Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 347/2017-T
Data da decisão: 2018-06-14   Outros 
Valor do pedido: € 1.183.947,87
Tema: Contribuição sobre o Sector Bancário - qualificação tributária como contribuição financeira - incompetência do Tribunal Arbitral.
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Acórdão Arbitral

 

 

Os árbitros Conselheira Doutora Fernanda Maçãs, árbitro-presidente, Professor Doutor Rui Morais e Dr. João Menezes Leitão, árbitros-vogais, que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam:

 

  1. Relatório
  1. A...– Sucursal em Portugal, contribuinte fiscal n.º..., com domicílio na ..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa (doravante designada por “Requerente”), sucursal da B..., com sede em Madrid, Espanha (em diante abreviadamente designada de “B...– Espanha”) apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 4.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”), com vista à anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra a (auto) liquidação da contribuição sobre o sector bancário (em diante abreviadamente designada “CSB”) n.º..., no valor de €1.183.947,87, peticionando a anulação da (auto) liquidação contestada, o reembolso da quantia indevidamente paga, bem como o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30/05/2017.
    1. No exercício da opção de designação de árbitro prevista na alínea b) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 6.º do RJAT e em cumprimento do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 10.º e no n.º 2 do artigo 11.º, do mesmo diploma, a Requerente designou como Árbitro o Dr. João Espanha.
    2. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e no n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) designou como Árbitro o Dr. João Menezes Leitão.
    3. De acordo com o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD notificou a Requerente da designação do Árbitro pelo dirigente máximo do serviço da Administração Tributária a 14/07/2017 e notificou os árbitros designados pelas partes para designarem o terceiro árbitro que assume a qualidade de Árbitro presidente, tendo os Árbitros designados pelas partes acordado na designação da Conselheira Drª. Maria Fernanda dos Santos Maçãs como Árbitro Presidente.
    4. Em 08/08/2017, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.
    5. Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou regularmente constituído, em 24/08/2017, para apreciar e decidir o objecto do processo.
    6. Em virtude da renúncia às funções de árbitro do Dr. João Espanha, por despacho do Presidente do CAAD de 10 de Maio, foi solicitado ao Sujeito Passivo a indicação de novo árbitro. 
    7. O Sujeito Passivo indicou o Prof. Doutor Rui Duarte Morais.
    8. Em 19 de Maio de 2018 foi proferido pelo Tribunal despacho com o seguinte conteúdo:

Nos termos do previsto no n.º 3 do art. 9.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: “No caso de se verificar a substituição de árbitro, o tribunal arbitral decide se algum acto processual deve ser repetido em face da nova composição do tribunal, tendo em conta o estado do processo”.

Cumpre, nestes termos, na sequência da substituição de árbitro verificada na presente acção, apurar se se justifica que haja lugar a repetição de actos processuais praticados.

Nos presentes autos apenas houve lugar ao oferecimento de articulados.

Representando, estes, actos processuais para cuja produção, eficácia e interpretação, não se revela imprescindível a manutenção em juízo dos árbitros que se encontravam em exercício de funções no processo quando tais actos foram praticados, não se justifica que se repitam quaisquer actos processuais, prosseguindo a instância os seus demais e regulares termos".

                                         

 

  1. Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
    1. A (auto) liquidação da CSB contestada, emitida e paga pela Requerente, surgiu no seguimento da aprovação da Lei do Orçamento de Estado para 2016, que veio alargar o âmbito subjectivo da contribuição sobre o sector bancário (criada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), e da Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de Junho, que procedeu (i) ao agravamento da taxa da CSB bem como (ii) ao alargamento do âmbito objectivo da CSB, mediante alterações de preenchimento da Declaração Modelo 26.
    2. A Requerente fundamenta a ilegalidade da auto-liquidação em diversos vícios desde logo porque a Requerente não pode ser enquadrada como sucursal de instituição de crédito com sede principal fora do território nacional, neste caso, Espanha, uma vez que a sua casa-mãe não pode ser qualificada como uma instituição de crédito, nos termos da lei portuguesa e/ou espanhola, termos em que não se encontra no âmbito de incidência subjectiva da CSB.
    3. Alega a Requerente que, no caso em apreço, a CSB possui a natureza jurídica de imposto uma vez que a mesma não pode ser destinatária de qualquer medida de resolução aplicável pelo Banco de Portugal e, nessa sequência, não pode beneficiar do apoio financeiro do Fundo de Resolução às medidas de resolução aplicadas pelo Banco de Portugal.
    4. Por outro lado, como o “passivo” que advém dos financiamentos obtidos pela Requerente junto da sua casa mãe não se traduz na assunção de uma “dívida para com terceiros”, também não deve estar sujeita a CSB.
    5. Acresce que, segundo a Requerente, esta conclusão não conflitua com a alteração das instruções de preenchimento da Declaração Modelo 26 que integram a Portaria n.º 165-A/2016.
    6. Por outro lado, a auto-liquidação é também ilegal por se tratar de um acto emitido com base na Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março.
    7. Ora, esta Portaria veio implementar um sistema de taxas únicas da CSB e, por esse motivo, pretendeu derrogar o disposto nos artigos 4.º e 8.º do Regime da CSB (artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro) – diploma hierarquicamente superior à Portaria em análise – que impunha a implementação de um sistema progressivo de taxas variáveis da CSB em função dos valores concretamente apurados pelos sujeitos passivos.
    8. Defende, ainda, a Requerente que uma interpretação do Regime da CSB conforme à Constituição da República Portuguesa (designadamente aos princípios constitucionais da proibição da retroactividade da lei fiscal, da igualdade tributária e da proporcionalidade em sentido amplo ou da proibição do excesso) conduz inelutavelmente à declaração de ilegalidade da liquidação ora contestada.
      1. O princípio da proibição da retroactividade fiscal, como salvaguarda do princípio da segurança jurídica, obsta: (i) à “tributação das novas entidades abrangidas no âmbito subjectivo da CSB”, impedindo, no caso da Requerente, a tributação, no exercício de 2016, do passivo apurado em 2015; (ii) à “aplicação da nova taxa da CSB”; (iii) tendo como base o passivo apurado no exercício de 2015, ao “enquadramento dos financiamentos internos de uma sucursal para com a casa-mãe no conceito de “dívidas para com terceiros” no exercício de 2016”.
      2. O princípio da igualdade tributária interdita a possibilidade de “tributação igualitária, em sede de CSB, das entidades que não são presumíveis beneficiárias do apoio financeiro prestado pelo Fundo de Resolução às medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal”.
      3. O princípio da igualdade impede um tratamento diverso, de forma injustificada, relativamente aos sujeitos passivos que procederam à (auto) liquidação da CSB até ao dia 14 de Junho de 2016 dos restantes que deram cumprimento à obrigação entre os dias 15 e 30 de Junho de 2016.
      4. O princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou da proibição do excesso obsta à tributação igualitária de sucursais de instituições de crédito autorizadas noutros Estados-Membros da União Europeia, que não se encontram sujeitas a supervisão prudencial do Banco de Portugal e que não integram o universo das instituições participantes obrigatórias do Fundo de Resolução, não beneficiando, desta forma, do apoio financeiro desse mesmo Fundo.
    9. Entende também a Requerente que o regime da CSB padece de outras inconstitucionalidades assentes na violação de diversos princípios constitucionais, a saber:
      1. O princípio da legalidade tributária, tanto do ponto de vista da reserva de lei formal como de reserva de lei material, que veda a fixação por Portaria da base de incidência e das taxas da CSB;
      2. O princípio da reserva de lei, que impede a aprovação por Portaria das regras de liquidação e cobrança da CSB em vez de o serem por diploma legislativo da Assembleia da República ou do Governo;
      3. O princípio da preeminência de lei e da hierarquia normativa, que impede a derrogação de um preceito de Lei aprovada pela Assembleia da República, neste caso, o artigo 4.º do regime da CSB, por um acto normativo hierarquicamente inferior, no caso em apreço, o artigo 5.º da Portaria n.º 121/2011;
    10. A Requerente conclui pela procedência do pedido, porque fundado e provado, e, em consequência, pede: i) a anulação da (auto) liquidação com base em todos os vícios elencados; ii) o reconhecimento à Requerente do direito a juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

  1. A AT apresentou resposta em 30/10/2017, depois de deferido o pedido de prorrogação do prazo (por mais trinta dias), por despacho de 20 de Setembro de 2017, na qual se defendeu previamente por excepção, nos termos seguintes:
    1. Incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer da inconstitucionalidade de normas:
      1. Por se tratar de matéria vedada à apreciação da AT como do Tribunal Arbitral, nomeadamente pelos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011;
      2. Porque é patente que “a Requerente não suscitou nem concretizou qualquer questão atinente à existência de erro ou vício na autoliquidação, nem nos factos em que a mesma assentou nem na aplicação das normas legais respetivas”, uma vez que visa apenas “atacar a legalidade da norma que prevê a CSB e não a respectiva autoliquidação”;
      3. O pedido da Requerente funda-se apenas no pedido de inconstitucionalidade de uma norma, não tendo efectuado qualquer questão atinente à existência de erro ou vício na autoliquidação;
      4. Porque quer a AT, quer o Tribunal Arbitral, não estão vinculados à jurisdição arbitral que não contenda com a apreciação da legalidade do acto de liquidação, porquanto “nos termos do disposto no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, a Administração Tributária vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida das referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto–Lei n.º 10/2011 de 20 Janeiro (RJAT), com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos do disposto no artigo 131.º do CPPT”;
    2. Incompetência material do Tribunal Arbitral por se tratar de uma contribuição e não de um imposto:
      1. De acordo com a Requerida, estamos perante uma contribuição financeira e não um imposto, estando vedado a tribunais do CAAD a apreciação do presente pedido arbitral, nos termos dos artigos 4.º n.º 1 do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março;
      2. A Requerida fundamenta a sua argumentação nos artigos 3.º, n.º 2 e 4.º da LGT, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 365/03, de 14/07/2003, no acórdão n.º 313/92 do Tribunal Constitucional e na decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, no processo n.º 2133/14.7BELRS, bem como em diversa doutrina;
      3. Concluindo a Requerida que “nos termos conjugados dos artigos 4.º n.º 1 do RJAT e o artigo 2.º da PV, o tribunal será materialmente incompetente para apreciar o mérito da presente causa, pelo que deve a Requerida ser absolvida da instância”.
    3. Ainda na resposta apresentada, em defesa por impugnação, a Requerida argumentou o seguinte:
      1. Quanto à incidência subjectiva da CSB, alega que “considerando que o próprio BdP considera a requerente como uma sucursal de uma instituição de crédito, não pode, portanto, esta deixar de enquadrar-se na referida al. c) do n.º 1 do art.º 2.º do RCSB”,  acrescendo o facto de, nos termos e para efeitos do n.º 2 do artigo 2.º do Regime da CSB, “considerarem-se instituições de crédito, filiais e sucursais as definidas, respectivamente, nas alíneas w), u) e ll) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro”, sendo “por demais evidente a correcta incidência subjectiva da Requerente à CSB”;
      2. Quanto à invocada aplicação retroactiva da CSB, alega a Requerida que “não levanta qualquer problema de retroactividade o facto de as contas aprovadas respeitarem a 2016, pois, pressupondo a Contribuição sub judice” em que as contas são aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição, “essa aprovação, a ocorrer no próprio ano, só poderá ser aferida por referência a uma situação pretérita, uma vez que no “próprio ano” apenas se poderão aprovar as contas referentes ao ano anterior, pois as do próprio ano ainda não estão, obviamente “fechadas” ou “consolidadas”, nem por maioria de razão, aprovadas”;
      3. Quanto à alegada violação do princípio da segurança jurídica “no caso sub judice”, já era expectável que o Estado tributasse as sucursais em face da efectiva contribuição, enquanto operadores e “actores” do sistema bancário, por forma a acautelar os riscos sistémicos para os quais, reitere-se, as sucursais também contribuem”;
      4. Quanto à violação da reserva de lei parlamentar, a Requerida argumenta que “a reserva de lei formal, atenta a mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, não abrange a criação de contribuições financeiras como a dos autos”;
      5.  Quanto à alegada violação do princípio da igualdade, segundo o entendimento da Requerida, “não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre sujeitos passivos, pois que são tratadas de forma diferente situações diferentes, e de forma igual situações iguais, em estrito cumprimento daquele princípio constitucional. (…) A CSB, regulada na portaria, é, inequivocamente, uma norma de carácter geral e abstracto, aplicável de forma indistinta ou distinta a todos os casos em que se preencham os respectivos pressupostos de facto e de direito, em conformidade e em concretização desses mesmos pressupostos”;
      6. Quanto à alegada violação do princípio da equivalência como critério do princípio da igualdade tributária, a Requerida considerou que: “não se alcança outra solução interpretativa para a situação sub judice que não a de que os preceitos aqui sindicados estão em manifesta conformidade com a Lei Fundamental, assim como a actuação vinculada da AT que, no estrito cumprimento das suas vinculações e deveres, subsumiu correctamente os factos tributários às normas ficais vigentes”;
      7. Relativamente a uma possível violação do Direito da União Europeia, argumenta a Requerida que: “tem a Administração Fiscal que considerar que no processo de elaboração das normas em questão o legislador terá tido em atenção todo o ordenamento jurídico, quer nacional, quer Comunitário, pelo que as normas devem respeitar os mesmos, sendo certo, também, que não cabe à Administração Tributária a sindicância das normas quanto à sua adequação relativamente ao Direito Comunitário. Assim, e salvo o devido respeito por melhor entendimento, o respeito da legalidade imanente ao direito interno que vincula a AT nos termos supra expostos não se afigura incompatível com o princípio do primado do Direito da União Europeia”;
      8. Finalmente, quanto ao alegado direito ao pagamento de juros indemnizatórios, a Requerida contesta que se exige “para que a AT incorra no dever de pagamento de juros indemnizatórios, que se verifique uma qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser necessariamente imputável a erro dos serviços”;
      9.  Ora, para a Requerida, “a autoliquidação da contribuição foi efetuada de acordo com as normas legais vigentes, sem que tenha sido declarada pelo Tribunal Constitucional a sua inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral, nos termos do art. 281.º da CRP, e que se encontra verificado o seu enquadramento no RCSB, quer quanto à incidência subjetiva, quer quando à incidência objetiva, a AT limitou-se, no estrito cumprimento dos seus deveres e vinculações a fazer a correta subsunção dos factos às normas;
      10.  Em suma, a autoliquidação em causa “não provém de qualquer erro dos Serviços mas decorre directamente da aplicação da lei”, pelo que não deverá haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
  2. Notificada para exercer, querendo, o contraditório em relação à matéria exceptiva alegada pela Requerida, a Requerente realizou-o pelo requerimento de resposta às excepções de 22/11/2017, invocando, em síntese, o seguinte:
    1. No que respeita à incompetência material do tribunal arbitral para conhecer da inconstitucionalidade de normas, afirmou o seguinte:
      1. “o Tribunal Arbitral é competente para apreciar de pedidos de pronúncia arbitral tendentes à anulação de liquidações de tributos - no caso em apreço, da (auto) liquidação da CSB -, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 2, n.º 1, alínea a), do RJAT”;
      2. “o que se alega é a ilegalidade da (auto) liquidação contestada e o que se peticiona é a sua anulação, com todas as consequências legais, para o que a jurisdição arbitral tem, sem margem para quaisquer dúvidas, competência”;
      3.  “se a tese propugnada pela Requerida no sentido da incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer de vícios de inconstitucionalidade de normas tivesse algum fundamento ou base legal, dificilmente se compreenderia a possibilidade de apresentação de recurso, para o Tribunal Constitucional, de uma decisão arbitral - cf. artigo 25.º, n.º 1, do RJAT”;
    2. Em relação à incompetência material do tribunal arbitral para conhecer das ilegalidades da liquidação da CSB, argumenta que:
      1. A CSB não possui natureza e características de contribuição financeira e "foi precisamente tal alargamento do âmbito de incidência subjectivo da CSB a entidades não participantes obrigatórias do Fundo de Resolução que retirou a característica de homogeneidade do grupo ao qual se destina a CSB e transfigurou este tributo, de forma clara e inequívoca, em imposto”, pelo que não poderá vingar a tese da Requerida no que se refere à incompetência do Tribunal Arbitral, dado que não estamos perante uma contribuição financeira, sendo que: "Sobre a argumentação expendida pela Requerente, a Requerida não teceu, repita-se, um único comentário pelo que não devem restar dúvidas quanto à natureza da CSB: a de um verdadeiro imposto de receita consignada”.
      2. Indica, porém, que “o Tribunal Arbitral manteria a sua competência, em razão da matéria, para conhecer do pedido de pronúncia arbitral, uma vez que, nos termos da melhor interpretação das normas que regulam esta matéria bem como da doutrina e jurisprudência produzidas a propósito do tema, o tribunal arbitral é competente para dirimir litígios relacionados com a liquidação de “contribuições” administradas pela AT, independentemente da qualificação de tais tributos como “contribuições” ou “impostos””.
      3. Mesmo que se considere que o artigo 2.º da Portaria 112-A/2011 restringe o âmbito de competência material do tribunal estabelecida no artigo 2.º do RJAT “sempre seria forçoso concluir que a Portaria em apreço foi emitida ao abrigo da redacção inicial do artigo 4.º do RJAT, a qual não permitia qualquer delimitação do âmbito da jurisdição previsto no artigo 2.º do RJAT, por via dessa portaria”.
  3. A Requerente, na resposta à matéria de excepção, apresentou como doc. 1 cópia da lista de entidades participantes obrigatórias do Fundo de Resolução obtida no sítio institucional daquela entidade.
    1. A Requerida solicitou ao tribunal o seu desentranhamento dos autos por não ter base legal.
    2. Sobre o pedido, o Tribunal emitiu, em 26/11/2017, despacho como segue:

“Nos termos do art. 10.º, n.º 2, als. c) e d), do RJAT, os documentos devem ser juntos aos articulados que contenham as circunstâncias de facto objecto de prova. Tal norma revela-se em sintonia com o que resulta do art. 423.º, n.º 1, do CPC, nos termos do qual os documentos devem ser juntos aos articulados em que é invocada a factualidade a que tais documentos se reportam.

