Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Vera Figueiredo e Dra. Cristina Coisinha (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-04-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório (consultar versão completa no PDF)
A..., S.A., Contribuinte n.º..., com sede na Rua..., ..., n.º... ..., ..., ...-... ... (doravante designada por “Requerente”) apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
A Requerente pretende que seja anulada a liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios relativa ao exercício de 2013 com o número 2017 ... no montante de € 181.769,26, e que lhe seja devolvido o valor pago, acrescido de juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-01-2018.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 15-03-2018, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 05-04-2018.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 14-06-2018, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O Tribunal é competente e foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:
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A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objecto social a importação, exportação, agência e comércio por grosso e a retalho de peles e couro e seus sucedâneos. Calçado e seus componentes;
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A Requerente encontra-se colectada com enquadramento no CAE 46240 - comércio por grosso de peles e couro;
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Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente relativa ao exercício de 2013, a coberto da ordem de serviço n.º OI 2017...;
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A Requerente efectuou no decurso do ano de 2013 duas transferências de fundos com destino a Hong Kong, que se resumem no quadro que segue:
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Como Hong Kong se encontrava claramente incluído na lista de como países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou a Requerente nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRC, através do Ofício n.º..., datado de e 06-06-2017;
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Na inspecção referida foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
III.1. EM SEDE DE IRC
III.1.1. Ano de 2013
III.1.1.1. Importâncias pagas ou devidas a entidades não residentes
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 65.º do Código do IRC, "não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado".
Quanto à definição de regime fiscal claramente mais favorável, e segundo o previsto no n.º 2 do citado preceito legal, "considera-se que uma pessoa singular ou coletiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando (...)".
Para os efeitos previstos na lei, veio a ser publicada a Portaria n.º 150/2004, de 13-Fev., posteriormente alterada pela Portaria n.º 292/2011, de 8-Nov.
Como bem refere o Preâmbulo da Portaria n.º 150/2004, de 13-Fev., "a luta contra a evasão e fraude internacionais passa também pela adoção de medidas defensivas, tradicionalmente designadas por medidas antiabuso, traduzidas em práticas restritivas no âmbito dos impostos sobre o rendimento e sobre o património, benefícios fiscais e imposto do selo, que têm como alvo operações realizadas com entidades localizadas em países, territórios ou regiões qualificados como «paraísos fiscais» ou sujeitos a tributação privilegiada".
A fim de prevenir a erosão das bases tributáveis e permitir um maior controlo sobre esta área, o legislador tem vindo a criar diversos mecanismos, como seja a obrigação de reporte por parte das instituições financeiras, a qual se encontra consagrada no n.º 2 do artigo 63.º-A da Lei Geral Tributária: "as instituições de credito e sociedades financeiras estão obrigadas a comunicar à Direcção-Geral dos Impostos até ao final do mês de Julho de cada ano, através de declaração de modelo oficial, aprovada por portaria do Ministro das Finanças, as transferências financeiras que tenham como destinatário entidade localizada em país, território ou região com regime de tributação privilegiada mais favorável que não sejam relativas a pagamentos de rendimentos sujeitos a algum dos regimes de comunicação para efeitos fiscais já previstos na lei ou operações efetuadas por pessoas coletivas de direito público".
Para cumprimento desta obrigação, por intermédio da Portaria n.º 1066/2009, de 18-Set., foi aprovado um novo modelo de declaração e respetivas instruções, designado por declaração de transferências transfronteiras (modelo n.º 38).
Assim, e de acordo com os elementos na base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, a A... efetuou no decurso do ano de 2013, conforme tabela seguinte, duas transferências de fundos com destino Hong Kong, o qual se encontra claramente incluído na lista de países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada.
O legislador entendeu igualmente, para além das obrigações declarativas impostas às instituições financeiras, solicitar aos próprios sujeitos passivos que comunicassem à Administração Tributária as operações realizadas com entidades não residentes sujeitas a regime fiscal privilegiado, o qual deverá ser efetuado na Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal / IES, a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º e o artigo 121.º, ambos do Código do IRC, em concreto no Anexo H à referida declaração.
Esta dupla obrigação declarativa, imposta aos sujeitos passivos e a terceiros, denota bem a importância que legislador atribui às necessidades de prevenção e controlo a fim de proteger a base tributária de IRC.
Consultada a Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal / IES entregue pela A..., com referência ao ano de 2013, verifica-se que não foi entregue o Anexo H.
Como determina o n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRC, "a prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efetuada com a antecedência mínima de 30 dias".
Ou seja, atendendo a que estamos numa situação em que o ónus da prova recai sobre o sujeito passivo, é este que tem demonstrar de forma inequívoca e em toda a extensão que tais encargos:
-> correspondem a operações efetivamente realizadas;
-> não têm um caráter anormal;
-> não são de montante exagerado.
A A... foi assim notificada para efetuar a prova prevista na Lei, através do Ofício n.º..., datado de f 2017-06-06 (o qual se junta como Anexo 1 ao presente relatório).
A resposta ao solicitado ocorreu em dois momentos distintos.
Em 2017-06-12 deslocaram-se aos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... o administrador único da A..., acompanhado do seu contabilista certificado, tendo procedido à entrega de diversa documentação, cuja receção veio a ser registada em 2017-06-13 (entrada n.º 2017..., que se junta como Anexo 2).
Em 2017-07-07 foi rececionada comunicação postal remetida pela A... a fim de responder à notificação efetuada (entrada n.º 2017..., Anexo 3)
Considerando que o n.º 1 do artigo 65.º do Código do IRC, determina, a priori, a não dedutibilidade dos encargos associados às importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a entidades residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, importa verificar se o sujeito passivo logrou demonstrar a efetividade das operações, que as mesmas não têm um caráter anormal, nem um montante exagerado.
DA TRANSFERÊNCIA DE 234.422,45 €
De acordo com a notificação efetuada e correspondentes respostas ao solicitado, verifica-se que a primeira transferência reportada pela instituição financeira, no valor de 234.422,45 €, teve como fundamento o pagamento da fatura n.º SHC2013-0050, no valor de USD 308.440,22, emitida em 2013-05-29, pela entidade B..., com sede em Hong Kong.
