Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
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As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
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A..., S.A., (doravante designada por “requerente” ou “A...”) pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-..., concelho de Vale de Cambra, requereu a constituição de Tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por “RJAT”) e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa supra identificada, e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), os atos de autoliquidação de IRC da requerente relativos aos exercícios de 2014 e 2015, na medida correspondente à não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma de incentivos fiscais em IRC, designadamente os benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) e do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), ou, subsidiariamente, na medida em que é indevida a liquidação de tributação autónoma.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 29-11-2017, foi imediatamente aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 18-01-2018, a ora signatária como árbitro para constituir o Tribunal Arbitral singular. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 07-02-2018. Em 08-02-2018 foi proferido despacho arbitral, de imediato notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), para apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.
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Em 13-03-2018 a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida. Por despacho arbitral de 27-03-2018 foi notificada a Requerente para se pronunciar sobre a produção da prova testemunhal indicada e possível dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, conforme requerido pela AT na sua resposta, tendo em conta que não há divergência sobre a matéria de facto vertida nos autos, mas antes sobre as questões de direito suscitadas pelas partes.
Por requerimento de 02-04-2018, veio a Requerente prescindir da prova testemunhal, pronunciando-se favoravelmente quanto à dispensa de reunião. Nesta conformidade, foi proferido despacho arbitral em 10-04-2018, a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, fixando prazo de 15 dias, igual e sucessivo, para as partes apresentarem, querendo, as suas alegações escritas, indicando-se como previsível a prolação da decisão arbitral até 20-06-2018. Por despacho arbitral de 20 de junho de 2018 foi fixada nova data para prolação da decisão arbitral até 15 de julho de 2018, dentro do prazo previsto no artigo 21º do RJAT.
A Requerente apresentou as suas alegações em 20-04-2018 e a Requerida em 23-04-2018. Em 11 -05-2018 a Requerida veio juntar aos autos o Processo Administrativo em falta. As partes, nas respetivas alegações, reiteram as posições vertidas nos articulados iniciais. Em 06-06-2018 a Requerente efetuou o pagamento da taxa de justiça subsequente.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
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A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa da autoliquidação do IRC do ano de 2014 e 2015, na parte referente à não dedução à parte da coleta de IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma de incentivos fiscais em IRC (benefício ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial – SIFIDE e do Regime Especial de Apoio ao Investimento – RFAI), ou, subsidiariamente, na medida em que é indevida a liquidação de tributação autónoma. Requer, em síntese, a declaração de ilegalidade e a anulação do indeferimento da reclamação graciosa e a declaração de ilegalidade e a consequente anulação das autoliquidações de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, relativas aos exercícios de 2014 e 2015, no que respeita aos montantes de taxas de tributação autónoma em IRC de € 23. 472, 93 (2014) e € 29.700,12 (2015) respetivamente, com a sua consequente anulação.
Requer, por fim, e em consequência o reembolso dessas quantias pagas e, bem assim, o pagamento de juros indemnizatórios pelo pagamento do imposto indevidamente liquidado contados, até integral reembolso, desde 1 de setembro de 2015 e 1 de setembro de 2016. Subsidiariamente, a ilegalidade da liquidação das tributações autónomas por ausência de base legal.
Como fundamento do seu pedido invoca a Requerente, em síntese, que é jurisprudência pacífica que a tributação autónoma em IRC é IRC e que se lhe aplicam as normas de liquidação do IRC constantes do artigo 89º e seguintes do CIRC, pelo que os benefícios fiscais em causa podem e devem ser deduzidos às tributações autónomas apuradas. Entende, ainda que pode e deve concluir-se que o artigo 135º da LOE para 2016 se refere apenas à 1ª parte do novo nº 21 do artigo 88º do CIRC, interpretação que pela negativa é autorizada pela manifesta incorreção da redação daquele artigo 135º, revelador do pouco cuidado que o legislador teve em ser preciso e que pela positiva é autorizada pela presunção de que o legislador adotou as soluções mais acertadas e pelo princípio da interpretação conforme à Constituição. Por outro lado, a atribuição de natureza interpretativa a uma norma fiscal não desencadeia por si só a aplicação de leis no tempo previsto no Código Civil, concretizando, não se aplica no que respeita a matérias que disponham de um regime privativo para o efeito, em obediência a princípios distintos, como é o caso, atualmente, dos impostos. Com efeito, prossegue a Requerente, como podem ambas as partes, 1 e 2, do novo nº 21 do artigo 88º do CIRC serem simultaneamente interpretativas do que dispõem os artigos. 89º e 90º do CIRC, pós obtenção de coleta em sentidos opostos?
Conclui que, necessariamente, a parte 2 do novo nº 21 do artigo 88º do CIRC tem carácter inovatório; e se, não obstante, se entender que o artigo 135º da LOE 2016 atribuiu natureza interpretativa também à parte 2 do novo nº 21 do artigo 88º do CIRC, então, por aplicação do artigo 13º do CC, está-se perante uma inconstitucionalidade material do referido artigo 135º da LOE 2016, por violação do princípio da retroatividade em matéria de impostos prevista no artigo 103º da CRP e por violação também do princípio da separação de poderes e do princípio da independência do poder judicial.
Nas suas alegações a Requerente reitera tudo o que consta do pedido arbitral, reforçando que, apesar de conterem algumas especificidades face ao regime geral, as tributações autónomas são componentes do IRC. Invoca ser este o entendimento dominante da doutrina e da jurisprudência, mormente arbitral, destacando os acórdãos arbitrais nº 775/2015-T, nº 744/2015-T, nº 748/2015-T e nº 740/2015-T. Assim, entende que sendo as tributações autónomas IRC – liquidado com base no nº1 do artigo 90º do CIRC -, os montantes correspondentes a SIFIDE podem ser deduzidos às mesmas, com base na alínea b) do nº2 do referido preceito. A norma do nº 21 aditada ao artigo 88º do CIRC pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de março, independente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela “é efetuada nos termos previstos no artigo 89º e tem por base os valores e as taxas que resultam do disposto nos números anteriores».
Por tudo isto, peticiona a procedência do pedido com a consequente declaração de anulação do ato de indeferimento e da liquidação subjacente, com as consequências legais de reembolso do valor pago acrescido de juros indemnizatórios.
C – A RESPOSTA DA REQUERIDA
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A Requerida AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em defesa dos atos impugnados, alega que a pretensão da Requerida deverá improceder, pelas razões invocadas na fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa, que reproduz e sustenta como adequados à lei em vigor.
Do ponto de vista da AT nenhum destes argumentos deve proceder, como bem resulta do conteúdo da sua resposta que aqui se dá por integralmente reproduzida.
No essencial, está em causa nos autos determinar se a Requerente tem ou não direito a deduzir o crédito fiscal resultante dos benefícios fiscais que viu aprovados no âmbito do SIFIDE, por dedução à coleta do IRC produzida por tributações autónomas, nos exercícios de 2014 e 2015. Entende a AT que não, que tal dedução não se afigura possível e que a natureza das tributações autónomas não comporta tal possibilidade de dedução de benefícios fiscais, ao contrário do que alega a Requerente.
Em síntese, para fundamentar o indeferimento da reclamação apresentada, alega a AT que o crédito em que se traduz o SIFIDE é deduzido à coleta apurada com base na matéria coletável. Logo, não poderá ser deduzido às tributações autónomas, que são determinadas de forma autónoma e distinta do apuramento levado a efeito nos termos que decorrem do artigo 90º do CIRC. Invoca o percurso histórico do regime da não dedutibilidade de despesas que conduziu às tributações autónomas. Acrescenta em defesa da sua posição, apesar de reconhecer que a questão é controversa e a jurisprudência arbitral divergente, o entendimento jurisprudencial vertido nas decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 722/2015-T, 785/2015 T, 727/2015-T e 443/2016-T.