Segundo o previsto no art. 29.º, n.º 1, e), do RJAT, é subsidiariamente aplicável, ao processo tributário, o regime processual civil, sendo que, como decorre do n.º 2 de tal preceito, tal aplicação deve ser realizada em termos devidamente adaptados à realidade do processo tributário e às especificidades de cada acção.

No âmbito do n.º 2 de tal preceito contempla uma das hipóteses de admissibilidade de junção tardia de documentos: "Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado."

A aplicação, devidamente adaptada, da referida norma, ao processo tributário arbitral conduz a que, nos casos em que, como no presente, não tenha havido audiência de julgamento, a referência processual a tomar em consideração seja o momento das alegações e não o da audiência. Assim se decidiu, por exemplo, no seguimento de corrente jurisprudencial que se corrobora, nos processos arbitrais n.ºs 308/2015-T e 753/2014.

Não se vê, assim, obstáculo legal à admissibilidade da junção do referido documento pelo Sujeito Passivo.

Acresce tratar-se de mero print retirado de um sítio institucional de acesso público (o relativo ao Fundo de Resolução).”

Termos em que se indeferiu o pedido da Requerida.

  1. Por novo despacho do Tribunal Arbitral, igualmente de 26/11/2017, foi dispensada a realização da audiência prevista no art. 18.º do RJAT por não haver prova a produzir e por a Requerente ter, oportunamente, respondido às excepções, e foram notificadas as partes para, querendo, alegarem por escrito em 15 dias, prazo com carácter sucessivo.
  2. A Requerente apresentou as suas alegações escritas em 20/12/2017, nas quais reiterou os argumentos explanados nas suas anteriores peças processuais e replicou aos argumentos apresentados pela Requerida, invocando, em síntese, o seguinte:
    1. Quanto à incidência subjectiva da CSB, a Requerente argumenta que “As sociedades financeiras de crédito, sendo qualificadas nos termos da lei como sociedades financeiras e já não como instituições de crédito nos termos da al. i) do n.º 1 do artigo 6.º do RGICSF, não constituem instituições participantes obrigatórias do Fundo de Resolução, não estando por isso obrigadas a contribuir para o mesmo”, compreendendo-se a solução legislativa adoptada uma vez que embora as sociedades financeiras de crédito “possam prosseguir um âmbito de actividades similar ao de uma instituição financeira de crédito, não poderão receber quaisquer fundos reembolsáveis do público independentemente da sua natureza.” . Acresce que “a Requerente não se encontra abrangida pelo âmbito de incidência subjectivo da CSB por não poder ser considerada uma sucursal de instituição de crédito com sede fora do território nacional, o que inquina de ilegalidade e determina a anulabilidade da (auto) liquidação contestada por violação do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Regime da CSB”;
    2. Quanto à alegada aplicação retroactiva da CSB, a Requerente considera que “uma interpretação do artigo 5.º da Portaria 165-A 2016 e das novas instruções de preenchimento da Declaração Modelo 26 conforme ao princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal (enquanto corolário do princípio da segurança jurídica) e ao disposto no artigo 12.º da LGT sempre impediria a consideração, em 2016, do passivo apurado em 2015 por referência aos financiamentos internos (entre uma sucursal e a sua casa-mãe).” Conclui que se impõe “uma interpretação conforme à CRP do disposto na Portaria 165-A/2016, no sentido de considerar que todas as alterações introduzidas (quer ao âmbito de incidência subjectivo da CSB quer à taxa da CSB aplicável sobre o passivo apurado pelos sujeitos passivos) só poderão aplicar-se para o futuro”;
    3. Em referência à alegada violação do princípio da segurança jurídica, a Requerente reitera que o artigo 5.º da Portaria 165-A/2016 e as novas instruções de preenchimento da Declaração Modelo 26 “são inconstitucionais por violação do princípio constitucional da proibição da retroactividade dos impostos (enquanto corolário do princípio da segurança jurídica consagrado no artigo 2.º da CRP) e ilegais por violação do disposto no artigo 12.º da LGT, o que inquina de ilegalidade e determina a anulabilidade da (auto) liquidação contestada.”;
    4. Relativamente à alegada violação da reserva de lei parlamentar, a Requerente responde que a tese da Requerida “se revela manifestamente contraditória. Com efeito, numa primeira fase, a Requerida intitula, por diversas vezes, a CSB de “imposto” ou de “imposto sobre bancos” aplicando, sem mais, o princípio da legalidade tributária ao caso em análise. Numa segunda fase, sem que a Requerente tenha logrado entender a mudança de posição, a Requerida vem afirmar que o princípio da legalidade tributária não se aplica a “contribuições financeiras”. (…) As diversas afirmações denotam que a Requerida ou entende que a CSB configura efectivamente um imposto (aderindo, assim, à tese da Requerente nesta matéria) ou, pelo menos, tem dúvidas sobre a qualificação jurídica da CSB.”. Termina afirmando que “por imposição do artigo 8.º do Regime da CSB, as normas de liquidação e cobrança da CSB foram fixadas por simples portaria ao invés de serem aprovadas por diploma legislativo da Assembleia da República ou do Governo (o que viola a reserva da lei a que tais regras estão sujeitas), o que, não fosse a CSB um imposto (que é), seria susceptível de gerar, igualmente, a inconstitucionalidade por violação do princípio constitucional da reserva da lei das normas de liquidação e de cobrança das taxas”. Conclui “que o regime que criou o CSB padece de inconstitucionalidade orgânica por preterição do princípio constitucional da legalidade tributária.”;
    5. Aludindo ao princípio constitucional da igualdade tributária, a Requerente argumenta que “o artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Regime da CSB, na redacção introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2016, deve ser objecto de interpretação conforme ao princípio da igualdade, devendo, por conseguinte, considerar-se que a CSB não poderá aplicar-se indistintamente e de forma igual às instituições participantes obrigatórias do Fundo de Resolução e às sucursais de instituições de crédito com sede principal em outros Estados-Membros da União Europeia, uma vez que estas últimas não podem ser alvo de quaisquer medidas de resolução a aplicar pelo Banco de Portugal nem causam quaisquer externalidades que a CSB visa internalizar” - “O tratamento igualitário de dois grupos de entidades manifestamente distintos afigura-se, pois, desconforme ao princípio constitucional da igualdade, por acarretar o tratamento igual de duas realidades materialmente distintas sem qualquer justificação material para o efeito”;
    6. Quanto à supostamente alegada violação do Direito da União Europeia, refere a Requerente que “cumpre desde logo salientar que (...) não suscitou, nos presentes autos, qualquer vício de desconformidade do direito interno com o Direito da União Europeia”;
    7. Em relação à invocada inconstitucionalidade do artigo 5.º da Portaria 165.º-A/2016 decorrente da violação do princípio constitucional da preeminência de Lei, nota a Requerente que “a Requerida não teceu um único comentário”, persistindo a Requerente que se coloca “uma questão de inconstitucionalidade dado que o artigo 5.º da Portaria não se conforma, antes derroga, o disposto no artigo 4.º do Regime da CSB (diploma que foi aprovado por Lei da Assembleia da República)”;
    8. Para finalizar, referindo-se ao direito ao pagamento de juros indemnizatórios, em que a Requerida alega não ter havido erro imputável aos serviços na liquidação e, como tal, não assistir direito ao pagamento de tais juros à Requerente, esta contra-argumenta que uma liquidação em desconformidade com a Constituição da República Portuguesa é tido como um erro imputável aos serviços na liquidação do tributo fundamentando-o através de citação de um Acórdão do TAF do Porto: estando “assente que a impugnante efectuou o pagamento da totalidade de imposto objecto das liquidações impugnadas” e “Assentando a liquidação em causa em entendimento que se conclui agora ser desconforme com a Constituição, estamos perante erro gerador do pagamento de juros indemnizatórios”.

 

  1. Notificada do conteúdo das alegações da Requerente, a Requerida apresentou alegações escritas em 17 de Janeiro de 2018, argumentando, em síntese, o seguinte:
    1. A Requerente, nas suas alegações, invoca e imputa vícios quer à CSB quer à sua liquidação “que não havia invocado em sede de impugnação” não sendo “processualmente admissível invocar novos factos ou suscitar novas questões de ilegalidade do acto impugnado”, em nome do princípio da estabilidade da instância. Requer assim “que sejam tidos por não escritos e, por conseguinte, não invocados todos e quaisquer vícios” que a Requerente “não havia invocado em sede de petição inicial”;
    2. Quanto à resposta da Requerente às excepções invocadas pela Requerida, esta alerta que os acórdãos por si invocados para sustentar a sua posição foram inadequadamente citados a favor da Requerente, apontando que esta os delimitou “ao sabor das suas conveniências” sendo que “em momento algum poderá chegar à conclusão que aqueles Acórdãos concluem no mesmo sentido que a sua congeminada e inexacta tese”;
    3. Acrescenta ainda a Requerida que os Acórdãos do TAF do Porto que a Requerente invocou em seu abono se reportam a “factos que em nada se assemelham aos que aqui são, ou não, controvertidos”;
    4. Argumenta também que, o facto de a própria Requerida ter apelidado a CSB de “imposto” ao longo da sua Resposta não tem como resultado a adesão da Requerida à tese da Requerente uma vez que o termo “imposto”, “tem subjacente uma referência genérica às figuras tributárias”;
    5. No que respeita às “dívidas para com terceiros”, a Requerida invoca que a Requerente obscurece o verdadeiro significado da figura de estabelecimento estável uma vez que “não lhe é favorável todo o regime que enforma a figura dos estabelecimentos estáveis, em concreto no que concerne ao tratamento fiscal independente da casa-mãe que lhe é dado, mormente, ao princípio da plena concorrência que obriga a tratar a casa-mãe e o estabelecimento estável de forma independente seja para efeitos de preços de transferência seja para efeitos de imputação de rendimento e/ou gastos”. Continua declarando que “a abertura de uma sucursal em Portugal implica o registo desta entidade como sujeito passivo, logo entidade sujeita à legislação fiscal portuguesa” com “as mesmas obrigações declarativas, as mesmas obrigações contabilísticas, como se fosse uma sociedade de direito português, independente da casa-mãe”. Termina afirmando que existe um tratamento específico em sede de IRC e IRS para os estabelecimentos estáveis “do qual a Requerente aflitivamente tenta furtar-se, por forma a furtar-se igual e concomitantemente do pagamento da Contribuição que aqui nos ocupa, de forma tão aflitiva que chama à colação o IVA.”;
    6. A Requerida conclui, peticionando (i) que os vícios invocados pela Requerente em sede de alegações fossem tidos por não escritos e, por conseguinte, não invocados; (ii) o desentranhamento dos documentos 5 e 6 dos autos por não admissibilidade na presente fase processual; (iii) que fossem julgadas procedentes as excepções invocadas pela Requerida sendo esta absolvida da instância; ou, caso assim não se entendesse, (iv) que fosse julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral por não provado, resultando na absolvição da Requerida de todos os pedidos com as legais consequências.

 

  1. Foi emitido, por último, despacho de prorrogação da decisão arbitral para o dia 24 de Junho de 2018.   

 

  1. Saneamento

 

  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo porque apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  3. A apreciação da incompetência material do Tribunal suscitada pela Requerida será efectuada na sequência da fixação da matéria de facto.

 

III. Thema decidendi

 

  1. O thema decidendi em causa nos presentes autos prende-se com a legalidade da autoliquidação de CSB apresentada em 30.6.2016, objecto do documento de cobrança n.º..., no valor de €1.183.947,87, tendo em conta os vícios de violação de lei imputados pela Requerente, conforme acima descrito nos n.ºs 3.2 a 3.9, autoliquidação essa contra a qual a Requerente deduziu reclamação graciosa, a que foi atribuído o n.º ...2016..., e em que se formou a presunção de indeferimento tácito, bem como, consequentemente, com o pedido de reembolso da quantia paga a título de CSB acrescida de juros indemnizatórios.
  2. Previamente, como se referiu, cabe apreciar a matéria da competência do Tribunal Arbitral, cujo conhecimento, que é oficioso, precede o de qualquer outra questão, conforme disposto nos artigos 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 278.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas d) e e) do RJAT.
  3. Para apreciação destas matérias, é conveniente começar por apurar a factualidade relevante.

 

IV. Matéria de facto

  1. Factos provados
    1. Julgam-se provados os seguintes factos:
      1. A Requerente é a sucursal em Portugal da B... (B...), instituição de crédito de direito espanhol, com sede e administração efectiva em Madrid, conforme doc. n.º 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral.
      2. A B...- Espanha e a Requerente, enquanto sucursal da primeira, integram um grupo financeiro que resultou de uma joint venture entre os Grupos C... e D... e que tem por principal actividade a concessão de crédito à habitação a pessoas singulares (em diante, abreviadamente designado de “Grupo E...”).
      3. A Requerente constitui uma sucursal de uma instituição financeira, a B...- Espanha, sujeita à lei de outro Estado-Membro da União Europeia, a Espanha, que é integralmente detida pela F..., S.A..
      4. A B...- Espanha tem a natureza de filial comum, por um lado, do Banco D... S.A., uma instituição de crédito com sede em Espanha e, por outro lado, do C..., S.A. e do G..., S.A., duas instituições de crédito com sede em França.
      5. A B...– Espanha, enquanto Establecimiento Financiero de Crédito de direito espanhol, não se encontra legalmente habilitada nos termos do direito espanhol a receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, o que justifica que a aceitação de depósitos e outros fundos reembolsáveis não esteja incluída no seu objecto social, conforme se observa do doc. n.º 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral.
      6. A Requerente, enquanto sucursal, não está legalmente habilitada a receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis.
      7. A Requerente tem o seguinte objecto social, conforme certidão comercial junta como doc. n.º 4 ao pedido de pronúncia arbitral:

“a) Concessão de empréstimos e de crédito, incluindo o crédito ao consumo, crédito hipotecário e o financiamento de transacções comerciais;

b) "Factoring", com ou sem recurso e as actividades complementares da mesma, tais como as de investigação e classificação da clientela, contabilização de devedores e, em geral, qualquer outra actividade que tenda a favorecer a administração, avaliação, segurança e financiamento dos créditos com origem no tráfico mercantil nacional ou internacional, que lhe sejam concedidos;

c) Locação financeira com inclusão das seguintes actividades complementares:

  1. Actividades de manutenção e conservação dos bens cedidos;
  2. Concessão de financiamento relacionada com uma operação de arrendamento financeiro, actual ou futura;
  3. Intermediação e gestão de operações de arrendamento financeiro;
  4. Actividades de arrendamento não financeiro que poderão, ou não, complementar-se com uma opção de compra;
  5. Emissão e gestão de cartões de crédito;
  6. Concessão de avales e garantias e subscrição de compromissos similares”.
  1. A actividade operacional da Requerente consiste, essencialmente, na concessão de crédito hipotecário no mercado português.
  2. A 30 de Junho de 2016 a Requerente, por referência ao ano de 2016, procedeu à submissão da declaração Modelo 26 - CSB, através da guia n.º..., no valor de €1.183.947,87 (um milhão cento e oitenta e três mil novecentos e quarenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos), conforme doc. n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral.
  3. A Requerente efectuou o seu pagamento nesse mesmo dia, conforme comprovativo constante do doc. n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral e a fls. 188 do processo administrativo junto aos autos.
  4. No passivo que foi sujeito a CSB, apurado e aprovado pela Requerente no exercício de 2015, foram considerados os seguintes valores médios: dos financiamentos internos obtidos pela Requerente junto da sua casa-mãe, a B...- Espanha, no valor de €1.071.040.773,35; dos juros relativos aos financiamentos internos referidos, no valor de €2.154.401,52; do passivo de imposto no valor de €249.262,14; do passivo decorrente das “dívidas para com terceiros” no valor global de €2.871.812,15, incluindo: (i) o valor dos financiamentos e outros recursos obtidos junto de terceiros no valor de €613.695,77; (ii) os juros e encargos similares no valor de €81.822,83; e (iii) outros encargos a pagar no valor de €2.176.293,54, tudo no valor global de €1.076.316.249,16, conforme doc. n.º 7 junto ao pedido de pronúncia arbitral, o que originou o montante de CSB a pagar de €1.183.947,87.
  5. A Requerente deduziu reclamação graciosa contra a referida autoliquidação, conforme doc. n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral e constante a fls. 1 e seguintes do processo administrativo junto aos autos.
  6. A reclamação graciosa foi instaurada, pela AT, sob o n.º ...2016..., conforme doc. n.º 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral e processo administrativo junto aos autos.
  7. Na reclamação graciosa, foi requerida a anulação da autoliquidação efectuada, argumentando que a CSB que auto-liquidou padece de ilegalidade porquanto a Requerente entende estar afastada do âmbito de incidência subjectivo da CSB (na medida em que não pode ser qualificada como uma sucursal de instituição de crédito com sede em outro Estado membro da UE, uma vez que a sua casa-mãe não pode ser qualificada como uma instituição de crédito), da ilegalidade resultante do não enquadramento dos financiamentos internos contraídos junto da casa-mãe no conceito de dívidas para com terceiros, bem como de vício de violação de lei – designadamente erro nos seus pressupostos – nomeadamente por inconstitucionalidade da norma que prevê a CSB.
  8. A 27 de Fevereiro de 2017 decorreu o prazo de 4 meses que a Requerida dispunha para decidir a reclamação graciosa apresentada, presumindo-se o indeferimento tácito.
  9. No seguimento da presunção do indeferimento tácito da reclamação graciosa, a Requerente, em 29 de Maio de 2017, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Factos não provados

Não existem quaisquer outros factos, com relevância para a decisão arbitral, a julgar como não provados.

