes termos, a Reclamante contesta as correções do Relatório de Inspeção Tributária relativas aos juros não aceites fiscalmente, no valor de € 865.504,82 [...], respeitantes ao exercício de 2012. Do exposto, resulta que não devia ter sido realizada qualquer correção por parte dos SIT, sendo os encargos financeiros suportados pela Reclamante perfeitamente enquadráveis na alínea c) do artigo 23.º do Código do IRC.
Refere, ainda, a Requerente, no artigo 10.º do Pedido de Pronúncia Arbitral: o objeto da presente ação é a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa [...], bem como, em consequência, a apreciação da legalidade da própria liquidação de IRC.
No artigo 2.º e no artigo 6.º, ambos do Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente refere: a referida decisão (leia-se, decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa) pugnou pela legalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2016…, respeitante ao exercício de 2012, a qual apurou um montante total a pagar de € 6.183,80, incluindo juros de mora e juros compensatórios, e um resultado fiscal corrigido de € 964.078,25 (artigo 2.º) e deste modo, o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral é a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, a qual manteve na ordem jurídica o ato de liquidação de IRC então reclamado, pelo que, também ele é objeto do presente pedido (artigo 6.º).
Conforme indicado no artigo 3.º do Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa (identificada com o n.º …2017…) por entender: (i) Quanto ao montante apurado, na liquidação adicional[2] ora em crise, a título de tributações autónomas[3], no valor de € 5.513,70, o mesmo não é devido[4], uma vez que aquele montante já havia sido liquidado e pago pela B…, S.G.P.S., S.A. (B…), no âmbito da autoliquidação então efetuada em sede e para efeitos de Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), a qual ocorreu em moldes individuais na esfera da ora Requerente, conforme é possível verificar através do confronto com o Campo 367 da Declaração Modelo 22 (DM22) respeitante ao exercício de 2012 da A…; (ii) Quanto ao resultado fiscal corrigido de € 964.078,25[5], o mesmo resultou de uma incorreta interpretação da lei fiscal[6] por parte dos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) que, no âmbito da Ação Inspetiva correspondente à Ordem de Serviço n.º OI2015…/…/…, ao nível de IRC dos exercícios de 2012, 2013 e 2014, que deu origem à aludida liquidação[7], concluíram que[8], por referência ao exercício de 2012, deveriam ser efetuadas correções ao resultado fiscal no montante de € 865.504,82[9], por entenderem que os encargos respeitantes a empréstimos contraídos pela ora Requerente destinados ao financiamento das suas sociedades participadas não são dedutíveis para efeitos do disposto no número 1, do artigo 23.º do Código do IRC.
Nos artigos 46.º e 47.º do Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente diz: Conforme referido, quanto à alegada não dedutibilidade dos encargos financeiros, o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, proferido [...], daí que, quanto a esse ponto, o presente pedido de pronúncia irá rebater os argumentos invocados pelos SIT. Face ao exposto, não pode a ora Requerente se conformar com tal decisão de indeferimento [...].
