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Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A -PARTES
A.., com o NIF …, com sede no …, doravante designada de Requerente ou sujeito passivo,
AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT, que sucedeu à Direção-Geral dos Impostos, que à data da verificação dos factos era a entidade competente para a emissão das notas de liquidação que estão em apreciação nos presentes autos.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo CAAD e o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, no dia 28-10-2013, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, tendo a Autoridade Tributaria e Aduaneira sido notificada no dia 29-08-2013.
As partes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante o RJAT ), o Conselho Deontológico, designou os signatários árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
Em 11-10-2013 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
A AT respondeu ao pedido da Requerente, suscitando a exceção da incompetência deste Tribunal Arbitral em razão da matéria e defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.
No dia 14-01-2013, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual foi dada a palavra aos representantes da Requerente e da Requerida para, por esta ordem, se pronunciarem sobre as eventuais exceções que devessem ser apreciadas e decididas pelo Tribunal previamente a conhecer do pedido, e sobre a necessidade de marcação de uma nova reunião, para a realização de prova testemunhal e de alegações.
Ficou definido o dia 31-01-2014 para efeitos de realização de inquirição de testemunhas, com gravação sonora, tendo as partes acordado na realização de alegações por escrito.
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
B – PEDIDO
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A ora Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de autoliquidação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, consubstanciados no documento com n.º …, referente ao período entre janeiro de 2007 a fevereiro de 2009, e a consequente condenação da Requerida a autorizar a Requerente a poder regularizar em seu favor o IVA na quantia de €202.942,02.
C – CAUSA DE PEDIR
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A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, n.º ... entre janeiro de 2007 a fevereiro de 2009, em síntese, o seguinte:
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A Requerente está enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal mensal, é uma empresa do sector agro-alimentar, especializada em lacticínios e seus derivados
, e dedica-se à produção e comercialização destes e de outros bens alimentares.
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Procedeu à revisão dos seus procedimentos, na área do IVA, relativamente aos anos de 2007 a 2009, que abrangeu designadamente o tratamento em IVA, no âmbito da sua política comercial (em concreto, no que respeita às ações promocionais), de forma a conferir o tratamento fiscal mais correto nesta área, evitando, com isso, custos desnecessários. Mais refere que as entregas efetuadas no âmbito da sua política comercial, têm subjacente um fim promocional dos produtos da marca da empresa, assente numa política comercial diversificada de estratégia, de fidelização e de captação de clientes.
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A Requerente identificou como situações cujo tratamento conferido ao IVA deveria ser corrigido os relativos: a bónus a clientes; as ofertas a clientes, e as ações promocionais. A Requerente alega que nas situações em causa o seu procedimento consistiu na liquidação de IVA sobre o preço transacionado dos produtos entregues, sempre que o valor por entrega, ultrapassasse €15, entre janeiro de 2007 e novembro de 2008 (inclusive), e €50 a partir de dezembro de 2008. Este procedimento resultou num imposto entregue em excesso no período compreendido entre janeiro de 2007 e fevereiro de 2009, no valor total de €202.942,02, correspondente a €194.228,80 referentes a bónus a clientes, a €827,95 a ofertas a clientes de "pequeno valor" e €7.857,17 a ações promocionais.
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A Requerente alega que, ainda que possa ter cometido algum erro na emissão das faturas, o mesmo seria ao nível do enquadramento conferido em sede de IVA das suas ações promocionais. Trata-se assim de um erro de direito, e não, conforme interpretação da AT, de um erro material ou de cálculo.
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A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa
, para, no seu entender, proceder à correção do IVA liquidado em excesso nas entregas gratuitas em causa e dentro do prazo de 4 anos previsto para o exercício dessa correção, nos termos do art. 78, n.º 6 do CIVA, por se tratar de um erro de direito e não do prazo de 2 anos, por não se tratar de um erro material ou de calculo.
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A Requerente alega, ainda, que o número 6 do artigo 78º do CIVA não pretende limitar a correção unicamente ao período de 2 anos, mas sim permitir a correção de erros materiais ou de calculo, no prazo de 2 anos, sem que seja necessária a apreciação de um pedido de revisão oficiosa por parte da AT, mantendo-se, contudo, a possibilidade de quando o imposto a corrigir tenha sido pago há mais de 2 anos, ser solicitada pelo sujeito passivo, a respetiva revisão à AT.
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Mais refere a Requerente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que se pronunciou no âmbito do processo 0366/11, de 14 de Dezembro de 2011, no sentido de que a"(...) lei ficciona que todos os erros da auto liquidação são imputáveis à administração tributária e esta não pode demitir-se de tomar a iniciativa de revisão quando demandada para 0 fazer através de pedido do interessado."
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A Requerente alega discriminadamente os fundamentos de facto e de direito que motivaram a apresentação do pedido de revisão do ato de autoliquidação, quanto a:
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Bónus de Clientes,
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Ofertas a Clientes
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Ofertas em ações promocionais
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Bónus de Clientes
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Os bónus de clientes, no valor de €194.257,80, respeitantes aos anos de 2007, 2008 e 2009, no montante liquidado em excesso de €59.170,08, €126.874,34 e €8.213,38, respetivamente, subsumem-se ao facto de que a Requerente liquidou IVA em entregas, considerando-as como ofertas, quando as mesmas configuram bónus atribuídos a clientes, associados a vendas efetuadas ao respetivo cliente, inserindo-se na relação comercial e negocial mantida com o cliente. A atribuição destes bónus está relacionada com a sua atividade, numa lógica promocional, visando o incremento das vendas de bens e a fidelização da clientela. Bónus esses que, segundo a Requerente, podem apresentar diferentes tipologias e combinações, mas que estavam sempre relacionados com a aquisição pelos cliente de uma determinada quantidade de produtos comercializados.
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A Requerente alega que existe uma diferença na atribuição de bónus a clientes, face à entrega de ofertas, dado que, no caso dos bónus não está presente o espírito de liberalidade característico de uma oferta, pelo que nestes termos, as entregas a título de bónus devem ser excluídas do valor tributável, nos termos da alínea b) do n. 6 do art. 16º do CIVA.
(ii) Ofertas a Clientes
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A Requerente identifica os fundamentos de direito que motivaram a apresentação do pedido de revisão do ato de autoliquidação, quanto às ofertas a clientes, no valor de €827,95, respeitantes aos anos de 2007 e 2008, no montante liquidado em excesso de €199,39 e €628,56, respetivamente.
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Quanto às ofertas a clientes realizadas no ano de 2007, a Requerente alega que as mesmas, face ao art.º 3 n.º 3 alínea f) da legislação à data e face à jurisprudência citada na sua petição sobre o conceito de "pequeno valor" e de "uso comercial", o limite imposto de €14,96 se refere a cada entrega e não ao valor anual, tendo por base nas conclusões os Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo - STA -no âmbito dos Processos 0915/06; 07107; 052/07; 0271/07; 0563/07; 0709/07; 0204/08 e 0470/08. A Requerente considerou integrarem o conceito de "pequeno valor", tendo em conta as características do negócio da A.. , as ofertas cuja proporção nas vendas por cliente fosse igual ou inferior a 5% e o valor anual das ofertas totais não excedesse os 5% do valor das vendas daquele ano.
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Quanto às ofertas a clientes referentes ao ano de 2008, a Requerente alega que, por omissão, aplicou tardiamente o regime previsto na Lei nº 67-A/2007, de 31 de dezembro de 2007, cuja entrada em vigor ocorreu em 1 de janeiro de 2008, a qual estipulava que eram consideradas ofertas de pequeno valor aquelas de valor unitário inferior ou igual a €50,00. Deste modo, nos meses de janeiro a novembro de 2008, a Requerente liquidou IVA sempre que o valor das ofertas ultrapassou €15,00, quando à luz das regras legais aplicáveis naquele momento, apenas deveria ter sido liquidado IVA nas ofertas de valor superior a €50,00. Nestes termos, a Requerente alega que, face ao ano de 2008, a A.. apurou o montante de IVA liquidado em excesso nas ofertas de valor igual ou inferior a €50,00 mencionado, o qual representa €628,56.
(iii) Ofertas em ações promocionais
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A Requerente identifica os fundamentos de direito que motivaram a apresentação do pedido de revisão do ato de autoliquidação, quanto às ofertas em ações promocionais, no valor respeitante ao anos de 2007 e 2008 de €5.800,63, €2.056,54, respetivamente.
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Quanto às ofertas em eventos promocionais, a Requerente alega que as entregas de produtos têm uma natureza puramente promocional dos produtos e estão de acordo com os usos comerciais do setor, constituindo pequenas quantidades atribuídas a cada participante. Mais alega a Requerente, que a quantidade de produtos de oferta enviados para os eventos é calculada de forma a enviar uma unidade para cada participante nos eventos, não ultrapassando desta forma o limite das ofertas de "pequeno valor " a clientes, de €14,96 para o ano de 2007 e de €50,00 para o ano de 2008.
D- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Antes de entrar na apreciação destas questões, cumpre assentar na matéria factual relevante para a respetiva compreensão, com base na prova documental, testemunhal e no processo administrativo tributário não impugnados, tendo em conta os factos alegados.
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Em matéria de facto, dá o presente Tribunal por assente os seguintes factos:
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A Requerente está enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal mensal, sendo uma empresa do sector agro-alimentar, especializada em lacticínios e seus derivados, dedicando-se à produção e comercialização destes e de outros bens alimentares.
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A Requerente apresentou, em 11 de março de 2011, um pedido de revisão oficiosa devidamente fundamentado, a solicitar autorização à AT a regularização a seu favor de imposto entregue em excesso na sua atividade promocional, no período compreendido entre janeiro de 2007 e fevereiro de 2009, no valor total de € 202.942,02.
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Na sequência do pedido acima referido, a Requerente foi notificada, no dia 30 de maio de 2013, pela AT, através do Oficio n.º …, de 27 de maio, do indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
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A Requerente nos anos de 2007 e 2008 atribuiu bónus a clientes, considerando-os para efeitos para efeitos de IVA como ofertas, quando as mesmas configuravam bónus atribuídos a clientes, associados a vendas efetuadas ao respetivo cliente, e se inseriam na relação comercial e negocial mantida com o cliente. A atribuição destes bónus estava relacionada com sua atividade, numa lógica promocional visando o incremento das vendas de bens e fidelização da clientela, tendo dado origem a uma liquidação de IVA no montante de €194.257,80.
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Nos anos de 2007 e 2008 a Requerente efetuou ofertas a clientes de bens não destinados a posterior comercialização (que pelas suas características ou pelo tamanho ou formato diferentes do produto que constituía a unidade de venda) e que visavam, sob a forma de amostra, apresentar ou promover bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo, assim como as ofertas de valor unitário igual ou inferior a €50,00 e cujo valor global anual não excedia cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais, tendo liquidado IVA em excesso no montante de €199,39 e €628,56.
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Nos anos de 2007 e 2008 a Requerente atribuiu ofertas em ações promocionais, designadamente em ações de degustação, que de acordo com os usos comerciais do sector se consubstanciavam com a entrega de ofertas promocionais em eventos, não ultrapassando os limites previstos no art 3 n.º 3 alínea f) d CIVA, respetivamente €14,96 para o ano de 2007 e €50,00 para os anos de 2008 e 2009, o que se consubstanciou num imposto em excesso no montante de €5.8000.63 e €2.056,54.
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A Requerente já procedeu à liquidação e ao pagamento voluntário do imposto no valor global de €202.942,02.
E- FACTOS NÃO PROVADOS
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Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da revisão não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
F- QUESTÕES DECIDENDAS
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Atentas as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais, que cumpre apreciar e decidir, as seguintes:
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Exceção dilatória de incompetência do tribunal arbitral ratione materiae;
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A alegada pela Requerente declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, n.º ..., relativo ao período entre janeiro de 2007 a fevereiro de 2009, e a respetiva condenação da Requerida no reembolso da quantia de €202.942,02 já liquidada, relativa a IVA liquidado em excesso:
- A bónus a clientes, no valor de €194.257,80, respeitantes aos anos de 2007, 2008 e 2009;
- Nas ofertas a clientes, no valor de €827,95 respeitantes aos anos de 2007 e 2008, no montante liquidado em excesso de €199,39 e €628,56;
- Nas ações promocionais, respeitantes aos anos de 2007 e 2008, no valor de €5.800,63, €2.056,54;
G- DAS DEDUZIDAS EXCEÇÕES DILATÓRIAS
G-1- DA DEDUZIDA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
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As questões de determinação da competência dos tribunais são de conhecimento prioritário e de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 13º do Código de Processo do Tribunal Administrativo (CPTA) e do art.º 578º do Código de Processo Civil (CPC) por aplicação subsidiária, prevista no art.º 29º do RJAT. Importa, pois, face ao exposto, apreciar a presente exceção dilatória.
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É suscitada por parte da Requerida a incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, (nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT) a qual obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT ( nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).
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Constitui uma exceção dilatória a incompetência, quer absoluta, quer relativa, do Tribunal Arbitral quanto à capacidade material de apreciação dos atos objeto da pretensão arbitral (art.º 577.º do CPC e art.º 2.º do RJAT).