  1. Motivação quanto à matéria de facto

No tocante ao julgamento da matéria de facto, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas partes em sede de facto nas suas peças processuais, bem assim no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e no processo administrativo.

 

V. Competência do Tribunal Arbitral

 

  1. Considere-se, agora, a matéria suscitada sobre a incompetência material deste Tribunal Arbitral, relativamente à qual, conforme acima descrito nos n.ºs 4.1 e 4.2, são apresentados pela Requerida dois fundamentos autónomos: i) a incompetência quanto ao conhecimento da inconstitucionalidade de normas; ii) a incompetência para conhecer das ilegalidades da liquidação da CSB por se tratar de uma contribuição financeira e não de um imposto.
  2. Explicite-se, previamente, que a competência em razão da matéria se afere necessariamente em função da relação material controvertida, atendendo aos termos em que surge formulada na petição inicial a pretensão do Autor, incluindo os seus fundamentos, o que implica que a apreciação sobre se é correcta a configuração fáctica e jurídica da pretensão deduzida ou sobre se procedem as razões invocadas é questão que contende com o mérito do processo pelo que não deve interferir na decisão sobre a competência do tribunal (cfr. acórdão da STA de 07/02/2018, proc. n.º 0836/16).

 

V.I. Competência do Tribunal Arbitral quanto ao conhecimento da inconstitucionalidade de normas

 

  1. Comece-se pela apreciação da excepção de incompetência material do tribunal arbitral para conhecer da inconstitucionalidade de normas.
    1. Pede, então, a Requerida que o Tribunal ordene a absolvição da instância nos termos dos artigos 576.º, n. º 2 e 557.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, n. º 1, alíneas a) e e) do RJAT, por ocorrência de excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito, com fundamento nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n. º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011.
    2. Segundo a Requerida: "a arbitrabilidade terá que ser referente ao acto de liquidação e não à (i)legalidade da norma que permite o acto de liquidação, como pretende a Requerente.”;
    3. Pelo seu lado, alega a Requerente que, atento o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o tribunal arbitral é competente para apreciar pedidos de pronúncia arbitral tendentes à anulação de liquidações de tributos, pelo que o “pedido arbitral em apreço é admissível, pois o que se alega é a ilegalidade da (auto) liquidação contestada e o que se peticiona é a sua anulação, com todas as consequências legais, para o que a jurisdição arbitral tem, sem margem para quaisquer dúvidas, competência”.
  2. Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2012, os Tribunais Arbitrais têm poderes de cognição para a apreciação da legalidade dos actos nele indicados, incluindo, pois, actos de liquidação.
  3. Pode citar-se, a este respeito, a jurisprudência consagrada, entre outros, no processo arbitral n.º 115/2012-T:

“O âmbito da jurisdição arbitral tributária ficou (...) delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (alínea a)).”; “Através da Portaria de Vinculação (Portaria n.º 112-A/2011, de 20 de Abril), o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e Justiça, vinculou os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade, resultante da fusão de diversos organismos. Nesta Portaria, estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa”.

  1. Veja-se também o acórdão proferido no processo arbitral n.º 48/2012-T:

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral”.

  1. Pois bem, a apreciação da (i)legalidade da liquidação poderá ter como fundamento questões de inconstitucionalidade.
  2. Lembre-se a este respeito que, tal como disposto nos artigos 204.º, 209.º n.º 2 e 280.º, todos da CRP, a competência para fiscalizar a (in)constitucionalidade das normas, suscitada a propósito de casos concretos, é reconhecida a todos os tribunais, onde necessariamente se incluem os tribunais arbitrais constituídos no CAAD. Basta, a este propósito, observar o artigo 25.º n.º 1 do RJAT: “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional na parte em que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique uma norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada”.
  3. Deste modo, verifica-se que este Tribunal é competente para analisar de uma eventual anulação do acto de liquidação impugnado com fundamento na desaplicação da norma que o autoriza, com base na sua inconstitucionalidade.
  4. Termos em que se julga improcedente, quanto a este fundamento, a invocada excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

V.II. Competência do Tribunal para conhecer das ilegalidades da liquidação da CSB em atenção à respectiva natureza tributária

 

  1. Segue-se agora apreciar a excepção de incompetência material do Tribunal para conhecer das ilegalidades da liquidação da CSB em atenção à sua natureza tributária.
    1. Na perspectiva da Requerida, nos termos conjugados dos artigos 4.º n.º 1 do RJAT e artigo 2.º da Portaria de vinculação n.º 112-A/2011, de 22 de Março, não está legalmente prevista a competência do Tribunal Arbitral para o conhecimento de questões relativas a contribuições;
    2. Pelo seu lado, alega a Requerente que o tributo em questão não deve ser qualificado como contribuição, mas sim como imposto (como se refere nos pontos 3.3. e 5.2.1 acima). Acrescenta que, mesmo que a CSB fosse qualificada como contribuição, pela interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e dos artigos 2.º e 4.º do RJAT teria necessariamente de se concluir que o Tribunal Arbitral manteria a sua competência, em razão da matéria, para conhecer do pedido de pronúncia arbitral (como se refere nos pontos 5.2.2 e 5.2.3 acima).
  2. Entende-se não poder ser acolhida a posição da Requerente, pelos motivos a seguir enunciados e que envolvem, em primeiro lugar, a explicitação e concretização da regulamentação normativa da competência material dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD e, em segundo, lugar, a elucidação da natureza jurídico-tributária da CSB.

 

  1. Delimitação da competência material dos Tribunais Arbitrais Tributários a pretensões relativas a impostos
  1. O presente processo incide sobre a particular figura tributária da Contribuição sobre o Sector Bancário, porquanto o objecto do litígio, como acima indicado (n.º 14), é constituído, na sequência da formação do indeferimento presumido da reclamação graciosa n.º ...2016..., pela autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário realizada pela Requerente, mediante apresentação em 30.6.2016 da Declaração Modelo 26, conforme documento n.º..., no montante de €1.183.947,87, cuja anulação é peticionada nestes autos em razão dos vícios de violação de lei que surgem invocados como causa de pedir (vd. supra n.º 3).
  2. A Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB) é um tributo criado nos termos do regime consagrado pelo art. 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31.12 (posteriormente alterado ou prorrogado pelos artigos 182.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12, 252.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31.12, 226.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, 235.º e 236.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31.12, 185.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, 238.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12, e 279.º da Lei n.º 114/2017, de 29.12), com a regulamentação resultante da Portaria n.º 121/2011, de 30.3, alterada pelas Portarias n.ºs 77/2012, de 26.03, 64/2014, de 12.03, 176-A/2015, de 12.06 e 165-A/2016, de 14.06.
  3. A questão da competência material aqui em apreço respeita, então, a saber se esta figura tributária da CSB se encontra abrangida pela parcela de jurisdição legal e regulamentarmente atribuída aos tribunais arbitrais tributários constituídos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), sem o que este Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para julgar as pretensões deduzidas pela Requerente quanto à legalidade do ato tributário sindicado de autoliquidação da CSB.
  4. Cabe principiar pela interpretação do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3, cujo teor literal é o seguinte:

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior [a saber, nos temos do art. 1.º, Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, serviços extintos do Ministério das Finanças, em cujas atribuições sucedeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, por força do disposto no art. 27.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, als. a) e b) do Decreto-Lei n.º 117/2011, de 15.12 e no art. 12.º do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15.12] vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira”.

  1. Esta disposição surge na decorrência do estabelecido pelo n.º 1 do art. 4.º do RJAT que, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12, dispõe: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos” (na redacção originária dizia-se simplesmente: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”).
  2. Deste modo, por força do n.º 1 do art. 4.º do RJAT (seja na sua versão originária, seja na sua versão actual), ficou dependente de portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, ou seja, da referida Portaria n.º 112-A/2011, também conhecida como Portaria de Vinculação, o estabelecimento da vinculação da administração tributária, naturalmente mediante delimitação do respectivo âmbito, à jurisdição dos tribunais arbitrais do CAAD.
  3. Trata-se, aliás, nessa portaria do instrumento indispensável para assegurar o mínimo de imputação aos organismos administrativos da submissão, pela sua parte, de litígios atinentes ao exercício de poderes de autoridade envolvidos nas respectivas atribuições à jurisdição de tribunais arbitrais de um centro de arbitragem institucionalizado como é o CAAD e do consequente afastamento da intervenção dos tribunais estaduais (cfr., em termos comparativos, no que concerne à vinculação do Estado no campo administrativo a centros de arbitragem institucionalizada, o art. 187.º, n.º 2 do CPTA: “A vinculação de cada ministério à jurisdição de centros de arbitragem depende de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça e do membro do Governo competente em razão da matéria, que estabelece o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos, conferindo aos interessados o poder de se dirigirem a esses centros para a resolução de tais litígios”). Por isso mesmo, diga-se já, por se tratar assim do título da associação da AT à arbitragem tributária, não se julga, ao contrário do pretendido pela Requerente (vd. os arts. 98.º a 102.º da resposta às excepções), que a delimitação concretamente operada pela Portaria de Vinculação, enquanto regulamento complementar ou de execução, configure qualquer afectação da hierarquia normativa consagrada no art. 112.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP) –que determina que: “Nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos” –, porquanto o que está directa e imediatamente em causa, em conformidade com o art. 4.º do RJAT, é a determinação e assunção da vinculação à arbitragem por parte de certos serviços da Administração Tributária, actualmente a AT, ainda que daí decorra, consequencialmente, por força dos termos dessa vinculação, uma delimitação negativa do âmbito da intervenção dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, o que, de qualquer modo, não se confunde com a modificação do conteúdo da norma do art. 2.º do RJAT ou a sua revogação, pelo que o art. 4.º do RJAT não tem como efeito ou objectivo conferir à Portaria de Vinculação a possibilidade de revogar ou modificar, ainda que parcialmente, uma norma legal (cfr., sobre esta matéria, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 289/2004).
  4. Daí o que bem se afirmou, em termos perfeitamente elucidativos, no acórdão arbitral proferido no processo n.º 48/2012-T (seguido, entre outros, pelos acórdãos proferidos nos processos n.ºs 73/2012-T e 232/2017-T) já acima citado:

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do [RJAT].

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral”.

  1. Atento, pois, o disposto no art. 2.º daquela Portaria n.º 112-A/2011, conjugado com o previsto no n.º 1 do art. 2.º do RJAT (na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12), para que se remete no citado art. 2.º da Portaria indicada, parece cristalino que a determinação normativa resultante dos enunciados constantes dos preceitos em jogo se reconduz à seguinte proposição:

A vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD da Autoridade Tributária e Aduaneira tem por objecto a apreciação das pretensões, relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, de declaração de ilegalidade de actos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e de declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dêem origem a liquidação, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais, com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão, a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação e à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

  1. Como tal, por força da delimitação realizada no art. 2.º daquela Portaria n.º 112-A/2011, as pretensões de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, de actos de fixação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais (não exceptuadas nas alíneas a) a d) do mesmo artigo), a cuja arbitrabilidade a AT se encontra sujeita, têm de ser “relativas a impostos”, naturalmente cuja administração lhe esteja atribuída, não abrangendo, pois, todos e quaisquer “tributos” (conforme a formulação genérica objecto do art. 2.º do RJAT).
  2. Tendo presente que as atribuições da Autoridade Tributária e Aduaneira, que é o único organismo da Administração Tributária (art. 1.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária) vinculado à jurisdição dos tribunais tributários do CAAD, compreendem a administração de “impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos“, cabendo-lhe “[a]ssegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, dos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas do Estado ou pessoas colectivas de direito público” (vd. art. 14.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 117/2011, de 15 de Dezembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 200/2012, de 27 de Agosto, 1/2015, de 6 de Janeiro, 5/2015, de 8 de Janeiro, 28/2015, de 10 de Fevereiro, 125/2015, de 7 de Agosto e 113/2017, de 7 de Setembro - Lei Orgânica do Ministério das Finanças –, bem como art. 2.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, com as alterações do Decreto-Lei n.º 142/2012, de 11/07, do Decreto-Lei n.º 6/2013, de 17/01, do Decreto-Lei n.º 51/2014, de 02/04; da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12; do Decreto-Lei n.º 78/2017, de 30/06, e da Lei n.º 89/2017, de 21/08 – orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira; note-se que já era assim no domínio do anterior Decreto-Lei n.º 81/2007, de 29 de Março, pois no seu art. 2.º estabelecia-se que: “A DGCI tem por missão administrar os impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, bem como administrar outros tributos que lhe forem atribuídos por lei, de acordo com as políticas definidas pelo Governo em matéria tributária” (n.º 1) e que: “A DGCI prossegue as seguintes atribuições: a) Assegurar a liquidação e cobrança dos impostos e outros tributos que lhe incumbe administrar” (al. a) do n.º 2)), verifica-se, pois, que a decisão regulamentar subjacente à Portaria n.º 112-A/2011 circunscreveu a vinculação à arbitragem tributária da AT às competências respeitantes aos impostos por esta administrados.
  3. Deste modo, os “certos domínios de conflituosidade com a Administração fiscal” (para utilizar uma formulação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 435/2016, n.º 11.3.1) em que é possível a arbitragem tributária restringem-se à figura jurídico-tributária dos impostos, não abrangendo toda a multímoda realidade dos tributos a que se reporta em termos gerais o art. 2.º, n.º 1 do RJAT com as referências a “actos de liquidação de tributos” ou “à liquidação de qualquer tributo”, onde se compreende, conforme disposto no art. 3.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (cfr. igualmente art. 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária - LGT), “os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas”.
  4. Perante o enunciado constante do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, que restringe a vinculação aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD “que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos”, conclui-se que o presente Tribunal Arbitral constituído no âmbito do CAAD apenas possui competência para apreciar pretensão indicada no artigo 2.º do RJAT, na medida estrita em que o pedido de pronúncia arbitral respeite a imposto cuja administração esteja cometida à AT.
  5. Não se ignora, porém, como, aliás, logo invocado pela Requerente na resposta às excepções apresentada (vd. supra n.º 5.2.2, bem como arts. 92.º a 97.º da referida resposta), que decisões de tribunais arbitrais tributários do CAAD afirmaram a respectiva competência material para apreciação de pretensões relativas a tributos que não constituam impostos, incluindo já quanto à própria CSB. Assim, a decisão arbitral proferida no processo n.º 139/2017-T relativo a liquidação de CSB (respectivo n.º 25), seguindo integralmente o entendimento adoptado no acórdão proferido no processo n.º 312/2015-T, respeitante à Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, entendeu que “face ao teor literal e à articulação sistemática dos preceitos em causa”, se “algum sentido se pode atribuir à interpretação literal-sistemática dos preceitos é o de que a referência a “impostos” em vez de “tributos” no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, seguida da remissão expressa para o n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e da enunciação expressa de um conjunto de excepções, indicia que o ‘legislador’ da Portaria não teve a intencionalidade restritiva que a AT invoca, pois se assim fosse teria feito alusão expressa a essa restrição no leque das alíneas que contemplam as excepções” e “convocados os elementos teleológico e racional da interpretação jurídica também não apontam no sentido de uma tal restrição, mas apenas para a “limitação do âmbito de vinculação da AT através da titularidade dos poderes para administrar os tributos”, sendo esse, de resto, o limite lógico da vinculação – não abrangendo a restrição assim os relacionados com “contribuições” também por ela liquidadas”, sendo que “o procedimento de liquidação e cobrança da CSB, mesmo que a consideremos inserida na categoria jurídica de “contribuições” em nada se distingue, na sua natureza e estrutura, do dos “impostos”, já que a AT atua como se de impostos se tratasse”, a que se acrescentou ainda que: “A inexistência de uma referência expressa no texto do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 a esse tipo de tributos dever-se-á apenas ao facto de, à data, ainda não se encontrar atribuído à administração da AT qualquer tributo com tais características”, concluindo-se, então, que: “o âmbito da arbitrabilidade abrange, como decorre da interpretação conjugada dos artigos 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, a apreciação das pretensões relativas a tributos cuja administração esteja cometida à AT, com excepção dos casos enunciados nas alíneas do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011  ̶  abrangendo, portanto, também as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas. Consequentemente, e uma vez que a CSB é um tributo administrado pela AT, cujo procedimento de liquidação e cobrança é estruturalmente idêntico ao dos impostos, o tribunal arbitral é competente para dirimir o presente litígio, independentemente de este tributo vir a ser qualificado como contribuição ou como imposto”. A posição assim perfilhada por esta decisão do processo n.º 139/2017 foi integralmente subscrita pelo acórdão proferido no processo n.º 437/2017-T, também incidente sobre a CSB, no qual o respectivo Tribunal declarou não ter “razões para divergir do entendimento ali traçado”.
  6. Recenseada a argumentação configurada em decisões arbitrais para instituir a competência de Tribunais arbitrais do CAAD quanto à cognição de litígios relativos a tributos não reconduzíveis a impostos a que faz apelo a Requerente na resposta às excepções (vd. arts. 92.º e 93.º), entende-se que a mesma não pode ser acolhida.
  7. Desde logo, como já decorre do acima convocado nos n.ºs 31 e 32, afigura-se que se há algo que revela a articulação sistemática do art. 2.º do RJAT e do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é a clara finalidade delimitativa-restritiva dos termos da vinculação estabelecida por este último preceito. Com efeito, os enunciados regulamentares do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 evidenciam que, no círculo circunscrito pelo art. 2.º do RJAT (as pretensões “referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro”), a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD concerne, primariamente, como consigna o corpo do artigo, unicamente à apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida e, depois, dentro deste âmbito dos impostos que a AT administra, não compreende, como decorre da referência à excepção constante da parte final do corpo do preceito, as pretensões  enumeradas nas diversas alíneas desse artigo.
  8. Pode mesmo dizer-se que a articulação “literal-sistemática” de todos os dispositivos legais ou regulamentares respeitantes à arbitragem tributária revela claramente, na sua sucessão ou encadeamento, uma “intencionalidade restritiva”. Repare-se, na verdade, que:

- o art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo “a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária” (n.º 1), admitiu o processo arbitral tributário como um “meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (n.º 2);

- o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, como se escreveu, por exemplo, no acórdão proferido no processo n.º 232/2017-T, “concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando designadamente uma competência alternativa à da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art.º 2.º” fazendo depender a vinculação da administração tributária de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”; vd. também o acórdão proferido no processo n.º 478/2014-T: “O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), emitido ao abrigo daquela autorização legislativa, limitou as competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a algumas das que estão previstas no Código de Procedimento e de Processo Tributário para o processo de impugnação judicial, designadamente a impugnação de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e de actos de fixação da matéria tributável e de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais./ Ficaram, assim, fora das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todas as restantes competências atribuídas aos tribunais tributários, inclusivamente as que derivam da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, prevista no 145.º do CPPT, que o Governo estava autorizado a incluir, mas não incluiu, no âmbito da arbitragem tributária./ Assim, o âmbito dos processos arbitrais tribunais define-se pelo âmbito o processo de impugnação judicial, com as limitações que resultam dos termos do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, pois não se incluem neste artigo várias das competências dos tribunais tributários referidas no artigo 97.º, n.º 1, do CPPT que são exercidas através do processo de impugnação judicial”.