A Requerente individualizou o “do Direito”, no Pedido de Pronúncia Arbitral, em dois pontos distintos. Veja-se. Por um lado, considera a Da duplicação de coleta das tributações autónomas, referindo, (i) no artigo 48.º do Pedido de Pronúncia Arbitral: conforme supra já explicado, quanto ao montante apurado a titulo de tributações autónomas, no valor de € 5.513,70, entende a Requerente que o mesmo não é devido, uma vez que, aquele montante já havia sido liquidado e pago pela B…, no âmbito do RETGS, por referência ao período de tributação de 2012; (ii) no artigo 79.º do Pedido de Pronúncia Arbitral: É que, na verdade, as tributações autónomas constantes da liquidação adicional ora em análise, tratam-se, precisamente, das mesmas tributações autónomas constantes da DM 22 de IRC de 2012, no mesmo montante de € 5.513,70 e (iii) no artigo 81.º do mesmo Pedido de Pronúncia Arbitral: Razão pela qual a Requerente pede [...] a anulação e consequente restituição da legalidade, nomeadamente procedendo à devolução do montante de imposto entretanto pago em excesso. Por outro, considera a Da dedutibilidade dos encargos financeiros respeitantes a empréstimos destinados ao financiamento das participadas, referindo, (i) no artigo 106.º do Pedido de Pronúncia Arbitral: O cerne da questão em apreço nos presentes autos é saber se os encargos financeiros suportados pela ora Requerente estão abrangidos pelo artigo 23.º do Código do IRC e (ii) no artigo 180.º do mesmo Pedido de Pronuncia Arbitral: Do acima exposto, resulta inequívoco para a Requerente que os juros pagos à B… como contrapartida dos suprimentos prestados, na parte em que se dirigiram a suprir carências e/ ou necessidades financeiras das participadas da Requerente, constituem gasto fiscal, dedutível [...].
A Requerente, tal como referido no artigo 187.º do Pedido de Pronúncia Arbitral, pede a condenação da AT[10] (leia-se, Requeria) na anulação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa identificada com o n.º …2017…, bem como, em consequência, a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2016…, respeitante ao exercício de 2012, a qual apurou um montante total a pagar de € 6.183,80 (...), incluindo juros de mora e juros compensatórios, e um resultado fiscal corrigido de € 964.078,25 (...).
A Requerente, nas alegações (artigo 8.º) refere expressamente: são duas as questões essenciais a decidir neste processo[11]: (i) a existência de duplicação de coleta das tributações autónomas; (ii) a dedutibilidade dos encargos financeiros respeitantes a empréstimos destinados ao financiamento das participadas.
Nas alegações, a Requerente individualizou, tal como o fez no Pedido de Pronúncia Arbitral, os dois pontos: (i) Da duplicação de coleta das tributações autónomas e (ii) Da dedutibilidade dos encargos financeiros respeitantes a empréstimos destinados ao financiamento das participadas.
Como indicado pela Requerente nos artigos 3.º e 32.º do Pedido de Pronúncia Arbitral: [...] concluíram que, por referência ao exercício de 2012, deveriam ser efetuadas correções ao resultado fiscal no montante de € 865.504,82 (artigo 3.º do Pedido de Pronúncia Arbitral) e mantiveram as correções que se seguem: juros não aceites fiscalmente - € 865.504,82 (quadro do artigo 32.º do Pedido de Pronúncia Arbitral).
A Requerida, na Resposta (ponto 1 e 2) diz: A Requerente intentou a presente ação arbitral da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2017… apresentada contra a liquidação de IRC com o n.º 2016…, respeitante ao exercício de 2012. Requerendo a sua anulação, alegando sucintamente que: 2.1. “Estão reunidos os pressupostos da duplicação da coleta, fundamentando a mesma na ilegalidade da liquidação de tributações autónomas”[12]; 2.2. “Os encargos financeiros destinados ao financiamento da sua participada C…, S.A. são fiscalmente dedutíveis[13], por se afigurarem indispensáveis à obtenção de lucros futuros e ainda que assim não se considere, por serem indubitavelmente indispensável à manutenção da fonte produtora (…) ”sendo que “a atividade de financiamento de participadas ainda se encontra abrangida pelo objeto social da ora Requerente, e, indubitavelmente, pelo seu escopo social, visando, sem sombra de dúvidas, a manutenção da fonte produtora”.
A Requerida também individualizou em dois pontos a sua defesa “por impugnação” (Resposta da Requerida) e as suas alegações. Por um lado, Tributações autónomas, por outro Encargos financeiros.