Entende, pois, a AT, e nisso fundamenta o indeferimento da reclamação graciosa, que as razões subjacentes ao benefício em causa assentam num prémio cuja amplitude varia consoante a rendibilidade dos investimentos, de modo que quanto maior for o lucro maior será a capacidade para efetuar a dedução, verificando-se uma ligação indissociável entre o montante do crédito de imposto por investimento e a parte da coleta do IRC calculada sobre a matéria coletável baseada no lucro. Por último invoca ainda o nº 21 do artigo 88º do CIRC, aditado pela lei nº 7-A/2016, de 30 de março e a natureza de lei interpretativa do artigo 135º da Lei nº 7 A/2016 de 30/03.
Defende ainda que, seria contrário ao espírito do sistema, permitir que, por força das deduções a que se refere o nº2 do artigo 90º do CIRC, fosse retirado, ou pelo menos, desvirtuado, às tributações autónomas esse carácter anti abusivo que presidiu à sua implementação no sistema do IRC. Pugnando pela desconsideração das tributações autónomas para o efeito das deduções referidas no nº2 do artigo 90º do CIRC. Reafirma a legalidade dos atos tributários impugnados e contesta o pedido de juros compensatórios. Nas alegações renova a argumentação anteriormente vertida na Resposta apresentada.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
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O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, nº1, alínea a) do RJAT. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º nº2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
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O processo não padece de vícios que o invalidem.
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Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junto aos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.
III – Matéria de facto
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Factos Provados
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Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
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A Requerente é, para efeitos de tributação em sede de IRC, uma entidade sujeita e não isenta de IRC.
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Em 29 de Maio de 2015 a requerente procedeu à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referente ao exercício de 2014, tendo procedido à autoliquidação e pagamento de tributações autónomas em IRC desse mesmo exercício de 2014, no montante de € 26.160,35
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Em 31 de Maio de 2016 foi apresentada declaração de rendimentos Modelo 22, de substituição, de onde resultou diminuída a tributação autónoma para € 23.472,93
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Em 31 de Maio de 2016 a ora requerente procedeu à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referente ao exercício de 2015, tendo procedido à autoliquidação e pagamento de tributações autónomas em IRC desse mesmo exercício de 2015, no montante de € 29.700,12;
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O sistema informático da AT não permite, no que se refere ao imposto resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma em IRC, que a requerente inscreva o valor relativo a benefícios fiscais de que seja beneficiária;
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No período em referência (exercícios de 2014 e 2015) a requerente era beneficiária de um montante de SIFIDE, atribuído/obtido, disponível para utilização no final do exercício de, respetivamente, € 175.399,13 em 2014 e de € 206.157,47, em 2015, conforme certificação junta aos autos (doc. 7 anexo ao pedido arbitral)
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A requerente dispunha em sede de RFAI de um montante acumulado por deduzir à coleta de IRC que ascendia nos exercícios de 2014 e de 2015 a € 269.004,65 (2014) e € 437.590,14 (2015), respetivamente, conforme certificação junta aos autos;
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A Requerente pagou os montantes de tributações autónomas apurados com referência aos exercícios de 2014 e 2015, descritos nas alíneas c) e d) da matéria de facto assente, conforme comprovativos juntos aos autos;
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A ora requerente apresentou, em 29/05/17 reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC do exercício de 2014 e 2015, decorrentes da falta de dedução à coleta do IRC correspondente ao montante das tributações autónomas do valor dos benefícios fiscais.
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Em tal reclamação, alegava a então impugnante que ao montante das tributações autónomas, calculado na declaração de rendimentos, devem poder ser efetuadas as deduções à coleta previstas do artigo 90º do CIRC, por essas tributações autónomas deverem ser consideradas como IRC;
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Por despacho de 12/10/17 foi convolado em definitivo o projeto de decisão, sendo indeferida a reclamação graciosa;
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Em 29/11/2017 foi apresentado o presente pedido arbitral.
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FACTOS NÃO PROVADOS
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Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
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FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
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Os factos dados como provados têm base na prova documental que as partes juntaram ao presente processo, com relevo para toda a prova documental junta em anexo ao pedido arbitral, confirmada pela prova documental extraída do Processo Administrativo junto pela requerida AT.
Importa, ainda, referir que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, devendo selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e art.º 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT]. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT]. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.
IV – DO DIREITO
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Fixada, nos termos sobreditos, a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente, a qual consiste em saber se o crédito fiscal que foi reconhecido à Requerente, em sede de SIFIDE e de RFAI, pode, ou não, ser deduzido à parte da coleta apurada pelas tributações autónomas, com referência, respetivamente, aos exercícios de 2014 e 2015. Esta é a questão primordial e essencial a decidir nos presentes autos. Em conexão com esta questão a requerente suscita outras, nomeadamente inconstitucionalidades, cujo conhecimento é, necessariamente, subsidiário face à questão principal em apreciação.
Posto isto, cumpre decidir.
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Com referência ao exercício em causa, vigorava o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE II) [1] aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a vigorar entre 2011 e 2015. Este diploma estabelece, para os sujeitos passivos de IRC abrangidos pelo sistema de incentivos SIFIDE, ou seja, a quem tenha apresentado a necessária candidatura, provado a verificação dos pressupostos legais para a sua aprovação, o reconhecimento dos respetivos benefícios fiscais (créditos fiscais). O crédito fiscal existente advém do seu reconhecimento, em 2012, por força de investimentos realizados em despesas de investigação e desenvolvimento elegíveis e reconhecidos como tal.
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Nos termos do regime de incentivos em causa, dispõe o artigo 4º do SIFIDE que:
“1- os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:
a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;
b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.
(...)
3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.”
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Resulta do disposto na lei, de forma inequívoca, uma remissão para o artigo 90.º do CIRC, o qual estabelece a regra de liquidação do IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas. Resulta ainda da letra da lei, no já supramencionado artigo 4º do SIFIDE, que define o âmbito da dedução do benefício fiscal, que os sujeitos passivos abrangidos pelo benefício fiscal podem efetuar a sua dedução ao montante apurado nos termos do artigo 90º do Código do IRC e até à sua concorrência.
Nesta conformidade, o elemento literal não deixa dúvidas e leva-nos a concluir que a questão a resolver se centra, portanto, na interpretação e aplicação desta norma, que refere que os montantes em que se traduz o SIFIDE são deduzidos “aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º CIRC, e até à sua concorrência (,..)”.
Fica, pois, respondida a questão de saber se o artigo 90º do CIRC é ou não aplicável no caso sub judice, sendo que a resposta é afirmativa, pois a letra da lei não deixa dúvidas sobre a aplicação deste normativo legal, expressamente referido pelo legislador como aplicável.
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Porém, apesar do que se deixa exposto, sempre se dirá que se impõe alguma reflexão sobre o sentido e alcance da aplicação do referido artigo 90º, no caso concreto dos autos, ou seja, à questão de saber se o IRC determinado por tributações autónomas estará ou não sob alcance da ratio legis da norma, nomeadamente se a referência ao artigo 90º seria restrita à coleta determinada sem a consideração das tributações autónomas, ou se, pelo contrário, também estas se incluirão no conceito de coleta de IRC, para os efeitos pretendidos.
A controvérsia que opõe as partes no presente litígio versa, concretamente, sobre a interpretação deste normativo e da ratio legis subjacente ao regime fiscal das tributações autónomas.