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A Requerida suscita a questão da incompetência do Tribunal Arbitral, com base no presente pedido arbitral e documentos juntos pela Requerente, por o litígio ter por objeto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa e por objeto mediato os atos tributários consubstanciados nas autoliquidações de IVA relativas aos períodos de 2007, 2008 e janeiro e fevereiro de 2009, o que faz nos seguintes termos e fundamentos:
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A Requerida invoca uma eventual intenção de impugnação do ato de liquidação de IVA e do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, e que a Requerente pretende a anulação da referida decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e a declaração de ilegalidade parcial e respetiva anulação das autoliquidações de IVA respeitantes aos períodos indicados no artigo anterior e o consequente reembolso do imposto, que alegadamente foi indevidamente pago.
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Sustenta a Requerida que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, e que, por força da remissão do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos nos termos desse diploma fica na dependência do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, designadamente quanto ao tipo e ao valor máximo dos litígios abrangidos.
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Mais invoca a Requerida, que nos termos do artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário». Da factualidade supra, resulta que na situação sub judice sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.
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Construindo a sua pretensão com base nos artigos supra referidos, a Requerida suporta a posição no sentido de entender que na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa sub judice, ser ainda abstratamente possível, suscitar a ilegalidade dos atos de autoliquidação, nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 78.º da LGT. Refere que a jurisprudência tem provido o entendimento, que não questiona, de que, atenta a natureza administrativa do procedimento da revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT, para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento. Todavia, entende que tal equiparação está legalmente vedada em sede arbitral, estando, pois, excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º do CPPT, mas tão só de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT.
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Entende a Requerida que o disposto no artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 exclui do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, «[…] as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação […] que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT.», por aí não estar referida a revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT.
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Fundamenta a Requerida que os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa, nos termos do artigo 131.º do CPPT, e que no seu entendimento os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT. Esta posição impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), constituindo também um corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT.
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Conclui a Requerida, no sentido que se impõe a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, pelo que, nestes termos o acesso à tutela jurisdicional arbitral encontra-se, por maioria de razão, vedada, pois que aqui a reclamação graciosa sempre seria obrigatória nos termos do artigo 131.º do CPPT, conforme exigido no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011. Mais conclui, que a Requerente, tendo optado pelo caminho da revisão oficiosa da respetiva decisão de indeferimento, apenas pode seguir judicialmente através de impugnação judicial. Sustenta ainda que o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT impõe a conclusão de que a vinculação da AT está dependente e delimitada pela vontade expressa na Portaria n.º 112-A/2011, pois na vinculação da AT à tutela arbitral necessária, o legislador está a dispor sobre interesses gerais, delimitando previamente a defesa do interesse público na vertente da indisponibilidade dos créditos tributários.
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A Requerida sustenta ainda a questão da tempestividade do pedido da revisão oficiosa. O que faz nos seguintes fundamentos:
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O pedido da Requerente funda-se na ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, invocando, em síntese, que quer o Código do IVA, no seu artigo 98.º, quer a LGT, no seu artigo 78.º, são aplicáveis no caso em apreço, pelo que o prazo para o pedido de restituição do imposto pago é de 4 anos e não de dois conforme pugnado na decisão da AT.
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Defende a Requerente que o artigo 78.º da LGT regula, com carácter genérico, os pressupostos da revisão dos chamados atos tributários, independentemente de a revisão ser da iniciativa do contribuinte ou da Administração Tributária, pelo que o ato tributário pode ser revisto a pedido do sujeito passivo, no prazo de 120 dias, com fundamento em qualquer ilegalidade, ou ainda por iniciativa da Administração Tributária, no prazo de 4 anos ou a todo o tempo, se o tributo não se encontrar pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
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Mais invoca a Requerente, que o n.º 2 do referido artigo 78º da LGT efetua a equiparação de erro na autoliquidação a erro imputável aos serviços, sendo que no seu entender, face à jurisprudência citada, o pedido de revisão oficiosa do ato tributário com fundamento em erro na autoliquidação pode ser apresentado, independentemente de não ter sido precedido da reclamação prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.
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Alega, por sua vez, a AT, que embora o artigo 98.º do Código do IVA confira a possibilidade de aplicabilidade do mecanismo de revisão oficiosa, essa possibilidade não prejudica, no entanto, as especialidades de funcionamento do próprio imposto, sendo que o mecanismo das deduções do IVA está previsto nos artigos 19.º a 26.º do Código do IVA e faz parte da essência do próprio imposto. Para apuramento do imposto devido (autoliquidação), os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis num determinado período, o imposto que lhes foi faturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos passivos, mencionado em faturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, no mesmo período, situação que deverá ser refletida na declaração periódica a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA.
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Segundo a Requerida, as deduções de imposto efetuadas por um sujeito passivo de IVA apresentam em princípio carácter definitivo, podendo, contudo, em certos casos expressamente previstos no artigo 78.º do Código do IVA, ser objeto de alteração.
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Resulta, segundo a Requerida, que, apesar de o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA estabelecer que, sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução pode ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, numa aparente identidade total com o estabelecido no artigo 78.º da LGT, o sujeito passivo de IVA não tem liberdade para determinar o momento de exercício desse direito, limitando-se aquela norma a fixar, apenas, um limite máximo de carácter geral, a partir do qual o direito à dedução não pode já ser exercido.
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Assim, o limite máximo de 4 anos do direito à dedução só é aplicável, em virtude desse carácter geral, quando não exista norma especial fixando limite inferior ou superior para o exercício do direito à dedução. Caso contrário, as normas que preveem prazos especiais do exercício do direito à dedução não teriam qualquer sentido útil, já que sempre se lhes sobreporia a norma que estabelece o prazo de quatro anos do direito à dedução.
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A Requerida alega que a revisão oficiosa da autoliquidação do IVA não pode efetuar-se em prejuízo dos pressupostos do direito à dedução, sob pena de as normas reguladoras desse ficarem desprovidas de qualquer efetividade, mormente o artigo 78.º do Código do IVA.
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Defende a Requerida que o pedido de revisão dos atos tributários com fundamento em erro na autoliquidação foi apresentado quando já se encontrava ultrapassado o prazo especial de 2 anos, legalmente estabelecido para a sua regularização, tendo como consequência a impossibilidade de a Requerente recuperar o imposto não deduzido.
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Efetivamente, a assunção da Requerente de que o erro subjacente ao apuramento do imposto possui a natureza de erro material ou de cálculo mencionado no artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA subjaz não só do pedido de revisão oficiosa, como do próprio pedido arbitral. Em ambas as sedes, se está perante uma revisão interna de procedimentos de liquidação do imposto.
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A Requerida assenta o seu entendimento na inferência de que os erros constantes nos atos de autoliquidação objeto da revisão oficiosa peticionada consubstanciam erros materiais ou de cálculo, pois são erros internos da Requerente, na valoração do que deve constituir IVA dedutível e não dedutível apurado contabilisticamente, reportado, nessa medida, na respetiva declaração periódica do imposto.
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A Requerida fundamenta a sua posição, remetendo para o documento de Informação n.º …., da Divisão de Administração da Direção de Serviços do IVA e para o expendido no Parecer n.º …da DSCJC, concluindo a sua fundamentação no facto de no artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA não existir qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam do artigo 22.º do Código do IVA, nos casos em que, por lapso efetuado na sua contabilidade, só detete que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efetuar.
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O presente Tribunal Arbitral assegurou, nos termos do n.º 1 do artigo 153.º do Código do Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, fazendo cumprir os princípios do contraditório da igualdade das partes (cfr. alíneas a) e b) do artigo 16.º também do RJAT), que a Requerente se pronunciasse sobre a exceção de incompetência.
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A Requerente, devidamente notificada, apresentou a sua resposta escrita sobre a exceção suscitada pela Requerida, defendendo posição oposta e alegando, em suma, que:
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O pedido de revisão oficiosa pode ser equiparado a uma reclamação graciosa, no sentido de que o dever de proceder à revisão oficiosa de atos de liquidação constitui um reconhecimento, no âmbito do direito tributário, do dever de revogar os atos ilegais, que é corolário dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a AT deve observar na globalidade da sua atividade, à luz do disposto nos artigos 266º n.º 2 da Constituição da Republica Portuguesa e 55.º da LGT, que impõem, como regra, que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montantes superiores ao que seria devido à face da lei. Assim, e uma vez que foi dada a oportunidade de a AT se pronunciar sobre o mérito da pretensão, através do pedido de revisão oficiosa apresentado pela ora Requerente em março de 2011, este procedimento de revisão oficiosa deve ser equiparado ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos da Portaria de vinculação da AT às decisões do CAAD.
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O dever de proceder à revisão oficiosa de atos de liquidação, repete-se, constitui um reconhecimento, no âmbito do direito tributário, do dever de revogar os atos ilegais, que é corolário dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a AT deve observar na globalidade da sua atividade, à luz do disposto nos artigos 266º n.º 2 da Constituição da Republica Portuguesa e 55.º da LGT, que impõem, como regra, que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montantes superiores aos que seriam devido à face da lei.
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Considera a ora Requerente que a legalidade dos atos de autoliquidação em causa foi, inequivocamente, analisada previamente pela AT, segundo, portanto, a via administrativa, pelo que o Tribunal Arbitral é competente para se pronunciar sobre a questão em análise.
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Pelo que entende que, nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, a causa foi efetivamente precedida de recurso à via administrativa, na medida em que foi apresentado um pedido de revisão oficiosa, nos termos do art. 78º da LGT, pelo que a AT está obrigada a vincular-se à decisão proferida pelo CAAD nesta matéria.
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Quanto à questão suscitada da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, e do prazo legal para a regularização do IVA, a Requerente sustenta a sua posição no sentido de ser tempestivo o pedido, apresentando para tal efeito os seguintes argumentos:
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Entende que o disposto na norma do artigo 78.º n.º 6 do CIVA não se aplica ao caso em análise, dado não se estar perante "erros materiais ou de calculo", devendo atender-se à regra geral prevista no artigo 98º do Código do IVA, que permite o reembolso de imposto entregue em excesso no decurso de 4 anos apesar do pagamento em excesso daquele imposto. No entanto, ainda que por hipótese meramente académica, se pudesse considerar que a Requerente tivesse cometido um erro, o mesmo seria ao nível de interpretação da Lei, ao ter qualificado como "ofertas" (que não de "pequeno no valor" nos termos do Código do IVA), as entregas gratuitas a clientes que não eram, de forma alguma, revestidas do "animus donando", que caracteriza as verdadeiras ofertas. De facto, as situações em causa configuravam antes "bónus" (e, em algumas situações, ofertas de "pequeno valor").
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Entende a Requerente que se está perante um erro ao nível do enquadramento das operações, ou seja, um "erro de direito" e não um “erro material ou de cálculo". Alega que não praticou qualquer erro "material ou de cálculo", mas sim, um erro "de direito" na interpretação das regras legais em causa, pelo que o prazo "especial" de 2 anos, previsto no nº 6 do artigo 78º do Código do IVA não é aplicável à situação em discussão. Assim, será inequivocamente aplicável, ao caso em apreço, a regra geral constante no n.º 2 do artigo 98º do Código do IVA, a qual prevê que "o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso pode ser exercido até ao decurso de quatro anos a partir do nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente", podendo, por isso, o IVA liquidado em excesso ser recuperado no referido prazo legal de 4 anos.
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Subsidiariamente, defende ainda que, mesmo que se considerasse que se estaria perante um erro previsto no artigo 78º do Código do IVA, o pedido de revisão oficiosa não deixaria de ser tempestivo, dado ser, efetivamente, aplicável o prazo de 4 anos conforme resultado disposto no citado n,º 2 do artigo 98º do Código do IVA e do artigo 78º da LGT.
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Conclui a Requerente no sentido de não restarem dúvidas quanto à tempestividade do pedido de revisão oficiosa por si apresentado, tendo em vista a regularização do IVA liquidado em excesso nas entregas a clientes de ofertas de pequeno valor, bónus e outras entregas gratuitas, efetuadas no âmbito da sua atividade promocional entre janeiro de 2007 e fevereiro de 2009.
G-2 DA DECISÃO DA QUESTÃO DA EXCEÇÃO DA INCOMPETÊNCIA
G-2.1- ALCANCE DA QUESTÃO DA INCOMPETÊNCIA
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A competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD encontra-se limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do RJAT e decorre da alínea a) desse mesmo número, deterem os Tribunais Arbitrais competência para a apreciação da pretensão de declaração de ilegalidade de atos de liquidação e de autoliquidação de tributos.
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Numa segunda linha, a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos», em cujo texto se postula a vinculação à jurisdição arbitral dos serviços - DGCI e DGAIEC - entidades fundidas na atual Autoridade Tributária e Aduaneira, com efeitos a 1 de janeiro de 2012.
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Em face desta segunda limitação da competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
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Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
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A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de autoliquidação em sede de impugnação), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efetuada.”
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No caso em apreço, é pedida a declaração de ilegalidade dos atos tributários de autoliquidação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, dos anos de 2007, 2008 e 2009, bem como a declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, e o consequente reembolso do imposto indevidamente pago.
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Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão do ato tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.
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Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes atos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de atos tributários» e «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação».
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No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
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A inclusão nas competências dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efetuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes atos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objeto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, ato aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos atos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de atos de segundo grau.
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Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, interpretou as competências dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação aos casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.
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Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ([1] )
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A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação.
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Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal, que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo, não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1 do Código Civil proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
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Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adotem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.
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Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto».( [2] )
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A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.
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É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de atos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de atos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o ato, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.
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Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar igualmente prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de atos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os atos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos atos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.