Diz, ainda, a Requerida, na Resposta (ponto 24 e 25): Da factualidade apurada, em sede inspetiva, resultou que a questão essencial e sub judice nos presentes autos, é saber se os encargos financeiros resultantes do financiamento que a Requerente obteve e com o qual financiava as suas associadas, não fazendo repercutir a totalidade desses gastos às entidade beneficiadas, podiam ser enquadrados no artigo 23.º do CIRC, ou se pelo contrário, os mesmos não integravam os requisitos de admissibilidade de custos estabelecidos neste preceito[14]. E da fundamentação do ato recorrido, que aqui se dá por integralmente reproduzida, resulta manifestamente demonstrado que a Administração Fiscal não poderia aceitar como custo fiscal os encargos financeiros[15] relativos ao financiamento das entidades associadas da Requerente e que não estavam a ser utilizados na sua atividade, enquanto entidade autónoma.
Diz, a Requerida, nas alegações, (ponto 1, 2 e 3): 1. A Requerente intentou a presente ação arbitral da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2017… apresentada contra a liquidação de IRC com o n.º 2016…, respeitante ao exercício de 2012. 2. Requerendo a sua anulação, alegando sucintamente que: 2.1. “Estão reunidos os pressupostos da duplicação da coleta, fundamentando a mesma a ilegalidade da liquidação de tributações autónomas”; 2.2. “Os encargos financeiros destinados ao financiamento da sua participada C…, S.A. são fiscalmente dedutíveis, por se afigurarem indispensáveis à obtenção de lucros futuros e ainda que assim não se considere, por serem indubitavelmente indispensável à manutenção da fonte produtora (…) ” sendo que “a atividade de financiamento de participadas ainda se encontra abrangida pelo objeto social da ora Requerente, e, indubitavelmente, pelo seu escopo social, visando, sem sombra de dúvidas, a manutenção da fonte produtora”. 3. A AT pugna pela manutenção na ordem jurídica dos atos impugnados por entender que os mesmos consubstanciam uma correta aplicação do direito aos factos.
Ou seja, no caso em apreço, a Requerente queria ver analisadas e decididas por este Tribunal Arbitral Singular duas situações individuais e perfeitamente delimitadas, resultantes do indeferimento da Reclamação Graciosa. Por um lado, a Requerente considera que o montante apurado na liquidação adicional, a título de tributações autónomas, no valor de € 5.513,70, não é devido, devendo ser, por já ter sido pago, restituído à Requerente (acrescido dos juros). Por outro, a Requerente considera que o resultado fiscal corrigido de € 964.078,25 resultou de uma incorreta interpretação da lei fiscal.
E, por isso, diz a Requerente (no Pedido de Pronúncia Arbitral) que o objeto da presente ação é a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa [...], bem como, em consequência, a apreciação da legalidade da própria liquidação de IRC.
Tal como exigido pela alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral deverá conter a indicação do valor da utilidade económica do pedido.
Porque importante para a fundamentação da presente Decisão Arbitral, reproduz-se, aqui, parte do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, datado de 13 de Março de 2014, no processo n.º 07125/13: Nos termos do artigo 296.º/1, do CPC, «[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido». Dispõe o artigo 297.º/1, do CPC, que «[s]e pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício». Por seu turno, determina o artigo 32.º, n.º 1, do CPTA, «[q]uando pela ação se pretenda obter o pagamento de quantia certa, é esse o valor da causa»; nos termos do n.º 2 do preceito, «[q]uando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício».
Em termos gerais, as regras de determinação do valor do processo, i.e., as regras de fixação do valor da causa nos processos tributários, são as constantes do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (adiante designado apenas por CPPT). Nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do referido artigo 97.º-A do CPPT, os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende; b) Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado; [...].