A referida fatura respeita ao fornecimento de "peles de suínos para calçado" (conforme documento alfandegário), com origem na Tailândia, e carregadas a bordo do navio pela empresa C..., Ltd., (sediada naquele país), a qual foi registada na escrituração da A... na conta 311313 (subconta de Compras) pelo valor de 230.537,12 €. As diferenças de valores respeitarão a diferenças cambiais, sendo relevante analisar o montante registado na escrituração da A... e que veio a concorrer negativamente para a determinação do resultado tributável em sede de IRC.
DA TRANSFERÊNCIA DE 32.536,29 €
A segunda transferência reportada pela instituição financeira, no valor de 32.536,29 €, teve como propósito o pagamento da fatura n.º SHC2013-0046, no valor de USD 41.522,21, emitida em 2013-05-22 pela acima referida entidade B... .
Esta fatura respeita igualmente ao fornecimento "peles de suínos para calçado" (conforme documento alfandegário), também com origem na Tailândia, e carregadas a bordo pela mesma entidade C... Ltd., objeto de registo na escrituração da A... na mesma conta 311313 pelo valor de 31.034,90 €. Novamente se refere que as diferenças de valores respeitarão a diferenças cambiais, pelo que será relevante analisar este último valor, porquanto concorreu negativamente para a determinação do resultado tributável em sede de IRC.
DA PROVA PARA OS EFEITOS PREVISTOS NO N.º 1 DO ART.º 65.º DO CÓDIGO DO IRC
No que respeita à efetividade das operações, os elementos apresentados formam a convicção de que terão ocorrido importações de mercadorias e que tais bens, declaradas na alfândega nos termos da respetiva documentação, são consentâneos com a atividade da A... .
Contudo, não foi demonstrada ou explicada a razão de surgir como fornecedor uma entidade residente em Hong Kong, território que não é conhecido pela produção de peles de suíno, tanto mais que os elementos apresentados demonstram claramente que as mercadorias são provenientes da Tailândia.
Importa salientar que a afirmação proferida pela administração da A... no ponto 12 da sua comunicação padece de algumas inexatidões (" 12. Também o controlo de stocks realizado por V. Exa. em inspeção anterior ao mesmo ano, permitiu confirmar a conformidade dos inventários (que resultam das compras suportadas pelas faturas aqui em causa").
Consultado o relatório final relativo ao anterior procedimento inspetivo, que decorreu ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 012015..., é possível verificar que então se concluiu pela "Indevida valorização dos Inventários"', pela "Inexistência de Inventário Permanente e recurso a descrições genéricas", e por "Erros no Inventário”.
Quanto à demonstração de que as operações não têm um caráter anormal, não foi efetuada qualquer prova, depreendendo-se que a A... considera perfeitamente normal a interposição de uma terceira entidade residente em, vulgo, paraíso fiscal, quando a mercadoria em causa é embarcada pela empresa C..., com sede na Tailândia.
Relativamente a demonstração de que as operações não possuem um montante exagerado, a A... limita-se a apresentar outras faturas de aquisição de mercadorias, efetuadas a distintos fornecedores, que importa analisar com detalhe.
A fatura emitida pela entidade "D..., Lda", NIF..., não pode ser considerada como comparável, dada a manifesta discrepância entre as situações em análise. De facto, a empresa S/maca é uma empresa com sede na Zona Industrial de ..., a cerca de 5 km das instalações da A..., que atua no mesmo sector de atividade, ou seja um concorrente direto, que fará as suas aquisições de mercadorias provavelmente na zona asiática (de onde será proveniente a maior parte da pele de suíno com destino à produção de calçado).
Ou seja, o preço de venda praticado pela D... já incorpora a sua margem de negócio habitual, além de não pretender, seguramente, favorecer um concorrente direto. Ainda que possam ser efetuados negócios esporádicos entre as empresas, tais negócios terão como intuito suprir falhas pontuais de mercadoria, como bem denota as quantidades envolvidas nas transações em comparação: perto de 400.000 pés quadrados adquiridos à B..., e cerca de 2.150 pés quadrados adquiridos à D... .
Por outro lado, as mercadorias adquiridas D... são anilina de porco de cor castanho alce, não
constando das faturas da B... mercadoria com designação de cor semelhante, pelo que não é possível comparar a cor, quanto mais a natureza específica da mercadoria de cada uma das faturas (a pele de porco, sendo um produto natural, apresenta diversas especificidades, seja de qualidade, espessura, acabamento, cor, etc.).
Ou seja, o argumento de que se comprova o não exagero da fatura proveniente do paraíso fiscal com fatura não comparável emitida por concorrente direto, não merece acolhimento.
Para prova de que o montante não é exagerado é igualmente apresentada uma fatura emitida pela empresa "E...", NIF ES-..., com sede em ..., Espanha. Esta situação não pode ser igualmente comparada com a aquisição de mercadoria proveniente da Tailândia.
De facto, a fatura da E... indica o código aduaneiro 41132000, pelo que se tratará igualmente de couros preparados após curtimenta ou após secagem e couros e peles apergaminhados, de outros animais, depilados, e couros preparados após curtimenta e couros e peles apergaminhados, de animais desprovidos de pelos, mesmo divididos, de suínos e, atendendo a essa referência, será lícito presumir que se trata de mercadorias com origem externa à União Europeia.
Mas não é possível validar a natureza da mercadoria, a sua real origem (se é proveniente da Tailândia), quais as suas características, ou especificidades. Aliás basta atentar na descrição da mercadoria proveniente da E... ("ZFE-PECARI FLOR WOND SUP"), para atestar a falta de comparabilidade com a mercadoria arrolada na fatura emitida em Hong Kong.
Também o facto de estas mercadorias estarem a ser transacionadas por um operador europeu (e não diretamente por um operador da zona de origem dos bens), afasta a comparabilidade, sendo igualmente de realçar a disparidade ao nível das quantidades entre as duas operações: as faturas em análise que ascendem a cerca de 400.000 pés quadrados, e a da E... com cerca de 16.778 pés quadrados.
O terceiro elemento apresentado pela A... para demonstrar que o montante não é exagerado é uma suposta mensagem de correio eletrónico, datada de 2013-02-14 e presumidamente emitida por F... da empresa G..., sediada em ..., Itália.