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Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o ato de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.
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Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adotadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )
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Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de atos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.
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Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do ato tributário em vez da reclamação graciosa.
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Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de atos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses atos.
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Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do ato tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».
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Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto de a redação daquela norma ser manifestamente defeituosa.
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Para além disso, assegurando a revisão do ato tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de atos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.
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E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adotada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
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Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do ato tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adoção da interpretação que consagre a soluça mais acertada.
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É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjetivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
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Desta perspetiva, não se colocam as questões de inconstitucionalidade que a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita com base na errada interpretação literal que fez daquela norma, pelo que o seu conhecimento fica prejudicado.
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Perante o exposto, conclui-se no sentido do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, o qual viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, no mesmo sentido já decidido nos acórdãos n.º 40/2012-T e n.º 117/2013-T do CAAD.
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A AT defende igualmente a incompetência à face do âmbito do processo de impugnação judicial, por estar afastada da jurisdição deste Tribunal Arbitral, por não estar abrangida pelo art. 2.º, n.º 1
, do RJAT a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação.
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A questão a apreciar, cinge-se em determinar se o caso sub judice está incluído nas competências dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD de declarar a ilegalidade de atos de liquidação em sede de IVA, quando essa ilegalidade não foi apreciada pelo ato que indeferiu o pedido de revisão oficiosa.
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No art. 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos tributários, pois, na redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (vigente à data da apresentação do pedido de constituição deste Tribunal Arbitral) apenas se indica a competência dos Tribunais Arbitrais para «a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais».
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Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se indicam os vários tipos de atos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através de processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objeto um ato de um dos tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT.
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Aliás, esta interpretação, no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral, é a que está em sintonia com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constituir «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).
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Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando no processo judicial tributário não for utilizável a impugnação judicial ou a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
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Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] ([4]), e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido art. 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (art. 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de atos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
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Assim, para resolver a questão prévia suscitada pela AT de saber se o art. 2.º, n.º 1, do RJAT abrange a apreciação do ato de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação em sede de IVA, que está em causa neste processo, torna-se necessário apurar se a legalidade desse ato de indeferimento podia ou não ser apreciada, num tribunal tributário, através de processo de impugnação judicial ou ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
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O ato de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do ato tributário constitui um ato administrativo, à face da definição fornecida pelo art. 120.º do CPA [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no art. 2.º, alínea d), da Lei Geral Tributária, 2.º, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
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Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um ato em matéria tributária, pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.
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Assim, aquele ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «ato administrativo em matéria tributária».
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Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) infere-se a regra de a impugnação de atos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou ação administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses atos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de atos administrativos de liquidação ([5]).
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Eventualmente, como exceção a esta regra, poderão considerar-se os casos de impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do art. 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável ([6]). Outras exceções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de atos ([7]).
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Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial.
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À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial, os atos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de atos de liquidação em sede de IVA apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes atos de retenção. Se o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação em sede de IVA não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a ação administrativa especial ([8]).
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Esta constatação de que há sempre um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação em sede de IVA, conduz, desde logo, à conclusão de que não se está perante uma situação em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual, uma vez que essas ações «apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido» (art. 145.º, n.º 3, do CPPT).
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Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial é a de que, restringindo-se a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de liquidação em sede de IVA que comportem a apreciação da legalidade destes atos.
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A preocupação legislativa em afastar das competências dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de atos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da diretriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, em que se indicam entre os objetos possíveis do processo arbitral tributário «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objetos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos atos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação.
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Por isso, à semelhança do acórdão nº 117/2013-T do CAAD, a solução da questão da competência deste Tribunal Arbitral conexionada com o conteúdo do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa depende da análise do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que no caso concreto se pronunciou sobre o mérito da questão.
H- A APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA CAUSA
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É relevante para o caso sub judice começar por referir, no âmbito da apreciação do mérito da causa, que o procedimento de revisão do ato tributário constitui um meio administrativo de correção de erros de atos de liquidação ou autoliquidação de tributos.
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Como se refere no acórdão do STA de 12-7-2006, processo n.º 402/06, o procedimento de revisão «(...) é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos, a deduzir nos prazos normais respetivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração».
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No entanto, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os atos de liquidação dentro dos respetivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e com direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) apenas existirá direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT e a anulação pode apenas ter por fundamento erro imputável aos serviços e duplicação de coleta (art. 78.º, n.ºs 1 e 6, da LGT).
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Essencialmente, o regime do art. 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do ato de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroativa dos efeitos do ato.
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A esta luz, o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação).
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Trata-se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de atos administrativos, mas esse reforço encontra explicação na natureza fortemente agressiva da esfera jurídica dos particulares que têm os atos de liquidação de tributos».
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Mais refere o acórdão supra identificado que «Embora o art. 78.º da LGT, no que concerne a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redação inicial, que é o n.º 7 na redação vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte. “
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Idêntica referência é feita no n.º 1 do art. 49.º da LGT, que refere «pedido de revisão oficiosa», e na alínea a) do n.º 4 do art. 86.º do CPPT, que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável ao serviço».
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É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar também por sua iniciativa).
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Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do art. 95.º da LGT refere os atos de indeferimento de pedidos de revisão entre os atos potencialmente lesivos, que são suscetíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz aqui qualquer distinção entre atos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efetuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a atos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que, aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (art. 268.º, n.º 4, da CRP).
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Assim, é de concluir que o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do ato de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o ato de indeferimento desta. ( [9] )»
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Como também se refere no mesmo acórdão, a falta de prévia reclamação graciosa não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa, sendo necessária apenas para a impugnação judicial do ato de autoliquidação, «com o regime geral da impugnação de atos anuláveis e com aos efeitos retroativos próprios dos meios anulatórios. A sua falta não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos atos que podem ser impugnados contenciosamente por via direta), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do ato, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroativa)». ( [10] )
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No caso em apreço, é manifesto que o pedido de revisão do ato tributário não foi apresentado dentro do prazo de dois anos previsto para a reclamação graciosa no artigo 131.º do CPPT, pelo que a revisão do ato tributário apenas poderia dar lugar aos efeitos restritos de «restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroativa)».
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No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que nem mesmo estes efeitos poderiam ter o pedido de revisão por se tratar de erro ou lapso no exercício do direito à dedução de IVA e, para este efeito, vigorar o prazo especial de dois anos previsto no artigo 78.º, n.º 6, do CIVA.
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O artigo 98.º do CIVA prevê o regime regra de revisão oficiosa e exercício do direito à dedução do IVA, estabelecendo que «sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente».
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No entanto, o referido artigo 78.º, n.º 6, do CIVA estabelece que «a correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado (…)».
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Assim, este artigo 78.º, n.º 6, ao prever um prazo de dois anos contados a partir do nascimento do direito a dedução, para exercício do respetivo direito, nas situações aí previstas, será uma das «disposições especiais» a que alude a parte inicial do artigo 98.º, n.º 2 do CIVA, em que não é aplicável o prazo máximo de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, mas sim de dois anos. ([11] )
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Por isso, a legalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, depende da possibilidade de enquadramento da situação dos autos neste artigo 78.º, n.º 6.
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Como resulta do teor literal daquele n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, ele é aplicável apenas à «correção de erros materiais ou de cálculo», inclusivamente nas declarações periódicas.
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A Requerente alega que, no caso em apreço, os erros que cometeu não foram erros materiais ou de cálculo, mas sim erros de direito quanto à aplicação do regime de IVA, quanto bónus de clientes, ofertas a clientes e ofertas em ações promocionais.
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O artigo 95.º-A, n.º 2 ( [12]) fornece um conceito de «erros materiais ou manifestos» indicando que nele se integram, «designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso».
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Na associação do erro de cálculo ao erro material que se faz neste n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, à semelhança do que sucede noutras normas (como o artigo 249.º do Código Civil, o artigo 667.º do CPC de 1961 e o artigo 614.º do CPC de 2013) revela que os erros de cálculo a que se pretende aludir serão deste tipo, designadamente erros aritméticos nas operações de cálculo do montante a deduzir.
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Assim, estar-se-á perante um erro material no preenchimento do montante de IVA dedutível numa declaração, quando se pretendia escrever um determinado montante e, por descuido ou lapso, acabou por se escrever montante diferente ou quando o erro do preenchimento da declaração resultou de um erro anterior do mesmo tipo que existia na contabilidade ou em algum documento que servia de base ao exercício do direito à dedução. Estar-se-á perante um erro de cálculo, quando as operações aritméticas para determinar o montante do IVA dedutível foram mal efetuadas, na própria declaração ou em algum dos documentos em que ela se baseou.
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O erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que é manifesto que não pode ser-lhe aplicado o regime do referido n.º 6 do artigo 78.º do CIVA.
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Assim, não sendo aplicável o regime do referido artigo 78.º, n.º 6, nem existindo qualquer regime de limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável o regime geral sobre esta matéria que consta do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA que, como se decide no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-5-2011, proferido no processo n.º 966/10, fixa um limite máximo de quatro anos que não pode ser excedido em nenhum caso. ([13])
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Face às situações abrangidas pelos autoliquidações em IVA sub judice, cabe verificar se a legalidade do ato tributário de liquidação adicional em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado enferma de erro de direito, quanto a:
Bónus a clientes [€ 59.170,08 em 2007, € 126.874,34 em 2008 e € 8.213,38 em 2009]
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A Requerente considera que liquidou IVA em excesso nos anos de 2007, 2008 e 2009, respetivamente nos montantes de € 59.170,08, € 126.874,34 e € 8.213,38, em virtude de ter calculado IVA a favor do Estado sobre o valor de bónus atribuídos a clientes.
No âmbito de um trabalho de revisão dos procedimentos que vinha adotando, na área do IVA, designadamente no que respeita às ações promocionais, a Requerente verificou que liquidou IVA em entregas, considerando-as como ofertas, quando as mesmas configuravam antes bónus atribuídos a clientes, que considera deverem ser excluídas do valor tributável, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA (CIVA).
Na revisão dos seus procedimentos a Requerente concluiu o seguinte:
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Ao considerar as referidas entregas como ofertas, o procedimento adotado pela Requerente foi o de liquidar IVA sobre o preço de venda dos produtos entregues, sempre que o valor, por entrega, ultrapassasse € 15,00, entre Janeiro de 2007 e Novembro de 2008 (inclusive) e € 50,00 a partir de Dezembro de 2008[14];
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Tais entregas foram efetuadas aos clientes acompanhadas de faturas emitidas pela Requerente, nas quais apenas consta a informação da quantidade e do tipo de produto entregue, com valor zero e, como tal, sem informação do valor do produto nem do respetivo imposto que foi liquidado;
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Assim, o IVA liquidado nestas condições nunca foi repercutido aos respetivos clientes tendo sido entregue ao Estado e integralmente assumido pela Requerente como um gasto da sua atividade;
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Os bónus identificados pela Requerente, listados no pedido, não se inserem no conceito de oferta, devido ao facto de estarem associados a vendas efetuadas aos respetivos clientes, inserindo-se no âmbito da relação comercial e negocial mantida com os clientes em causa;
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Assumem, assim, uma lógica promocional e visam o incremento das vendas bem como a angariação e a fidelização da clientela, não se encontrando presente, na sua atribuição, o espírito de liberalidade característico das ofertas;
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Na apreciação que efetuou, a Requerente seguiu as orientações emanadas pela própria administração fiscal, concretizando com o disposto no Despacho de 16 de Setembro de 1993, proferido no Proc. …, dos Serviços de Administração do IVA, nos termos do qual «no que se refere aos bónus em espécie, atribuídos posteriormente à emissão das faturas das vendas efetuadas, mediante a aquisição de uma determinada quantidade de unidades do mesmo produto […] os mesmos serão de excluir de tributação para efeitos de IVA»;
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Assim, a Requerente considerou como bónus apenas a entrega de produtos iguais aos que foram vendidos, em cada um dos anos em causa, a cada um dos clientes;
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Pelo que, não se tratando de produtos iguais aos vendidos, a Requerente considerou-os como ofertas.
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Perante as posições expressas pelas partes que constam dos documentos que integram o processo administrativo anexo e face aos depoimentos das testemunhas inquiridas, considera-se como provada a matéria de facto, importando determinar o direito aplicável aos factos referidos.
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Legislação aplicável
A Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006[15], relativa ao sistema comum do IVA (Diretiva IVA), na alínea b) do artigo 87.º, refere o seguinte, na parte aplicável à questão a decidir:
«O valor tributável não inclui os seguintes elementos:
[…] Os abatimentos e bónus concedidos ao adquirente […]
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, «o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a IVA é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.»
Esta contraprestação deve poder expressar-se em dinheiro e constitui um valor de natureza subjetiva, ou seja, o valor efetivamente recebido e não um valor determinado de acordo com critérios objetivos[16].
Em consequência, e em total consonância com a Diretiva IVA, a alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA estabelece que são excluídos do valor tributável «os descontos, abatimentos e bónus concedidos».
Também a Portaria n.º 497/2008, de 24 de Junho, no n.º 3 do artigo 3.º, dispõe que «excluem-se do conceito de oferta os bónus de quantidade concedidos pelo sujeito passivo aos seus clientes».
Deste modo, no caso de bónus concedidos no momento em que ocorre a entrega, esses bónus não devem ser incluídos no valor tributável da transmissão dos bens, devendo a taxa do IVA incidir sobre o valor líquido faturado[17].