Como Ensina Jorge Lopes de Sousa[16], nos processos de arbitragem tributária não há alçada, pelo que, a fixação do valor da causa apenas releva para efeitos de custas e para determinar se o processo é julgado por Tribunal Arbitral singular ou coletivo[17]. O valor da causa deve ser indicado pelo sujeito passivo no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, correspondendo à utilidade económica do pedido. Assim, quando são impugnados atos de liquidação [...], o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, que corresponde à utilidade económica do pedido [...]. Mas, a viabilidade prática de aplicação de uma norma a determinada situação jurídica, constitui, naturalmente, um requisito indispensável da sua utilização, pois a impossibilidade natural é um obstáculo intransponível a tudo, inclusivamente à aplicação de qualquer norma. Por isso, a referida alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º tem de ser interpretada restritivamente, com a limitação natural e forçosa de que o valor dos processos arbitrais será a utilidade económica do pedido, quando for possível determinar a utilidade. Há litígios [...] que não têm utilidade económica determinável, pois a sua definição depende de fatores que não são conhecidos no momento da apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, nem mesmo o serão até ao termo do processo. Semelhante inviabilidade de determinação da utilidade económica do litigio ocorre nos pedidos de declaração de ilegalidade de atos de fixação de matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, designadamente por quando a matéria tributável for negativa (prejuízos fiscais), pois os prejuízos apurados poderão mesmo nunca vir a ser relevantes para a prática de qualquer ato de liquidação, já que essa relevância dependerá de em algum ou alguns dos períodos de tributação em que for legalmente admissível fazer o reporte dos prejuízos [...]. Nestas situações em que a utilidade do pedido não é determinável, não contendo o RJAT qualquer critério de determinação do valor dos litígios, haverá que atender à legislação subsidiária, designadamente o artigo 97.º-A do CPPT, que contém regras expressas para a determinação do valor da causa, potencialmente aplicável a todas as situações referidas no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT. Nas alíneas b) e [...] estabelece-se que o valor atendível quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável é o valor contestado.
O Parecer do Chefe de Equipa, com o qual concordou a Diretora de Finanças Adjunta, confirma o teor do Relatório de Inspeção Tributária (adiante designado apenas por RIT). Veja-se: 2 – as correções propostas às matérias tributáveis do IRC dos anos de 2012 [...], nos montantes de € 865.504,82, [...].
Ou seja, o RIT concluiu por um resultado fiscal corrigido no montante de - € 964.078,25 (valor negativo, devidamente assinalado com o símbolo “-“), correspondente a um resultado fiscal declarado no montante de - € 1.829.583,07 (valor negativo, devidamente assinalado com o símbolo “-“), menos as correções propostas no montante de € 865.504,82.
A liquidação adicional de IRC n.º 2016…, respeitante ao exercício de 2012, indica, por um lado, o montante total a pagar de € 6.183,80 (a título de tributações autónomas) e por outro, indica os prejuízos fiscais no montante de € 964.078,25 (prejuízos estes considerados após a referida correção à matéria tributável). Refira-se, a este propósito, como já se salientou, que os prejuízos fiscais antes da correção proposta pelo RIT (resultado fiscal declarado pela Requerente) eram de - € 1.829.583,07 (valor negativo, devidamente assinalado com o símbolo “-“).