- por fim, pela Portaria n.º 112-A/2011 estabeleceu-se a vinculação dos serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, actualmente a AT, à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, apenas no âmbito resultante do referido nos respectivos arts. 2.º e 3.º.

  1. Precisamente, o teor verbal do art. 2.º da Portaria de Vinculação – e é bem sabido que, por força do n.º 2 do art. 9.º do Código Civil, nas expressivas e conhecidas palavras de OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 13.ª ed., Coimbra, 2005, p. 396, “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer isto dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito. Os seus possíveis sentidos dão-nos como que um quadro muito vasto, dentro do qual se deve procurar o entendimento verdadeiro da lei. Para além disto, porém, não se estaria a interpretar a lei mas a postergá-la, chegando-se a sentidos que não encontrariam no texto qualquer apoio” – é claro em fixar, como já acima se assinalou (n.ºs 33 a 37), que a vinculação realizada apenas abarca pretensões relativas a impostos cuja administração esteja cometida à AT, pelo que não se considera juridicamente adequado sustentar, em face do elemento gramatical em apreço e de uma correspondente interpretação declarativa, que uma referência específica a impostos deva afinal ser percebida como alcançando qualquer outra figura (taxa ou contribuição) enquadrada na categoria vasta do tributo (art. 3.º, n.º 2 da LGT). Tal entendimento esvazia de conteúdo o enunciado restritivo e a intenção delimitativa da Portaria de Vinculação.
  2. Julga-se, aliás, que a demonstração de que a argumentação apresentada em favor da ausência de uma limitação das pretensões arbitráveis em razão do tipo de tributo (imposto) carece de um mínimo assento na letra da lei, não cumprindo, pois, com os cânones da hermenêutica jurídica, se evidencia pelo antilogismo gramatical que resultaria da consagração regulamentar que se defende ser indispensável. Com efeito, sustenta-se, para fundamentar que o “legislador” da Portaria não teve uma intencionalidade restritiva, que “se assim fosse teria feito alusão expressa a essa restrição no leque das alíneas que contemplam as excepções” (vd. acima n.º 38). Sucede que a formulação do art. 2.º da Portaria de Vinculação com tal “alusão expressa” traduzir-se-ia numa redacção verdadeiramente esdrúxula do seguinte tipo: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes: (...) e) Pretensões relativas a tributos que não sejam impostos.”. Tal enunciação pleonástica e, como tal, desnecessária e irrelevante, não é sequer configurável na correcta organização formal de um artigo que se compõe de proémio e de alíneas.
  3. Mas, sobretudo, cabe destacar, quanto à ratio da regulamentação em apreço, que aquilo de que se trata na Portaria n.º 112-A/2011, como também já acima se referiu (n.º 31), e que constitui a finalidade que lhe está subjacente conforme decorre do art. 4.º do RJAT, é a determinação, pelo Governo, do âmbito da vinculação da AT à arbitragem tributária, o que pressupõe uma decisão regulamentar a concretizar, em termos mais ou menos restritivos, dentro, evidentemente, dos limites lógicos e mesmo ontológicos dos poderes existentes para a administração dos tributos por parte da AT, pois seria inimaginável uma delimitação em relação a poderes/competências que tal serviço não possui.
  4. Pois bem, admitir (isto é, assumir), fora dos enunciados verbais e taxativos da Portaria n.º 112-A/2011, uma competência jurisdicional para apreciar litígios sobre realidades tributárias que não foram mencionadas e explicitadas, é desconsiderar o valor próprio dessa Portaria como instrumento para a expressão da vontade pública de submeter, em certos termos (arts. 2.º e 3.º), determinados serviços administrativos à arbitragem tributária e, logo, o círculo da vinculação especificamente manifestado à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no centro de arbitragem institucionalizado que é o CAAD, com o que se substitui uma opção pública pelo entendimento particular do tribunal arbitral. Impõe-se, antes, respeitar o texto da Portaria, evitando qualquer auto-atribuição de competência jurisdicional não prevista legal e regulamentarmente. A competência de um tribunal arbitral do CAAD não se pode ter nunca como auto-realizável pelo próprio tribunal e pelas partes, mas depende de modo rigoroso da exata aplicação das regras legais e regulamentares que balizam a vinculação do organismo administrativo à jurisdição arbitral. Ultrapassar o âmbito objetivo e subjetivo da arbitragem tributária que decorre dos enunciados linguísticos do RJAT e da Portaria de Vinculação significaria impor à AT uma resolução de litígios por particulares que a lei, direta ou indiretamente, não possibilitou e para que o Estado não se vinculou mediante a indispensável tomada de posição expressa.
  5. A título complementar, não se pode também deixar de notar que, nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 139/2017-T e 312/2015-T, não é acertada a invocação, para sustentar aquela posição de competência dos tribunais arbitrais tributários para conhecer de questões relativas a contribuições financeiras, do artigo de SÉRGIO VASQUES/CARLA CASTELO TRINDADE (2013), “O âmbito material da arbitragem tributária”, Cadernos de Justiça Tributária, n.º 00 (Abril/Junho 2013), pp. 24-25, porquanto o que estes Autores escreveram, a tal propósito, foi o seguinte:

“Em face desta redacção são duas as consequências que podemos assacar: i) que o âmbito material da arbitragem se resume à análise de questões relativas a impostos, não sendo, portanto, susceptíveis de recurso à arbitragem, porquanto fogem aos termos de vinculação da administração tributária questões relativas a taxas e contribuições; e ii) que o âmbito material da arbitragem se resume à análise de questões relativas aos impostos que sejam administrados pela DGCI e pela DGAIEC – hoje Autoridade Tributária e Aduaneira -, ficando então de fora os impostos administrador pela Região Autónoma da Madeira ou por outras entidades que não a Autoridade Tributária e Aduaneira”.

“(...) pese embora os limites entres estas três categorias [impostos, taxas e contribuições], reconhecidas pela Constituição da República no seu art. 165.º, venham sendo postos à prova ao longo dos últimos anos devido à multiplicação de figuras como os tributos ambientais, as taxas de regulação económica ou as licenças transacionáveis, o certo é que a Portaria de Vinculação se nos apresenta clara. A administração tributária vincula-se unicamente a litígios que se prendam com impostos deixando portanto de fora as questões relacionadas com taxas e com contribuições”.

“(...) fora do âmbito da arbitragem ficarão as discussões relacionadas com as taxas, designadamente com as taxas de regulação económica, com as taxas licença, com as tarifas, com os chamados preços públicos e com as contribuições, estando portanto sujeitas à jurisdição arbitral questões que se prendam com a discussão da (i)legalidade dos impostos”.

  1. Esta posição é, aliás, exposta em vários locais, como se pode facilmente documentar, o que revela que a doutrina, diferentemente do que se entendeu naquelas duas decisões arbitrais dos processos n.ºs 139/2017-T e 312/2015-T, sustenta fundadamente que, em face dos textos legais e regulamentares aplicáveis, só estão compreendidas na arbitragem tributária as pretensões respeitantes a impostos (e com as excepções consagradas nas alíneas do art. 2.º da Portaria de Vinculação) e já não, portanto, as pretensões relativas a outras espécies tributárias pela AT administradas, como sejam as “contribuições”.
  2. Assim, CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Coimbra, 2016, p. 78 refere o seguinte: “Em face desta redação [do art. 2.º da Portaria de Vinculação] são duas as consequências que se  podem retirar: – o âmbito material da arbitragem resume-se à análise de questões relativas a impostos, não sendo portanto suscetíveis de recurso à arbitragem, porquanto fogem aos termos da vinculação da administração tributária, questões relativas a taxas e contribuições; e – o âmbito material da arbitragem resume-se à análise de questões relativas a impostos que sejam administrados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ficando então de fora os impostos administrados pela Região Autónoma da Madeira ou administrados por outras entidades que não a Autoridade Tributária e Aduaneira.
  3. No mesmo sentido, escrevem NUNO VILLA-LOBOS/TÂNIA CARVALHAIS PEREIRA, “A natureza especial dos tribunais arbitrais tributários” in RIAC, n.º 7 (2014), p. 100: “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a AT se vinculou àquela jurisdição, através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março”; “A Portaria prevê, essencialmente, uma delimitação negativa da vinculação da AT à arbitragem tributária, restringindo-a, desde logo, aos “impostos cuja administração lhes esteja cometida”. Assim, em face do disposto no corpo do artigo 2.º da Portaria, ficam, desde logo, de fora do âmbito da vinculação todos os tributos distintos dos impostos [em nota 41 deste artigo, referencia-se mesmo “taxas e contribuições”], e destes todos aqueles cuja administração não esteja cometida à AT”.
  4. Diga-se, ainda, que a orientação interpretativa assumida pela decisão arbitral proferida no processo n.º 312/2015-T, e seguida nemine discrepante pela decisão proferida no processo n.º 139/2017-T quanto à liquidação da CSB (respectivo n.º 25), já foi mesmo objecto de crítica incisiva na doutrina – escreveram, a seu propósito, SERENA CABRITA NETO/CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso tributário, vol. II, Coimbra, 2017, pp. 439 e seguintes, o seguinte: “não deixa de surpreender que o tribunal arbitral tributário ali constituído se tenha desprendido de tal forma da letra da Portaria ao ponto de concluir que onde a Administração se refere a “impostos” quis também incluir todos os restantes tributos, até porque, refere-se ali, “o procedimento de liquidação e cobrança dessas “contribuições” em nada se distingue, na sua natureza e estrutura, do dos impostos”; “não andou bem aquele tribunal arbitral, ferindo, aliás, aquela decisão de nulidade por vício de incompetência. Como se sabe, o intérprete não pode considerar um pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9º, n.º 2 do CC). O legislador, no RJAT, referiu-se a tributos. A Administração, na Portaria de Vinculação, referiu-se a impostos. Não há razões para crer que o Governo se tenha “equivocado” querendo submeter à arbitragem os restantes tributos”; “O tribunal arbitral ali constituído entendeu que seria necessária menção expressa a esse tipo de tributos para que se pudesse considerar a sua inarbitrabilidade. Este entendimento não pode prevalecer sob pena de descredibilizar, por completo, qualquer interpretação a contrario das normas legais. De facto, se unanimemente se aceitam três tipo de tributos – impostos, taxas e contribuições -, quando a Administração diz que são arbitráveis os impostos está, obviamente, a excluir os restantes dois”.
  5. Por todos estes motivos, conclui-se que o âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais tributários do CAAD abrange unicamente, como decorre da interpretação conjugada dos arts. 2.º do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração esteja cometida à AT, não abrangendo, portanto, as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas.
  6. Consequentemente, o Tribunal Arbitral só possui competência para dirimir o presente litígio atinente à CSB caso este tributo deva ser qualificado como imposto e não como contribuição.

 

  1. Qualificação jurídica da Contribuição sobre o Sector Bancário

 

  1. As categorias tributárias do imposto e da contribuição financeira. Considerações de enquadramento

 

  1. Em face do que se acabou de referir, cabe agora enfrentar a qualificação jurídica desta espécie tributária da CSB, para o que se deve ter presente a tipologia dos tributos que separa entre impostos, contribuições especiais (tradicionais), contribuições financeiras, e taxas. Recorde-se que esta tipologia encontra-se reflectida, em moldes não inteiramente coincidentes, no actual art. 165.º, n.º 1 da CRP, cuja al. i) coloca na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República a “criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”, e nos arts. 3.º e 4.º da LGT, em que o primeiro indica apenas as classificações de tributos (“a) Fiscais e parafiscais; b) Estaduais, regionais e locais” (n.º 1); que “compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (n.º 2)) e remete o regime geral das taxas e contribuições financeiras para lei especial (n.º 3), regime geral esse consabidamente ainda inexistente (se descontarmos o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais aprovado pela Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro), e o segundo explicita, nos seus três números, os pressupostos dos impostos, taxas e contribuições especiais (sendo que, neste último caso, também estatui uma disciplina), a saber: “Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”; “As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”; “As contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são consideradas impostos”.
  2. Conforme acima se descreveu, o litígio entre as partes, quanto à qualificação tributária da CSB, traduz-se em a Requerente considerar que se trata de um imposto de receita consignada (vd. supra n.ºs 3.5, 5.2.1, 5.2.2) e a Requerida entender que se trata de uma contribuição financeira (vd. supra n.ºs 4.2.1 e 4.2.2). Estando fora de cogitação outras possibilidades conceptuais, é neste âmbito distintivo entre imposto e contribuição financeira que importa centrar o exame da CSB.
  3. Para esta distinção, não se deixe imediatamente de dizer, não oferece utilidade o citado art. 4.º, n.º 3 da LGT, disposição que, “com boa dose de anacronismo”, se reporta às contribuições especiais tradicionais e não às modernas contribuições, “figuras muito mais importantes entre as taxas e os impostos do que as contribuições especiais da tradição, sendo a percepção disto que levou à alteração do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da [CRP], aquando da revisão de 1997, e à autonomização constitucional das “contribuições financeiras”” (cita-se SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Coimbra, 2018, p. 257; vd. igualmente pp.  270 e segs.). Com efeito, a extensão das contribuições especiais (os casos a que se referem) tal como se descreve no n.º 3 do art. 4.º da LGT, que se centra essencialmente na ideia de contrapartida de custos ou benefícios reflexos (contribuições de melhoria e contribuições por maiores despesas), separa estas contribuições especiais tradicionais das modernas contribuições financeiras, pelo que a compreensão destas últimas (as notas que as caracterizam) tem que ser alcançada com independência.
  4. Pois bem, a autonomização e diferenciação das categorias tributárias do imposto e da contribuição financeira, exigida pela citada previsão do art. 165.º, n.º 1, al. i) da CRP, encontra-se já devidamente realizada pelo Tribunal Constitucional, pelo que importa dar conta da jurisprudência pertinente, que constitui o “Direito vivente” nesta matéria.
    1. Convoque-se, em primeiro lugar, o acórdão n.º 365/2008 (vd. também, na sua esteira, sobre a mesma espécie tributária aí apreciada, os acórdãos n.ºs 613/08 e 261/09) que assinalou o seguinte sobre estas figuras (omitem-se as citações):

O imposto, enquanto prestação unilateral, não corresponde a nenhuma contraprestação específica atribuída ao contribuinte por parte do Estado; ele terá apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais.

Ao carácter unilateral da prestação de imposto contrapõe-se a natureza sinalagmática das taxas.

A sinalagmaticidade que caracteriza as quantias pagas a título de taxa só existirá quando se verifique uma contrapartida resultante da relação concreta com um bem semipúblico, que, por seu turno, se pode definir como um bem público que, satisfaz, além de necessidades colectivas, necessidades individuais (...).

Mas, fugindo a esta divisão dicotómica dos tributos, tem sido apontada a existência de outras figuras marginais designadas como tributos parafiscais (artigo 3.º, n.º 1, a), da Lei Geral Tributária), nos quais se incluem, com especial visibilidade, as contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas colectivas públicas não territoriais, que resultam numa verdadeira consignação subjectiva de receitas (...). A criação de tais contribuições a favor de determinadas pessoas colectivas públicas distintas da Administração estadual, regional ou local, visam o seu sustento financeiro, escapando à disciplina jurídica clássica, como forma de evitar o crescimento do défice das contas públicas e contornar a rigidez do regime dos impostos, através da previsão de meios financeiros mais dúcteis”.

“Conforme resulta da consulta dos trabalhos parlamentares da Revisão Constitucional de 1997, a referência às contribuições financeiras constante da alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da C.R.P., procurou abranger precisamente o mencionado tertium genus, incluindo as contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas colectivas públicas não territoriais. Conforme, nessa altura, esclareceu o deputado Vital Moreira: “a expressão "contribuições financeiras" foi aquela que se encontrou para ser mais neutra, para não se falar em contribuições especiais, em contribuições parafiscais, que é aquilo a que a doutrina normalmente se refere: são as chamadas taxas dos antigos institutos de coordenação económica, as actuais chamadas taxas das comissões vitivinícolas regionais ou seja, toda uma série de contribuições financeiras que não são taxas em sentido técnico mas que são contribuições criadas para e a favor de determinadas entidades reguladoras e para sustentar financeiramente as mesmas. Penso que não devemos entrar nesta discussão teórica e por isso a escolha da expressão "contribuições financeiras" foi aquela que se encontrou mais neutra para que a doutrina continue livre para fazer as suas discussões teóricas doutrinárias.”.