Em matéria de doutrina administrativa, já em 17 de Junho de 1985, no Ofício n.º …, do Núcleo do IVA, era expressamente referido o seguinte:
«Os descontos e bónus concedidos pelos fornecedores […], desde que constantes das respetivas faturas, devem ser excluídos da base tributável para efeitos de liquidação do IVA. No que respeita aos bónus concedidos em quantidade (espécie) os mesmos têm perfeito enquadramento na alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA, devendo, consequentemente, ser excluídos da base tributável.»
«Se porém, se tratar de oferta de determinado produto quando for adquirido certo número de unidades de outro, estar-se-á perante uma oferta que é ou não tributada em IVA, consoante se considere ou não como oferta de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais.»
Entre outros, refere-se ainda, no mesmo sentido, o disposto na Informação vinculativa, Processo n.º …, despacho do diretor-geral de 15 de Junho de 2010:
«nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA são excluídos do valor tributável “os descontos, abatimentos e bónus concedidos”, considerando-se como bónus, os bens que são atribuídos mediante a aquisição de determinados produtos e que são da mesma natureza destes.»
«Em conformidade com o entendimento destes serviços, os bónus concedidos em quantidade (rappel) têm enquadramento na norma anteriormente citada. Assim, a atribuição de determinados produtos a título gratuito – bónus em espécie – pela quantidade de compras efetuada pelo cliente (e desde que os bónus sejam da mesma natureza dos bens adquiridos), fica excluída da base tributável da operação […].»
«Depreendendo-se que a consulente procede à atribuição dos bónus em espécie posteriormente à emissão das faturas referentes às transações a que respeitam, deve, a fim de permitir o controlo eficaz por parte dos agentes fiscalizadores e para dar cumprimento ao disposto na alínea e) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, fazer constar nas faturas ou documentos equivalentes a emitir aquando da sua atribuição, o motivo da não liquidação do imposto, apondo a menção “alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA”, devendo ainda, fazer referência às faturas (número, data, valores) relativas as operações anteriormente efetuadas e que estiveram na base da atribuição do respetivo bónus.»
E refere-se ainda:
«quando se trate da entrega de produtos diferentes dos faturados ao cliente, está-se perante uma oferta, que será tributada ou não em IVA, consoante o seu valor unitário.»
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Aplicação ao pedido
Nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA, regra geral, os bónus concedidos não são de incluir no valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços, pelo que não são objeto de tributação em IVA.
Apesar de a mencionada disposição legal não distinguir a forma que os bónus devem assumir, as orientações que têm sido divulgadas pela Administração Fiscal sobre esta temática são, como se referiu, no sentido de apenas considerar abrangidos por aquela exclusão os bónus em espécie ou em função da quantidade, isto é, aqueles que consistem na entrega gratuita de bens iguais aos que são objeto da transmissão, não considerando, para o efeito, os denominados bónus cruzados.
Ora, a Requerente, erradamente, liquidou IVA sobre o valor dos bónus concedidos aos seus clientes, não o repercutindo, pretendendo agora recuperar os montantes de IVA que liquidou em excesso.
Sendo certo que os bónus considerados pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, seguindo as orientações da Administração Fiscal, referem-se apenas à entrega de produtos iguais aos que foram vendidos, aos clientes respetivos, em cada um dos anos de 2007, 2008 e 2009.
Nos casos em que os produtos entregues não foram iguais aos produtos vendidos, a Requerente considerou-os como ofertas. De facto, as ofertas distinguem-se dos bónus na medida em que (i) os destinatários assumem um âmbito mais alargado na medida em que podem ser clientes ou terceiros, (ii) não existe uma conexão direta com uma operação de venda concreta e (iii) a sua entrega pode ficar excluída da tributação, se o seu valor for considerado reduzido segundo os ditames legais, e efetuada de acordo com as práticas comerciais[18].
Pelo que, no caso sub júdice, em relação aos bónus identificados pela Requerente, conforme evidenciado nos Anexos I, II e III (a folhas 24 a 168 dos autos), pode concluir-se que não está presente o espírito de liberalidade característico das ofertas.
Os produtos entregues configuram bónus, nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º, e encontram-se associados às vendas efetuadas aos clientes respetivos inserindo-se no âmbito da relação comercial e negocial mantida com esses clientes. Da documentação junta ao pedido de pronúncia arbitral resulta provada a conexão entre as entregas de bens gratuitas e as vendas efetuadas nãos clientes pelo que não pode deixar de se concluir que se encontram verificados os requisitos exigidos na lei para a qualificação como bónus.
Deste modo, os valores correspondentes às entregas de bens que efetuou a título de bónus devem ser excluídos do valor tributável, em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA.
Conclui-se, deste modo, que, no que se refere aos bónus concedidos nos anos de 2007, 2008 e 2009, a Requerente, erradamente, liquidou IVA em excesso, nos valores de € 59.170,08, € 126.874,34 e € 8.213,38, respetivamente.
Ofertas de pequeno valor [€ 199,39 em 2007 e € 628,56 em 2008]
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A Requerente considera que liquidou IVA em excesso nos anos de 2007 e de 2008, respetivamente nos montantes de € 199,39 e de € 628,56, em virtude de, durante o ano de 2007 e nos meses de Janeiro a Novembro de 2008, ter calculado IVA a favor do Estado nas ofertas de valor unitário superior a € 15,00.
Para o efeito, baseou-se no disposto na Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro, da DGCI, que estipulava como sendo de “pequeno valor” as ofertas que não excedessem o total de € 14,96 (3.000$00).
As entregas respetivas foram efetuadas aos clientes acompanhadas de faturas emitidas pela Requerente, nas quais apenas consta a informação da quantidade e do tipo de produto entregue, com valor zero e, como tal, sem informação do valor do produto nem do respetivo imposto que foi liquidado. Assim, o IVA liquidado nestas condições nunca foi repercutido aos respetivos clientes tendo sido entregue ao Estado e integralmente assumido pela Requerente como um gasto da sua atividade.
Na revisão que efetuou aos seus procedimentos, a Requerente concluiu ainda o seguinte:
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Que, em relação ao ano de 2007, tinha seguido o critério de uma Circular – a já citada Circular n.º 19/89 - que foi considerada contrária à lei em diversos Acórdãos do STA. Em consequência, a Requerente, tendo em conta a sua perspetiva sobre a prática habitual do mercado, no sector em que se insere, bem como a margem de rentabilidade do negócio, reconsiderou como sendo de “pequeno valor” as ofertas que representassem até 5% do valor das vendas para cada cliente. Com base neste raciocínio, apurou um montante de IVA liquidado em excesso de € 199,36 (conforme evidenciado no Anexo IV (a folhas 169 a 175 dos autos);
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Que, em relação a 2008, por força das alterações introduzidas ao Código do IVA pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro de 2007, cuja entrada em vigor ocorreu em 1 de Janeiro de 2008, só haveria lugar à liquidação de imposto relativamente às ofertas de valor superior a € 50,00. Em consequência, a Requerente, ao não aplicar as novas regras (só o fez, tardiamente, a partir de Dezembro de 2008), calculou o IVA sempre que o valor das ofertas ultrapassasse os € 15,00, razão pela qual apurou um montante de IVA liquidado em excesso de € 628,56 (conforme evidenciado no Anexo V (a folhas 176 a 187 dos autos).
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Perante as posições expressas pelas partes que constam dos documentos que integram o processo administrativo anexo e face aos depoimentos das testemunhas inquiridas, considera-se como provada a matéria de facto, importando determinar o direito aplicável aos factos referidos.
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Enquadramento legal
De acordo com o disposto na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, as transmissões gratuitas de bens (aquelas em que não há lugar ao recebimento de uma contraprestação, seja esta financeira ou em espécie) são assimiladas a transmissões onerosas de bens, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.
E, na redação vigente até 31 de Dezembro de 2007, a mesma disposição legal estabelecia que ficavam excluídas deste regime de assimilação «as amostras e as ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais»[19].
Com a imposição deste regime de assimilação é bem evidente a preocupação do legislador em evitar que, além das operações gratuitas, escapem à tributação as operações que consubstanciem situações de autoconsumo externo de bens.
Se é bem verdade que uma empresa, no exercício da sua atividade económica, de um modo geral, efetua entregas de bens a título oneroso, tributadas em IVA, não é menos verdade que, em nome do princípio da neutralidade (igualdade com o tratamento que sofrem os consumidores no âmbito do funcionamento do imposto), deve ser assegurada a tributação das operações gratuitas que eventualmente sejam efetuadas pelos sujeitos passivos, não relacionadas com atividades empresariais. Isto é, a igualdade de tratamento determina que os eventuais atos de consumo realizados pelos sujeitos passivos sejam tributados em condições semelhantes aos que são realizados pelos particulares.
De facto, tal como decorre do sistema comunitário do IVA, com a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA pretende-se evitar que um bem da empresa possa beneficiar de não tributação quando seja afeto de forma permanente a fins alheios à empresa. Em consequência, exige-se a tributação da utilização privada desse bem apenas quando tenha sido efetuada a dedução do imposto suportado na sua aquisição ou produção[20].
A Diretiva IVA, trata esta matéria no primeiro e no segundo parágrafos do artigo 16.º, nos seguintes termos:
«É assimilada a entrega de bens efetuada a título oneroso a afetação, por um sujeito passivo, de bens da sua empresa, ao seu uso próprio ou do seu pessoal, a transmissão desses bens a título gratuito ou, em geral, a sua afetação a fins alheios à empresa, quando esses bens ou os elementos que os constituem tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA.»
«Todavia, não é assimilada a entrega de bens efetuada a título oneroso a afetação a ofertas de pequeno valor e a amostras efetuadas para os fins da empresa.»
Anteriormente, a Sexta Diretiva IVA referia-se a esta matéria no primeiro e no segundo períodos do n.º 6 do artigo 5.º, que consagravam disposições semelhantes[21].
Assim, e em linha com o estabelecido na Diretiva IVA, o Código do IVA estabelece um conceito indeterminado[22] para a delimitação negativa da incidência das ofertas. O regime de assimilação das transmissões gratuitas de bens a transmissões onerosas apenas exclui dessa assimilação as ofertas que sejam de “pequeno valor” e que estejam “em conformidade com os usos comerciais”.
Nesta ótica, a administração fiscal sentiu a necessidade de “regulamentar” esta previsão genérica tendo em vista a aplicação daqueles dois conceitos indeterminados[23].
Ora, a interpretação administrativa sobre o conceito de oferta de pequeno valor, para que a respetiva entrega não seja ficcionada como uma transmissão de bens, foi firmada através da Circular n.º 19/89[24], de 18 de Dezembro, da Direcção-Geral dos Impostos, que vigorou de 1 de Janeiro de 1990 até 31 de Dezembro de 2007, nos seguintes termos, na parte que interessa para a apreciação do pedido apresentado pela Requerente:
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«Para a conceituação de “pequeno valor” a aplicar às ofertas, que não às amostras[25], considerar-se-á tal valor como não podendo ultrapassar unitariamente o montante de 3.000$00 (IVA excluído), considerando-se ainda, em termos globais, que o valor anual de tais ofertas não poderá exceder 5 por mil do volume de negócios, com referência ao ano anterior, sem qualquer limite em termos de valores absolutos.»;
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«No caso de a oferta ser constituída por um conjunto de bens, o valor de 3.000$00 aplica-se ao conjunto dos bens e não a cada bem de per si»;
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«No caso de a oferta, em termos unitários, ultrapassar os 3.000$00 ou quando, em termos globais, for ultrapassado o limite» de 5 por mil do volume de negócios, «haverá obrigatoriedade de liquidação de imposto que recairá sobre o valor atribuído à oferta, salvo, naturalmente, se não tiver sido exercido o direito à dedução do correspondente imposto suportado a montante.»
Nestes termos, no caso de o valor dos bens transmitidos a título gratuito, em termos unitários, ultrapassar os € 14,96 (3.000$00), a Circular n.º 19/89 estabelecia a obrigatoriedade de liquidação de imposto sobre o valor atribuído à oferta, salvo, naturalmente, no caso de não ter sido exercido o direito à dedução do correspondente imposto suportado a montante.
A partir de 1 de Janeiro de 2008, com as alterações introduzidas ao Código do IVA pela Lei do Orçamento do Estado para 2008[26], o referido limite passou a estar consagrado no Código do IVA e não apenas, como até aí, num mero entendimento administrativo, e foi atualizado para € 50,00[27].
Estas alterações surgem na sequência do Acórdão de 21 de Março de 2007 da 2.ª Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que considerou inconstitucional a fixação, por Circular da DGCI, de limites máximos para as ofertas de pequeno valor.
Na nova redação, a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA passou a dispor que, ressalvado o disposto no artigo 26.º, é assimilada a transmissão onerosa de bens, sendo enquanto tal tributada, «a afetação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto».