Nos termos do já citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, datado de 13 de Março de 2014, no processo n.º 07125/13: Estatui, por seu turno, o artigo 97.º-A, do CPPT: «1. Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: // a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende; // b) Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado». No caso em exame, está em causa impugnação judicial do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC de 2008. O pedido centra-se na anulação da liquidação em causa; o seu fundamento reside nos vícios assacados à determinação da matéria coletável por métodos indiretos, consistentes na preterição do dever de fundamentação expressa, na preterição de audição prévia do contribuinte, da falta de pressupostos legais de aplicação dos métodos indiretos e de erro na quantificação da matéria coletável. O despacho recorrido fixou o valor da causa em €2.234.533,18, com base no disposto no artigo 97.º-A/1/b), do CPPT. A censura dirigida pela recorrente centra-se quer na errónea aplicação ao caso exame do preceito do artigo 97.º-A/1, a) e b), do CPPT, quer na errónea quantificação do benefício económico a obter com a procedência da ação. Vejamos. No que respeita à determinação da utilidade económica do pedido, «[h]á que ter em conta [que este] se funda sempre na causa de pedir que o explica e delimita[18]. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para o apuramento do valor da causa». A causa de pedir consiste no facto constitutivo da situação jurídica que o autor quer fazer valer ou negar, cabendo-lhe a função de individualização e de delimitação do pedido[19]. No caso em exame, está em causa impugnação judicial intentada contra o silêncio negativo incidente sobre o pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC de 2008, tendo em vista a anulação da referida liquidação. A intenção impugnatória em liça centra-se no alegado carácter erróneo do ato de fixação da matéria coletável, apontando-lhe a impugnante os vícios que acima se discriminam. Assim sendo, a causa de pedir da intenção impugnatória dos autos centra-se na alegada errónea fixação da matéria coletável, por métodos indiretos. O que a impugnante questiona é a fixação da matéria coletável por métodos indiretos e a consequente desconsideração do princípio declarativo, ou seja, o que se pretende com a presente impugnação é a repristinação da situação jurídico-fiscal que existiria não fosse a prática do ato de fixação da matéria coletável por métodos indiretos crismado ilegal. A fixação da matéria coletável por parte da AF, nos termos do artigo 92.º/6, da LGT, cifrou-se em €0,00 (n.º 3.º do probatório), sendo que a matéria coletável pela qual a impugnante pugna corresponde à que foi por si declarada, ou seja, a correspondente a prejuízos fiscais de € 304.301,31 (n.ºs 1 e 7 do probatório). Donde decorre que este último quantitativo corresponde ao benefício económico a obter com a procedência da presente ação, pelo que o pedido se centra na anulação parcial da liquidação impugnada na parte em que desconsiderou os prejuízos fiscais declarados de € 304.301,31[20], sendo este o valor da ação[21], nos termos do artigo 97.º-A/1/a), do CPPT.
Nas próprias palavras do Tribunal Central Administrativo do Sul[22], a causa de pedir consiste no facto constitutivo da situação jurídica que o autor quer fazer valer ou negar, cabendo-lhe a função de individualização e de delimitação do pedido.
De facto, como amplamente referido acima, a Requerente considerou (querendo fazer valer essa situação jurídica), para seu benefício económico (benefício económico a obter com a procedência da ação[23]), individualizando e delimitando para efeitos do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, duas questões. Por um lado, a Requerente considerou, requerendo a sua anulação, o valor da liquidação adicional no montante de € 6.183,80. Por outro, a Requerente considerou, peticionando a sua ilegalidade, também para efeitos do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, as correções ao resultado fiscal (as quais ascendem ao montante de € 865.504,82) e o valor do resultado fiscal corrigido.
E, por isso, a Requerente disse (no Pedido de Pronúncia Arbitral) que o objeto da presente ação é a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa [...], bem como, em consequência, a apreciação da legalidade da própria liquidação de IRC, pedindo a condenação da Requerida na anulação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa identificada com o n.º …2017…, bem como, em consequência, a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2016…, respeitante ao exercício de 2012, a qual apurou um montante total a pagar de € 6.183,80, incluindo juros de mora e juros compensatórios, e um resultado fiscal corrigido de € 964.078,25.
Entente este Tribunal Arbitral Singular que o pedido da Requerente não se cinge “apenas” à anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, com a consequente condenação da Requerida à restituição do montante de imposto indevidamente pago, no montante de € 5.513,70, acrescido do pagamento dos respetivos juros indemnizatórios (como indica a Requerente na sua resposta ao Despacho Arbitral datado de 14 de Maio de 2018, sobre “uma potencial situação de incompetência relativa”).
O pedido da Requerente é no sentido da condenação da Requerida na anulação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa identificada com o n.º …2017…, bem como, em consequência, a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2016…, respeitante ao exercício de 2012, a qual apurou um montante total a pagar de € 6.183,80, incluindo juros de mora e juros compensatórios, e um resultado fiscal corrigido de € 964.078,25.