Sobre esta mensagem importa tecer as seguintes considerações que resultam de uma análise ponderada:
*a mensagem de correio eletrónico é apenas um pedido de cotação de preços, sem caráter vinculativo;
* o preço proposto pelo fornecedor respeita a mercadoria específica, denominada Beige 103, sobre a qual não se conhece as especificidades (material, espessura, acabamento, etc.), e mesmo a cor não é verificável em confronto com as cores arroladas nas faturas emitidas em Hong Kong ("Middle Beige", "Golden Beige", "Light Beige");
* o preço proposto respeita a Fevereiro de 2013, sendo que os embarques em apreço ocorreram em finais de Maio / início de Junho de 2013, pelo que poderá ter ocorrido oscilação de preços (mesmo sem saber que mercadorias estão a ser propostas pela empresa G...)',
* o preço é proposto com previsões de próxima rutura de stock (the color beige is running ouf) pelo que poderá estar empolado em virtude da assegurada colocação junto de clientes em Itália;
*a origem dos bens será distinta (Taiwan, "a good Taiwan ouaWy"), o poderá implicar qualidade diferente, e distintos custos de aquisição;
*a aquisição a um operador europeu, que por sua vez recorrerá a exportador asiático, não permite estabelecer comparabilidade de preços;
*mesmo admitindo - e apenas em tese - que a mercadoria proposta pela empresa Italiana é comparável à mercadoria com uma das designações "(...) Beige", as quantidades são bem distintas, de Itália cerca de 21.500 pés quadrados vs. cerca de 121.000 pés quadrados faturados em Hong Kong.
Nestes termos, a suposta mensagem de correio eletrónico não prova que o montante faturado pela B... não é exagerado.
Face ao exposto, analisada a prova apresentada pela A..., verifica-se que a mesma não demonstra que os encargos em apreço, que globalmente ascendem a 261.572,02 €, correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, pelo que tal Importância não poderá concorrer para a determinação do resultado tributável, como determina o n.º 1 do artigo 65.º do Código do IRC.
A correção em termos de resultado tributável em sede de IRC do ano de 2013 é a seguinte:
III.1.1.2. Importâncias pagas ou devidas a entidades não residentes - Tributação Autónoma
Nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC, "as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50% (...)".
Por sua vez o n.º 2 desse artigo refere que "a taxa referida no número anterior é elevada para 70 % nos casos em que tais despesas sejam efetuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola e ainda por sujeitos passivos que aufiram rendimentos enquadráveis no artigo 7.".
Mais refere o n.º 8 do mesmo artigo que, "são sujeitas ao regime do n.º 1 ou do nº 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e ai submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado".
Estando em causa transferências bancárias que têm enquadramento no previsto pelo n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC, como se referiu e arrolou no ponto III.1.1.1 do presente relatório quanto aos pagamentos remetidos para a entidade B..., foi o sujeito passivo A... notificado para fazer prova de que as importâncias pagas, e que ascendem a 261.572,02 € [1], correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado (Anexo 1).
A citada notificação solicitava que fosse apresentada prova, quer no que diz respeito ao afastamento da liquidação de tributação autónoma, nos termos do n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC, bem como no que diz respeito ao afastamento do regime legal consagrado no n.º 1 do artigo 65.º desse diploma legal.
Na resposta, conforme documentos e elementos entregues em 2017-06-12 (Anexo 21. e documento e elementos rececionados em 2017-07-07 (Anexo 3), a A... não estabelece qualquer distinção quanto à prova nos termos do n.º 1 do artigo 65.º ou nos termos do n.º 8 do artigo 88.º, ambos do Código do IRC.
Nestes termos, a análise dessa prova é igualmente única e já se efetuou ao longo do ponto III.1.1.1 do presente relatório, sendo de manter a posição de que tal prova não foi efetiva e cabalmente apresentada, pelo que será de liquidar tributação autónoma sobre estas importâncias, como determina o n.º 8 do artigo 88.º
Dado que a A... não verifica as condições do n.º 2 do artigo 88.º do Código do IRC (sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, e ainda sujeitos passivos que aufiram rendimentos enquadráveis no artigo 7º), a taxa de tributação autónoma a aplicar é de 35%.
Deste modo há lugar à tributação autónoma no valor de 91.550,21 €.
O quadro seguinte apresenta os valores anteriores de tributação autónoma liquidada, a correção proposta e os valores corrigidos.
(...)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
(...)
X.2. ABORDAGEM À RESPOSTA DO SUJEITO PASSIVO
Importa assim analisar as peças enviadas pelo sujeito passivo para efeitos do exercício do direito de audição.
IX.2.1. Da primeira comunicação - recebida a 2017-07-27 (Anexo 4)
Nessa comunicação, a A... considera que a notificação de que foi alvo (para efeitos dos nºs 1 e 4 do artigo 65.º e n.º 8 do artigo 88.º, ambos do Código do IRC), ao solicitar "prova documentai' está a limitar as possibilidades da prova a apresentar, tanto mais que o Código do IRC não prevê tal limitação.
Sobre esta questão importa salientar que sendo o procedimento inspetivo credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2017..., um procedimento inspetivo interno, e atendendo que os elementos a apresentar deverão fazer prova de que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, resulta que a prova será, essencialmente, documental.
Ou seja, nunca esteve em causa, nem poderia estar, qualquer limitação da prova a apresentar, não tendo a A... solicitado a apresentação (ou apresentado de facto) outro tipo de prova.
No direito de audição a A... afirma no seu § 9.º que "não se compreende (?) a necessidade de acrescentar ao texto legal a exigência de que a prova seja feita «de forma inequívoca» e, mais ainda, «em toda a extensão»".
Como se pode verificar pela análise do Projeto de Relatório, e pela análise do presente Relatório Final (que é em tudo idêntico salvo neste ponto IX), não se efetuou qualquer aditamento ao texto legal do n.º 1 do artigo 65.º do Código do IRC, que aliás se considera transcrito ipsis verbis na página 2 do relatório.
As expressões em causa, que se encontram na página 4 do relatório, servem tão só para efetuar uma apresentação dos três requisitos que a prova a apresentar deve verificar, e para reforçar a especificidade desta norma que inverte o ónus da prova. Aliás, o local do relatório em que foram inseridas tais expressões, nem sequer se relaciona com a análise da prova apresentada, sendo que essa análise somente se inicia na página 5 do relatório.