Dispondo, por sua vez, o n.º 7[28], aditado ao mesmo artigo 3.º do CIVA pela já referida Lei do Orçamento do Estado para 2008, que ficam expressamente excluídas do regime de assimilação imposto pela citada alínea f), «nos termos definidos por portaria do Ministro das Finanças, os bens não destinados a posterior comercialização que, pelas suas características, ou pelo tamanho ou formato diferentes do produto que constitua a unidade de venda, visem, sob a forma de amostra, apresentar ou promover bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo, assim como as ofertas de valor unitário igual ou inferior a € 50 e cujo valor anual global não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais.» [29]
Neste quadro, o artigo 3.º da Portaria n.º 497/2008[30], de 24 de Junho, procedeu à delimitação do conceito de oferta nos seguintes termos[31]:
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«A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo sujeito passivo ou por bens adquiridos a terceiros»;
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«Quando a oferta seja constituída por um conjunto de bens, o valor de € 50,00, a que se refere o n.º 7 do artigo 3.º do Código do IVA, aplica-se a esse conjunto»;
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«Excluem-se do conceito de oferta os bónus de quantidade concedidos pelo sujeito passivo aos seus clientes.»
Deste modo, com as alterações legislativas a que se procedeu em 2008, a questão das ofertas de pequeno valor parece ter ficado resolvida com respeito pelo princípio da legalidade e com o estabelecimento de um quantum mais ajustado às características das transações efetuadas pelos sujeitos passivos do imposto, se bem que não tenha sido neutralizado o critério da permilagem com base no volume de negócios.
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Jurisprudência nacional e comunitária
Como já foi referido, o STA, no seu Acórdão de 21 de Março de 2007[32], concluiu que a Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro, era material e organicamente inconstitucional, no que respeita à fixação do valor anual de 5 por mil do volume de negócios, com referência ao ano anterior, por conter uma regra de incidência objetiva de IVA que não tinha sido criada por diploma emanado da Assembleia da República, em matéria que se insere na reserva relativa de sua competência legislativa[33].
Consequentemente, o STA decidiu pela ilegalidade das liquidações de IVA que a administração fiscal tinha efetuado ao sujeito passivo impugnante por considerar – a administração fiscal - que tinham sido excedidos os limites previstos na Circular. De facto, a administração fiscal, nas liquidações efetuadas, não respeitou a norma de incidência válida e baseou-se numa norma inconstitucional. Refere-se no Acórdão que «a liquidação de IVA impugnada enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação».
Esclarece-se ainda neste Acórdão que a parte final da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA «contém um conceito indeterminado ao fazer referência a “ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais”» e acrescenta que «A referência à conformidade com os usos comerciais aponta no sentido de se ter pretendido que o valor das ofertas relevante para preenchimento do conceito de “oferta de pequeno valor” fosse determinado não em função de um valor objetivo, mas sim tendo em atenção, relativamente a cada tipo de atividade comercial, a prática corrente em matéria de ofertas.»
E, no Acórdão de 12 de Junho de 2007[34], o STA refere, no mesmo sentido, que «Estabelece o artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do CIVA que as transmissões gratuitas de bens da empresa, quando tenha havido dedução total ou parcial do imposto, constituem transmissões sujeitas a IVA, exceto quando se trate de ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais.»
«Este conceito indeterminado de ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais, não se mostra preenchido na lei pelo que se impõe à Administração naturalmente que o preencha.»
«É evidente que tal conceito não é rígido e não pode aplicar-se uniformemente a todos os sectores económicos. O legislador terá querido, pois, que o valor de tais ofertas fosse determinado não em função de um valor objetivo mas sim tendo em atenção, relativamente a cada tipo de atividade comercial, a prática corrente em matéria de ofertas.»
Com o recurso a fundamentos idênticos o STA proferiu diversos Acórdãos, nomeadamente nos Processos n.º 07/07, de 26 de Abril de 2007, n.º 0106/07, de 2 de Maio de 2007, n.º 01167/06, de 16 de Maio de 2007, n.º 052/07, de 23 de Maio de 2007, n.º 0271/07, de 6 de Junho de 2007, n.º 0563/07, de 17 de Outubro, n.º 0709/07, de 21 de Novembro de 2007, n.º 0204/08, de 14 de Julho de 2008, e n.º 0470/08, de 15 de Outubro de 2008.
Em todos se decidiu pela ilegalidade dos atos de liquidação devido ao facto de esses atos terem como suporte os critérios apontados na Circular n.º 19/89.
No domínio da jurisprudência comunitária, a regra da Diretiva IVA que exclui da tributação as ofertas de reduzido valor para fins empresariais foi apreciada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) através do Acórdão de 30 de Setembro de 2010, no Caso EMI Group, Ltd.[35], na sequência de várias questões que lhe foram colocadas, a título prejudicial, por um órgão jurisdicional do Reino Unido. No processo, o TJUE foi chamado a pronunciar-se sobre a delimitação dos conceitos de amostra e de oferta de pequeno valor, no âmbito do enquadramento de amostras e de ofertas de CD no mercado fonográfico.
Na parte que diz respeito ao conceito de amostras, o TJUE começa por observar que a Sexta Diretiva não contém nenhuma definição do referido conceito, pelo que, para o interpretar, deve atender-se aos termos, contexto e finalidade do segundo período do n.º 6 do artigo 5.º da Sexta Diretiva[36].
O TJUE confirma que o primeiro período da mesma norma, ao equiparar a entregas de bens efetuadas a título oneroso certas operações pelas quais o sujeito passivo não recebe nenhuma contrapartida real, tem como objetivo garantir a igualdade de tratamento entre, por um lado, o sujeito passivo que afeta um bem às suas necessidades privadas ou às do seu pessoal, e, por outro lado, o consumidor final que adquire um bem do mesmo tipo.
O segundo período do referido n.º 6 do artigo 5.º constitui uma exceção a esta regra, uma vez que exclui da tributação as transmissões efetuadas para os fins da empresa de amostras e de ofertas de pequeno valor[37].
Esta exceção deve ser interpretada de forma restrita, de modo a que não seja posto em causa o objetivo visado no primeiro período da norma, mas garantindo que não seja privada do seu efeito útil em relação às amostras e às ofertas de pequeno valor.
O TJUE reconhece a dificuldade em acolher uma definição uniforme e exaustiva de amostra, tendo em conta a infinidade de bens sujeitos a IVA, de natureza muito variada, e o contexto comercial próprio de cada transação.
Assim, para o efeito, considera ser necessário, em primeiro lugar, verificar se os bens em questão apresentam as características essenciais a qualquer tipo de amostra e, em segundo lugar, examinar as circunstâncias específicas em que o sujeito passivo efetua a entrega desses bens.
Em relação ao primeiro aspeto, o TJUE esclarece que, com a exceção que consiste em não tributar as amostras, procura-se a satisfação das necessidades do consumidor no que respeita ao produto em questão, procurando refletir a realidade comercial, segundo a qual a entrega do exemplar do produto (amostra) é efetuada a fim de promover o produto que se pretende vender, permitindo a avaliação da sua qualidade e características e a verificação da presença das propriedades procuradas por um comprador potencial ou real.
No que se refere às circunstâncias específicas da transação, o TJUE considera que as legislações nacionais não podem impor como regra geral que as amostras se apresentem sempre em tamanhos ou em formatos diferentes dos produtos cuja promoção se pretende, sendo necessário ter em conta a natureza dos produtos e o respetivo contexto comercial. De facto, se as amostras podem, em certos casos, apresentar todas as características essenciais do produto representado sem revestir a forma definitiva deste, noutros casos, pode ser necessário, em função da natureza deste produto, que as amostras correspondam exatamente ao produto definitivo a fim de este poder ser plenamente avaliado pelo destinatário potencial ou real.
O Tribunal considera ainda que não é contrário ao segundo período do n.º 6 do artigo 5.º da Sexta Diretiva que as amostras possam ser entregues a pessoas diferentes do potencial comprador, tais como agentes promocionais que, embora se encontrem fora da cadeia comercial da empresa, recebem esses exemplares com a finalidade de fazer uma apreciação crítica acerca da sua qualidade, suscetível de influenciar o grau de presença do produto no mercado, integrando-se, deste modo, num mecanismo claro de promoção do produto.
Por último, refere também que, sem ter em conta as especificidades da transação, os Estados membros não podem impor uma regra que determine que, em todas as situações, a entrega de amostras seja limitada a um único exemplar por destinatário.
O TJUE esclarece, todavia, que, a fim de assegurar plenamente o respeito dos limites da exceção inscrita no já referido segundo período do n.º 6 do artigo 5.º, os Estados membros podem impor aos sujeitos passivos que tomem precauções para evitar que as amostras que entregam para os fins da sua empresa possam ser utilizadas de modo abusivo. Essas precauções poderiam consistir, entre outras, em obrigações de rotulagem que realcem que se está em presença de uma amostra.
No que se refere ao conceito de “ofertas de pequeno valor”, o TJUE refere que «tendo em conta os termos, o contexto e a finalidade do segundo período do n.º 6 do artigo 5.º da Sexta Diretiva, esta disposição não contém as indicações necessárias a uma definição uniforme e precisa da dita expressão», acrescentando que «os Estados membros gozam de uma certa margem de apreciação» no que respeita à interpretação dessa expressão, «desde que não desrespeitem a finalidade e a posição que essa disposição ocupa na economia da Sexta Diretiva.»
Esclarece, todavia, que, ao abrigo dessa margem de apreciação, os Estados membros não podem exigir que o limite máximo se aplique ao montante total das ofertas efetuadas aos trabalhadores de uma empresa, uma vez que esse valor máximo deve ser aferido por pessoa e não por entidade empregadora.
De qualquer modo, como refere Rui Laires, «em traços gerais, o conteúdo da decisão tomada pelo TJUE no caso EMI Group não põe em causa as soluções adptadas na legislação interna portuguesa, por via do disposto no n.º 7 do artigo 3.º do CIVA e na Portaria n.º 497/2008, de 24 de Junho. »[38]
Realça ainda que «o TJUE não foi chamado a pronunciar-se sobre a eventual fixação pelos Estados membros de um limite máximo para o valor total das ofertas realizadas por um sujeito passivo ao longo de cada ano – seja esse um montante definido em valor absoluto ou, como sucede no caso português, numa proporção do volume de negócios do sujeito passivo -, pelo que» esta questão ficou em aberto[39].
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Aplicação ao pedido
No âmbito de uma questão em tudo idêntica à controvertida, já se pronunciou o CAAD, no Processo n.º 141/2012-T, pelo que, estando este coletivo em total concordância com a decisão aí adotada, seguirá de perto, no processo ora em análise, a argumentação então aduzida.
Em primeiro lugar, em relação ao ano de 2007, no que se refere às ofertas de pequeno valor, a incidência do imposto encontrava-se definida por um regulamento administrativo, e não através de Lei ou de Decreto-Lei autorizado pela Assembleia da República.
De facto, como se referiu, foi através da Circular n.º 19/89 que a Administração Fiscal completou a definição da incidência do IVA sobre as amostras e ofertas vigente até 31 de Dezembro de 2007, considerando que só eram consideradas de pequeno valor as ofertas cujo valor unitário não excedesse € 14,96 (IVA excluído) e cujo valor anual não ultrapassasse 5 por mil do volume de negócios do sujeito passivo, com referência ao ano anterior.
Ora, «como é sabido, uma Circular da DGCI consubstancia-se como um mero regulamento interno, que, como é invocado pela AT, vincula a atuação dos Serviços, mas não pode criar obrigações para os sujeitos passivos que não estejam previstas na lei».
«As interpretações da lei efetuadas nas Circulares não se impõem aos particulares ou aos tribunais.»
E, continuando a citar, na parte aplicável, o Processo n.º 141/2012-T do CAAD, «a matéria sobre a qual a Circular veio decidir, reporta-se a regras de incidência real do imposto, cobertas pelo princípio constitucional da legalidade, pelo que muito facilmente se compreendem as decisões dos tribunais nacionais ao concluírem pela inconstitucionalidade daquela regulamentação, por violação clara do princípio da legalidade tributária, garantido na Constituição da República.»
Além disso, como também é observado no Acórdão do STA, de 21 de Março de 2007, a parte final da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA apenas faz referência a «ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais», razão pela qual, o Código do IVA não legitima a Administração Fiscal a fixar “limites razoáveis”[40] para o valor das ofertas.
Por outro lado, não colhe o argumento de que o pedido do sujeito passivo foi estruturado, no que respeita ao ano de 2007, invocando os Acórdãos do STA que declararam inconstitucional a Circular n.º 18/89, perante o facto de o Acórdão n.º 583/2009, do Tribunal Constitucional não ter confirmado essa jurisprudência, considerando apenas que a Circular carece de força vinculativa heterónoma para os particulares[41].
Com efeito, pode e deve este Tribunal decidir sobre tal matéria no caso controvertido.
Em segundo lugar, em relação ao ano de 2007, afigura-se como correto o procedimento adotado pela Requerente, ao considerar integrarem o conceito de pequeno valor as ofertas cuja proporção nas vendas por cliente fosse igual ou inferior a 5%.
De facto, face às características do mercado em que se insere o sujeito passivo, às margens de rentabilidade do negócio, e aos depoimentos das testemunhas inquiridas, bem como à documentação anexa ao pedido de pronúncia arbitral, será razoável considerar-se uma oferta de pequeno valor, neste caso, a oferta de um bem comercializado pela empresa, uma oferta que não exceda 5% do valor da mercadoria vendida.
Aliás, o mesmo critério foi aceite no âmbito do Processo n.º 141/2012-T do CAAD, em que se analisava, recorda-se novamente, um assunto semelhante ao controvertido. Todavia, entendeu o Tribunal, atendendo à materialidade do imposto em questão (€ 199,39) não dever proceder a diligências tão pesadas e onerosas como as que foram adotadas no âmbito daquele processo para, aferir da compatibilidade do referido critério com a realidade da empresa, que neste caso o Tribunal considera – tais diligências - excessivas e desnecessárias.