Ou seja, a Requerente pediu a este Tribunal Arbitral Singular a análise e decisão sobre duas situações individuais e perfeitamente delimitadas, resultantes do indeferimento da Reclamação Graciosa: (i) por um lado, considera que o montante apurado na liquidação adicional a título de tributações autónomas, no valor de € 5.513,70, não é devido, (ii) por outro, considera que o resultado fiscal corrigido de € 964.078,25 resultou de uma incorreta interpretação da lei fiscal.
Porque importante para a fundamentação da presente Decisão Arbitral, reproduzem-se, aqui, os pontos 43 a 45 e 47 a 52 da já referida Decisão Arbitral (do CAAD), datada de 15 de Fevereiro de 2018, no processo n.º 322/2017-T: 43. De facto, verifica-se que a liquidação em apreço resulta unicamente do impacto em sede de Derrama Municipal, não existindo, portanto, qualquer tipo de encargo adicional direto em sede de IRC por via dos ajustamentos efetuados ao resultado fiscal da Requerente. 44. Com efeito, e fruto do contexto descrito, entende o presente Tribunal que a consideração do valor a pagar por conta de um imposto autónomo do IRC para efeitos da determinação do valor do pedido no presente processo, sem prejuízo de constar da mesma nota de liquidação, suscita fundadas dúvidas no sentido de garantir o necessário equilíbrio na definição do valor da utilidade económica do presente pedido de pronúncia arbitral. 45. De facto, a jurisprudência e doutrina produzida sobre esta matéria admite os desafios associados à interpretação desta temática, decorrente das várias fontes de direito disponíveis, nem sempre coerentes entre si e que dificultam a aplicação de uma abordagem sistemática, simples e clara à determinação do valor relevante, desde logo para determinar a utilidade económica do pedido e, por consequência, a necessidade do mesmo ser analisado no âmbito de um Tribunal Arbitral Coletivo. 47. Veja-se ainda o caso em que a potencial correção fosse de dezenas de milhões de euros, ainda que a liquidação espelhasse um valor a pagar de apenas € 1 (fruto, por exemplo, da existência de prejuízos fiscais), pelo que não se comprovando um valor de utilidade económica distinto, resultaria daí potencialmente um valor do pedido equivalente ao valor a pagar, sendo o processo analisado por um árbitro singular (não tendo existido opção em contrário), com claros prejuízos em todos mecanismos de proteção dos direitos e garantias das partes envolvidas. 48. Com efeito, e novamente salientando-se a necessidade de utilizar o mecanismo da arbitragem tributária de forma conscienciosa, prudente e responsável, afigura-se ao Tribunal que o valor do pedido, relevante para efeitos da aplicação do artigo 5.º do RJAT, não pode corresponder, neste caso, ao valor da liquidação paga pela Requerente no montante de € 6.858,91 quando existem correções objeto de contestação no total de € 817.389,93[24]. 49. A este respeito, saliente-se ainda a necessidade de aferir a utilidade económica de um determinado pedido não com base no seu mero efeito imediato (que poderá ser muito reduzido ou mesmo inexistente), mas considerando, igualmente, o seu potencial impacto futuro[25]. 50. Neste contexto, reconhece o presente tribunal a escassa doutrina e jurisprudência sobre o conceito da utilidade económica do pedido relevante para o presente efeito, reconhecendo que, em determinadas situações, tal possa ser suscetível de divergência de posição. 51. De facto, e conforme amplamente discutido anteriormente, considera o presente tribunal que a interpretação literal do valor da nota de liquidação de um imposto para a determinação do valor do pedido suscitaria graves questões de iniquidade e um sério risco na correta abordagem em sede arbitral [Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade in Contencioso Tributário, Volume II, Almedina, 2017], por exemplo, em situações em que eventuais correções ao resultado fiscal de um contribuinte fossem apreciadas por um Tribunal Arbitral Singular quando, pelo disposto no RJAT e pelo espírito do legislador com a introdução da arbitragem tributária, tal deveria ser objeto de apreciação por um Tribunal Arbitral Coletivo (quando o valor do pedido seja superior a € 60.000). 52. Neste contexto, e por forma a não esvaziar de sentido o disposto no artigo 5.º e 10.º do RJAT no que se refere ao valor do pedido (entenda-se, utilidade económica do pedido), considera o tribunal que deverá ser considerado[26], não havendo sido disponibilizada informação adicional pela Requerente em sentido contrário, o montante de € 817.389,93, correspondente ao somatório das correções propostas pela Requerida em sede de inspeção tributária e objeto de contestação neste pedido de pronúncia arbitral[27].