Esta questão pressupõe algumas considerações sobre a natureza das tributações autónomas, as quais têm suscitado muita controvérsia na doutrina e na jurisprudência, mormente, quanto à sua verdadeira natureza. Sobre esta questão e abordando problemas jurídicos muito semelhantes ao que agora tratamos, existe já numerosa jurisprudência arbitral, salientando-se as decisões arbitrais proferidas nos processos 113/2015-T; 697/2014-T (com voto de vencido); 219/2015-T, 370/2015-T; 369/2015-T; 673/2015-T, 722/2015-T, 727/2015-T; 740/2015-T, 744/2015-T, 748/2015-T, 775/2015-T, 443/2016-T, 45/2018-T (com um voto de vencido), sem prejuízo de outros.
A análise da jurisprudência arbitral supra indicada revela a existência de divergência de entendimento quanto à questão essencial em debate. A discussão em torno da natureza das tributações autónomas conduziu à divergência quanto à dedutibilidade ou não dos benefícios fiscais ao montante apurado em sede deste imposto. Mesmo aceitando que se trata de IRC, segundo uma das teses em presença, as tributações autónomas visam punir ou combater um certo tipo de despesas, pelo que têm uma natureza especial ou diferenciada que não admite a dedução de benefícios fiscais ao montante apurado em sede deste imposto.
A outra tese, que acompanhamos, entende que essa dedutibilidade decorre da lei.
Assim, há que distinguir uma primeira questão que passa por aferir sobre o regime jurídico tributário aplicável aos exercícios em causa (2014 e 2015) após o que se impõe aferir da segunda questão, ou seja, da eventual aplicação (ou não) do nº21 do artigo 88º do CIRC, introduzido pela LOE para 2017. Por facilidade de exposição as duas questões serão analisadas de seguida.
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Ora, definidos nestes termos os contornos da questão controvertida, parece incontornável que, ao tempo dos factos tributários (2014 e 2015) o disposto no artigo 90º do CIRC era a única norma de referência para suporte da liquidação, por inexistir qualquer outra disposição que disponha de modo diferente ou que afaste a sua aplicação, como se demonstrará.
De realçar que, de acordo com a hermenêutica jurídica, o intérprete e aplicador do direito vigente deve presumir que o legislador soube expressar de forma clara, coerente e racional a sua vontade.
Assim, nesta linha de pensamento, é óbvio que o legislador teve a oportunidade de definir com clareza e rigor o alcance do benefício fiscal decorrente da consideração das despesas realizadas em sede de investimento em investigação e desenvolvimento, com elevado potencial económico, pelo que, se desejava que este benefício ficasse condicionado apenas e só aos casos em que as empresas beneficiárias apresentassem lucros fiscais (coletas positivas), podia e devia considerar expressamente tal condição no diploma legislativo de referência (SIFIDE, bem assim como no RFAI). Certo é que não o fez.[2]
senão em 2016, pela Lei de Orçamento de Estado (LOE) para 2017, Lei Nº 7-A/2016 de 30/03, pela qual, através do artigo 133º veio a ser aditado ao artigo 88º do CIRC o seu atual nº21. Discutindo-se, agora, se esse dispositivo é ou não meramente interpretativo ou verdadeiramente inovador, o que se afigura essencial para aferir da sua aplicação retroativa, como pretende a requerida AT.
Acresce que, não se trata de ausência de reflexão sobre esta questão específica, lapso ou insuficiência da letra da lei, tanto mais que expressamente mencionou que a dedução “é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior”. Ora, ao verter nos diplomas legislativos de referência o seu pensamento quanto ao regime a que submeteu os benefícios fiscais em causa. o legislador não deixou de ponderar a aplicação do artigo 90º do CIRC e, se o fez, bem sabia que as tributações autónomas se inserem no IRC e, por consequência, ao não excluir expressamente a possibilidade de dedução ao valor de IRC apurado por tributações autónomas, foi certamente por considerar que os benefícios para a economia e o bem estar coletivo gerados pelo investimento naquele particular tipo de atividade devia ser considerado como um bem superior ao da arrecadação tributária potenciada pelas tributações autónomas. Sabemos bem que não são sindicáveis as razões de política fiscal subjacente aos incentivos concedidos pelo legislador.
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Acompanhando o Acórdão arbitral proferido no processo nº 740/2015-T, a propósito da aplicabilidade do artigo 90º do CIRC à liquidação das tributações autónomas: “Estes artigos 89º e 90º do CIRC, bem assim como outras normas deste código (…) são aplicáveis às tributações autónomas. Desde logo é pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC”.
Ainda a este propósito, aderimos integralmente à jurisprudência vertida no recente Acórdão 45/2018-T, de 18-06-2018, que a seguir se reproduz:
“Os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.
Na verdade, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.
Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código.
Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo, com vigência no ano de 2014, qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.
Assim, no ano de 2014, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.
Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.
No entanto, a circunstância de uma liquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais, com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).
Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ( [3] )
De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária liquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.
Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que, em 2012, previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».
E, ainda, quanto às implicações da aplicação da LOE para 2017, ao introduzir o atual nº 21, do artigo 88º do CIRC, igualmente se adere à jurisprudência vertida no referido Acórdão arbitral nº 45/2018-T, ao concluir o seguinte:
“Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independentemente de ser ou não qualificável como verdadeiramente interpretativa ( [4] ), em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores». Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.
O mesmo se passa com a redacção dada àquele n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.
Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.”
É, pois, esta a posição que nos parece adequada e correta.
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Não obstante o que vem exposto, é certo que sobre esta questão existe, também, alguma controvérsia jurisprudencial, como se pode constatar pela análise, por exemplo do Acórdão arbitral proferido no processo nº 607/2014. Mas como bem resulta do voto vencido consignado neste Acórdão, ao qual se adere, “o CIRC refere-se, de modo expresso às tributações autónomas em apenas cinco artigos, a saber:
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No art.º 12.º do CIRC, que exclui as tributações autónomas da isenção de IRC aplicável às sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal, previstas no artigo 6º do CIRC;
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No art.º 23.º-A, n.º 1, que dispõe que as tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável;
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No art.º 88.º, que estabelece as taxas e delimita a matéria coletável das tributações autónomas);
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No art.º 117.º, n.º 6, que prevê a obrigação declarativa de entidades isentas de IRC ao abrigo do art.º 9.º, quando houver lugar a tributações autónomas;
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E, no art.º 120.º, n.º 9, quanto à declaração periódica de rendimentos.”
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Na verdade, seguindo ainda a mesma linha de raciocínio expressa no referido voto vencido, não existe no CIRC qualquer outra referência explícita às tributações autónomas. Elas estão sujeitas, de modo genérico, aos demais artigos previstos no CIRC, incluindo o artigo 90º. Aliás, a AT reconhece isso mesmo, embora defenda o uma interpretação restritiva do disposto neste normativo, mormente o disposto no seu nº 2, quando esteja em causa a dedução de benefícios fiscais, com o sucede no caso em apreço por, alegadamente, entender que de outra forma se desvirtua o propósito anti abuso das tributações autónomas.
Ora, independentemente deste reparo poder fazer algum sentido, não cabe à AT, no exercício do seu poder imiscuir-se ou ir além dos propósitos que o legislador considerou e verteu em lei. Dito de outro modo, quem exerce o poder executivo deve limitar-se a cumprir e obedecer á lei (a qual por vezes nos desperta discórdia e perplexidade pelas opções que enuncia), mas sempre se dirá que o princípio da separação de poderes, enquanto princípio estruturante do Estado de Direito Democrático, não permite que o aplicador, nem o julgador, adulterem o sentido que objetiva e conscientemente decorre da lei. Caberá, assim, ao legislador alterar a lei, se e quando, o entender por adequado.