  1. Cite-se, depois, o acórdão n.º 152/2013:

o campo das receitas coativas do Estado foi durante muito tempo doutrinal e jurisprudencialmente pautado por uma visão dicotómica, nos termos da qual haveria que reconduzir a receita em causa, para efeitos de apuramento do cumprimento das exigências associadas ao princípio da reserva de lei, à categoria das taxas ou à categoria dos impostos. Pois bem, é sobejamente reconhecido que a diferenciação entre imposto e taxa reside na unilateralidade ou bilateralidade dos tributos: o imposto tem uma estrutura unilateral, enquanto a taxa apresenta uma estrutura bilateral ou sinalagmática. Esta estrutura bilateral deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduz e que consiste ou na prestação de um serviço público, ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à atividade dos particulares (as chamadas “taxas de licença”)”; “A revisão constitucional de 1997 contribuiria decisivamente para o claudicar da visão dicotómica enunciada, lançando no quadro das receitas coativas o “tertium genus” que as demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas indiscutivelmente representa”.

“Alguma doutrina evidencia o caráter “híbrido” desta terceira espécie, que se aproxima dos impostos - em função da ausência de uma contrapartida individualizada – mas também das taxas – já que visa retribuir o serviço prestado por uma entidade pública a um conjunto homogéneo de entidades – reconduzindo-se, nessa medida, ao conceito de parafiscalidade [assim, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 2007, p. 1094; e também CARDOSO DA COSTA, «Sobre o princípio da legalidade das “taxas” e (e das demais contribuições financeiras», Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no Centenário do seu Nascimento, Coimbra Editora, 2006, p. 805].

Trata-se, porém, de uma categoria dotada de grande heterogeneidade, onde, para alguns, cabem figuras tão díspares como as contribuições para a segurança social, as taxas de regulação económica, os tributos associativos devidos às ordens profissionais e até os modernos tributos ambientais e impostos especiais pelo consumo (SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, cit., p. 223 e ss.). Para outros, as contribuições financeiras ligam-se a três tipos de tributos: as contribuições financeiras propriamente ditas, que valem como “instrumentos de financiamento de novos serviços de interesse geral”, as contribuições parafiscais, que se destacam como “instrumento de financiamento de novas entidades administrativas cuja atividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários”, e ainda as contribuições extrafiscais, que servem como “instrumentos de orientação de comportamentos” (neste sentido, SUZANA TAVARES DA SILVA, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª ed., no prelo, pp. 78 e ss.)”.

  1. No acórdão n.º 80/2014 esta temática foi mais amplamente desenvolvida nos termos que se passam a transcrever (as citações são omitidas):

pode dizer-se que o imposto consiste numa contribuição imposta pelo poder público a todos ou a uma certa categoria de pessoas, destinada a financiar o Estado e as funções públicas em geral. Trata-se de uma prestação pecuniária unilateral, uma vez que não tem como contrapartida uma qualquer contraprestação específica atribuída ao contribuinte por parte do Estado, mas apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais.

Ao caráter unilateral do imposto contrapõe-se a natureza bilateral ou sinalagmática da taxa. Esta traduz-se na contrapartida de um serviço específico prestado pelo Estado (ou por outra pessoa coletiva pública ou dotada de poderes públicos) ou da vantagem decorrente da utilização individual de um bem público ou do prejuízo causado a um bem coletivo (...). A sinalagmaticidade que caracteriza as quantias pagas a título de taxa só existirá quando se verifique uma contrapartida resultante da relação concreta com um bem semipúblico, que, por seu turno, se pode definir como um bem público que satisfaz, além de necessidades coletivas, necessidades individuais (...). Atualmente, podemos encontrar no artigo 4.º, n.º 2, da LGT (...) a previsão dos factos que poderão dar lugar à cobrança de taxas, as quais assentam “na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo ao comportamento dos particulares”.

No entanto, o sistema fiscal português conhece uma grande variedade de outras figuras tributárias que não se acomodam facilmente às categorias de taxa ou de imposto. Daí que, fugindo a esta divisão dicotómica, alguma doutrina tenha começado a apontar a existência de uma categoria intermédia de tributos, na qual se enquadram outras figuras marginais designadas como tributos parafiscais (cfr. artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da Lei Geral Tributária).

Não obstante a existência destas figuras tributárias no sistema fiscal português, o próprio texto constitucional anterior à revisão operada em 1997, ao estabelecer a reserva de lei parlamentar em matéria fiscal, consagrava no artigo 168.º (atual artigo 165.º) uma marcada distinção entre os impostos e as demais categorias tributárias, convidando a uma representação dicotómica dos tributos.

Assim, para efeitos de reserva de lei parlamentar, a doutrina e a jurisprudência distinguiam entre impostos (abrangidos pela reserva de lei parlamentar) e taxas (não sujeitas a tal reserva) e procuravam equiparar os apelidados tributos parafiscais à categoria dos impostos ou à das taxas, para concluírem se a sua criação estava ou não sujeita ao princípio da reserva de lei formal (...).

A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, por seu turno, foi firmando, aliás, o entendimento no sentido de alargar a noção constitucional de imposto e da reserva de lei parlamentar a todos os tributos que não possam rigorosamente dizer-se taxas, por forma a prevenir que o legislador subvertesse a distribuição constitucional de competências, lançando mão de tributos que, não sendo verdadeiramente unilaterais, não chegam no entanto a ser taxas. Podemos encontrar exemplos desse entendimento em diversos acórdãos sobre as antigas taxas de regulação económica, em que o Tribunal Constitucional admite a sua equiparação aos impostos, pelo menos, para efeitos da reserva de lei parlamentar. (...)

Contudo, com a revisão constitucional de 1997, a alteração introduzida na redação da alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da Constituição (anterior alínea i), do n.º 1, do artigo 168.º), veio obrigar a uma reformulação dos pressupostos da discussão sobre esta matéria.

Onde anteriormente o artigo 168.º, n.º 1, alínea i), da Constituição dizia que “é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…) i) Criação de impostos e sistema fiscal (…)” passou a constar que “é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…) i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas (…)”.

Conforme resulta da consulta dos trabalhos parlamentares da Revisão Constitucional de 1997, a referência às contribuições financeiras constante da alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da Constituição, procurou abranger precisamente o mencionado tertium genus.

Assim, para efeitos de submissão dos diversos tipos de tributo ao princípio da reserva de lei formal, a nova redação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, passou a fazer referência a três espécies tributárias, autonomizando a categoria das “contribuições financeiras” a par das taxas e dos impostos, continuando estes sujeitos à reserva da lei formal, enquanto, relativamente às taxas e às contribuições financeiras, apenas a definição do seu regime geral terá que respeitar a reserva de lei parlamentar.

Com esta alteração deixou de fazer qualquer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei formal”.

  1. Justifica-se, por último, citar o acórdão n.º 539/15, que procedeu, em termos mais precisos, à caracterização desta trilogia de categorias tributárias (caracterização esta que foi, por último, também acolhida no acórdão n.º 418/2017, onde se pode encontrar ainda a recensão da jurisprudência constitucional antecedente sobre esta temática):

O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4º, nº 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, criada por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4. nº 2, da Lei Geral Tributária).

A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, «a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte» (SÉRGIO VASQUES, em “Manual de Direito Fiscal”, pág. 207, ed. 2011, Almedina).

Entretanto, a revisão constitucional de 1997, introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto [artigo 165º nº 1, alínea i)]. As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de uma atividade administrativa) (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4ª ed., Coimbra Editora).

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, SÉRGIO VASQUES, ob. cit., pág. 221, e SUZANA TAVARES DA SILVA, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2ª edição, Coimbra Editora”).

  1. Destaque-se que este quadro conceptual e, logo, a caracterização de uma certa figura tributária como contribuição financeira por oposição a imposto, assume imediata relevância regulativa em atenção, precisamente, ao disposto no citado art. 165.º, n.º 1, al. i) da CRP, do qual resulta prima facie que apenas o regime geral das contribuições financeiras está sujeito à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República e não a criação individualizada, com a sua disciplina particular, de cada espécie de contribuição financeira.
  2. A este respeito, o discurso jurídico que tem vindo a ser estruturado pelo Tribunal Constitucional tem como ponto de partida a proposição segundo a qual: “Se quanto aos “impostos”, é fixada uma reserva de competência legislativa parlamentar quanto à respectiva criação, já quanto às “contribuições financeiras a favor das entidades públicas” apenas é exigível a fixação parlamentar do respectivo regime geral, aproximando-as, a final, do regime aplicável às “taxas” (que se pode encontrar no acórdão n.º 613/08), isto porquanto: “O legislador constitucional entendeu que a melhor maneira de enquadrar juridicamente as “contribuições financeiras a favor de entidades públicas”, sem perder agilidade na sua criação, era a de exigir a aprovação apenas de um regime geral pelo parlamento, não sendo necessária a intervenção deste na criação individual de tais tributos e na definição do seu regime em concreto”, pelo que “deixou de fazer qualquer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei formal. O princípio da legalidade, relativamente àquelas apenas exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais, comuns às diferentes contribuições financeiras, os quais devem estar presentes na criação específica de cada uma delas, o que já não necessita duma intervenção ou autorização parlamentar, enquanto que, relativamente a cada imposto, continua a exigir-se essa intervenção qualificada, a qual deve determinar a sua incidência, a sua taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes” (as citações antecedentes pertencem ao acórdão n.º 365/2008).
    1. Nesta base, no acórdão n.º 152/2013 considerou-se, em relação a uma contribuição financeira criada por lei do Parlamento em que se recortou suficientemente alguns dos seus elementos essenciais, que “a densificação, pelo Governo, através de Decreto-Lei simples e/ou de Portaria, de alguns dos seus elementos essenciais não consubstancia uma violação da alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da CRP” – como se elucidou no acórdão n.º 80/2014: “Num quadro de ausência de um regime geral das contribuições financeiras, o Tribunal Constitucional já tem admitido que atos legislativos do Governo criem este tipo de tributos, nas situações cobertas por legislação parlamentar que previamente define os seus elementos essenciais (v.g. Acórdãos n.º 365/08, 613/08, e 152/2013, (...)), considerando-se que isso é suficiente para se considerarem atingidos os objetivos constitucionais visados com a exigência de um regime geral das contribuições financeiras a favor de entidades públicas, uma vez que não deixa de existir uma intervenção dos representantes diretos do povo na definição dos princípios e das regras elementares respeitantes aos elementos essenciais do novo tributo”.
    2. Já no citado acórdão n.º 539/15 admitiu-se mesmo o seguinte:

“A revisão constitucional de 1997 ao prever a figura das contribuições financeiras como tributo, para efeitos de definição da competência legislativa, equiparou-a às taxas e distinguiu-a dos impostos. Enquanto a criação destes se manteve na reserva relativa da Assembleia da República, relativamente às taxas e às contribuições financeiras aí se incluiu apenas a previsão de um regime geral, ficando excluída da reserva parlamentar a criação individualizada quer de taxas quer de contribuições financeiras.

Não sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional, na ausência daquele regime, estender-se a competência reservada da Assembleia da República ao ato de aprovação de contribuições financeiras individualizadas, criando-se assim uma reserva integral de regime onde esta não existe.

Assim, a ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais”.

  1. Assim, no que concerne ao quadro jurídico-constitucional, há que distinguir, com clareza, o regime próprio a que obedece a criação de impostos por força do princípio da legalidade, em que a reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República impõe que a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes sejam objecto de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei autorizado (cfr. arts. 165.º, n.º 1, al. i) e 103.º, n.º 2 da CRP), e a disciplina das contribuições financeiras, para as quais não é necessária credencial parlamentar quanto à criação e regulação, pelo menos integral, de cada tributo específico, mas apenas em relação à fixação do regime geral de tal categoria tributária (isto a admitir a viabilidade normativa de tal regime geral único, pois, como se observou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 80/2014: “Aquele regime geral das contribuições financeiras, cuja definição compete à Assembleia da República, deve conter os seus princípios estruturantes, bem como as regras elementares respeitantes aos seus elementos essenciais comuns, sendo certo que é difícil imaginar que se consigam subordinar a um mesmo quadro normativo figuras tão diferentes quanto aquelas que se podem abrigar neste novo conceito intermédio. Daí que se preveja a necessidade de elaborar diferentes regimes gerais para cada um dos tipos destas figuras tributárias”).
  2. Visto isto, importa, então, assumir, para efeitos da qualificação de uma espécie tributária como a CSB, um quadro normativo-tipológico, de acordo com o qual, quando se verificar, em moldes decisivos, perante os seus traços típicos, em relação a um certo tributo, que o mesmo não se estrutura como uma prestação pecuniária unilateral, portanto, sem contrapartida em qualquer contraprestação específica atribuída ao sujeito passivo por parte do Estado, mas visa antes, em conformidade com a capacidade contributiva de cada um, a cobertura dos gastos gerais da comunidade, para o funcionamento dos serviços públicos, em cumprimento de um dever fundamental de cidadania, como sucede com os impostos, nem se configura como a retribuição de um serviço especificamente prestado por uma entidade pública ao sujeito passivo ou da utilização individual de um bem público ou da remoção de um limite a um certo comportamento, como sucede com as taxas, mas se dirige à “compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica”, como sucede quando “a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários” ou quando “a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir” (citado acórdão n.º 539/15), em ordem à “cobertura das despesas de pessoas colectivas públicas não territoriais, que resultam numa verdadeira consignação subjectiva de receitas” (citado acórdão n.º 365/2008), se depara com a categoria híbrida das contribuições financeiras (tributos paracomutativos ou parafiscalidade) “na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de uma atividade administrativa)” (citado acórdão n.º 539/15).
  3. Este quadro tipológico caracterizador dos impostos e das contribuições financeiras encontra-se igualmente, sem prejuízo de naturais diferenças analíticas, na doutrina. Assim, ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal. Lições, 2.ª ed., Coimbra, 2017, p. 30 escreve: “Os impostos são tributos de caráter unilateral, sem contraprestação pública direta e imediata que servem as necessidades financeiras gerais (princípio da não consignação orçamental)”. “E distinguem-se das contribuições especiais porque estas assentam numa sinalagma difuso (bilateralidade com externalidades), e também porque algumas contribuições especiais servem para satisfazer exclusivamente as necessidades financeiras de um grupo (princípio da consignação)”. SÉRGIO VASQUES, Manual... cit., pelo seu lado, depois de caracterizar o imposto como “prestação pecuniária, coactiva e unilateral, exigida por uma entidade pública com o propósito da angariação de receita” (p. 208) e as contribuições como “prestações pecuniárias e coactivas exigidas por uma entidade pública em contrapartida de uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo” (p. 255), refere que “as contribuições constituem uma categoria intermédia de tributos públicos, a meio caminho entre a taxa e o imposto, distinguindo-se, quer pelo seu pressuposto, quer pela sua finalidade. As taxas (...) visam compensar prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, constituindo por isso tributos rigorosamente comutativos. As contribuições, de modo diverso, visam compensar prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, constituindo, nessa medida, tributos simplesmente paracomutativos. Os impostos, por último, estão dissociados de qualquer prestação administrativa ou propósito compensatório, razão pela qual os podemos qualificar como tributos rigorosamente unilaterais” (p. 255). Elucida ainda este Autor: “as contribuições estão associadas a prestações com uma componente colectiva mais acentuada do que as taxas, isto é, a utilidades que não se podem facilmente imputar ao nível individual mas que podem ser imputadas com segurança a grupos determinados, operando como uma espécie de “taxas por estimativa”.”. ”As “contribuições financeiras a favor das entidades públicas” a que se refere o art. 165.º da Constituição surgem por isso como “taxas colectivas” (...) querendo isto dizer, de um ponto de vista jurídico, que elas assentam em prestações cuja provocação ou aproveitamento se podem dizer seguros quando referidos ao grupo mas apenas prováveis quando referidos aos indivíduos que o integram. As contribuições não dão corpo a uma troca entre o sujeito passivo e a administração, tal como as taxas, mas a uma troca entre a administração e o grupo em que o sujeito passivo se integra” (pp. 256). AQUILINO PAULO ANTUNES, “Reflexões em torno da Contribuição Extraordinária de Solidariedade [2013 e 2014]” in RMP, 138 (Abril/Jun 2014), pp. 191 a 193, define a contribuição financeira como o tributo público que “se abate sobre um determinado grupo de sujeitos passivos, relativamente ao qual pode afirmar-se que beneficia da actividade pública ou provoca determinados custos à actividade pública, embora não se possa com segurança imputar determinada quota-parte desse custo ou beneficio a cada membro do grupo e também não seja obrigatório que todos os membros do grupo provoquem o custo ou obtenham o benefício./Pelo facto de se tratar de um tributo que se abate sobre um grupo que se sabe beneficiar ou provocar um custo da actividade pública, não se pode dizer que se trate de tributo rigorosamente unilateral. Reflexamente, por não poder afirmar-se que todos os membros do grupo provocam custos ou beneficiam da actividade pública e em que medida o fazem, também não se trata de um tributo rigorosamente bilateral”, assinalando ainda este Autor que “o que caracteriza as contribuições financeiras a favor das demais entidades públicas é o facto de (i) tratar-se de receitas próprias que se destinam ao financiamento a entidade pública não territorial a favor de quem são criadas; (ii) não se tratar de tributos unilaterais nem bilaterais; (iii) os mesmos tributos não assentarem na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade; e (iv) tratar-se de tributos incidentes sobre pessoas, singulares ou colectivas, geralmente sujeitas às atribuições da entidade beneficiária ou que com as mesmas apresentam determinada conexão”.
  4. Acrescente-se, ainda, pela sua relevância dogmática, que SUZANA TAVARES DA SILVA, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2008, pp. 48 a 53 e, na sua esteira, ANA PAULA DOURADO, ob. cit., p. 56 e CASALTA NABAIS, “Sobre o regime jurídico das taxas” in Estudos de Direito Fiscal, vol. IV, 2015, p. 295, consideram que estas contribuições podem enquadrar-se em três modalidades fundamentais: i) contribuições destinadas a financiar serviços de interesse geral que determinam um beneficio concreto imputável a conjunto diferenciável de destinatários, mas com externalidades positivas (ex. prevenção de riscos naturais) – contribuições especiais financeiras; ii) contribuições que financiam entidades administrativas concretas cuja actividade beneficia ou se destina a um grupo homogéneo de destinatários (ex. taxas de financiamento das entidades reguladoras) – contribuições especiais parafiscais; iii) contribuições, com finalidades extrafiscais puras, destinadas a modelar e orientar condutas que envolvem riscos acrescidos ou esforço especial sobre recursos naturais ou bens comuns ou colectivos – contribuições orientadoras de comportamentos ou contribuições especiais extrafiscais.