Para além disso, não existe no Projeto de Relatório qualquer fundamentação das correções propostas alegando que não foi feita prova "de forma inequívoca", ou "em toda a extensão".
Considera ainda o direito de audição (§ 19.º) que a liberdade constitucionalmente conferida aos agentes económicos permite-lhe efetuar negócios com quem bem entenderem, pelo que, na sua perspetiva "(...) não é anormal a interposição de uma entidade entre o vendedor inicial e o comprador final".
A legislação fiscal, mormente o Código do IRC, já possui a contingência fiscal que resulta do artigo 65.º desde há vários anos. De facto, através do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, foi operada uma profunda revisão aos códigos fiscais, o que aliás já estava previsto pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro (que reforma a tributação do rendimento e adota medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais), passando o Código do IRC a determinar no seu n.º 1 do (então) artigo 59.º o seguinte:
"Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado".
Ou seja, esta contingência fiscal não é propriamente uma novidade, E essa mesma contingência fiscal foi reforçada em 2004 com a publicação da já citada Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.
Obviamente que não estão em causa os agentes económicos preferidos pelos sujeitos passivos de IRC. O que está em causa é fazer prova que a opção por um sujeito passivo residente em países, territórios ou regiões qualificados como «paraísos fiscais» ou sujeitos a regimes de tributação privilegiada, não é anormal.
Sabendo que o território de Hong Kong não é conhecido pela produção de peles de porco, e tendo a certeza que as peles em causa são provenientes da Tailândia, importa apresentar as razões para ser interposto outro agente económico entre o fornecedor C..., empresa de curtumes sita na Tailândia (e entidade que surge no conhecimento de embarque marítimo como carregador - Shipper), e a A... .
No direito de audição a A... vem apresentar um documento timbrado pela empresa "H...", residente na China, em que esta declara ser detentora da empresa "B...", residente em Hong Kong (fornecedora da A...), e detentora da empresa "C...", a acima citada empresa de curtumes da Tailândia. A declaração apenas afirma que a empresa de Hong Kong tem como propósito comprar peles em bruto e exportar peles de porco de forma mais eficiente e fácil (tradução livre).
Ora sendo idênticos os donos da empresa de curtumes (Tailândia) e da empresa trading (Hong Kong), o caráter anormal da operação ainda fica mais reforçado.
Qual o intuito da interposição dessa empresa de Hong Kong? Estava a A... impedida de adquirir as mercadorias em causa diretamente ao fornecedor da Tailândia? Considerando a contingência fiscal, foi colocada essa questão aos citados donos? Que valor acrescenta ao negócio a mera emissão de faturas, via Hong Kong, dado que a mercadoria segue da Tailândia para Portugal?
Importa ainda salientar que a A... é adquirente de contentores inteiros de mercadoria, como resulta dos documentos apresentados, o que, à partida, lhe permitiria negociar diretamente com a empresa de curtumes.
Face ao exposto, o direito de audição não altera a conclusão que se atingiu no Projeto de Relatório, quanto à prova "não têm um caráter anormal'.
Relativamente à prova "correspondem a operações efetivamente realizadas", entende a A... que a norma legal visará apenas serviços e não operações de compra e venda (§ 22.º a § 25.º).
Não se vislumbra a restrição alegada pela A... na redação do n.º 1 do artigo 65.º e no n.º 8 do artigo 88.º, ambos do Código do IRC.
Nem tal restrição é visível nomeadamente no preâmbulo da Portaria n.º 150/2004, de 13-Fev.: "A luta contra a evasão e fraude internacionais passa também pela adoção de medidas defensivas, tradicionalmente designadas por medidas antiabuso, traduzidas em práticas restritivas no âmbito aos impostos sobre o rendimento e sobre o património, benefícios fiscais e imposto do selo, que têm como alvo operações realizadas com entidades localizadas em países, territórios ou regiões qualificados como «paraísos fiscais» ou sujeitos a regimes de tributação privilegiada'".
(...)
Ao nível nacional, a luta contra a evasão e a fraude internacionais tem vindo, por via das assinaladas quebras de receitas com implicações sérias na balança transações com o exterior, que falseiam a concorrência internacional e os movimentos de capitais, a desencadear o aparecimento das tradicionalmente designadas por medidas anti-abuso, que mais não são do que práticas restritivas implementadas, principalmente, ao nível dos impostos sobre o rendimento e benefícios fiscais.
Do ponto de vista prático traduzem-se na previsão de critérios mais restritivos no que concerne à aceitação de operações realizadas entre entidades sedeadas em território nacional e pessoas singulares ou coletivas, sediadas em países, territórios ou regiões detentoras de um regime fiscal mais favorável, para a determinação do lucro tributável do exercício.
Destacamos o previsto no CIRC e os seus art.ºs 63.º a 68.º, dando especial relevo, aos
•Art.º 65.º do CIRC, n.º 1 - que não são consideradas como dedutíveis, para efeitos de determinação do lucro tributável, as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas sedeadas fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
• O legislador criou uma exceção prevendo que elas possam ser, todavia, aceites, desde que o sujeito passivo possa provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas não apresentando um carácter anormal ou um montante exagerado, recaindo o ónus da prova sobre o sujeito passivo residente em território nacional - o mesmo é dizer que a medida específica anti-abuso introduzida com o objetivo de dissuadir a utilização dos denominados paraísos fiscais foi a de inverter o ónus da prova;
(...)
Ora uma das formas de levar a cabo operações por intermédio de empresas em de offshore é através do vulgarmente denominado triangulação de operações. Existe transmissão de propriedade de mercadorias, mas estas nunca saem da disponibilidade física da empresa sedeada em território nacional, tratando-se tudo de uma "transação em papel".
(...)
O direito de audição pretende extrapolar conclusões do que se referiu no Projeto de Relatório quanto a prova da efetividade das operações. O que se afirmou, e que se repete, é que "os elementos apresentados formam a convicção de que terão ocorrido importações de mercadorias e que tais bens, declaradas na alfândega nos termos da respetiva documentação, são consentâneos com a atividade da A...".