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Acresce que, nos presentes autos, não está, pois, em discussão a natureza das tributações autónomas, porquanto as partes assumem tratar-se de tributação em sede de IRC, divergindo apenas quando à dedução dos benefícios fiscais. Ora, assim sendo, há que ter em conta que a coleta de IRC proveniente das tributações autónomas é calculada a partir dos elementos e taxas de imposto definidos no artigo 88.º do CIRC. O procedimento de liquidação do imposto obedece apenas e só à norma do artigo 90º do CIRC, o qual delimita a matéria coletável das tributações autónomas e enuncia as taxas das tributações autónomas, que são diversas, consoante a natureza da matéria coletável a que se apliquem, o tipo de sujeito passivo e os resultados económicos do sujeito passivo (se obteve ou não lucro). Este último aspeto assume uma importância fundamental, porquanto as diferentes e possíveis taxas aplicáveis dependem de se apurar lucro ou prejuízo fiscal no exercício. Resulta do disposto no artigo 88º do CIRC que a coleta de IRC, determinada pelas tributações autónomas, é função do resultado tributável e, por consequência, só poderá ser apurada após o encerramento do exercício, já que só então saberemos quais as taxas aplicáveis. Logo, em bom rigor, a liquidação do IRC é única, embora composta por uma parte que é determinada por aplicação das taxas previstas para as tributações autónomas, sempre em conformidade com a técnica de apuramento de imposto legalmente prevista.[5]
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Ora, se a coleta proveniente de tributações autónomas depende da que vier a resultar para o restante lucro tributável (positivo ou negativo), não se pode dizer, como pretende a AT, que seja determinada de modo instantâneo, coincidindo com a realização da despesa, já que a taxa de incidência em cada caso só é conhecida no final do período de tributação.
Sendo assim, é evidente que a liquidação ocorre, apenas e só, após a formação sucessiva de todo o rendimento tributável em sede de IRC[6]. Outro entendimento, seria contrário ao disposto na lei, e não podemos esquecer que as regras para determinação da matéria coletável e liquidação do imposto estão protegidas pelo princípio da legalidade fiscal, consagrado no artigo 103º da Constituição.
De salientar, mais uma vez, que a questão controvertida, tendo como referencial o alegado pelas partes processuais, não é a natureza das tributações autónomas, mas a questão de saber se o crédito fiscal resultante do SIFIDE pode ou não ser deduzido à coleta de IRC gerada por tributação autónoma. Requerente e requerida assumem, tal como resulta dos respetivos articulados, que as tributações autónomas são IRC.
Como refere Saldanha Sanches: "Neste tipo de tributação [autónoma], o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal que se encontra na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros." [7]
Esta é, pois, uma questão central na determinação do lucro tributável, em sede de IRC e da sua posterior liquidação. O legislador optou por uma técnica legislativa que passa por autonomizar certos tipos de custos já relevados contabilisticamente, sujeitando-os a taxas diferentes das taxas gerais do imposto. Assim, essas despesas ou custos relevam em sede de determinação do rendimento tributável e, para evitar abusos, o legislador ao invés de não permitir a sua dedução como custo, corrige-os pela incidência das taxas de tributação autónoma, que, por sua vez, dependem do resultado do exercício.
O que se visa atingir, em todo o caso, é o rendimento que, pela via do custo realizado, reverteu para terceiros sem incidência de tributação. Embora tivesse outras alternativas, foi esta a técnica fiscal escolhida pelo legislador. O tribunal tem de respeitar esta opção e decidir em conformidade com este pressuposto. Veja-se, ainda a este propósito a análise vertida nas decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 370/2015-T, 369/2015-T, 673/2015-T, 630/2016-T ou 45/2018-T, que se subscreve inteiramente.
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Mais uma vez, por opção, o legislador confrontado com a admissibilidade ou não deste tipo de despesas (entre as quais encontramos situações profundamente diversas entre si, umas perfeitamente opacas, como o caso das despesas confidenciais ou não documentadas, e outras que têm manifesta relação com a atividade exercida, como por exemplo sucede com as despesas de deslocação ou com viaturas, mas podem resvalar para algum exagero e possibilitar remunerações a terceiros sem impacto fiscal), optou por considerar que as mesmas deviam ser dedutíveis em sede de IRC mas, posteriormente, sujeitas a uma tributação autónoma, como forma de moralizar algum eventual abuso ou excesso. Foi desta forma que o legislador combateu os eventuais abusos a que alude a AT.
Do que vem exposto se conclui que estas despesas são, num primeiro momento, relevantes como custos dedutíveis, para serem, num segundo momento, sujeitas a tributação autónoma. A opção pode ser criticável, porventura confusa e pouco coerente com o rigor conceptual que a técnica jurídica impõe, mas na conciliação entre o rigor jurídico e a técnica contabilística foi esta a solução que o legislador decidiu adotar. Certo é que, o legislador deixa claro que é em sede de IRC que estes dois momentos ocorrem, e a sua autonomização em sede de tributação se justifica pela diferenciação de taxas aplicáveis, agravadas quando o sujeito passivo apresente prejuízo, com a clara intenção de combater abusos e excessos.
Face ao exposto, embora se reconheça que o regime das tributações autónomas constitui, no quadro do IRC, quanto à forma de apuramento da tributação, um regime especial, diferente e algo estranho à dinâmica de um imposto sobre o rendimento, isso não o afasta da sua natureza intrínseca de regime de tributação do rendimento das pessoas coletivas. O legislador tributa autonomamente estas despesas para tributar o rendimento que elas possam representar para os respetivos beneficiários escapando, contudo, nessa sede à tributação que seria devida.[8] Deste modo moraliza e desincentiva as “encapotadas remunerações” de que falava Saldanha Sanches, no excerto citado.
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Resolvida a questão da natureza das tributações autónomas, dando por assente que se trata de IRC, resta concluir que o 90º do CIRC é aplicável, senão vejamos o que dispõe o artigo 90º do CIRC, na redação introduzida pela Lei nº3-B/2010 de 28-04 (versão em vigor para os exercícios de 2014 e 2015):
“Artigo 90º
Procedimento e forma de liquidação
1-A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:
a)Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120º e 122º, tem por base a matéria coletável que delas conste.
(…)
2-Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
(…)
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A relativa a benefícios fiscais
(…)
7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do nº2 não pode resultar valor negativo.”
O procedimento de liquidação de IRC, no qual se integra a liquidação da parcela designada por tributação autónoma, como aliás resulta bem explícito no modelo de declaração de imposto (Modelo 22) utilizado para o efeito, determina a conclusão que os benefícios fiscais são dedutíveis à coleta do IRC, ainda que esta resulte por tributações autónomas, pois que mesmo neste caso estamos perante coleta de IRC.
Note-se que o artigo 88º do CIRC (taxas de tributação autónoma) está inserido no Capítulo IV do CIRC (Taxas), evidenciando a conclusão a que chegamos, ou seja, trata-se de IRC, o qual é determinado pela aplicação de taxas diferenciadas a determinadas parcelas de despesas (custos) que se autonomizam, apenas e só, para esse efeito. Logo, a liquidação das tributações autónomas faz-se pela aplicação do mesmo e único procedimento de liquidação previsto na lei, concretamente no artigo 90º do CIRC, pois não há outra norma que possamos convocar para o efeito.
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Resolvida esta primeira questão passemos à seguinte, ou seja, a questão de saber se os benefícios fiscais resultantes da aplicação do regime do SIFIDE são ou não dedutíveis no caso concreto. Sobre esta questão concreta já se pronunciaram, em diversos acórdãos e decisões, os Tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD, já supracitados. Em todos os casos já mencionados, se decidiu que os benefícios fiscais são dedutíveis, também, à coleta determinada por aplicação das taxas de tributação autónoma. Seguimos, pois, esta jurisprudência, por considerar que é a única conforme com a letra e o espírito da lei. Esta é uma matéria claramente abrangida pelo princípio da legalidade fiscal, pelo que, se outro fosse o pensamento do legislador devia tê-lo enunciado claramente. Ou seja, se outro era o seu entendimento devia ter excluído a dedução dos benefícios ao IRC determinado por tributação autónoma, já que, como vimos, essa exclusão não resulta da lei.