Acresce ainda que, em 2007, o valor anual das ofertas totais não excedeu os 5 por mil das vendas daquele ano, não atingindo sequer os 2,5 por mil.
Em relação ao ano de 2008, como se referiu, a Requerente, durante os meses de Janeiro a Novembro, procedeu também à liquidação do IVA (sem o repercutir) sempre que o valor das ofertas ultrapassasse os €15,00. Ora, à luz das regras vigentes desde 1 de Janeiro de 2008, apenas o devia ter feito nas ofertas de valor superior a € 50,00.
Deste modo, pode concluir-se que a Requerente apurou erradamente um montante de IVA liquidado em excesso, que em 2007 ascendeu a € 199,39, e que em 2008, nas ofertas de valor igual ou inferior a € 50,00, ascendeu a € 628,56.
Ações de degustação e eventos promocionais [€ 5.800,63 em 2007 e € 2.056,54 em 2008]
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A Requerente considera que liquidou IVA em excesso nos anos de 2007 e de 2008, respetivamente nos montantes de € 5.880,63 e de € 2.056,54 em virtude de ter calculado IVA sobre o valor de produtos utilizados em ações de degustação e também em relação a produtos oferecidos em eventos promocionais, conforme Anexos VI e VII (a fls. 188 a 193 dos Autos).
No âmbito da já referida revisão de procedimentos a que procedeu no que respeita às ações de carácter promocional, a Requerente, a exemplo do que aconteceu com as situações já analisadas referentes a bónus e a ofertas de reduzido valor, verificou que, erradamente, liquidou IVA nos produtos utilizados em degustações e também nos produtos de pequeno valor oferecidos com fins promocionais aos participantes em determinados eventos.
Nestes casos, as entregas dos produtos comercializados pela empresa foram efetuadas aos potenciais clientes por intermédio de promotores. No caso das ações de degustação (realizadas normalmente em hipermercados) os promotores são entidades contratadas para o efeito e no caso dos eventos são os próprios organizadores desses eventos aos quais a Requerente se associa com o objetivo de promover os seus produtos (por exemplo a …, entidade organizadora do …). A organização de alguns eventos é da iniciativa da própria Requerente, por exemplo, a “…” e “…”).
Tal como nos casos já analisados, as entregas efetuadas foram acompanhadas de faturas emitidas pela Requerente, nas quais apenas consta a informação da quantidade e da natureza do produto entregue, com valor zero e, por isso, sem informação do valor do produto nem do respetivo imposto que foi liquidado.
Nestas situações, diferentemente do que acontece nos casos anteriores, não existem vendas associadas às entregas efetuadas.
O IVA liquidado, como é óbvio, não foi repercutido, tendo sido entregue ao Estado e assumido pela Requerente como um gasto da sua atividade.
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Ações de degustação
Nestas iniciativas o produto apenas é dado a provar. Por exemplo uma fatia de queijo que é entregue ao potencial cliente num espaço criado num hipermercado.
Estas degustações têm como finalidade proporcionar ao mercado o conhecimento dos produtos comercializados pela Requerente, de forma a potenciar a notoriedade das marcas e, consequentemente incrementar as vendas.
Sobre estas operações é a própria Administração Fiscal a pronunciar-se no sentido de que «as ações de degustação não têm face ao IVA a natureza de oferta prevista no n.º 7 do artigo 3.º do CIVA (e Portaria n.º 497/2008, de 24/06). Inserem-se na atividade empresarial, na medida em que visam a promoção dos produtos e a divulgação de nomes/marcas. Assim sendo, aquelas não estão sujeitas a IVA nem excluídas do direito à dedução do imposto suportado a montante para a sua realização, pois não integram a previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA. Os sujeitos passivos deverão possuir elementos que provem de forma clara e inequívoca tais ações.»[42]
Partilha este Tribunal do entendimento referido, considerando que nestes casos se está perante a entrega de verdadeiras amostras com o regime excecional de exclusão da tributação a que se refere o n.º 7 do artigo 3.º do CIVA e o n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 497/2008, de 24 de Junho.
O enquadramento dos produtos utilizados em degustações no conceito de amostras também encontra suporte na jurisprudência comunitária. Veja-se o referido a este propósito no ponto D do parágrafo 141, nos comentários ao Acórdão do TJUE, de 30 de Setembro de 2010, no Caso EMI Group, Ltd.
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Eventos promocionais
Nestes casos, os produtos entregues têm a natureza de ofertas. Os produtos são entregues com a intenção de promover os produtos da Requerente e essas entregas podem considerar-se em conformidade com os usos comerciais.
Na determinação das quantidades de produto a enviar para os promotores, a Requerente teve em consideração a estimativa do número de participantes em cada evento, enviando habitualmente apenas uma unidade de produto por participante previsto. O valor unitário dos produtos entregues fica muito aquém dos limites estabelecidos para as ofertas de pequeno valor.
Assim, nas entregas efetuadas não foram ultrapassados os limites previstos para 2007 (limite administrativo de € 14,96) e para 2008 (limite legal de € 50,00) pelo que, trata-se de ofertas de pequeno valor.
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Assim, considera este Tribunal que a Requerente apurou erradamente um montante de IVA liquidado em excesso, nos produtos utilizados para as referidas ações de degustação e também na afetação dos produtos aos eventos, que ascendeu a € 5.800,63, e € 2.056,54, respetivamente em 2007 e 2008.
I- DECISÃO
Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:
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Julgar improcedentes as exceções de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
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Julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado em apreço (em concreto, o IVA liquidado e entregue em excesso pela Requerente, no período compreendido entre Janeiro de 2007 e Fevereiro de 2009, no valor global de € 202.942,02), e condenar a Requerida a reconhecer a Requerente o direito de efetuar as regularizações de IVA a seu favor no montante de €202.942,02.
Fixa-se o valor do processo em € 202.942,02 (duzentos e dois mil, novecentos e quarenta e dois euros e dois cêntimos), atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnadas, e em conformidade fixam-se as custas, no montante de €4.284,00. (quatro mil duzentos e oitenta e quatro euros), a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).
Notifique-se.
Lisboa, 12 de maio de 2014
Os Árbitros
Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, Presidente
Emanuel Augusto Vidal Lima
Paulo Renato Ferreira Alves
VOTO DE VENCIDO
Incompetência em razão da matéria
A AT suscitou uma exceção relativa à incompetência material da jurisdição arbitral, dada a ausência de reclamação graciosa prévia, pois o ato tributário de autoliquidação foi confirmado por um ato de segundo grau, proferido no âmbito de um processo de revisão oficiosa.
A este propósito a AT afirma, bem, que os tribunais arbitrais se encontram constitucionalmente reconhecidos como verdadeiros tribunais (artigo 209.º, n.º2 da CRP), que a arbitragem voluntária, em geral, encontra a sua base legal na Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, atualmente em vigor, a qual revogou a Lei n.º 31/86, de 29 de agosto, onde se prevê que “o Estado e outras pessoas coletivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, se para tanto forem autorizados por lei especial ou se estas tiverem por objeto litígios respeitantes a relações de direito privado.” (artigo 1.º, n.º5) e que a autorização legislativa constante do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, relativa à arbitragem em matéria tributária, configura a arbitragem em matéria tributária como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagrados no CPPT.
No uso dessa autorização legislativa, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, o qual disciplina a arbitragem tributária (RJAT). De acordo com o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (RJAT), o âmbito de competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foi perfeitamente delimitado. Foram fixadas “com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral”. O Preâmbulo daquele diploma refere que se encontram abrangidas “pela competência dos tribunais arbitrais, a apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e os de pagamentos por conta, a declaração de ilegalidade de atos de determinação de matéria tributável, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais e, bem assim, a apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projeto de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão anteriormente referida.”
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT pela forma seguinte:
«Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
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– A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
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A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta;
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A declaração de ilegalidade de atos de determinação da matéria tributável, de atos de determinação da matéria coletável, de atos de fixação de valores patrimoniais;
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A apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projeto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegura a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior.»
A competência dos tribunais arbitrais foi limitada pelos termos em que a Administração Tributária e Aduaneira expressou a sua vontade de se vincular àquela jurisdição, o que fez pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março. Nos termos do n.º1, do artigo 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição arbitral depende de aceitação, pela Administração a qual fixou os limites dessa vinculação:
«Artigo 4.º
Vinculação de funcionamento
1 – A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.»
Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
O Decreto-Lei que institui a arbitragem em matéria tributária, contém uma previsão da ampla arbitragem um matérias tributárias. Esta previsão não tem operacionalidade imediata, pois fica condicionada à vinculação da AT. Trata-se de uma reserva da Administração. Compete à Administração, representada pelos Ministros da Justiça e das Finanças, e só a ela, fixar por ato unilateral genérico os limites dessa vinculação. A vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais é objeto de uma limitação concreta: são expressamente excecionadas da arbitragem as pretensões que decorram de alegada ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta, exceto se a sua ilegalidade tiver sido previamente suscitada, nos termos dos artigos 131.º e ss. do CPPT.
Assim, deve partir-se da previsão ampla do Decreto-Lei mas deverá necessariamente ter-se presente que, também por vontade do legislador, foi conferida à AT a faculdade de introduzir uma ou mais restrições genéricas (gerais e abstratas) ao âmbito de aplicabilidade da arbitragem. E deverá assim constatar-se que, nesse contexto e por iniciativa da AT, a referida Portaria exclui da arbitragem, de modo expresso, todas as pretensões conexas com atos de “autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta”, para depois admitir apenas aquelas pretensões que tenham sido precedidos [as] de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Dispõe o artigo 131.º do CPPT:
«Artigo 131º
Impugnação em caso de autoliquidação
1 – Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.
2 - Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que efetuou, contados, respetivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito.
3– Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º.»
Sucede, no entanto, que o ato tributário em causa foi objeto de apreciação e subsequente confirmação (ato tributário de segundo grau), não em sede de reclamação graciosa, nos termos deste referido artigo, mas sim no âmbito de um pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78º da LGT, porquanto se encontrava já esgotado o prazo para aferir em sede de reclamação graciosa da ilegalidade invocada.
O procedimento de revisão oficiosa encontra-se previsto no artigo 78º da Lei Geral Tributária que, para melhor elucidação se transcreve:
«Artigo 78º
Revisão dos atos tributários
1 – A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada pela iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 – Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.
3 – A revisão dos atos tributários, nos termos do nº 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado, nos termos do nº1 do artigo anterior.»
Assim, a vinculação da AT, constante da citada Portaria, corresponde, primeiro, a uma aceitação voluntária da jurisdição dos tribunais arbitrais e, em segundo lugar, é acompanhada de uma delimitação estrita do âmbito de aplicação da arbitragem dos atos tributários genericamente fixada pelo artigo 2.º, nº 1, do RJAT.
Convém ter presente que esta vinculação corresponde a uma renúncia à jurisdição dos Tribunais Tributários – tribunais comuns em matéria tributária.
A vinculação da AT não corresponde a um compromisso arbitral. Esta vinculação surge como um ato administrativo genérico unilateral, assinado conjuntamente por dois ministérios: Finanças e Justiça. Daqui resulta para os sujeitos passivos o direito potestativo de recorrerem à via arbitral e para a AT, o dever de aceitar a arbitragem no quadro estritamente definido.
A alínea a) do artigo 2º da Portaria n.º 112 – A/2011, ao introduzir a exceção referida, aceitando assim nesse campo a arbitragem, contém uma expressão ampla (o “recurso à via administrativa”) e uma concretização imediata restritiva e taxativa (“nos termos dos artigos n.º 131.º a 133.º do Código de Procedimento Administrativo”). O texto normativo não permite, pois, encontrar nele um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, com a possibilidade de, em qualquer uma das três situações nele referidas (autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta), se poder prescindir do recurso à reclamação graciosa, strictu sensu, para poder submeter à arbitragem a pretensão tributária, ainda que sobre ela tenha havido um qualquer ato de segundo grau de outra espécie e, portanto, se tenha verificado, in casu, uma reapreciação do ato tributário aqui em causa pela AT, na sequência de pedido de revisão oficiosa formulado pelo sujeito passivo. E essa impossibilidade é reforçada pelo facto de o recurso à via administrativa, nas modalidades em concreto previstas, ser uma exceção quanto à arbitragem dos atos tributários referidos na Portaria em causa.
A revisão oficiosa, recorde-se, está prevista num diploma legal completamente diferente: a Lei Geral Tributária, no artigo 78.º, num quadro sistemático completamente diferente e de modo nenhum evocado na Portaria citada.
E tal conclusão é alcançada independentemente e sem prejuízo da posição que se adote sobre a equiparação de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte, ao procedimento de reclamação graciosa, para determinados efeitos de impugnação judicial. Isto pela referida clareza da disposição de vinculação: atenta a dupla negação nela constante, determinados atos não se incluem no objeto da vinculação (sujeição), exceto se precedidos de reclamação graciosa (“precedido de… nos termos dos...”, diz-nos a Portaria). Face a esta formulação objetiva, com remissão para o diploma e para os artigos, não se vê como pode o intérprete alcançar conclusão diversa, em especial para alargar o âmbito de sujeição da AT a uma opção do sujeito passivo, fundamentada em diploma legal completamente distinto. Sujeição essa que o legislador pretendeu que fosse em concreto delimitada por vontade da própria AT, numa clara reserva da Administração em matéria de autovinculação.