No entanto, a efetividade passa igualmente por demonstrar que - de facto - o negócio foi realizado nos termos em que é apresentado (aquisição de peles à B...), quando tudo aponta para que negócio seja distinto (aquisição de peles à C...), tanto mais que os proprietários da empresa de curtumes e da empresa trading serão, como quer demonstrar a A... no direito de audição, os mesmos.
Entende a A... no seu direito de audição (§ 33,º) que "trata-se de um fornecedor como qualquer outro".
Ainda que esta frase possa ser verdade numa perspetiva empresarial, para efeitos fiscais não é seguramente, um fornecedor como qualquer outro. Como ponto de partida, no n.º 1 do seu artigo 65.º, o Código do IRC começa por estipular, de forma bem clara, que as importâncias pagas ou devidas: fornecedores (entidades) residentes em, vulgo, paraísos fiscais, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável. Não é um tratamento indiferenciado.
Afirma ainda o direito de audição (§ 34.º) que o recurso ao fornecedor em causa se deve à "simples e decisiva razão de que os seus preços foram os mais competitivos", mas não demonstra factualmente esta afirmação com dados objetivos e comparáveis. Tal como não havia demonstrado aquando da notificação nos termos dos nºs 1 e 4 do artigo 65.º do Código do IRC.
Sobre os fundamentos considerados pela Inspeção Tributária para a não aceitação da prova apresentada, entende a A... que essa posição vai para além do entendimento do legislador (§ 42.º). Mas não contesta em concreto essa fundamentação, a qual sustenta de forma clara que a comparação terá que ser efetuada entre operações efetivamente comparáveis, o que se reputa de elementar.
Aliás, em legislação fiscal que se poderia invocar para estabelecer um paralelismo, é afirmado o seguinte: "(...) o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes fatores:
a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objeto de cada operação, são suscetíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negociai, o tipo, a duração, o grau de proteção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;
b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os ativos utilizados e os riscos assumidos:
c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;
d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respetivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e de desenvolvimento geral dos mercados;
e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspetos suscetíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de atividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da atividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;
f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas”.
No âmbito do exercício do direito de audição, a A... vem solicitar, invocando o n.º 1 e as alíneas c) e f) do n.º 3, ambos do artigo 59.º da Lei Geral Tributária, diversas confirmações sobre o ponto de situação da prova apresentada, bem como "indicação de qual o modo como é possível provar, no caso destas compras de mercadorias, que o preço praticado não foi exagerado".
Quanto ao dever de colaboração da Administração Tributária, importa referir que no contacto havido nos Serviços de Inspeção Tributária em 2017-06-12, com o Administrador Único e o Contabilista Certificado da A..., foi explicada a inversão do ónus da prova e foram explicados as três áreas que a prova deveria assegurar (correspondem a operações efetivamente realizadas; não têm um caráter anormal; não são de montante exagerado).
Sem prejuízo do exposto, e ainda que possa ser discutível se o exercício do direito de audição sobre o Projeto de Relatório é a sede própria para invocar o dever de colaboração e "a assistência necessária ao cumprimento dos deveres acessórios", bem como o "o esclarecimento regular e atempado das fundadas dúvidas sobre a interpretação e aplicação das normas tributarias"^, tanto mais que o Projeto de Relatório explicou e fundamentou devidamente todas as posições assumidas, foi elaborada Informação datada de 2017-08-01, a qual foi objeto de Parecer e Despacho concordante (Anexo 51. tendo sido remetida à A... através do Ofício n.º..., de 2017-08-02.
A A... neste direito de audição não veio apresentar qualquer facto novo. Limitou-se a tecer considerações vagas sobre a matéria em análise, a discutir semântica, a tentar alterar a perceção do leitor sobre o Projeto de Relatório ("9 - não se compreende a necessidade de acrescentar ao texto legal a exigência de que a prova seja feita (...)", a fazer interpretações da Lei ("25 - Note-se que o n.º 1 do artigo 65º e o n º 8 do artigo 88.º do Código do IRC, (...) falam em «encargos» e «despesas», respetivamente, o que indica que não pretenderiam abranger simples compras e vendas de bens", e a tentar passar a responsabilidade e o ónus que sobre si impendem para a Administração Tributária ao querer que seja indicada qual a prova a ser produzida.
IX.2.2. Da segunda comunicação - recebida a 2017-08-10 - Anexo 61
Nesta segunda comunicação, a título de exercício do direito de audição, vem a A... alegar que não obteve resposta às solicitações apresentadas.
Considera que os documentos apresentados "(...) demonstram inequivocamente que as operações ocorreram, concretamente documentos alfandegários e documentos de seguro dos bens" (página 3).
Quanto à análise da prova apresentada sobre se os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas, o Projeto de Relatório, tal como o presente Relatório Final, concluíram de forma muito clara na página 5, nos seguintes termos: "os elementos apresentados formam a convicção de que terão ocorrido importações de mercadorias e que tais bens, declaradas na alfândega nos termos da respetiva documentação, são consentâneos com a atividade da A...". Ou seja, não está, nem nunca esteve em causa, a importação física de mercadorias destinadas à atividade da empresa. A afirmação não se pode considerar vaga ou imprecisa.
De forma que se reputa de estranha, vem agora a A..., depois de um primeiro exercício do direito de audição, em que tal questão não foi minimamente aflorada, por em causa o Parecer da Chefe de Equipa, transcrevendo apenas uma parte desse Parecer.
Com interesse ao debate, afirmou então a Chefe de Equipa: "Porque o sujeito passivo, após ter sido notificado, não demonstrou a efetividade das operações - pagamento de faturas à empresa B..., com sede em Hong Kong, de fornecimento de peles de suínos para calçado, com origem na Tailândia, e carregadas a bordo do navio por empresa sediada na Tailândia, e que as mesmas não têm um caráter anormal, nem um montante exagerado”.
O sublinhado respeita apenas à parte transcrita pela A... .
Sem querer discutir questões gramaticais ou de semântica, parece bem claro que o que se pretendeu afirmar foi que o sujeito passivo, após notificado, não demonstrou a efetividade das operações e que as mesmas não têm um caráter anormal, nem um montante exagerado. Ou seja, não fez a prova nos termos exigidos pela parte final do n.º 1 do artigo 65.º do Código do lRC do que estava em causa: "pagamento de faturas à empresa B..., com sede em Hong Kong, de fornecimento de peles de suínos para calçado, com origem na Tailândia, e carregadas a bordo do navio por empresa sediada na Tailândia".