Acresce que, no nº 7, do artigo 90º, o legislador dispõe que “das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do nº2 não pode resultar valor negativo.”. Ora, parece evidente que, se o legislador quisesse dizer algo mais, acrescentaria, antes ou depois, que a dedução não podia reportar-se ao valor do IRC determinado por tributação autónoma. Não o disse, apesar de se ter pronunciado sobre os limites à dedução dos benefícios fiscais.
Ainda em defesa desta interpretação, o legislador verteu no artigo 92.º do CIRC o seguinte:
“1-(…) o imposto liquidado nos termos do nº1 do artigo 90º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) a c) do nº 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse dos benefícios fiscais e do regime previsto no nº 13 do artigo 43º.
2- Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:
(…)
b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial SILFIDE II previsto no Código Fiscal de Investimento.”
Mais uma vez, o legislador, deliberada e conscientemente, quis dar a este tipo de benefícios fiscais um tratamento preferencial, naturalmente, por razões extra -fiscais, que se prendem com o período de crise económica que o país atravessava, de modo a proteger as empresas que mais contribuem para o investimento de elevado potencial tecnológico. Do disposto no nº 2, do artigo 92º do CIRC, resulta evidente o carácter excecional que atribui ao benefício SIFIDE, que resulta duplamente protegido, porquanto recebeu também neste normativo legal uma proteção extra, face a outros benefícios fiscais que não mereceram idêntico tratamento. O legislador atribuiu, pois, a este benefício uma natureza excecional e prevalecente sobre muitos outros benefícios fiscais, e as razões que o levaram a consagrar tal benefício são exclusivamente determinadas por objetivos de política económica que não cabe ao Tribunal aferir ou julgar. Na verdade, não cabe aos tribunais sindicar as políticas económicas dos Governos ou a forma como estes tentam conciliar os difíceis indicadores económicos, mormente quando o país precisa de incentivar o crescimento económico. Já no que toca ao argumento que convoca os princípios de justiça redistributiva e social, eles podem e devem ser cumpridos pela utilização de múltiplas políticas, integradas, sendo certo que essa função cabe muito mais no escopo do IRS e do que no do IRC. Pelo que, mal ou bem, há opções extrafiscais subjacentes a este tipo de regime de incentivos que não cabe aos Tribunais sindicar.
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Não acompanhamos, por isso, os considerandos constantes do acórdão arbitral proferida no processo 722/ 2015-T, de 28-06-2016, vertidos em concreto quanto à questão da dedução dos créditos fiscais resultantes do SIFIDE II à coleta das tributações autónomas, porquanto, aí se discute essencialmente a natureza da tributação autónoma que, na opinião aí defendida, não traduz tributação em sede de IRC mas sim de despesa. Ora, este entendimento levanta, aliás, outras questões que não cabe agora discutir, pois a entender-se que estamos perante tributação de despesa seria equacionável a eventual violação do direito da União europeia em sede de tributação da despesa, reservada, como é sabido, ao âmbito do imposto sobre valor acrescentado. Mas, como vimos, não é esse o nosso entendimento, pois estamos perante tributação do rendimento, embora determinado de modo indireto, ou seja, por extrapolação de certas despesas suportadas pela empresa ao longo do exercício.
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Retornando ao caso dos presentes autos, não temos dúvida que confrontando o disposto no artigo 90º e 92º do CIRC, nos termos sobreditos, bem assim o estabelecido no artigo 4º do diploma regulamentador do SIFIDE, se conclui que à luz da lei vigente ao tempo dos factos tributários e tendo em conta a factualidade assente, os benefícios fiscais resultantes do SIFIDE II são dedutíveis à coleta do IRC, ainda que determinada em sede de tributações autónomas. Idêntico entendimento se alcança em sede de RFAI, pelas mesmas razões já expostas.
Como bem se afirma no voto de vencida expresso no Acórdão 697/2014-T, já referenciado, “aceitar que a liquidação das tributações autónomas estivesse excluída do art. 90.º n.º 1 do CIRC, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação não se faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu art.º 8º, n.º 2, alínea a), estabelece.”
Subscreve-se a jurisprudência vertida no Acórdão proferido no processo nº 370/2015-T, quando se afirma que “o elemento literal da norma não exclui a interpretação feita pela Requerente, pois que a dedutibilidade do benefício fiscal em causa à coleta das tributações autónomas encontra um “mínimo de correspondência verbal” no texto legislativo (art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil).
É certo que as tributações autónomas, além de terem por objetivo garantir um mínimo de coleta relativamente às sociedades que apresentem prejuízos, visam reduzir a “comparticipação fiscal” em certas despesas e, eventualmente, desincentivar a sua realização, sendo que tais objetivos serão menos logrados com a possibilidade de a respetiva coleta poder ser objeto de deduções.
Mas, por outro lado, os benefícios fiscais são medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).
No confronto entre entes dois objetivos, é a própria lei que nos indica o que deve prevalecer. Os interesses públicos que determinam a criação de um benefício fiscal são, por natureza, superiores aos da tributação que impedem.
Tal é, ainda mais, manifesto relativamente aos incentivos fiscais ao investimento, uma vez que constituem uma verdadeira promessa pública, no sentido de que aos sujeitos passivos que adotarem determinados comportamentos, supostamente do maior interesse económico e social, é garantida determinada “recompensa fiscal”.
Uma interpretação da lei, não expressamente imposta pelo texto legal, que restrinja o “aproveitamento” dos benefícios fiscais em causa feriria a credibilidade das “promessas legislativas” em matéria fiscal, seria, em suma, contrária ao princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito.”
Posto isto, sobre a questão fundamental em apreço dir-se-á que o primeiro limite da interpretação é a letra da lei, mas não o único. A tarefa interpretativa exige algo mais, ou seja, a partir do texto da norma impõe-se a descoberta da “ratio legis” subjacente, “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal” , dito de outro modo “o jurista há-de ter sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado prático que ela se propõe conseguir”. Considerados todos os elementos de interpretação da norma jurídica aqui mencionados, conclui-se pela dedução dos benefícios fiscais à coleta do IRC, mesmo na parte que seja determinada por tributações autónomas.
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Importa recordar que os benefícios fiscais são «medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, que o legislador considere superiores aos da própria tributação que impedem, conforme indica o artigo 2º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais. No caso do SIFIDE, foi intenção do legislador sobrepôr as razões de natureza extrafiscal do benefício fiscal à própria cobrança da receita de IRC, que deliberada e conscientemente preteriu em prol do investimento em despesas de investigação e desenvolvimento. Este entendimento é confirmado pelo disposto no art. 92.º, nº2, do CIRC, quando exclui os benefícios do SIFIDE do limite de dedução referido nesse artigo.
Conjugando o disposto no diploma que aprovou o SIFIDE e o RFAI, com o disposto no artigo 90.º do CIRC, conclui-se não existir qualquer base legal para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à coleta do IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas.
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E, nestes termos, a liquidação é única, ou seja, respeita às tributações autónomas e restante IRC, e assenta no mesmo suporte legal. A declaração Modelo 22 comporta, em si mesma, uma única liquidação de IRC, a qual em parte incorpora a liquidação das tributações autónomas. É certo que a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC obedecem a regras distintas, taxas diferentes, e cada uma tem a sua matéria coletável determinada de acordo com regras próprias, legalmente previstas, mas ambas obedecem à liquidação processada nos termos do art.º 90.º do CIRC. Nestes termos, e como bem se expressou no voto de vencida da Juiz Árbitro Leonor Fernandes Ferreira, no processo nº 697/2014 – T, “havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da colecta que provém das tributações autónomas é parte integrante da colecta de IRC. Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. Aceitar que não se inclui a colecta das tributações autónomas no art.º 90.º do CIRC, seria aceitar que existe uma lacuna na lei e, sendo esta uma lei fiscal, não permite a integração.”