 

 

  1. Aplicação ao caso: a natureza jurídica da CSB

 

  1. Na posse destes elementos de caracterização das espécies tributárias do imposto e da contribuição financeira, segue-se, agora, elucidar a questão da natureza jurídica da CSB, o que, como se disse, é essencial, não apenas para o julgamento do mérito, mas, antes de mais nada, para aferir a própria competência material deste Tribunal Arbitral que respeita exclusivamente, como acima se estabeleceu (n.ºs 28 a 51), a pretensões relativas a impostos e já não a pretensões relativas a contribuições financeiras.
  2. Apresente-se, primeiramente, a arquitectura normativa conferida à figura sub specie, de modo a verificar a sua estrutura, configuração objectiva e subjectiva e finalidade tributárias. Naturalmente, não obstante a denominação “contribuição” escolhida pelo legislador, é indispensável atender à regulação disposta, porquanto, como se referiu, por exemplo, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, “a caracterização de um tributo (...) há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o nomen juris atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo”. O desenvolvimento de uma tarefa de qualificação e a recondução de uma certa espécie impositiva à categoria tributária que lhe compete depende sempre do regime jurídico que vale para a figura concreta em causa.
  3. Deve-se, de qualquer modo, advertir que sempre que estão em jogo figuras híbridas, dotadas de complexidade intrínseca – como sucede, na sua raiz, com as contribuições financeiras –  a qualificação não se pode desenrolar mediante o clássico processo de subsunção da realidade à categoria abstracta em termos de perfeita e completa adequação, de tal sorte que se o quid considerado não couber no conceito aventado isso só significa que é outro conceito distinto o adequado. Antes, dado que se trata nas categorias tributárias do imposto, da taxa e da contribuição, como lembra SÉRGIO VASQUES (ob. cit., p. 205), de conceitos, não classificatórios, mas tipológicos, o processo de qualificação tem de se desenvolver, justamente, nesses moldes tipológicos, o que envolve operar nos termos de uma correspondência substancial da realidade considerada a um certo tipo tributário. Em tal contexto, a qualificação aparece como um juízo predicativo que tem como objecto uma certa figura concreta e como conteúdo a correspondência dessa figura concreta a um certo tipo, podendo variar o grau e modo de ser dessa correspondência, pelo que não se pressupõe uma correspondência exacta e integral entre a realidade concreta e o tipo, mas antes a correspondência entre o caso e o tipo é graduável e pode ser maior ou menor, pois “o juízo predicativo é um juízo que opera com base na semelhança” e esta “é sempre uma qualidade intermédia entre identidade e diferença e, como tal, comporta em si uma zona de igualdade e uma zona de desigualdade” (recorre-se à análise desenvolvida, a propósito dos tipos contratuais, por PAIS DE VASCONCELOS, Contratos atípicos, Coimbra, 1995, pp. 160-161 e 164 e segs.; as citações são da p. 167).
  4. Feita esta advertência metódica, diga-se, seguidamente, que, para efeitos da indicada qualificação tipológica, compete, evidentemente, atender à normatividade aplicável ratione temporis à data dos factos, isto é, em 30 de Junho de 2016, que corresponde à data da concretização pela Requerente da autoliquidação da CSB, bem como, aliás, do seu pagamento (cfr. supra, em sede de factos provados, pontos 17.1.9 e 17.1.10). Desta forma, dadas as alterações legislativas e regulamentares acima recenseadas no n.º 26, tem-se aqui em ponderação o regime prescrito pelo art. 141.º da Lei n.º 55-A/2010, com a última redacção resultante do art. 185.º da Lei n.º 7-A/2016 (note-se que os artigos 238.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12 e 279.º da Lei n.º 114/2017, de 29.12 limitaram-se a manter em vigor a CSB respectivamente para os anos de 2017 e de 2018), e pela Portaria n.º 121/2011, de 30.3, na redacção resultante da Portaria n.º 165-A/2016, de 14.06.
  5. O regime jurídico da CSB (a seguir RJCSB), que consta do artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, estrutura-se por seis artigos que tratam da incidência subjectiva (art. 2.º), da incidência objectiva (art. 3.º), da taxa (art. 4.º), da liquidação (art. 5.º), do pagamento (art. 6.º) e do direito subsidiário (art. 7.º), prevendo o art. 8.º que: “A base de incidência definida pelo Artigo 3.º, as taxas aplicáveis nos termos do Artigo 4.º, bem como as regras de liquidação, de cobrança e de pagamento da contribuição são objecto de regulamentação por portaria do Ministro das Finanças, ouvido o Banco de Portugal”, a qual veio a ser a referida Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março, cujo art. 1.º consigna que: “A presente portaria tem por objecto a regulamentação da contribuição sobre o sector bancário estabelecida pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, bem como das suas condições de aplicação”.
  6. Principiando pela incidência subjectiva, dispõe o art. 2.º do RJCSB (repetido no art. 2.º da Portaria n.º 121/2011) que: “São sujeitos passivos da contribuição sobre o sector bancário: a) As instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração situada em território português; b) As filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efectiva da administração em território português; c) As sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português” (n.º 1), considerando-se como “instituições de crédito, filiais e sucursais as definidas, respetivamente, nas alíneas w), u) e ll) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro” (n.º 2), sendo que estas disposições do art. 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras caracterizam instituição de crédito como “a empresa cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria”, filial como “a pessoa coletiva relativamente à qual outra pessoa coletiva, designada por empresa-mãe, se encontre numa relação de controlo ou sobre a qual o Banco de Portugal considere que a empresa-mãe exerça uma influência dominante, considerando-se ainda que a filial de uma filial é igualmente filial da empresa-mãe de que ambas dependem” e sucursal como “o estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica e que efetue diretamente, no todo ou em parte, operações inerentes à atividade da empresa de que faz parte”.
  7.  Quanto à incidência objectiva, prevê o art. 3.º do RJCSB (repetido no art. 3.º da Portaria n.º 121/2011) que a CSB incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro, e republicado pelo Decreto-Lei n.º 142/2009, de 16 de junho.

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos”.

 

  1. Estas bases de incidência são regulamentadas pela Portaria n.º 121/2011 no seu art. 4.º que define:

i) no n.º 1 passivo como “o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros”, prevendo excepções quanto aos elementos reconhecidos contabilisticamente como capitais próprios que são explicitados no n.º 2 (“a) O valor dos fundos próprios, incluindo os fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, compreende os elementos positivos que contam para o seu cálculo de acordo com o disposto na Parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, tendo em consideração as disposições transitórias previstas na Parte X do mesmo Regulamento que, simultaneamente, se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior; b) Os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos”);

ii) no n.º 3 instrumento financeiro derivado como “o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com excepção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente”.

  1. No que respeita às taxas, o art. 4.º do RJCSB prevê que a taxa aplicável à base de incidência atinente ao passivo varia entre 0,01 % e 0,110 % em função do valor apurado e a taxa aplicável à base de incidência relativa ao valor dos instrumentos derivados varia entre 0,000 10 % e 0,000 30 % em função do valor apurado. A Portaria n.º 121/2011 (recorde-se, com a modificação efectuada por último pela Portaria n.º 165-A/2016) fixou, no entanto, a taxa respeitante ao valor apurado do passivo em 0,110% e a taxa respeitante ao valor dos instrumentos derivados em 0,00030%.
  2. Cabe ao sujeito passivo a liquidação da CSB através de declaração de modelo oficial (portanto, por autoliquidação), a qual deve ser enviada anualmente por transmissão electrónica de dados, até ao último dia do mês de Junho (art. 5.º do RJCSB e art. 5.º da Portaria n.º 121/2011), devendo o pagamento ser realizado, nos termos previstos no n.º 1 do art. 40.º da LGT, até ao último dia do prazo estabelecido para o envio da declaração, nos bancos, correios e tesourarias de finanças (art. 6.º do RJCSB e art. 6.º da Portaria n.º 121/2011).
  3. No que concerne à entidade beneficiária, a CSB constitui receita do Fundo de Resolução – segundo o art. 153.º-F do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (a seguir, RGICSF) o Fundo de Resolução possui como recurso próprio as “receitas provenientes da contribuição sobre o setor bancário” (al. a) do n.º 1). Tais receitas são entregues nos cofres do Estado, procedendo o Governo à sua transferência, “nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 153.º-F do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro”, para o Fundo de Resolução (cfr. art. 226.º, n.º 2 da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, na redacção da Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro). Nos termos de disposição específica do Plano de Contas próprio do Fundo de Resolução (cfr. art. 153.º-R do RGICSF), o reconhecimento contabilístico das receitas provenientes da CSB processa-se do seguinte modo: o montante das contribuições é reconhecido em recursos próprios aquando do seu apuramento por contrapartida de um valor a receber, o qual é anulado no momento da sua liquidação financeira (cfr., a este respeito, o Relatório n.º 05/2017 do Tribunal de Contas, Auditoria à Atividade do Fundo de Resolução-2015, Março de 2017, p. 19).
  4. Note-se, então, que o Fundo de Resolução, que foi criado pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, que funciona junto do Banco de Portugal (art. 153.º-B, n.ºs 1 e 2 do RGICSF; vd. igualmente art. 2.º, n.º 1 do Regulamento do Fundo de Resolução aprovado pelo art. 1.º da Portaria n.º 420/2012, de 21 de Dezembro), que tem como objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal, nos termos do disposto no artigo 145.º-AB do mesmo RGICSF, e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas (art. 153.º-C do RGICSF; vd. igualmente art. 2.º, n.º 2 do mencionado Regulamento do Fundo de Resolução), constituindo instituições obrigatoriamente participantes do Fundo as indicadas no n.º 1 do art. 153.º-D do RGICSF, a saber: “a) As instituições de crédito com sede em Portugal; b) As empresas de investimento que exerçam as atividades previstas nas alíneas c) ou f) do n.º 1 do artigo 199.º-A, com exceção do serviço de colocação sem garantia; c) As sucursais de instituições de crédito não compreendidas no artigo 48.º; d) As sucursais das instituições financeiras abrangidas pelo artigo 189.º e que exerçam as atividades previstas nas alíneas c) ou f) do n.º 1 do artigo 199.º-A, com exceção do serviço de colocação sem garantia; e) As sociedades relevantes para sistemas de pagamentos sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”.
  5. Explicitando mais em detalhe, em atenção ao determinado pelo art. 153.º-D e às remissões legais operadas por este preceito, as instituições participantes, de modo obrigatório, do Fundo de Resolução, conclui-se que as entidades em causa são as seguintes:

i) as instituições de crédito com sede em Portugal, portanto, as empresas cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria (art. 2.º-A, al. w) e art. 3.º do RGICSF), com excepção das caixas de crédito agrícola mútuo associadas da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, por força do disposto no n.º 2 deste mesmo art. 153.º-D;

ii) as empresas de investimento (art. 2.º-A, al. r) do RGICSF) que exerçam as atividades de negociação por conta própria de um ou mais instrumentos financeiros, portanto, de qualquer contrato que dê origem, simultaneamente, a um activo financeiro de uma parte e a um passivo financeiro ou instrumento de capital de outra parte, incluindo, no mínimo, os instrumentos referidos na secção C do anexo I da Diretiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril (art. 199.º-A, 1.º, al. c) e n.º 3 do RGICSF), ou de tomada firme e colocação de instrumentos financeiros com garantia (art. 199.º-A, 1.º, al. c) e n.º 3 do RGICSF, conjugado com a excepção do serviço de colocação sem garantia estabelecida na al. b) do n.º 1 do referido art. 153.º-D);

iii) as sucursais em Portugal de instituições de crédito autorizadas em países que não sejam Estados-Membros da União Europeia ou que não pertençam ao Espaço Económico Europeu (art. 48.º do RGICSF para que se remete na al. c) do art. 153.º-D);

iv) As sucursais em Portugal de instituições financeiras com sede no estrangeiro em países que não sejam Estados-Membros da União Europeia e que exerçam as atividades de negociação por conta própria de um ou mais instrumentos financeiros ou de tomada firme e colocação de instrumentos financeiros com garantia (cfr. art. 189.º e 199.º-A, 1.º, als. c) ou f) do RGICSF, com a excepção do serviço de colocação sem garantia estabelecida na al. d) do n.º 1 do art. 153.º-D);

v) As sociedades relevantes para sistemas de pagamentos sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, como seja, nomeadamente, a actividade de gestão de uma rede electrónica através da qual se efetuem pagamentos (cfr. art. 117.º-B do RGICSF).

  1. Expostos os traços característicos essenciais da CSB, tal como emergem da competente normatividade, tem ainda interesse, para compreensão da sua configuração tributária, referenciar os elementos oficiais em que se apresentam justificações político-legislativas para a criação e a evolução deste tributo. Advirta-se, no entanto, que estas justificações político-legislativas (que, muitas vezes, são permeadas mais pelo objectivo de recolher arrimo político na opinião pública do que pela preocupação em descrever com exactidão os fundamentos económico-materiais e a ratio do regime disposto) só possuem efectivo valor heurístico na medida precisa em que se mostrem reflectidas na disciplina normativa consagrada, particularmente naquela que, em razão da data dos factos, é necessário aqui ter em referência. Justificações legislativas que se reportam a estados anteriores da regulação, entretanto modificada, não podem, sem anacronismo, ser transferidas para normatividades distintas em aplicação. No caso que nos ocupa, isto é particularmente significativo quanto ao dado fundamental (acima referido no n.º 73) de a CSB constituir receita do Fundo de Resolução, porquanto se trata de solução que foi consagrada com o aditamento, pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, do art. 153.º-F do RGICSF, em conexão, pois, com a própria criação do Fundo de Resolução, deixando a CSB, a partir daí, de constituir receita geral do Estado.
    1. Tendo presente este caveat, comece-se, então, por lembrar que o Relatório do Orçamento de Estado para 2011, p. 73 reporta-se “à criação de uma contribuição sobre o sector bancário na linha daquelas que foram já introduzidas noutros Estados Membros, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social”, o que se reputou como “uma das grandes novidades introduzidas pela Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011”: “O impacto da recente crise económica e financeira internacional sobre a estabilidade financeira e o papel que o sector financeiro teve na criação do risco sistémico justificaram a introdução desta contribuição, cujo objectivo geral é o de garantir um contributo deste sector que reflicta os riscos que o próprio sector gera, à semelhança do que tem vindo a acontecer em outros Estados-membros da União Europeia”.
    2. Assinale-se, seguidamente, que no preâmbulo da Portaria n.º 121/2011 se alude igualmente a que “A Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, estabeleceu no seu artigo 141.º um regime de contribuição sobre o sector bancário, definindo os elementos essenciais deste tributo público em termos semelhantes aos de contribuições já introduzidas por outros Estados membros da União Europeia, com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos”.

O objectivo de mitigação dos riscos sistémicos é ainda convocado no preâmbulo desta Portaria, em face do seu texto original, relativamente à densificação dos “conceitos relevantes para a determinação da base de incidência”: “explicita-se desde logo que para efeitos da aplicação da contribuição sobre o sector bancário se qualificam por regra como passivo todos os elementos reconhecidos em balanço que representem dívida para com terceiros, independentemente da sua forma ou modalidade. Excluído para este efeito do passivo fica um conjunto de realidades muito circunscrito, tal como os capitais próprios ou os passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido, os passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados e os passivos por activos não desreconhecidos em operações de titularização, ou os passivos por provisões, atento o objectivo da mitigação de riscos sistémicos que subjaz largamente à criação desta contribuição. É também o objectivo da mitigação de riscos sistémicos que dita a desconsideração, para efeitos da base tributável, dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos na parcela do respectivo valor que seja objecto de cobertura por esse mesmo fundo. Idêntica razão explica que não se integrem na base tributável os instrumentos financeiros derivados de cobertura de risco, bem como aqueles cujas posições em risco se compensem mutuamente (back to back derivatives)”.

  1. No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 24/2013, de 19 de Fevereiro, relativo ao método de determinação das contribuições periódicas e especiais adicionais para o Fundo de Resolução (que veio a ser revogado pelo art. 13.º, al. d) da Lei n.º 23-A/2015, de 26.3, mas sem prejuízo do disposto na norma transitória do art. 14.º, n.º 5 deste mesmo diploma quanto à cobrança de contribuições periódicas e especiais adicionais para o Fundo de Resolução destinadas a possibilitar o cumprimento de obrigações assumidas, ou a assumir, pelo Fundo por força da prestação de apoio financeiro a medidas de resolução aplicadas até 31 de Dezembro de 2014), encontram-se igualmente indicações relevantes sobre as finalidades da CSB, como resulta das seguintes transcrições:

O regime jurídico da resolução tem por finalidade a prevenção, a mitigação e a contenção do risco sistémico que, no limite, pode decorrer do colapso de uma instituição de crédito, ainda que provocado por choques externos, poder produzir um efeito de contágio sobre as restantes instituições do sistema. Tal risco agrava-se em função da dimensão, complexidade e interconexão - com outras entidades - que a instituição que entrou em grave desequilíbrio financeiro apresente. Perante este tipo de risco e as inerentes consequências, considerou-se necessário criar novos tipos de instrumentos de intervenção que assegurem a estabilidade financeira, bem como mecanismos de financiamento sem cuja existência aqueles instrumentos perderiam grande parte da sua eficácia.