Como acima referido, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do RJAT, os tribunais arbitrais funcionam com árbitro singular quando: a) o valor do pedido de pronúncia não ultrapasse duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, i.e., quando o valor do pedido de pronúncia não ultrapasse os € 60.000,00.
Tendo sido pedido pela Requerente a anulação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa identificada com o n.º …2017…, bem como, em consequência, a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2016…, respeitante ao exercício de 2012, a qual apurou um montante total a pagar de € 6.183,80, incluindo juros de mora e juros compensatórios, e um resultado fiscal corrigido de € 964.078,25, este Tribunal foi chamado a analisar e decidir, não só a legalidade do “montante total a pagar de € 6.183,80” (a titulo de tributações autónimas), mas também, a legalidade das correções à matéria tributável, relativa ao exercício de 2012, no montante de € 865.504,82, que deram origem à correção do resultado fiscal.
Considerando, por um lado, o valor da liquidação adicional cuja anulação a Requerente requer, no montante de € 6.183,80 e, por outro, considerando que as correções ao resultado fiscal ascendem ao montante de € 865.504,82 e que o valor do resultado fiscal corrigido, cuja ilegalidade a Requerente peticiona, é de € 964.078,25, entende este Tribunal Arbitral Singular que deverá ser considerado, para efeitos de valor da causa, o montante de € 871.688,62, correspondente ao somatório do montante de € 6.183,80 (a título de tributações autónomas) e do montante de € 865.504,82 (correções ao resultado fiscal declarado).
4. Decisão
Termos em que este Tribunal Arbitral Singular decide declarar-se incompetente em razão do valor da causa, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 24.º do RJAT.
5. Valor do processo
O valor do processo é fixado em € 871.688,62.
6. Custas
Entende este Tribunal Arbitral Singular que o valor a considerar para efeitos de determinação das custas no presente Pedido de Pronúncia Arbitral é o valor que motivou a constituição deste Tribunal Arbitral Singular, i.e., o valor de € 6.183,80, correspondente ao valor que foi inicialmente indicado pela Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral[28].
Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente, uma vez que, é da sua responsabilidade a definição e indicação do valor do pedido que suscitou a constituição do presente Tribunal Arbitral Singular.
Notifique-se.
Lisboa,13 de Julho de 2018
Tribunal Arbitral Singular
O Árbitro,
(Alexandre Andrade)
[1] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[2] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[3] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[4] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[5] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[6] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[7] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[8] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[9] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[10] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[11] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[12] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[13] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[14] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[15] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[16] Jorge Lopes de Sousa, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2017.
[17] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[18] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[19] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[20] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[21] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[22] Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, datado de 13 de Março de 2014, no processo n.º 07125/13.
[23] Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, datado de 13 de Março de 2014, no processo n.º 07125/13.
[24] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[25] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[26] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[27] Destaque e sublinhado deste Tribunal.
[28] No mesmo sentido, ver a Decisão Arbitral (do CAAD), datada de 15 de Fevereiro de 2018, no processo n.º 322/2017-T.