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Por tudo o que vem exposto, conclui-se que, pelo menos até à Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não havia qualquer disposição legal que indicasse qualquer procedimento especial de liquidação do IRC resultante das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do n.º 3 do artigo 103.º, por a liquidação não ser efetuada «nos termos da lei», tinha de ser feita aplicação do procedimento previsto no artigo 90.º do CIRC. Ora, sendo a coleta de IRC, quer a resultante do lucro tributável, quer a resultante de tributações autónomas, apurada através do procedimento de liquidação previsto no artigo 90.º do CIRC, são potencialmente aplicáveis a tal coleta as deduções previstas no n.º 2 o mesmo artigo, que se reportam «ao montante apurado nos termos do número anterior», sem qualquer distinção sobre a natureza dos tipos de coleta de IRC que nesse montante estão incluídos.
Conclui-se assim que do teor literal do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, não resulta qualquer obstáculo à aplicação das deduções à parte do montante apurado nos termos do n.º 1 derivado de tributações autónomas.
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Como bem se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 466/16, “a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas”
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Na verdade, só com a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aditou ao artigo 88.º do CIRC um n.º 21, passou a existir uma norma em que se afasta a possibilidade de aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC ao montante apurado com tributações autónomas, estabelecendo que: “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”
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Na parte final desta norma, restringe-se o âmbito de aplicação das deduções previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC, à coleta de IRC derivada do lucro tributável. A Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, veio reafirmar o afastamento da aplicabilidade das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à coleta de IRC resultante de tributações autónomas ao estabelecer que: “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.”
A este n.º 21 do artigo 88.º do CIRC foi atribuída natureza interpretativa, pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016 e pelo artigo 233.º da Lei n.º 114/2017, respetivamente. No entanto, o Tribunal Constitucional, no citado acórdão n.º 267/2017, já afirmou a inconstitucionalidade daquele artigo 135.º na parte em que, por efeito do carácter meramente interpretativo que atribui à 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, afasta a possibilidade de dedução ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC de deduções permitidas em anos fiscais anteriores a 2016.
Esta decisão do Tribunal Constitucional baseou-se no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa, de que o Tribunal Constitucional entendeu resultar que «o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modificações que, com efeitos retroativos, os agravem» e que «está em causa a proibição de estatuir consequências jurídicas novas que constituam ex novo ou agravem situações fiscais já definidas, nomeadamente o quantum devido a título de certo imposto e previamente definido em razão da verificação de todos os factos relevantes à luz do direito aplicável antes da estatuição das consequências jurídicas novas».
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Assim, também na linha desta jurisprudência, e citando (mais uma vez) o Acórdão arbitral nº 45/2018-T, por manifestamente explícito na apreciação das questões centrais também em análise nos presentes autos “a constitucionalidade da interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, de forma a excluir a possibilidade de deduções à coleta de IRC resultante de tributações autónomas, depende de ela já dever ser efetuada à face do regime anterior àquela lei n.º 7-A/2016, pois é constitucionalmente inadmissível a retroactividade desfavorável aos contribuintes de normas fiscais de que resulte obrigação de pagamento de impostos.
Deve notar-se, porém, desde logo, que a nova redacção dada pela Lei n.º 114/2017 ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, ao afastar a possibilidade de deduções ao montante global das tributações autónomas «ainda que essas deduções resultem de legislação especial» esclarece, com natureza interpretativa (nesta parte sem problemas de constitucionalidade, por se tratar de retroactividade favorável aos contribuintes), que existia legislação especial de que resultava que fossem feitas deduções ao montante das tributações autónomas, vindo assim, reconhecer, com a autoridade legislativa de uma interpretação autêntica, o que já vinha sendo paciente e reiteradamente explicado pela jurisprudência arbitral maioritária (como se justificava e justifica em face das dificuldades manifestadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 127.º das suas alegações, em que confessa que, para si, se trata de «incompreensíveis e ininteligíveis teses»).
Por isso, sendo constitucionalmente inadmissível, pelo que referiu o Tribunal Constitucional no acórdão citado, que esta nova lei venha afastar a possibilidade de deduções admissíveis à face da legislação vigente até a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, a questão que se coloca, para solucionar as questões de legalidade da liquidação e da decisão da reclamação graciosa que são colocadas no presente processo, é a de saber se, antes desta lei, já deveria fazer-se a interpretação restritiva que nela veio a ser explicitada, já deveriam fazer-se restrições à aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à parte da colecta de IRC resultante de tributações autónomas. Na verdade, o facto de a letra do n.º 2 do artigo 90.º apontar no sentido da aplicação das deduções à colecta resultante das tributações autónomas essa dedutibilidade, não excluía a possibilidade de interpretação restritiva, se «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)». ( )
Como fundamento para uma interpretação restritiva poderia, numa primeira análise, aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas, designadamente algumas das que têm por base de incidência «despesas» ou «encargos» ( ), visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.
No entanto, como foi legislativamente reconhecido pela redacção dada ao n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017 (aqui com força interpretativa constitucionalmente irrepreensível à face do artigo 103.º, n.º 3, da CRP), há legislação especial de que resultam deduções à colecta derivada de tributações autónomas, que são necessariamente situações em que legislativamente se deu preferência a satisfação dos interesses que justificam as deduções em relação aos que se visam com as tributações autónomas, o que sucede com as normas sobre benefícios fiscais dedutíveis à colecta de IRC. Por outro lado, a natureza de normas antiabuso, destinadas a evitar a fraude e a evasão fiscal, não exclui a possibilidade de deduções à colecta de IRC que com a aplicação dessas normas for determinada, o que é manifesto em relação à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização e também as correcções resultantes da aplicação da norma geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT. Ainda por outro lado, é também evidente que a natureza antiabuso de algumas das tributações autónomas que visam desincentivar despesas e evitar evasão fiscal não poderia servir para justificar a não dedução dos benefícios fiscais a toda a colecta de IRC resultante de tributações autónomas, pois a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC não incide sobre despesas ou encargos, mas sim sobre «lucros», sendo uma forma de tributação de lucro complementar ou alternativa em relação à prevista para a generalidade dos rendimentos. Para além disso, a tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º não tem subjacente qualquer intenção de desincentivar a realização das operações a que se refere, mas sim impor aos contribuintes especiais deveres probatórios em situações em a tributação mais favorável dos destinatários das despesas pode suscitar dúvidas sobre a realidade e normalidade das operações, pois a tributação autónoma é afastada «se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado». Para além disso, mesmo em relação a algumas tributações autónomas que incidem sobre despesas, não seria compatível com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade impor tributação com fundamento numa hipotética intenção legislativa de desincentivar a utilização de motociclos para certas atividades para que eles são indispensáveis, como sucede com os espectáculos com motociclos, ou para que têm evidente adequação, correspondendo a sua utilização a manifesta boa gestão empresarial ( ) e seria especialmente inconcebível incluir no âmbito dessa intenção desincentivadora o próprio pagamento dos «impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização», a que se refere a parte final do n.º 5 do artigo 88.º, que até deverá ser assegurado coercivamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no caso de o contribuinte se sentir desincentivado a efectuar esse pagamento.
Assim, o entendimento de que todas as tributações autónomas visam tributar despesas ou desincentivar ou sancionar comportamentos, que pode resultar de uma primeira análise aligeirada, depara, numa percepção mais incisiva, com uma incontornável falta de correspondência com a realidade, sendo mais coerente, como explicação global, a ideia de que estamos «perante um mecanismo cujo objetivo último é o de contribuir para a “normalização” da tributação em sede de IRC, isto é, para o funcionamento deste imposto na sua forma mais pura e mais próxima das suas raízes de imposto sobre o lucro obtido pelas pessoas coletivas. Nesse sentido, as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é o de tributar lucros permitindo a dedução das despesas em que os sujeitos passivos têm que incorrer com vista à realização dos rendimentos tributáveis”. ( )
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Como também se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais: “A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas”.