Neste direito de audição a A... alega que solicitou a confirmação da efetividade das operações dado que o Parecer da Chefe de Equipa conclui em sentido contrário do afirmado no Projeto de Relatório. E que as resposta obtida a esta solicitação "foi evasiva".
Ora não só a solicitação não foi efetuada nestes termos (mas sim no âmbito de "deveres de colaboração conforme ponto IX.2.1 do presente relatório), como o Parecer da Chefe de Equipa não contradiz o Projeto de Relatório, nem a resposta foi evasiva. A resposta remeteu para o Projeto de Relatório que é bem claro sobre esta matéria, pelo que se repete: "os elementos apresentados formam a convicção de que terão ocorrido importações de mercadorias e que tais bens, declaradas na alfândega nos termos da respetiva documentação, são consentâneos com a atividade da A...".
Mas isto não significa, como se depreende do afirmado no Projeto de Relatório, que as operações tenham ocorrido nos termos apresentados pela A... . Apenas significa que os elementos apresentados demonstram a importação física de mercadorias destinadas à atividade da empresa.
Alega igualmente a A... neste direito de audição que a Administração Tributária não apresentou, ao abrigo do princípio da colaboração, "a indicação de qual o modo como é possível provar, no caso destas compras de mercadorias, que o preço praticado não foi exagerado". Mais afirmando que a resposta foi "lacónica e evasiva".
Ora a resposta (Anexo 5), não foi lacónica nem evasiva. Como poderia a Administração Tributária definir a prova a apresentar, se por um lado esse ónus recai sobre o sujeito passivo, e se por outro lado não está nas prerrogativas da Administração Tributária limitar a prova a ser apresentada?
Justifica a A... que "só fez esta pergunta porque carreou para o processo provas que entendeu cabais, concretamente documentos comprovativos de outras operações de compra, em que o preço é até superior ao praticado nas compras a Hong Kong. Isto por si só demonstra que o montante não é exagerado".
Sobre esta matéria o Projeto de Relatório foi claro e devidamente fundamentado. Terá que existir o mínimo de comparabilidade, a qual não estava assegurada com a apresentação de três operações: - da "D..." (concorrente); - da "E..." de Espanha (que se pode considerar igualmente concorrente, como demonstra a consulta ao sítio da empresa na Internet - Anexo 7); - pedido de cotação de preços.
A fundamentação para não ser aceite tal prova como cabalmente demonstrativa de que o montante das operações não é exagerado, é clara e suficiente. O que a A... pretende é imputar à Administração Tributária o ónus da prova. De facto, continua a não refutar quaisquer argumentos ou fundamentos apresentados para desconsideração da prova apresentada.
Neste "segundo" direito de audição a A... vem apresentar outra fatura de fornecedor, desta vez da empresa "I...", com sede em Itália (n.º IVA: IT-...), relativo à aquisição de cerca de 10.800 pés quadrados de "Fodere di Pelle Suine Avorío”.
O preço de compra na unidade pés quadrados será 0,75 € e, na perspetiva da A..., superior ao preço de 0,683 € praticado pela B..., no fornecimento de "Pig Grain Lining / Light Beige", conforme fatura n.º SHC2013-0050 (Anexo 2).
Novamente se refere que este exemplo não é comparável. Não é indicada a proveniência da pele, nem as suas características específicas. No caso da fatura da B... sabe-se que a pele é proveniente da Tailândia, o que tem associado determinados custos de logística, e sabe-se várias características das peles (tamanho, qualidade, espessura, cortes, tinturaria, acabamentos, etc.). Sobre a pele proveniente de Itália nada se sabe.
E a própria questão da cor não permite afirmar com certeza absoluta que a pele é comparável. Basta analisar a fatura em causa para perceber a importância da cor e a variantes que esta pode assumir. Por exemplo a cor "Golden Beige" é transacionada a 0,875 USD, e a cor "Light Beige" é transacionada a 0,855 USD. E só nas cores do tipo "Beige" aparecem três variantes (Middle, Golden e Light).
Também a quantidade denota uma aquisição diferente, estando a ser comparada uma aquisição de cerca de 10.800 pés quadrados com outra de cerca de 352.951 pés quadrados.
Sendo uma aquisição na Europa, e admitindo em tese que a origem seja idêntica (Tailândia), naturalmente que a aquisição à "I..." incorpora uma margem de comercialização. Comparados os preços invocados pela A..., o preço de 0,75 € é apenas cerca de 9,8% mais caro do que o preço de 0,683 €. Será esta a margem praticada pela empresa Italiana? E sem prejuízo do exposto, não é igual adquirir um contentor de mercadoria a um fornecedor do extremo oriente, a adquirir uma partida de pele de pequena quantidade a um revendedor localizado na União Europeia.
O que importa salientar é que as operações não são comparáveis.
Ainda com base no errado pressuposto que as operações são comparáveis, a A... estabelece uma comparação entre as margens de venda das peles adquiridas à I... e as margens de venda das peles adquiridas à B..., concluindo que as margens obtidas no segundo caso são superiores. Ora sendo os preços de compra distintos, naturalmente que as margens são distintas.
Mas a análise apresentada pela A..., em termos de margens brutas de comercialização não é elucidativa. Por um lado, o mapa apresentado, a título de extraio de movimento do artigo 164PRBEIGE1 -PELE PORCO BEIGE 1, inclui as aquisições do artigo "Light Beige" e "Middle Beige", da fatura SHC2013-0050. Mas mais relevante é o facto de o extrato terminar em 2013-06-27, sem que se perceba o motivo. Tanto mais que a quantidade adquirida (e sublinhada no extrato) ascende a 21.697,25 pés quadrados e as vendas selecionadas ascenderam a 14.054,94 pés quadrados. E pior ainda caso se considere as duas aquisições que perfazem 55.165,00 para vendas selecionadas de apenas 14.054,94.
A A..., com base naquela deficiente análise, considera que as margens obtidas na comercialização da pele "Light Beige" são entre 12,7% e 20,1%. E qual a conclusão que se pode retirar destes valores? Na perspetiva da A... nenhuma, porquanto nada diz sobre esta matéria, apenas que são superiores às obtidas nas aquisições a I... .