No caso da Portaria de vinculação, podemos falar de uma declaração de vinculação unilateral com caráter restritivo a interpretar nos seus estritos termos. Isto porque a Portaria de vinculação introduz, expressamente, uma condição prévia (consistente na reclamação graciosa relativa ao ato tributário sindicado), nos termos das disposições legais taxativamente indicadas para acesso à arbitragem arbitrária.
Concordo, por isso, com a orientação arbitral proferida no Processo n.º 51/2012-T, de 2012-11-09.
Quanto à pretensa redação “deficiente” do artigo 2.º, al. a) da Portaria:
Em minha opinião:
(a) há, com efeito, um erro de concordância ao utilizar o particípio passivo “precedidos” no plural masculino quando deveria ser no plural feminino, a concordar com “pretensões”. Tal lapso gramatical, porém, não prejudica nem afeta o entendimento da parte seguinte do texto que aqui está efetivamente em causa;
(b) a expressão “recurso à via administrativa” constitui uma fórmula genérica ampla que em si mesma pode abranger todos os meios de o contribuinte defender os seus direitos, antes de recorrer aos tribunais. É uma fórmula ampla mas não errada nem suscetível de induzir em erro. Aliás, a Administração (Ministérios da Justiça e das Finanças) especificou a seguir, de forma bem precisa, quais as disposições em causa;
(c) temos assim a designação genérica “via administrativa” e uma caraterização específica: “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”,
Estamos perante uma técnica que respeita o discurso lógico-jurídico, em perfeita consonância com o n.º 3 do artigo 9º do Código Civil;
(d) pretender o intérprete interpolar ainda neste membro da frase a expressão “… e do artigo 78.º da Lei Geral Tributária”, que manifestamente ali não está, constitui uma violação dos princípios fundamentais da hermenêutica jurídica aplicáveis quer às normas jurídicas quer aos atos jurídicos.
Tenha-se presente, a este propósito, a Anotação 1 ao artigo 11.º da Lei Geral Tributária onde se escreveu:
“Assim, não se pode, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística (sintático-formal) para afirmar um significado que não resulte expresso.
Verifica-se, pois, uma conexão essencial entre linguagem expressiva e conteúdo expresso. Seja qual for o objeto que se pretenda atribuir à norma, quando não resultar expresso no contexto lógico-literal ou quando não apareça suficientemente definível com base no próprio contexto, o objeto deve considerar-se não significado”.
Concluindo, não se reconhece como passível de ser submetido à arbitragem de litígio relativo às pretensões a que alude o artigo 2.º, alínea a) (objeto da vinculação) da Portaria n.º112-A/2011, de 22 de março, que não haja sido precedido de reclamação graciosa, por esta já não ser viável, pelo que se afigura inquestionável a incompetência, em razão da matéria, deste Tribunal Arbitral Tributário.
Tratando-se, neste caso, de uma vinculação unilateral que implica uma renúncia ao foro comum – os Tribunais Tributários – a declaração seria sempre de interpretar literalmente, ou seja, estritamente, por ser um ato de renúncia, (de acordo com um princípio geral de direito que aflora, por exemplo, no artigo 237.º do Código Civil).
Em conclusão:
Estamos perante uma reserva da Administração como resulta da regulamentação antes referida.
A reserva da Administração significa que o poder judicial (através dos tribunais comuns ou de tribunais arbitrais) deve respeitar estritamente as decisões da Administração.
Neste caso, trata-se de interpretar uma Portaria (ato administrativo genérico) onde a Administração (representada pelo Ministro da Justiça e pelo Ministro das Finanças) decide vincular-se à jurisdição arbitral tributária, nos termos antes referidos, renunciando à jurisdição dos Tribunais Tributários mas dentro de limites precisos.
Não estamos, neste caso, perante uma simples interpretação de uma norma regulamentar (contida numa Portaria). Trata-se da interpretação de uma manifestação de vontade embora manifestada em termos genéricos.
Neste caso, temos de respeitar os poderes e deveres da Administração tal como resultam da regulamentação que conduziu à autovinculação nos seus estritos limites.
O artigo 9.º do Código Civil estabelece, no n.º 2, que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal.
O n.º 3 deste artigo estabelece que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Este número afasta a possibilidade de interpretação corretiva, pois ao incluir aí o artigo 78.º da Lei Geral Tributária, um diploma completamente diferente, o intérprete procede a uma evidente interpretação corretiva que não tem qualquer justificação lógica ou substantiva.
Como se escreveu na decisão arbitral de 9-11-2011 proferida no Proc.º n.º 51/2012-T:
«Pode o pedido de revisão ser alternativo à reclamação, pode ser complementar, pode até no procedimento de revisão ter-se apreciado a pretensão do contribuinte mas considerando a natureza voluntária da arbitragem, a interpretação adoptada não poderá, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação. Só não seria assim se a sua posição implicasse a frustração total do objectivo pretendido com a instituição da arbitragem tributária, o que não é o caso.
Note-se, sob este ângulo, que o Tribunal não se pronuncia sobre a construção doutrinária em que assenta a equiparação do procedimento de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte, ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos de impugnação judicial. Simplesmente, entende que do princípio da consagração do procedimento arbitral enquanto meio de resolução de litígios fiscais alternativo ao processo de impugnação judicial, não decorre automaticamente a extensão da vinculação da AT a todas as situações em que, doutrinária e/ou jurisprudencialmente for considerada admissível essa impugnação.» (sublinhado nosso)
Assim, conclui-se nesta decisão que:
«Em suma, o âmbito da vinculação da AT circunscreve-se aos termos em que se encontra expressa na Portaria n.º 112-A/2011, que, no caso subjuditio, é o regime previsto no artigo 132.º CPPT, que exige reclamação graciosa prévia, ainda que, para efeitos da impugnabilidade do acto, a doutrina prevalente e determinada corrente dos tribunais judiciais tributários possa admitir em alternativa a revisão oficiosa prévia. Com efeito, a equiparação dos tribunais arbitrais tributários àqueles está limitada pela natureza voluntária da adesão da AT á jurisdição arbitral.» (sublinhado nosso)
O que está em causa não é afastar a possibilidade de apreciação de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação, mas sim, saber determinar em que medida a AT aceitou vincular-se para esse efeito à jurisdição dos Tribunais Arbitrais.
Do exposto, conclui-se que, por força do estatuído no artigo 2º, alínea a) da Portaria n.º 112- A/2011, os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT.
A Administração (Ministros da Justiça e das Finanças) delimitou a expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa», pelo aditamento da expressão «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
Atenta a natureza voluntária da vinculação da AT à jurisdição arbitral, uma vez que a competência material dos tribunais arbitrais resulta de regulamentação de natureza pública efetuada no RJAT, o intérprete não pode interpretar o objeto da vinculação, corrigindo a Administração, ampliando a vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais para além dos precisos termos em que foi querida pela Administração.
Assim, entendo que este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29.º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.
Em consequência, julgaria procedente a exceção de incompetência e absolveria a AT da instância.
Lisboa, 12 de maio de 2014
Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros
[1] Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.
[2] BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100
[3] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.
[4] Embora no art. 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, em que se define a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, se faça referência à criação de impostos e sistema fiscal, esta norma deve ser integrada com o conteúdo do n.º 2 do art. 103.º da mesma, em que se refere que a lei determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, que constitui uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva, como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional.
A título de exemplo, indicam-se neste sentido, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- n.º 29/83, de 21-12-1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 338, página 201 (especialmente, páginas 204-205);
- n.º 290/86, de 29-10-1986, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º volume, páginas 421 (especialmente, páginas 423-424);
- n.º 205/87, de 17-06-1987, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 9.º volume, página 209 (especialmente, páginas 221-222);
- n.º 461/87, de 16-12-1987, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 372, página 180 (especialmente, página 197);
- n.º 321/89, de 29-03-1989, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, página 265 (especialmente, página 281).
O Tribunal Constitucional tem entendido também que a reserva de competência legislativa da
Assembleia da República compreende tudo o que seja matéria legislativa e não apenas restrições de direitos (neste sentido, pode ver-se o acórdão n.º 161/99, de 10-3-99, processo n.º 813/98, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 81).
[5] No conceito de «liquidação», em sentido lato, englobam-se todos os atos que se reconduzem a aplicação de uma taxa a uma determinada matéria coletável e, por isso, incluem-se os de autoliquidação, pagamento por conta e atos de retenção na fonte.
[6] Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 2-4-2009, processo n.º 0125/09.
[7] Exemplo de uma situação deste tipo é a do art. 22.º, n.º 13. do CIVA, em que se prevê a utilização do processo de impugnação judicial para impugnar ato de indeferimento de pedidos de reembolso.
[8] No sentido de o meio processual adequado para conhecer da legalidade de ato de decisão de procedimento de revisão oficiosa de ato de liquidação ser a ação administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do CPTA) se nessa decisão não foi apreciada a legalidade do ato de liquidação, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20-5-2003, processo n.º 638/03; de 8-10-2003, processo n.º 870/03; de 15-10-2003, processo n.º 1021/03; de 24-3-2004, processo n.º 1588/03, de 6-11-2008, processo n.º 357/08. Adotando o entendimento de que o processo de impugnação judicial é o meio processual adequado para impugnar atos de indeferimento de reclamações graciosas que tenham apreciado a legalidade de atos de liquidação, podem ver-se os acórdãos do STA de 15-1-2003, processo n.º 1460/02; de 19-2-2003, processo n.º 1461/02; e de 29-2-2012, processo n.º 441/11.
[9] Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 12-12-2001, recurso 26233, de 12-12-2001, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2901;
– de 15-1-2003, proferido no recurso n.º 1460/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25-3-2004, página 26
– de 19-2-2003, proferido no recurso n.º 1461/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25-3-2004, página 328
– de 2-4-2003, proferido no recurso n.º 1771/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 2-7-2004, página 65
– de 9-4-2003, proferido no recurso n.º 422/03
– de 8-10-2003, proferido no recurso n.º 870/03,
– de 5-11-2003, proferido no recurso n.º 1462/03,
– de 12-11-2003, proferido no recurso n.º 1237/03,
– de 19-11-2003, proferido no recurso n.º 1258/03, publicado no Apêndice ao Diário da República de 2-7-2004, página 167;
– de 19-11-2003, proferido no recurso n.º 1181/03;
– de 2-2-2005, proferido no recurso n.º 1171/04.
[10] Na mesma linha, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-4-2009, processo n.º 65/09:
«Assim, nos casos em que o pedido de revisão do ato tributário é apresentado no prazo de 120 dias, a contar dos factos referidos no art. 102.º, n.º 1, do CPPT, é de entender que não há razão para que o Estado se dispense do dever de reparar integralmente os danos provocados pelos seus atos ilegais, com plena reconstituição da situação jurídica que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado.
Por isso, se o contribuinte reage nesse prazo, através de um pedido de revisão do ato tributário, deverá ser dada a sua pretensão o tratamento de uma reclamação graciosa, designadamente a nível dos efeitos no caso de reconhecimento da ilegalidade imputada pelo contribuinte, que vão desde a restituição da quantia indevidamente cobrada à atribuição de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito, no caso de se reconhecer que o erro não é imputável ao contribuinte, nos termos dos arts. 100.º e 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT. O que significa, assim, que o pedido de revisão do ato tributário feito no prazo da reclamação graciosa deverá ser considerado como uma verdadeira reclamação, uma pretensão anulatória tempestiva».
[11] Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-5-2011, processo n.º 966/10.
[12] ditado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e aplicável a partir de 1-1-2009, nos termos do seu artigo 174.º, pelo que sempre prevalecerá sobre qualquer critério adotado em orientações genéricas da Administração Tributária, designadamente o do Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de Novembro da DSIVA.
[13] No caso dos autos, está-se perante uma situação distinta da apreciada no referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, pois neste acórdão estava-se perante um lapso material da contabilidade do sujeito passivo que se repercutiu no exercício do direito a dedução e não perante erros de interpretação da lei, como sucede no caso dos autos.
[14] As consequências fiscais deste procedimento, no que respeita às ofertas de pequeno valor, são analisadas mais adiante, em ponto autónomo, a que se refere o parágrafo 141.
[15] A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Diretiva IVA), passou a ter aplicação nos Estados membros da União Europeia a partir de 1 de Janeiro de 2007. Esta Diretiva revogou a Diretiva 67/227/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967 (designada Primeira Diretiva), retomando as disposições desta que ainda se encontravam em vigor, e procedeu à reformulação e revogação da Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (também designada Sexta Diretiva).
[16] Ver, entre outros, acórdãos do TJUE, de 5 de Fevereiro de 1981, de 23 de Novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics Limited, 230/87, n.º 16 e de 20 de Janeiro de 2005, Hotel Scandic, C-412/03, n.º 21.
[17] Quando os descontos, abatimentos ou bónus são concedidos em momento posterior ao da realização da transmissão e do respetivo registo contabilístico, a redução consequente do valor tributável da operação permite ao fornecedor, nos termos do n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA, que proceda à regularização a seu favor do correspondente imposto anteriormente liquidado.
[18] Cfr. se refere expressamente no Processo n.º 141/2012-T/CAAD, em que foi analisada matéria relacionada com as ofertas de pequeno valor.