«As tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.” (...)
Mas, esta tributação indireta não deixa de ser efetuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respetivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.
Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indireta, mas, na perspetiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com direta incidência sobre rendimentos».
Na verdade, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude que o legislador lhes tem vindo a atribuir ( ), para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indiretas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas e encargos que revelam capacidade contributiva.
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Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas indiretas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efetuar a liquidação de IRC. De qualquer modo, uma interpretação restritiva só pode resultar, à face da redação do CIRC anterior à Lei n.º 7-A/2016, da conclusão de que o texto do n.º 2 do artigo 90.º, em alguma medida, não corresponda ao pensamento legislativo, designadamente se se puder concluir que a razão justifica alguma ou algumas das deduções, apenas se compagina com a sua aplicação à coleta de IRC resultante do lucro tributável.
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E, naturalmente, em face da proibição constitucional da aplicação retroativa do afastamento global da dedutibilidade a situações anteriores à Lei n.º 7-A/2016, serão de aplicar as deduções quando elas resultam da legislação especial a que se refere a redação do n.º 21 do artigo 88.º introduzida pela Lei n.º 114/2017. Pelo menos nestes casos em que as deduções resultam de lei especial, estará afastada necessariamente a possibilidade de as afastar por via de uma interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º, pois é essa lei especial, precisamente por o ser, que impõe a sua aplicação, já que as leis especiais se sobrepõem às leis gerais nos seus específicos domínios de aplicação.
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Nesta conformidade, resta apreciar cada uma das situações em que a Requerente pretende efetuar dedução à coleta de IRC resultante de tributações autónomas.
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Dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE II à colecta de IRC derivada de tributações autónomas
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O SIFIDE - Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial foi criado pela Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, com vigência prevista para os anos de 2006 a 2010, mas foi reformulado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro para vigorar até 2015 como Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II). Posteriormente, foi alterado pelos artigos 163.º e 164.º da Lei 64-B/2011 de 30 de dezembro, e transferido para os artigos 33.º a 40.º do Código Fiscal do Investimento, republicado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho. Os artigos 33.º, 35.º, 36 e 38.º do Código Fiscal do Investimento foram alterados pela Lei n.º 83-C/2013 (artigos 211.º e 212.º), aumentando-se o período de vigência até 2020 (no n.º 1 daquele artigo 36.º). Já em 2014, o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, aprovou um novo Código Fiscal do Investimento, em que integrou o SIFIDE II. Sobre o âmbito da dedução, o artigo 4.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 40/2005, estabelece o âmbito da dedução, nos termos já supra transcritos, sendo de realçar:
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a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;
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b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.
Sendo a dedução feita, nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior. E as despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas poderão ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato.[9]
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Ora, no caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questionou que a Requerente preencha os requisitos subjetivos e objetivos para poder beneficiar do SIFIDE, tendo indeferido a reclamação graciosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efetuada à coleta de IRC resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável. Mas, como se referiu e expôs desenvolvidamente ao longo desta decisão, o artigo 90.º do CIRC reporta-se também à liquidação das tributações autónomas. E, como também se expôs e demonstrou, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efetuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efetuada mais que uma liquidação. Os referidos diplomas que aprovaram o SIFIDE e o SIFIDE II não referem que os créditos aí previstos são dedutíveis a toda e qualquer coleta de IRC, antes definem o âmbito da dedução aludindo, nos n.ºs 1 dos seus artigos 4.º: “ao montante apurado nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, e até à sua concorrência» ( ) e «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».”
E, como vimos já, o n.º 2 do artigo 4.º daquele primeiro diploma e o n.º 3 do mesmo artigo 4.º do segundo diploma confirmam que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizerem, com a atualização resultante da referida renumeração, que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».
Assim, conclui-se que o artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE II, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º.
O facto de os artigos 5.º do SIFIDE I e do SIFIDE II afastarem o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indiretos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indiretamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos suscetíveis de os reduzirem) não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de métodos indiretos tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais). Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indiretos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à coleta das tributações autónomas, que é determinada por métodos diretos.
Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE I e do SIFIDE II ser limitada à coleta do artigo 90.º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja coleta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável do exercício, designadamente por força das tributações autónomas e outras componentes positivas do imposto.
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Assim, a dedutibilidade resulta do próprio teor literal dos artigos 4.º do SIFIDE I e do SIFIDE II no sentido de a dedução se aplicar também à coleta de IRC derivada de tributações autónomas a apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC. Só por via de uma interpretação restritiva se poderia afastar a aplicação do benefício fiscal à coleta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas. Mas, como bem se decidiu no acórdão arbitral nº 45/2018-T, ”tal interpretação restritiva encontrarias, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excecionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ( ) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.”
No caso dos benefícios fiscais do SIFIDE I e II, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspetiva legislativa, de enorme importância, por se entender que a capacidade de investigação e desenvolvimento é fator decisivo para a competitividade das empresas e do país, bem como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo[10].
Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º (anterior artigo 86.º) que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE I e no SIFIDE II é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da coleta de IRC, apesar de este regime fiscal, a partir de 2010, ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas. [11]
Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa subjacente à consagração deste benefício fiscal, para recorrer a uma interpretação restritiva e afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE I e do SIFIDE II à coleta das tributações autónomas que resulta diretamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respetivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.
Pela mesma razão, e por tudo o mais que se expôs anteriormente, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída (que implica a sua inconstitucionalidade, por retroatividade prejudicial aos contribuintes, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017).
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Assim, e sem necessidade de mais fundamentação, conclui-se pela dedutibilidade do benefício fiscal resultante do SIFIDE à coleta das tributações autónomas, nos termos peticionados pela requerente.
Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.
b) Questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no RFAI às quantias devidas a título de tributações autónomas
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À semelhança do exposto quanto à dedutibilidade dos benefícios fiscais resultantes do SIFIDE, também o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento realizado em 2009 (RFAI 2009), aprovado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, sendo posteriormente integrado também no referido Código Fiscal do Investimento, teve sérias e relevantes preocupações de política económica que determinou a atribuição de um regime fiscal orientado para a promoção do investimento, considerado como um objetivo superior ao da arrecadação fiscal. Ou, dito de outro modo, a promoção do investimento é vista como uma forma de promoção da economia, do produto interno bruto e de maior arrecadação fiscal futura. No demais, relevam a este propósito, todas as razões expostas a propósito do regime do SIFIDE.
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No que concerne ao IRC, e aqui releva, o regime do RFAI, traduziu-se num benefício fiscal previsto no Artigo 3.º daquela Lei, que estabelece que “o RFAI 2009 é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma actividade:
a) Nos sectores agrícola, florestal, agro-industrial, energético e turístico e ainda da indústria extractiva ou transformadora, com excepção dos sectores siderúrgico, da construção naval e das fibras sintéticas, tal como definidos no artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto;
b) No âmbito das redes de banda larga de nova geração.
2 - Para efeitos do presente regime, consideram-se como relevantes os seguintes investimentos desde que afectos à exploração da empresa:
a) Investimento em activo imobilizado corpóreo, adquirido em estado de novo, com excepção de:
i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projectos de indústria extractiva;
ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afectos a actividades administrativas;
iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;
iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afecto a exploração turística;
v) Equipamentos sociais, com excepção daqueles que a empresa seja obrigada a ter por determinação legal;
vi) Outros bens de investimento que não estejam directa e imprescindivelmente associados à actividade produtiva exercida pela empresa;
b) Investimento em activo imobilizado incorpóreo, constituído por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, 'saber-fazer' ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.