No entanto, a margem bruta sobre o custo obtida pela A... no ano de 2013 ascendeu a cerca de 24,97%, o que demonstra que a margem de comercialização deste artigo está claramente abaixo (e em algumas circunstâncias bem abaixo) da margem obtida pela generalidade das operações.
Para término do direito de audição, a A... vem apresentar troca de correspondência por correio eletrónico, com um fornecedor da China, J... Ltd., para carga de contentor inteiro, em que a resposta obtida apresenta preços entre 0,850 USD e 0,870 USD.
Sobre esta cotação importa sublinhar que existem limitações à comparabilidade. A cotação não indica a origem da mercadoria, nem a dimensão das peles.
Mas admitindo um negócio em tudo igual, verifica-se que os preços praticados são sempre inferiores aos preços praticado pela "B...", seja qual for o grupo de tonalidades.
Se tudo é igual, em termos de mercadoria, sabendo da contingência fiscal dos nºs 1 e 4 do artigo 65.º e do n.º 8 do artigo 88.º, ambos do Código do IRC, porque optar pelo fornecedor mais caro e até residente em, vulgo, paraíso fiscal?
Face ao exposto é de concluir que este segundo direito de audição também não veio apresentar factos que permitam inverter a posição defendida pela Inspeção Tributária e já apresentada no Projeto de Relatório.
Para além de não contestar validamente os argumentos e fundamentos vertidos no Projeto de Relatório e constantes deste Relatório Final, o sujeito passivo continuou a insistir numa tentativa de imputar à Administração Tributária o ónus de provar que os encargos incorridos e os pagamentos efetuados correspondem a operações efetivamente realizadas, não têm um caráter anormal nem são de montante exagerado.
E continua a apresentar documentos avulso, a título de prova, não obstante essa prova já ter sido há muito exigida, que a Inspeção Tributária analisou e concluiu que não permitem afastar a desconsideração fiscal e a tributação autónoma.
Embora tenha apresentado uma análise das margens de comercialização de mercadoria que representa uma pequena parte das aquisições efetuadas à B..., e ainda que essa análise padeça de sérias limitações, a mesma análise apenas logra demonstrar que a margem obtida é claramente inferior à margem média obtida pela A... na generalidade das operações de compra e venda.
Foi igualmente apresentada uma cotação de preços dada por fornecedor residente na China, com valores inferiores aos praticados pela B..., o que suscita ainda maiores dúvidas sobre a opção por este fornecedor.
Nestes termos serão de manter as correções propostas em sede de IRC, quer no que respeita ao acréscimo à matéria tributável, quer no que respeita à liquidação adicional de tributação autónoma.
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Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2017..., datada de 01-09-2017, no montante de € 181.769,26, em que se inclui o montante e € 91.550,21 da correcção relativa a tributações autónomas e o montante de € 21.831,18 de juros compensatórios;
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As mercadorias a que se referem as facturas subjacentes às correcções foram importadas pela Requerente e utilizadas na actividade da Requerente;
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As mercadorias foram adquiridas à B..., sendo por esta enviadas para a Requerente a partir da Tailândia;
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As mercadorias referidas que foram adquiridas por um preço médio de € 0,683 (taxa de câmbio da época USD/EUR=1,251), por cada pé quadrado à B..., foram vendidas entre € 0,77 e € 0,82 por cada pé quadrado (documento n.º 16, página 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 08-08-2013, a Requerente adquiriu ao fornecedor D..., localizado em ..., Portugal pele de porco por € 0,83 por cada pé quadrado com características das peles idênticas às mercadorias adquiridas à B... (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 15-07-2013, a Requerente adquiriu ao fornecedor E..., localizado em..., Espanha, pele de porco por € 0,83 por pé quadrado com características idênticas às peles adquiridas á B... (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 05-04-2013, a Requerente adquiriu ao fornecedor I..., localizado Itália, peles de porco idênticas às adquiridas à B... pelo preço de € 0,75 por cada pé quadrado (documento n.º 16, página 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em Março de 2013, foi apresentada à Requerente uma proposta pela empresa J..., LTD, localizada em ..., China, para fornecimento do mesmo tipo de pele de porco (espessura 0,5-0,7mm) com preço proposto de USD 0,85 para peles de cor clara, USD 0,86 para peles de cor média e USD 0,87 para peles de cor escura, por cada pé quadrado (documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 30-10-2017, a Requerente pagou a quantia de € 180.605,85 a título de imposto (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 29-01-2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos provados baseiam-se na prova documental, nas declarações de parte e nos depoimentos prestados na reunião, tendo as pessoas ouvidas aparentado depor com isenção e com conhecimento dos factos que referiram.
Quanto à prova de que as operações foram realizadas e que a Requerente recebeu as mercadorias e as pagou, há acordo da Autoridade Tributária e Aduaneira, que no Relatório da Inspecção Tributária afirmou que «nunca esteve em causa, a importação física de mercadorias destinadas à atividade da empresa» e afirma no artigo 27.º da Resposta que «os elementos apresentados formam a convicção de que terão ocorrido importações de mercadorias e que tais bens, declaradas na alfândega nos termos da respectiva documentação, são consentâneos com a actividade da A...».
3. Matéria de direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedutibilidade dos gastos da Requerente relativos a transferência de quantias que efectuou para a B..., com sede em Hong Kong, respeitantes a duas facturas por esta emitidas:
– –n.º SHC2013-0046, no valor de USD 41.522,21, emitida em 22-05-2013
– n.º SHC2013-0050, no valor de USD 308.440,22, emitida em 29-05-2013.
A não aceitação da dedutibilidade destes gastos baseou-se no artigo 65.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente em 2013), que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 65.º
Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado
1 – Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
2 – Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60 % do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.
3 – Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direcção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efectuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
4 – A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efectuada com a antecedência mínima de 30 dias.
(...)
Cumulativamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou a tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 8, do CIRC que estabelece o seguinte:
8 – São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respectivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
O território de Hong Kong estava incluído, em 2013 e 2014, na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.