[19] Antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro de 2007, a redação da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA era a seguinte:
«3 – Consideram-se ainda transmissões de bens, nos termos do n.º 1 deste artigo:
[…]
f) Ressalvado o disposto no artigo 25.º, a afetação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.
Excluem-se do regime estabelecido por esta alínea as amostras e as ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais.»
[20] Como esclarece RUI LAIRES, em “O regime do IVA das amostras e das ofertas de valor reduzido”, Revista da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, n.º 130, Janeiro de 2011, a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º «sujeita ao imposto a afetação de bens da empresa a fins privados, como pode suceder, por exemplo, no caso de um empresário que abasteça a sua casa particular com bens retirados de um seu estabelecimento comercial.»
No pressuposto, claro, que esses bens tinham beneficiado da dedução do IVA suportado a montante, «se não houvesse que pagar o IVA em relação ao consumo pessoal ou doméstico desses bens, este ficaria desonerado de tributação, o que não se compadeceria com os objetivos de um imposto geral sobre o consumo. Por outro lado, prosseguindo a mesma finalidade, a referida alínea f), contempla a tributação das transmissões de bens efetuadas a título gratuito também neste caso quando o imposto suportado na respetiva aquisição ou produção tenha sido objeto de dedução total ou parcial»
[21] Conforme se passa a referir:
«É equiparada a entrega efetuada a título oneroso a afetação, por um sujeito passivo, de bens da própria empresa a seu uso privado ou do seu pessoal, ou a disposição de bens a título gratuito, ou, em geral, a sua afetação a fins estranhos à empresa, sempre que, a esses bens ou aos elementos que os compõem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado. Todavia, não será assim considerada a afetação a ofertas de pequeno valor e a amostras, para os fins da própria empresa.»
[22] Como refere XAVIER DE BASTO, José, em “Sobre o regime IVA das amostras e das ofertas de «pequeno valor»”, publicado na Revista da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, n.º 90, Setembro 2007:
«A lei portuguesa, seguindo a linha da diretiva europeia, recorre a uma cláusula geral ou conceito indeterminado na definição das ofertas não equiparáveis a transmissões onerosas. As ofertas que hão-de considerar-se excluídas do regime geral de equiparação das transmissões gratuitas a transmissões onerosas têm de ser de “pequeno valor” e devem estar “em conformidade com os usos comerciais».
E, de seguida:
«A lei […] não dá mais nenhuma indicação que ajude o sujeito passivo […] a conhecer se as amostras e ofertas que efetuou preenchem ou não os requisitos legais para se considerarem fora da regra de incidência …».
E mais adiante:
«… a noção de “oferta de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais”, está aberta a grande indeterminação. No fundo, opera-se aqui com dois conceitos indeterminados: “pequeno valor” e “conformidade com os usos comerciais”. Nem uma nem outra das noções – e, sobretudo, a segunda – são fáceis de operacionalizar.»
Também COURINHA, Gustavo Lopes, em “Ofertas de pequeno valor em IVA e o princípio da legalidade fiscal” publicado em “Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal”, Ano I, n.º 4, p. 325, refere o seguinte:
«O Código do IVA estabelece as transferências onerosas de bens como geradoras de factos tributários. Porém, em certos casos, mesmo uma operação gratuita pode ser ficcionada de transferência onerosa – e, por conseguinte, elevada à incidência objetiva do imposto – se não se puder considerar como uma “oferta de pequeno valor”. Ou seja, nos termos do artigo 3.º/n.º 3/alínea f) daquele Código, temos uma delimitação negativa da incidência que nos é dada por meio de um conceito indeterminado, o qual, por integrar o núcleo essencial da relação jurídica, fica sujeito à reserva de lei.»
[23] Cfr. XAVIER DE BASTO, “Sobre o regime das amostras e das ofertas de «pequeno valor»”, op. cit.
[24] Anteriormente à divulgação do entendimento constante desta Circular, a doutrina administrativa sobre o conceito de oferta de pequeno valor constava da Circular n.º 3/87, de 9 de Fevereiro de 1987, considerando-se, para o efeito, que esse valor não podia ultrapassar unitariamente o montante de 2.000$00 (IVA excluído). Considerava-se ainda, em termos globais, que o valor anual dessas ofertas não poderia exceder 5 por mil do volume de negócios, com referência ao ano anterior, até ao máximo de 5.000.000$00.
Com a divulgação da Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro de 1989, foi eliminado o limite em termos de valor absoluto (5.000.000$00), ficando apenas consignado que em termos globais as ofertas não poderiam exceder 5 por mil do volume de negócios, com referência ao ano anterior.
[25] Em relação às amostras a Circular refere que «deverão ser entendidas como respeitando a bens comercializados pela própria empresa, mas de formato ou tamanho diferente do produto que se pretende «mostrar» ou apresentadas, em quantidade, capacidade, peso ou medida, substancialmente inferiores aos que constituem as unidades de venda, e que, por esse facto, não serão destinados a posterior comercialização.»
[26] Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, publicada no Diário da República, Série I, n.º 251, Suplemento, de 31 de Dezembro de 2007.
[27] Como refere TEIXEIRA, Felícia, (CTOC), em “Alteração do limite a considerar para as ofertas em sede de IVA”, publicado no Jornal de Negócios de 11 de Fevereiro de 2008, o valor de € 14,96 «não tendo sido atualizado ao longo dos anos, deixava aquém as expectativas das empresas, e de alguma forma prejudicava as relações comerciais».
Também no Jornal de Negócios, em Maio de 2007, BRAZ, Mário, (PwC), em “OFERTAS ou ofertas”, reflete que era do senso comum que 3.000$00 (€ 14,96) em 1989 não representavam € 14,96 em 2007. A aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda, aceites pela administração fiscal para efeitos da correção monetária do valor de aquisição em sede de cálculo de mais-valias, permitiria concluir que, tendo por base o ano de 2007, o coeficiente aplicável a 1989 era de 2,14 significando, por outras palavras, que os € 14,96 em 1989 equivaleriam a mais de € 32,00 em 2007.
[28] Inexistente na data em que foram praticados os factos ocorridos em 2007, que ora nos ocupam, mas em vigor, como é óbvio, em relação aos factos ocorridos em 2008.
[29] De acordo com RUI LAIRES, “O regime do IVA das amostras e das ofertas de valor reduzido”, op.cit., «Para além da referência a valores quantitativos, a remissão para os usos comerciais tem inerente que haja obrigatoriamente um fim empresarial em vista, de modo a não abranger as liberalidades desprovidas de qualquer intenção de divulgação ou promoção da imagem da empresa ou dos seus produtos, na relação que estabelece com outras instituições, com outros agentes económicos ou, em geral, com o público.»
[30] Também inexistente na data da prática dos factos ocorridos em 2007, mas vigente em relação aos factos ocorridos em 2008.
[31] No que se refere às amostras, esta Portaria, no número 1 do artigo 2.º, delimita o conceito nos seguintes termos: «Consideram-se amostras os bens, não destinados a posterior comercialização, de formato ou tamanho diferentes do produto que constitua a unidade de venda ou apresentados em quantidade, capacidade, peso ou medida substancialmente inferiores aos que constituem a unidade de venda que se destinem a apresentar ou promover produtos produzidos ou comercializados pelo sujeito passivo.»
Os nºs 2 e 3 da mesma norma referem-se ainda à distribuição de exemplares de obras (livros e outras publicações) ou registos, seja qual for o suporte de produção (CD, DVD, discos, cassetes, filmes, vídeos e outros registos de som ou de imagem).
[32] Proferido no Processo n.º 01180/06.
[33] COURINHA, Gustavo Lopes, em “Ofertas de pequeno valor em IVA e o princípio da legalidade fiscal”, cit., comentando esta jurisprudência do STA refere o seguinte: «ao optar por um critério que não se conformou com os limites intrínsecos da lei fiscal que o conceito de “ofertas de pequeno valor“ pressupõe – nomeadamente por não atender aos usos comerciais – o legislador da Circular invadiu uma esfera que não era a sua, o que levou a que o Tribunal reputasse de inconstitucional a norma delimitadora das “ofertas de pequeno valor”. Da inconstitucionalidade material à inconstitucionalidade orgânica foi apenas um passo.»
[34] Proferido no Processo 0915/06.
[35] Processo C-581/08, Caso EMI Group Ltd, Colect. p. 08607.
[36] Transcrito acima em nota de fim de página.
[37] No mesmo sentido, ver Acórdão de 27 de Abril de 1999, Kuwait Petroleum, C-48/97, Colect. p. I-2323, nºs 22 e 23.
Neste acórdão foi analisada a sujeição ao IVA de um esquema de entrega de brindes promocionais para efeitos de fidelização da clientela. De facto, a Kuwait Petroleum utilizava um sistema de promoção de vendas no âmbito do qual oferecia aos clientes um vale (pontos) por cada 12 litros de gasolina adquiridos. O preço da gasolina era o mesmo quer os vales fossem aceites ou não pelos clientes. Quando um cliente reunisse um certo número de vales tinha direito a trocá-los por determinados bens ou serviços escolhidos pelo cliente e que constavam de uma lista denominada “catálogo de ofertas”.
A questão que se colocou foi a da legalidade da tributação destes brindes ou ofertas. Tendo sido afastada a hipótese de, com o esquema de promoção referido, estar a ser concedido um desconto de 100% do preço, colocou-se a questão da própria natureza gratuita das operações, já que a Kuwait alegava que as mesmas, na realidade, não constituíam ofertas visto que, em sua opinião, uma parte do preço pago na aquisição da gasolina devia ser considerada como contraprestação dos brindes oferecidos.
Sobre este assunto, o TJUE dispôs o seguinte:
«29. […] no que se refere à entrega de bens em troca dos vales existem duas circunstâncias que permitem considerá-la uma transmissão a título gratuito, na ação do n.º 6 do artigo 5.º da Sexta Diretiva, pelo que a sua afetação deve ser equiparada a uma entrega efetuada a título oneroso e, a esse título, tributada.»
«30. Em primeiro lugar, os bens entregues em troca dos vales […] eram qualificados, no quadro do sistema de promoção posto em prática pela Kuwait, como ofertas.»
«31. Em segundo lugar, é certo que o comprador de gasolina […], independentemente de aceitar ou não os vales, devia pagar o mesmo preço a retalho e que a fatura relativa à compra de gasolina que a Kuwait ou os revendedores independentes deviam, nos termos do n.º 3 do artigo 22.º da Sexta Diretiva, entregar aos clientes, que, por sua vez, também eram sujeitos passivos, só mencionava esse preço. Nestas condições, a Kuwait não pode validamente sustentar que, contrariamente ao que figurava nas faturas que emitia, o preço pago pelos compradores de gasolina continha na realidade uma parte que representava o valor dos vales […] ou dos bens trocados por esses vales.»
Desta forma, o TJUE decidiu que, quando se procede à troca de vales por brindes, estamos perante ofertas de bens tributadas em IVA, desde que não se trate de ofertas de pequeno valor.
[38] Cfr. RUI LAIRES, “O regime do IVA das amostras e das ofertas de valor reduzido”, op. cit.
[39] De notar que, no âmbito do Caso EMI Group, o Advogado Geral Niilo Jääskinen, nas suas conclusões propunha que o TJUE se pronunciasse no sentido de os Estados membros poderem fixar um limite para o valor monetário da “oferta de pequeno valor”, tomando em consideração o nível geral de preços e rendimentos e outras circunstancias económicas vigentes nesse Estado membro, desde que o limite não seja tão baixo que retire todo o sentido útil à regra de não sujeição a IVA das ofertas ou que resulte na sua inaplicabilidade, nem tão elevado que desvirtue o significado corrente do termo “pequeno valor”.
Todavia, na sua decisão, o Tribunal deixou em claro esta matéria.
[40] Ao contrário do que sucedia com outras disposições fiscais, como exemplifica o Acórdão, em matéria de taxas de reintegração e amortização (artigo 30.º, n.º 2, do Código do IRC) e com a repartição de custos para efeitos de determinação do lucro tributável imputável a estabelecimento estável e outras entidades não residentes (artigo 50.º, n.º 2, do Código do IRC), vigentes à data da verificação dos factos.
[41] Sobre este assunto, o Tribunal Constitucional extraiu, entre outras, as seguintes conclusões:
«Esses atos, em que avultam as “circulares”, emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais.»
«A circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada (n.º 1 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária) às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (n.º 3 do artigo 68.º da LGT), não altera esta perspetiva porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa. É certo que o administrado pode invocar, no confronto com a administração, o conteúdo da orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade (cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, lei Geral Tributária, comentada e anotada, 3.ª ed., pág. 344). Mas é ao abrigo do princípio da boa-fé e da segurança jurídica, não pelo seu valor normativo, que o conteúdo das circulares prevalece. O administrado só as acata se e enquanto lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam (artigo 59.º, n.º 3, alínea e) e artigo 68.º da LGT).»
«Consequentemente, faltando-lhes força vinculativa heterónoma para os particulares e não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, as prescrições contidas nas “circulares” da Administração Tributária não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade da competência do Tribunal Constitucional, designadamente para abrir a via de recurso prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.»
[42] Veja-se, por exemplo, no Portal das Finanças, em “Perguntas Frequentes – Imposto sobre o Valor Acrescentado”, na resposta 9 relativa a “Degustações”.
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