3 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente regime os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:
a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade;
b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;
c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de cinco anos os bens objecto do investimento;
d) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;
e) Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 244, de 1 de Outubro de 2004;
f) Efectuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução constante dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º
4 - No caso de sujeitos passivos de IRC que não se enquadrem na categoria das micro, pequenas e médias empresas, tal como definida no anexo i do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto, as despesas de investimento a que se refere a alínea b) do n.º 2 não podem exceder 50 % dos investimentos relevantes.
5 - Considera-se investimento realizado em 2009 o correspondente às adições, verificadas nesse exercício, de imobilizações corpóreas e bem assim o que, tendo a natureza de activo corpóreo e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições às imobilizações em curso.
6 - Para efeitos do número anterior, não se consideram as adições de imobilizações corpóreas que resultem de transferências de imobilizado em curso transitado de exercícios anteriores, excepto se forem adiantamentos.”
Por sua vez, o Artigo 3.º dispõe o seguinte:
“Incentivos fiscais
1 - Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:
a) Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:
i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de (euro) 5 000 000;
ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a (euro) 5 000 000;
(...)
2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.
3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.
(...)
5 - O montante global dos incentivos fiscais concedidos nos termos dos números anteriores não pode exceder o valor que resultar da aplicação dos limites máximos aplicáveis ao investimento com finalidade regional para o período de 2007-2013, em vigor na região na qual o investimento seja efectuado, constantes do artigo 7.º
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Posto isto, como se vê pela alínea a) do n.º 1 deste artigo 3.º o benefício fiscal concretiza-se através de “dedução à colecta de IRC”. Esta expressão não tem alcance substancialmente diferente da que é utilizada no SIFIDE II que é “montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC”. Pelo que já atrás se referiu, a coleta derivada de tributações autónomas previstas no CIRC é coleta de IRC, pelo que a expressão utilizada no RFAI não exclui a dedução dos investimentos elegíveis à coleta proporcionada por aquelas tributações.
A este propósito, veja-se o que vem afirmado no Acórdão arbitral 45/2018-T: “Também em relação a este benefício fiscal vale o que atrás se referiu sobre a natureza excecional das normas que prevêem este benefício e a prevalência dos interesses que o benefício fiscal visa atingir sobre o interesse na obtenção de receitas fiscais; a relevância da colecta derivada das tributações autónomas para dar ao benefício fiscal uma dimensão considerável, atenta a diminuta colecta de IRC que provém da liquidação com base no lucro tributável; a inadmissibilidade, à face do princípio constitucional da confiança, de uma hipotética interpretação restritiva a posteriori do alcance de um diploma que criou um benefício fiscal concretizado através de uma vantagem fiscal que é uma contrapartida de um determinado comportamento do contribuinte; o não afastamento da aplicação de uma norma especial sobre a dedução à colecta de IRC por uma norma geral posterior, mesmo com natureza pretensamente interpretativa.”
Por isso, também quanto a esta questão, procede o pedido de pronúncia arbitral.
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Chegados aqui, resta concluir que os benefícios fiscais reconhecidos à Requerente, consubstanciado nos créditos fiscais reconhecidos para os exercícios de 2014 e 2015, ao abrigo do SIFIDE e do RFAI, podem ser deduzidos à coleta do IRC, incluindo na parte proveniente de tributações autónomas, nos moldes e percentagens legalmente previstos. Tendo os atos de liquidação sido reclamados nos termos legalmente previstos e não corrigidos, subsiste a ilegalidade, o que impõe a anulação dos atos de liquidação impugnados, procedendo o pedido formulado pela Requerente.
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Por tudo o que vem exposto, também quanto a esta questão procede o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação dos atos tributários impugnados, quer o ato de indeferimento da reclamação graciosa quer os atos de liquidação subjacentes, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e consequente violação de lei. Do exposto resulta que é ilegal a decisão da reclamação graciosa na parte em que indeferiu a pretensão da Requerente de que fossem considerados os montantes das tributações autónomas para dedução dos montantes do SIFIDE II e do RFAI que não foram considerados nas liquidações impugnadas. relativas aos exercícios de 2014 e 2015.
V - Juros indemnizatórios
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Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos atos tributários objeto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Face à procedência do pedido anulatório, deverá ser restituído à Requerente os valores pagos, relativamente aos atos tributários anulados. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à AT, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).
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De harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
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O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos art.ºs. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
Deverá, pois, a AT dar execução à presente decisão arbitral, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, e restituir à Requerente os valores que tenham sido pagos indevidamente, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), contados até ao processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).
VI - DECISÃO
Termos em que decide este Tribunal Arbitral:
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Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular os atos tributários impugnados, a saber, o indeferimento da reclamação graciosa, bem assim como as liquidações objeto de impugnação nos presentes autos referentes aos exercícios de 2014 e de 2105, nos montantes, respetivamente, de €23.472,93 e €29.700,12., no total de €53.173,05.
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Julgar procedente o pedido de reembolso ou restituição à Requerente dos valores de imposto indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos sobreditos, calculados desde a data do pagamento efetuado até à data da sua restituição;
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Condenar a parte vencida nas custas do processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €53.173,05, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 14 de julho de 2018
O Tribunal Arbitral,
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(Maria do Rosário Anjos)
[1] O SIFIDE foi aprovado pela Lei nº 40/2005, de 3 de agosto, para vigorar entre 2006 e 2010; posteriormente a Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, no seu art.133º, instituiu o SIFIDE II a vigorar entre 2011 e 2015, alterado pela Lei 64-B/2011 de 30 de dezembro.
[2] Na verdade, só na Lei de Orçamento de Estado (LOE) para 2017, Lei Nº 7-A/2016 de 30/03, o legislador veio a pronunciar-se sobre esta questão, através do artigo 133º veio a ser aditado ao artigo 88º do CIRC o seu atual nº21. Discutindo-se, agora, se esse dispositivo é ou não meramente interpretativo ou verdadeiramente inovador, o que se afigura essencial para aferir da sua aplicação retroativa, como pretende a requerida AT.
[3] O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.
[4] Será materialmente inconstitucional, por violação da proibição constitucional da retroatividade dos impostos, que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017.
[5] Neste sentido, contribui ainda o disposto no artigo 23º - A, n.º 1, alínea a), do CIRC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, da qual se conclui, por interpretação literal, que as tributações autónomas são IRC. Reforça, ainda, o entendimento segundo o qual com as tributações autónomas os objetivos do legislador foram e são o de combater abusos com impacto negativo na formação do rendimento tributável, pelo que, verdadeiramente é este rendimento tributável que o legislador quer atingir.
[6] De notar que a discussão em torno da natureza da tributação autónoma (rendimento ou despesa?) nos termos em que tem vindo a ser enunciada por alguma doutrina e jurisprudência obrigaria a conhecer do problema numa perspetiva muito mais alargada, à qual não poderia escapar a análise da sua conformidade face às imposições resultantes da Diretiva IVA e suas implicações.
[7] cf. "Manual de Direito Fiscal", 3ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 406
[8] Neste sentido, cfr. Rui Duarte Morais, in “Apontamentos de IRC”, Almedina, pág. 202.
[9] Cfr.: Artigo 4.º, n.ºs 1, 3 e 4, do SIFIDE na redação da Lei n.º 55-A/2010, supra transcrito.
[10] Tais razões de política fiscal estão bem evidenciadas na fundamentação da Proposta de Lei n.º 5/X e no Relatório do Orçamento do Estado para 2011, na qual desenvolvidamente se expõem as razões de política económica subjacentes a estes benefícios fiscais.
[11] Neste sentido, cfr. Acórdão arbitral nº 45/2018-t, já supracitado.