Como ensina Gustavo Lopes Courinha, “Nestes casos, encontramo-nos diante de uma reação especial de caráter anti-abusivo, que contempla nitidamente situações de manifesta simulação fiscal – “operações efetivamente realizadas” – e outras de planeamento abusivo – “operações (com) carácter anormal ou um montante exagerado”. No primeiro dos casos, visam-se operações não reais ou falsas, cuja veracidade seria sempre de difícil contestação ao nível da prova pela Administração Fiscal; no segundo, operações reais pretendidas pelas partes, embora por vezes estruturadas de modo a obter uma vantagem fiscal indevida. Sendo que, para ambos os casos se determinou como sanção a não dedução de tais quantias para efeitos de determinação do lucro tributável, salvo demonstração em contrário da previsão pelo contribuinte (inversão do ónus da prova).” ( [2] )
O afastamento da dedutibilidade dos pagamentos que constam da contabilidade como tendo sido efectuados a empresas sujeitas a um regime fiscal privilegiado tem ínsita uma presunção de que se trata de operações total ou parcialmente simuladas, que visam afastar a tributação de rendimentos em território nacional. ( [3] )
É por tal regime assentar numa presunção, que se admite, com a consequente inversão do ónus da prova, a dedutibilidade dos gastos se o sujeito passivo provar que os pagamentos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
Como se referiu na fundamentação da matéria de facto, a Autoridade Tributária e Aduaneira não põe em causa que a Requerente adquiriu as mercadorias à B..., que estas foram enviadas da Tailândia para a Requerente, e que aquela as utilizou no exercício da sua actividade.
Assim, está assente que as operações a que se referem as facturas em causa foram realizadas e, sendo assim, conclui-se também que não pode ser considerado «anormal» que a Requerente tenha efectuado os pagamentos à B... .
Na verdade, aceitando a Autoridade Tributária e Aduaneira que não se está perante operações totalmente simuladas, não pode considerar-se «anormal» que a Requerente tenha efectuado pagamentos, pois o que seria anormal é que as mercadorias fossem gratuitas.
Por outro lado, em transacções com empresas que desenvolvem a sua actividade em vários países, não é anormal que as mercadorias transaccionadas não provenham o país ou território onde está instalada a sede da empresa.
Assim, o suporte para a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira assenta apenas na invocação da falta de prova de que o montante pago não é exagerado.
«Já quanto à prova da inexistência de carácter anormal ou exagerado nas despesas esta deve estabelecer-se demonstrando que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o contribuinte deverá demonstrar qual a importância real das vantagens conferidas pelo contrato e provar que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, nomeadamente por comparação com os custos de serviços análogos no mercado. Não se exige, por outro lado, qualquer formalismo nestas provas, vigorando aqui também o sistema da prova livre» ( [4] ) ([5] )
No caso em apreço, a prova produzida conduz à conclusão de que os pagamentos efectuados são preços razoáveis e equilibrados das mercadorias adquiridas, apreciavelmente inferiores aos que se provou que a Requerente obteve adquirindo mercadorias semelhantes em Portugal ou em Itália, e com uma diferença mínima, de cerca de 1,5%, em relação aos que, quatro meses antes, podia ter obtido da empresa chinesa J..., de acordo com uma proposta que lhe foi apresentada.
Por isso, deve considerar-se efectuada a prova de que os montantes pagos não foram exagerados.
Assim, conclui-se que não há fundamento, à face do artigo 65.º, n.º 1, do CIRC para não aceitar a dedutibilidade dos gastos em causa, pois foi feita a prova aí exigida.
Consequentemente, também não há fundamento para a aplicação da tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC, que também tem subjacente a mesma falta de prova.
A liquidação de juros compensatórios tem como pressupostos a liquidação de IRC e tributação autónoma, pelo que enferma dos mesmos vícios que afectam aquela.
Pelo exposto, a liquidação de IRC, tributação autónoma e juros compensatórios enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Reembolso do valor pago e juros indemnizatórios
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios da existência de uma quantia paga a reembolsar, conclui-se que o processo arbitral é também meio adequado para apreciar o pedido de reembolso.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação e sua anulação há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga acrescida de juros indemnizatórios, pois a liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Assim, em consequência da anulação da liquidação a Requerente tem direito ao reembolso da quantia paga e a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou, desde a data do pagamento (30-10-2017), até à data em que for processada nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).
Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva (artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
– anular a liquidação de IRC n.º 2017..., datada de 01-09-2017, no montante de € 181.769,26, em que se inclui o montante e € 91.550,21 da correcção relativa a tributações autónomas e o montante de € 21.831,18 de juros compensatórios;
– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao reembolso da quantia de € 180.605,85, acrescida de juros indemnizatórios, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente aquela quantia com os juros indemnizatórios que forem determinados nos termos do ponto 4 deste acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 181.769,26.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 16-07-2018
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Vera Figueiredo)
(Cristina Coisinha)
[1] Apesar dos montantes efetivamente transferidos serem superiores, será este o valor a ser considerado para efeitos tributários, uma vez que se imputa o remanescente a diferenças cambiais, e foi este valor que foi considerado relevante quer para efeitos de determinação do resultado tributável por parte do sujeito passivo, quer para efeitos de correções por parte da Inspeção tributária nos termos do n.º 1 do artigo 65.º do Código do IRC. Este critério não é prejudicial ao sujeito passivo.
[2] GUSTAVO LOPES COURINHA, in A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua compreensão, Almedina, Abril 2004, página 93.
[3] Presunção essa que, eventualmente, terá fundamento estatístico, como aventa LUÍS MENEZES LEITÃO, O controlo e combate às práticas tributárias nocivas, in Ciência e Técnica Fiscal n.º 409/410, página 125.
[4] LUÍS MENEZES LEITÃO, obra e local citados, cuja doutrina é seguida nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 19-02-2015, processo n.º 08126/14 e de 05-11-2015, processo n.º 07022/13.
[5] No entanto, a aferição do requisito do não exagero, deverá ser efectuada tendo em conta a situação do sujeito passivo, procurando apurar se o pagamento deve considerar-se excessivo, sob a sua perspectiva, no contexto em que tem de decidir pagar os serviços. Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo podia obter o que o mesmo serviço por quantia inferior (acórdão arbitral de 12-02-2018, processo n.º 369/2017-T).