O regime instituído no RGICSF pelo Decreto-Lei nº 31-A/2012, de 10 de fevereiro, estabelece que as necessidades de financiamento das medidas de resolução são asseguradas pelo Fundo de Resolução, o qual, por sua vez, é financiado essencialmente, nos termos do artigo 153.º-F do RGICSF, por via de contribuições das instituições nele participantes, a par da afetação das receitas da contribuição sobre o sector bancário”.

“Em caso de ocorrência do evento contra o qual as instituições participantes se querem premunir, a intervenção do Fundo de Resolução protege o conjunto das entidades nele participantes, evitando que a situação verificada numa delas alastre às restantes e as contamine. Assim, as instituições pagam as suas contribuições como forma de se protegerem contra um eventual risco sistémico originado numa delas, mas que poderia, por seu turno, induzir o colapso financeiro das restantes instituições participantes, caso não existisse um sistema de financiamento do Fundo de Resolução”.

“Os custos da adoção de medidas de resolução advêm essencialmente da necessidade de apoiar o financiamento da eventual diferença que se verifique entre os passivos e os ativos transferidos para outra instituição de crédito ou, eventualmente, para um banco de transição. Ou seja, é da eventual insuficiência do valor efetivo, à data da aplicação da medida, dos ativos alienados ou transferidos face ao valor dos passivos a preservar, mediante aquela transferência, que emerge a necessidade de uma entrada de fundos para apoiar a aplicação de uma medida de resolução e, portanto, de uma adequada capitalização do Fundo de Resolução para fazer face, no futuro, a este tipo de necessidades.

Por esta razão, a base de incidência das contribuições periódicas e das contribuições iniciais das instituições participantes no Fundo desde o início da sua atividade é composta por determinados elementos do passivo das instituições participantes, com dedução de certas responsabilidades incluídas no balanço que não merecem proteção em sede de resolução, como é o caso das responsabilidades perante acionistas e credores subordinados. Existem também responsabilidades que já beneficiam de outras formas de proteção, nomeadamente os depósitos cobertos pela garantia proporcionada pelo Fundo de Garantia de Depósitos ou pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, que podem, a esse título, ser chamados a comparticipar no financiamento de uma medida de resolução. Por isso não se considera apropriado que sejam cobradas contribuições sobre estes elementos do balanço, embora se entenda que a definição da base de incidência deve ser o mais ampla possível, limitando a possibilidade de arbitragem na captação dos vários tipos de recursos e evitando induzir distorções artificiais na estrutura do balanço das instituições. 

A utilização, como referência, da base de incidência para a contribuição sobre o sector bancário, que se encontra estabelecida na Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, alterada pela Portaria n.º 77/2012, de 26 de março, concretiza os princípios enunciados. No entanto, para o efeito de apuramento das contribuições para o Fundo de Resolução, não se afigura justificada, em parte por razões de simplicidade, a integração na base de incidência do valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço, pelo que este elemento é desconsiderado naquele cálculo. A utilização de uma definição de passivo similar à que já se encontra definida no regime da contribuição sobre o sector bancário assegura consistência entre as duas bases de incidência e promove a poupança de custos administrativos e de reporte por parte das instituições participantes”.

  1. Depois, em face da evolução legislativa da CSB, encontramos novas indicações em sede de Relatórios do Orçamento de Estado.

Assim, no Relatório do Orçamento de Estado para 2015 (p. 56) declarou-se o seguinte: “Com o propósito de assegurar que todos os agentes económicos, e em particular aqueles com maior capacidade contributiva, são chamados a participar no esforço de ajustamento, a Proposta do Orçamento para 2015 procede à prorrogação do regime da contribuição extraordinária sobre o sector bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro. Além disso, a Proposta de Orçamento para 2015 aumenta o limite máximo do intervalo da taxa aplicável à principal base de incidência (passivo) para 0,085%, o que permitirá o aumento marginal da receita tributária em 31 milhões de euros”.

Por fim, no Relatório do Orçamento do Estado para 2016 (pp. 72-73) consignou-se que: “A contribuição sobre o setor bancário, introduzida no Orçamento do Estado para 2011, e que representa a participação do setor na repartição de risco relativa aos eventos no setor bancário, é aumentada neste Orçamento. Este aumento traduz a necessidade de, por um lado, assegurar uma repartição de risco mais adequada entre os contribuintes e o setor bancário e, por outro, num contexto de aumento das responsabilidades do Fundo de Resolução, estabelecer um nível de contribuições que assegure a sua solvência inequívoca. Adicionalmente, neste Orçamento introduz-se, pela primeira vez, uma lógica de tratamento igualitário de todos os participantes no mercado, independentemente do seu estatuto”.

 

  1.  Pois bem, perante estes elementos normativos concernentes à incidência subjectiva e objectiva, ao destino das receitas cobradas quanto à entidade beneficiária e aos fundamentos materiais convocados, entende-se que a CSB (na configuração legal ratione temporis pertinente a que cabe atender como acima se indicou - n.º 66), deve ser qualificada como uma contribuição financeira, atenta a presença das seguintes notas paradigmáticas: i) constitui um tributo cujas receitas se encontram afectas, mediante consignação subjectiva material, a uma pessoa colectiva pública não territorial; ii) recai exclusivamente sobre um grupo bem delimitado e homogéneo de contribuintes que se encontra sujeito, ou que pelo menos possui conexão, com as atribuições da entidade pública não territorial beneficiária das receitas e com os serviços facultados ou as finalidades públicas que se visam atingir; iii) visa compensar, nos termos de uma bilateralidade genérica ou difusa, certas utilidades perseguidas ou prestações proporcionadas, em moldes genéricos ou difusos, pelas tarefas administrativas cometidas a essa entidade que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitam a esse círculo determinado de contribuintes.
  2. Acompanha-se, assim, o entendimento adoptado na sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 13.1.2014 prolatada no processo n.º 2133/14.7BELRS (que a Requerente juntou como doc. n.º 1 às suas alegações), em que se considerou que a CSB se aproxima do “conceito de contribuição financeira, por lhe estar subjacente (...) a bilateralidade genérica”, pois “a sua criação visou, desde logo, obviar a riscos sistémicos do sector financeiro, tendo aliás daí decorrido a consignação da receita em causa ao fundo de resolução (carecendo de relevância que tal consignação seja orgânica ou material)”, pelo que “ao contrário dos impostos, este tributo não visa a satisfação de necessidades genéricas, mas específicas necessidades de um sector de actividade, face a situações que presumivelmente poderão provocar custos por parte desse mesmo sector e de que os sujeitos passivos serão presumivelmente beneficiários”, bem como na decisão proferida em 28.12.2016 pelo Tribunal Tributário de Lisboa no proc. n.º 2130/14.2BELRS (que foi junta pela Requerente como doc. n.º 2 às suas alegações): “Não estamos (...), no seu aspecto dominante, perante uma participação nos gastos gerais da comunidade, em cumprimento de um dever fundamental de cidadania, nem perante a retribuição de um serviço concretamente prestado por uma entidade pública ao sujeito passivo, pelo que a CSB não se pode qualificar nem como imposto, nem como uma verdadeira taxa, sendo tal tributo antes qualificável como contribuição financeira”.
  3. Desenvolvendo mais detidamente esta qualificação da CSB como contribuição financeira, destaque-se, desde logo, que as receitas da CSB encontram-se afectas ao Fundo de Resolução (supra n.º 73), que tem como atribuições prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas no âmbito da execução de tais medidas (supra n.º 74), destinando-se, pois, ao financiamento dos custos inerentes a esse serviço público de apoio à aplicação e de execução de medidas de resolução (cfr. art. 145.º-E do RGICSF) e às finalidades de interesse público que, com tais medidas de resolução, se visam prosseguir (cfr. o disposto no art. 139.º e no art. 145.º-D do RGICSF), pelo que se trata de assegurar, não o financiamento de despesas públicas gerais, mas a cobertura de despesas especiais destinadas a finalidades particulares que são asseguradas ou proporcionadas pelas actividades administrativas causadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos.
  4. Desta forma, se em certas justificações apontadas à CSB se convoca, para além do “objectivo geral” “de garantir um contributo deste sector que reflicta os riscos que o próprio sector gera”, o propósito “de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas” (Relatório do Orçamento de Estado para 2011 – vd. supra n.º 76.1) e mesmo “assegurar que todos os agentes económicos, e em particular aqueles com maior capacidade contributiva, são chamados a participar no esforço de ajustamento” (Relatório do Orçamento de Estado para 2015 – vd. supra n.º 76.4), o que pareceria supor um propósito financeiro, a verdade é que o destino actual das receitas do tributo ao Fundo de Resolução demonstra a sua consignação material, não à satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas e à cobertura das despesas gerais com o funcionamento dos serviços públicos, mas ao financiamento de específicas tarefas administrativas provocadas ou aproveitadas por certa categoria de sujeitos passivos, tarefas essas que são apoiadas ou executadas pelo Fundo de Resolução. Como se declarou na mencionada decisão proferida no processo n.º 2130/14.2BELRS, “o produto da CSB, enquanto receita do fundo de Resolução, está consignado à satisfação das despesas inerentes ao serviço público que essa entidade desenvolve no âmbito das respectivas atribuições e não poderá ser desviado para o financiamento de despesas públicas gerais”. Em face disto, só pode insistir-se, na sequência do que já acima se escreveu (vd. n.º 76), recorrendo às palavras certeiras do acórdão proferido no processo n.º 312/2015-T, que: “este «destino» ou esta «função» da receita, normativamente definidos, é que hão-de contar para a sua qualificação – sendo irrelevantes, face a eles, quaisquer considerações, de enquadramento mais geral da medida no contexto da necessidade de consolidação orçamental, que constem de textos oficiais, incluindo o preâmbulo de diplomas legais, relativas a esse contexto e à apresentação das medidas atinentes a esse genérico desiderato”. 
  5. De qualquer modo, deve-se ter bem presente que constitui objectivo precípuo das medidas de resolução, a que se reserva, pois, o seu financiamento, “Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio financeiro público extraordinário” (al. c) do n.º 1 do art. 145.º-C, n.º 1 do RGICSF), a implicar que aquelas formulações político-legislativas devam ser substancialmente interpretadas como reportadas “a meios de efectivação do princípio da responsabilidade repartida, procurando neutralizar impactos financeiros para o Orçamento do Estado” dos custos das medidas necessárias para resolver os problemas criados pelas próprias instituições de crédito (cfr., a este respeito, o Dossier temático sobre  “Regulação Financeira e Seguros” do Observatório de taxas e contribuições, Centro de Estudos de Direito público e regulação, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 2, disponível em https://www.fd.uc.pt/cedipre/observatorio/dossiers.html). Neste contexto, é impossível não destacar devidamente que a CSB, na vertente em que possa funcionar como instrumento para chamar o sector financeiro a “contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas” ou a “participar no esforço de ajustamento”, surge numa conjuntura histórica, como se refere na Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Banco Central Europeu - Fundos de resolução de crises nos bancos (COM/2010/0254 final), n.º 1, em que se verificou o seguinte: “Ao longo da crise que vivemos actualmente, os Governos, tanto nos países da União Europeia como noutros países, disponibilizaram enormes montantes de fundos públicos para apoio dos seus sectores financeiros [em nota 1 indica-se que: “De acordo com o FMI, o custo orçamental directo líquido da crise foi, em média, de 2,7% do PIB nos países avançados do G20, embora as quantias prometidas, incluindo garantias e outros passivos eventuais, tenham ascendido em média a 25% do PIB.]. Esse apoio foi necessário para garantir a estabilidade financeira e para proteger os depositantes, tendo sido acompanhado de medidas de apoio à economia real. No entanto, o efeito global foi a imposição de um pesado encargo económico, que terá de ser suportado pelos contribuintes de hoje e pelas gerações futuras”. Também por isto, não é viável, sob pena de distorção histórica (vd. uma descrição detalhada da crise financeira de 2007/2010 em MENEZES CORDEIRO, "A tutela do consumidor de produtos financeiros e a crise mundial de 2007/2010" in ROA, ano 69, n.ºs III-IV (2009), pp. 606 e segs.), olhar para a CSB, com base na indicada consideração político-legislativa, como pura receita destinada a financiar o Estado e a satisfazer as suas necessidades financeiras em geral – é que, como se escreveu na já mencionada sentença do Tribunal Tributário de Lisboa emitida no processo n.º 2133/14.7BELRS: "Desde a sua criação (e não obstante a consignação das suas receitas ao Fundo de Resolução ter só sido legalmente consagrada em 2012), a Contribuição para o Sector Bancário visou, pois, desde logo mitigar as consequências advenientes das intervenções públicas no sector financeiro, não se destinando a responder a necessidades genéricas de financiamento do Estado, ao contrário dos impostos, mas sim a uma necessidade específica e identificada de prevenção de riscos sistémicos"; “Este tributo foi criado para fazer face a situações de crise financeira, das quais os seus sujeitos passivos são potenciais causadores, bem como potenciais beneficiários dos valores arrecadados enquanto potenciais destinatários de medidas de resolução (cfr., v.g., o art. 116.º-O, do RGICSF), não se podendo encarar a finalidade da tributação em causa como meramente reditícia e visando a satisfação de necessidades financeiras do Estado em sentido amplo”. Em suma, entende-se que está fora de causa explicar a CSB segundo uma lógica essencialmente reditícia, como é aquela que preside aos impostos.
  6. Para além disso, acrescente-se ainda transpondo novamente considerações do acórdão proferido no processo n.º 312/2015-T, não há contradição necessária entre o destino ou destinos imediatos a que fica afecta uma contribuição financeira e o objectivo mais amplo da consolidação orçamental, pois pelo facto de as receitas de uma contribuição financeiras serem consignadas a um Fundo, “e de ser através deste que as mesmas vão ser alocadas à realização do objetivo central por elas visado (...) não é por isso (como bem se compreende) que elas deixam de contribuir menos para a consolidação das contas públicas portuguesas em geral”. Aliás, o Tribunal Constitucional, como se pode observar no já acima citado acórdão n.º 365/2008 (mas pode-se também invocar, entre outros, o acórdão n.º 135/2012), atribui precisamente às contribuições financeiras a favor de determinadas pessoas colectivas públicas distintas da Administração estadual, regional ou local, a nota distintiva de visarem "o seu sustento financeiro, escapando à disciplina jurídica clássica, como forma de evitar o crescimento do défice das contas públicas e contornar a rigidez do regime dos impostos, através da previsão de meios financeiros mais dúcteis”.
  7. Em face da destinação das receitas da CSB ao Fundo de Resolução e ao apoio financeiro às medidas de resolução e aos fins a que estas servem, visando, pois, o financiamento de particulares missões administrativas, afigura-se necessariamente excluída a qualificação da CSB como imposto de receita consignada, pois, como se observa em termos inteiramente correctos no já citado acórdão proferido no processo arbitral n.º 312/2015-T, o enquadramento nesta figura reporta-se a “prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou actividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários”, sendo, justamente, contribuições financeiras os casos de “prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos”.
  8. No que concerne aos contribuintes atingidos pela CSB, conforme resulta do art. 2.º do RJCSB e do art. 2.º da Portaria n.º 121/2011 (vd. supra n.º 68), trata-se de um grupo delimitado em termos precisos e homogéneos, caracterizado pela natureza de instituições de crédito, portanto, de entidades prestadoras dos serviços financeiros pertinentes de recepção do público de depósitos ou outros fundos reembolsáveis e de concessão de crédito por conta própria (cfr. art. 2.º-A, al. w) e art. 4.º do RGICSF), sejam instituições de crédito com sede principal e efectiva da administração situada em território português, sejam filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efectiva da administração em território português, sejam sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (citadas alíneas a), b) e c) do art. 2.º do RJCSB e do art. 2.º da Portaria n.º 121/2011).
  9. O tributo assume natureza comutativa, porquanto, muito embora não envolva uma contraprestação individualizada de que um certo sujeito passivo seja especificamente causador ou beneficiário, tem associado contrapartidas de índole global, com vocação grupal por serem imputáveis, de modo genérico, ao circunscrito círculo das instituições de crédito que operam em território nacional, que, pelo menos de modo presumível, aproveitam e/ou provocam as prestações administrativas em causa, justamente as medidas de resolução e as finalidades com elas visadas (cfr. arts. 153.º-C do RGICSF e 2.º, n.º 2 do Regulamento do Fundo de Resolução, 145.º-AB do RGICSF e 145.º-C do RGICSF).
  10. A respeito da actividade administrativa aproveitada ou causada pelas instituições de crédito sujeitos passivos da CSB deve-se dar particular destaque ao objectivo essencial da prevenção, mitigação ou contenção dos riscos sistémicos, que é explicitamente invocado, como acima se citou, em preâmbulos de diplomas ou em justificações de motivos atinentes à normatividade disposta (cfr. n.ºs 76.1, 76.2 e 76.3). Como escreve sobre as finalidades prosseguidas pelo instituto da resolução bancária JOÃO PAULO VASCONCELOS RAPOSO, "Regime europeu de recuperação e resolução de instituições financeiras: Resposta efetiva ou “wishful thinking”? (A solução do BES como “case study”)" in Julgar Online, Outubro de 2016, p. 10: "Uma primeira finalidade será a de garantir a manutenção das funções vitais do banco intervencionado, as suas critical functions, desde logo as atinentes a garantia de depósitos e sistema de pagamentos, além da sua operacionalidade enquanto agente de mercado, máxime interbancário./ Não haverá maior propiciador de risco sistémico que o pânico que se pode instalar quando uma instituição financeira deixe de cumprir as suas obrigações para com depositantes ou de operar pagamentos./ Do que se disse antes decorre a segunda finalidade e que pode qualificar-se de propósito central: - a prevenção do efeito de contágio de dificuldades sofridas por instituições financeiras. Dito de outro modo, diminuição e/ou controlo do risco sistémico decorrente da insolvência de IF./ Tal redução do risco sistémico será assegurada não apenas pelo prosseguimento da primeira finalidade, a de assegurar as funções vitais do banco, mas acompanha toda a estruturação do regime de resolução, desde a imposição de elaboração de planos de recuperação e resolução, passando pelos mecanismos de avaliação de tais planos e da atividade da IF em geral, indo desde os caminhos de restruturação e liquidação até à própria instituição de um Fundo de Resolução que financie as medidas ou mecanismos a implementar. A gestão e redução do risco sistémico constitui o “tronco central” deste instituto".  Compreende-se, por isso, que na mencionada Comunicação da Comissão sobre Fundos de resolução de crises nos bancos (COM/2010/0254 final) se aluda à "criação de fundos de resolução de crises ex ante, financiados por uma taxa sobre os bancos, que facilitem a resolução de crises nos bancos em dificuldades de formas que evitem o contágio e que permitam a liquidação de um banco de forma ordeira e num prazo que evite a venda urgente dos activos («princípio da previdência»)", como "instrumento necessário no conjunto de medidas a incluir no novo enquadramento de gestão de crises da UE, que visa limitar os encargos para os contribuintes e minimizar – ou melhor ainda, eliminar – a futura dependência de fundos provenientes das contribuintes para salvar um determinado banco" e se invoque a aplicação "também no sector financeiro, do chamado «princípio do poluidor-pagador», conceito proveniente da política de ambiente, de modo a que os custos de eventuais crises financeiras no futuro sejam pagos pelos responsáveis por causarem essas crises", assinalando-se, a propósito dos passivos dos banco como eventual base de uma contribuição bancária, que: "Os passivos dos bancos aparentam ser os indicadores mais adequados dos montantes que poderão vir a ser necessários quando surgir a necessidade de resolver uma crise num banco. Os custos de resolução de uma crise num banco são mais susceptíveis de resultar da necessidade de apoiar determinados passivos (excluindo o capital próprio e os passivos segurados – ou seja, os depósitos)".
  11. Justamente, nos termos acima referidos (n.ºs 69 e 70), a CSB tem como base de incidência o passivo e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados. Nesta medida, julga-se possível afirmar que esta contribuição financeira reveste simultaneamente contornos de contribuição parafiscal, porquanto visa financiar uma entidade administrativa em ordem à cobertura dos custos das tarefas administrativas consistentes nas medidas de resolução de que são susceptíveis de beneficiar o grupo homogéneo de contribuintes constituídos pelas instituições de crédito que operam em Portugal, e de contribuição extrafiscal, porquanto a incidência objectiva do tributo sobre o passivo e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço serve para orientar e nortear tais instituições financeiras nos seus comportamentos de endividamento excessivo que representam precisamente a causa determinante dos riscos sistémicos que a manutenção da estabilidade do sistema financeiro exige contrariar. Na verdade, a assunção como base de incidência da CSB do passivo, elemento alheio a uma manifestação de capacidade contributiva, envolve um efeito de incitamento à assunção adequada e prudente de riscos no endividamento porquanto nisso reside o vector que pode implicar o desequilíbrio financeiro da entidade e a sua crise insolvencial em termos que justificam a intervenção de medidas de resolução. Em qualquer caso, por esta forma procede-se à internalização pelas instituições de crédito dos riscos sistémicos envolvidos na sua actividade.
  12. A CSB constitui, em suma, uma contribuição financeira – uma “taxa colectiva”, “na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade pública a um certo conjunto ou categoria de pessoas”, compartilhando “em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente da actividade daquela)” (cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4.ª ed., Coimbra, 2007, p. 1095).
  13. Contra esta qualificação, argumenta a Requerente que a CSB não possui natureza e características de contribuição financeira precisamente em atenção ao “alargamento do âmbito de incidência subjectivo da CSB a entidades não participantes obrigatórias do Fundo de Resolução que retirou a característica de homogeneidade do grupo ao qual se destina a CSB e transfigurou este tributo, de forma clara e inequívoca, em imposto”, ainda que de receita consignada (vd. acima n.ºs 5.2.1 e 5.2.2). Esta posição, todavia, não pode ser acolhida em atenção aos fundamentos que se passam a expor.
  14. Desde logo, na sequência do que já acima se apontou a nível metodológico (n.ºs 60 e 65), a caracterização de um tributo deve ser realizada em atenção à sua estrutura global, em razão da materialidade dominante da sua configuração regulativa, não em função de aspectos parcelares e fragmentários, designadamente das particularidades ou da situação específica de determinados sujeitos passivos, sob pena de se incorrer numa qualificação jurídica em "miettes". Ora, impõe-se imediatamente notar que, como resulta da definição da incidência subjectiva do tributo (art. 2.º do RJCSB e art. 2.º da Portaria n.º 121/2011), a homogeneidade do grupo abrangido pela CSB é dada pela caracterização comum dos sujeitos passivos como instituições de crédito ou como filiais ou sucursais de instituições de crédito, não como entidades participantes obrigatórias do Fundo de Resolução, nunca tendo coincidido o âmbito destas duas categorias (cfr. acima n.ºs 68, 74 e 75).
  15. Depois, não é materialmente correcto falar, a propósito da inclusão das sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva em Estados-Membros da União Europeia, no "alargamento", por força da alteração promovida pelo art. 185.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, dos sujeitos passivos da CSB a entidades não participantes obrigatórias do Fundo de Resolução: as caixas de crédito agrícola mútuo associadas da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, por força do disposto no n.º 2 do art. 153.º-D do RGICSF, estão dispensadas de participar no Fundo de Resolução, mas, como instituições de crédito que são (art. 3.º, al. c) do RGICSF), encontram-se e encontravam-se sujeitas à CSB; as sucursais de instituições de crédito autorizadas em Estados pertencentes ao Espaço Económico Europeu não constituem entidades participantes do Fundo de Resolução por força do disposto nos arts. 153.º-D, n.º 1, al. c) e 48.º do RGICSF, mas encontram-se e encontravam-se à face da redacção originária do art. 2.º, n.º 1, al. c) do RJCSB (que apenas se reportava às "sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora da União Europeia") sujeitas à CSB.
  16. Entende-se, de qualquer modo, que a circunstância de nem todos os sujeitos passivos da CSB poderem ser destinatários de uma medida de resolução determinada pelo Banco de Portugal, designadamente de isso não ocorrer em relação às sucursais de instituições de crédito com sede principal e efectiva em outros Estados-Membros da União Europeia, pelo que, consequentemente, não surgem como beneficiários efectivos do apoio financeiro do Fundo de Resolução às medidas que sejam aplicadas pelo Banco de Portugal, não possui virtualidade bastante para colocar em crise a qualificação da CSB como contribuição financeira nem a característica da homogeneidade do grupo sujeito à incidência subjectiva do tributo.
  17. As sucursais de instituições de crédito não residentes, quer tenham a sua sede principal e efectiva em países terceiros ou em Estados-Membros da União Europeia (ou do Espaço Económico Europeu) são, exactamente como as instituições de crédito residentes, participantes no sistema financeiro português e, enquanto tais, entidades que usufruem, no mínimo mediata ou reflexamente, das utilidades proporcionadas pelas prestações administrativas que visam contrariar e internalizar os riscos sistémicos e defender a estabilidade do sistema financeiro.
  18. Cabe, justamente, não obnubilar que, se é certo que, nos termos dos referidos arts. 153.º-C do RGICSF e 2.º, n.º 2 do Regulamento do Fundo de Resolução, as funções do Fundo estão balizadas pela aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal nos termos do art. 145.º-AB do RGICSF, traduzindo-se no respectivo apoio financeiro ou em outras actuações que respeitem à sua execução, isso não significa que a CSB, cujas receitas constituem recursos próprios do Fundo, se justifique unicamente em função dessas concretas medidas de resolução e dos sujeitos específicos em relação aos quais sejam aplicadas. É que as medidas de resolução são meios ou instrumentos para a consecução de finalidades de interesse público de que beneficiam ou que determinam as instituições de crédito participantes no sistema financeiro, pelo que há que atribuir significado hermenêutico e explicativo às próprias finalidades sistémicas finais a que se dirigem essas medidas de resolução, as quais se encontram traçadas no art. 145.º-C, n.º 1 do RGICSF, a saber: “a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais para a economia; b) Prevenir a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, nomeadamente prevenindo o contágio entre entidades, incluindo às infraestruturas de mercado, e mantendo a disciplina no mercado; c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio financeiro público extraordinário; d) Proteger os depositantes cujos depósitos sejam garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e os investidores cujos créditos sejam cobertos pelo Sistema de Indemnização aos Investidores; e) Proteger os fundos e os ativos detidos pelas instituições de crédito em nome e por conta dos seus clientes e a prestação dos serviços de investimento relacionados”.
  19. Não se pode deixar de reputar que estas finalidades sistémicas constituem, para além da própria possibilidade específica de certas instituições de crédito beneficiarem das concretas medidas de resolução cujo financiamento é necessário assegurar, fundamento e critério da CSB. Por isso mesmo, como acima se viu (n.º 76), constitui justificação material apresentada nos elementos oficiais para a decisão político-legislativa de consagração e fixação da disciplina da CSB: a “prevenção de riscos sistémicos”, “garantir um contributo deste sector que reflicta os riscos que o próprio sector gera”, “mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos”, o “objectivo da mitigação de riscos sistémicos que subjaz largamente à criação desta contribuição”. Ora, o risco sistémico caracteriza-se, precisamente, em termos gerais, como o risco que, se verificado, tem o potencial para tornar a instabilidade financeira tão generalizada que o funcionamento do sistema financeiro é deteriorado de tal sorte que o crescimento e o bem-estar são materialmente prejudicados (cfr., para esta caracterização, "The concept of systemic risk" in European Central Bank. Financial Stability Review, Dezembro de 2009, pp. 134 e segs., designadamente p. 134). Todas as instituições de crédito participantes no sistema financeiro nacional, incluindo as sucursais de instituições de crédito com sede principal noutro Estado-Membro da União Europeia, beneficiam, assim, da prevenção e mitigação dos riscos sistémicos que constitui, como se referiu, o "tronco central" das medidas de resolução e da actividade administrativa correspondente cujo sustentáculo financeiro é organizado pelo Fundo de Resolução a que se encontram subjectivamente consignadas as receitas da CSB.  
  20. Assim, se parece inquestionável que as instituições de crédito participantes no Fundo de Resolução possuem a expectativa de aproveitarem, caso disso careçam, da intervenção concreta em que se traduz uma certa medida de resolução (conforme indicado no art. 145.º-AB do RGICSF), pelo que bem se justifica que contribuam para o respectivo financiamento numa lógica de bilateralidade mitigada ou difusa que é típica das contribuições financeiras, também em relação às sucursais de instituições de crédito que não constituam participantes no Fundo de Resolução se pode falar em “paracomutatividade”, porquanto sempre se tem de considerar que são beneficiadas pela estabilidade e segurança do sistema financeiro e pela prevenção ou controlo dos riscos sistémicos que resultam da possibilidade de aplicação de medidas de resolução incidentes sobre instituições financeiras que colocam em perigo o sistema financeiro nacional em que todas essas entidades participam.
  21. Cite-se, aliás, o que bem se recordou na Directiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014 que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento (considerandos 2 e 3): "A crise financeira atingiu dimensões sistémicas, na medida em que afetou o acesso ao financiamento de uma grande parte das instituições de crédito"; "Os mercados financeiros da União têm um nível elevado de integração e interligação, com várias instituições a desenvolverem importantes operações para além das fronteiras nacionais. A situação de insolvência de uma instituição transfronteiriça poderá afetar a estabilidade dos mercados financeiros nos diferentes Estados-Membros em que opera".
  22. Nem se diga contra isto, como se pode encontrar no acórdão proferido no processo n.º 437/2017-T, que a mitigação do risco sistémico de que podem beneficiar tais entidades não participantes no Fundo de Resolução implicaria configurar "esta mitigação com um espectro tão universal que acaba por interessar a sociedade no seu todo, numa lógica de valor da estabilidade do sector bancário" - é que isso significa desconsiderar os riscos sistémicos especificamente imputáveis e concretamente criado pelas instituições de crédito (historicamente demonstrados pela crise de 2008) e os interesses e utilidades especificamente grupais que o sector financeiro possui quanto à salvaguarda da estabilidade e solidez financeira, como se isso pudesse ser diluído no magma dos interesses da sociedade em geral, sendo, ainda por cima, inquestionável, como escrevem MATILDE LAVOURAS/TERESA ALMEIDA, "Bens públicos globais: a problemática da sua definição e financiamento" in BCE, vol. LII (2009), pp. 160-161 que "o facto de um bem ser consumido por todos, não quer dizer que seja igualmente avaliado em termos de utilidade por todos" como é "o caso da estabilidade financeira – embora todos consumam, é inegável que os muito pobres não vêm este como um dos bens prioritários na sua grelha de utilidades", o que perfeitamente legitima a decisão pública na configuração do grupo económico-social directamente atingido pelo tributo.
  23.  Afigura-se, então, que a solução legislativa por último adoptada (Lei n.º 7-A/2016 de 30.3) de fazer incidir a CSB igualmente sobre as sucursais de instituições financeiras com sede principal e efectiva em Estado-Membro da União Europeia, não obstante não constituírem entidades participantes obrigatórias do Fundo de Resolução, chamando, assim, a participar nos correspondentes encargos tributários dirigidos a assegurar a estabilidade e a segurança do sistema financeiro, por via da cobertura dos custos envolvidos nas medidas de resolução, todas as instituições de crédito que nele operam, não põe em causa a qualificação como contribuição financeira do tributo nem a incidência do mesmo sobre um conjunto homogéneo de sujeitos passivos. Como as medidas de resolução, ainda que centradas numa certa instituição, ou a mera possibilidade da sua aplicação, apresentam efeitos benéficos susceptíveis de se repercutirem sobre todas as instituições de crédito que operam no sistema financeiro nacional e, em qualquer caso, os riscos sistémicos devem ser internalizados por todas as instituições de crédito participantes no sistema financeiro, compreende-se bem a solução político-legislativa de fazer incidir sobre todos esses participantes no sistema financeiro, ainda que não participantes obrigatórios no Fundo de Resolução, a sujeição à CSB e obrigação de contribuírem para o financiamento e execução das medidas de resolução por via da mesma CSB.
  24. Como se escreveu na mencionada sentença proferida no processo n.º 2133/14.7BELRS: “existe uma prestação, ainda que eventual, inerente ao tributo em causa, consubstanciada na reunião de condições para fazer face a riscos sistémicos associados ao sector financeiro, necessária para fazer face a riscos decorrentes de crise sistémica desse sector, de que as instituições financeiras são com probabilidade causadoras”, pelo que o tributo possibilita que “haja para o sector financeiro um mecanismo que permita prestar apoio financeiro à aplicação das medidas de resolução que venham a ser adoptadas pelo Banco de Portugal. Esta situação abrange a entidade directamente objecto da medida de resolução sem prejuízo das consequências e reflexos em termos de sistema financeiro, pretendendo-se com o mesmo obviar o “contágio” das demais entidades que compõem o leque de sujeitos passivos do tributo em causa”.
  25. Impõe-se, aliás, valorizar devidamente, em face do conjunto presentemente fixado dos sujeitos passivos da CSB, que a substância própria da paracomutatividade típica destes tributos traduz-se na presunção desse conjunto de sujeitos aproveitar de algum modo das vantagens ou utilidades associadas à contribuição financeira que suportam muito embora não seja possível individualizar ou mensurar essa utilidade provável, pelo que a sujeição tributária não depende da efectiva obtenção, como correspectivo, dessa vantagem.
  26. Acresce que não considerar todas as instituições de créditos, respectivas filiais e sucursais, na incidência da CSB envolve relevantes problemas de concorrência e de equidade dentro do grupo homogéneo em que se incluem, porquanto significaria que certos operadores do mercado, não obstante poderem aproveitar dos benefícios induzidos pelas medidas de resolução, escapariam a encargos tributários relevantes a que os seus concorrentes se sujeitam (e recorde-se que tais participantes obrigatórios do Fundo de Resolução já se encontram vinculados às contribuições iniciais, periódicas e especiais – cfr. arts. 153.º-F, 153.º-G, 153.º-H e 153-I do RGICSF e arts. 2.º e segs. do Decreto-Lei n.º 24/2013, de 19 de Fevereiro, sem prejuízo da disciplina actualmente resultante da concretização do Mecanismo Único de Resolução objecto do Regulamento (UE) n.º 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Julho de 2014 para as instituições nele participantes). Bem se percebe, assim, que, como acima se citou (n.º 76.4), no Relatório do Orçamento de Estado para 2016 se tenha indicado, relativamente à mens legislatoris subjacente às modificações concretizadas pela Lei n.º 7-A/2016 de 30.3, que “introduz-se, pela primeira vez, uma lógica de tratamento igualitário de todos os participantes no mercado, independentemente do seu estatuto”.
  27. A CSB é, pois, um caso típico de tributo comutativo – “tributos que se dirigem à compensação de prestações administrativas que são presumivelmente provocadas ou aproveitadas por grupos determinados de pessoas, figuras paracomutativas a meio-caminho entre a taxa e o imposto” (SÉRGIO VASQUES, “Remédios secretos e especialidades farmacêuticas” in CTF, n.º 413 (2004), p. 183) – que se justifica em razão de se verificar por parte do grupo definido e homogéneo das instituições de crédito que operam em território nacional a provocação de custos ou o aproveitamento de benefícios respeitantes a certas prestações administrativas que se reconduzem às medidas de resolução bancária e aos interesses sistémicos finais por elas prosseguido.

 

  1. Conclusão sobre a competência do Tribunal

 

  1. Perante o que acima se elucidou quanto ao âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, que, por força do disposto no RJAT (arts. 2.º e 4.º) e na Portaria de Vinculação (art. 2.º), apenas abrange as pretensões relativas a impostos administrados pela AT, e dada a natureza jurídica de contribuição financeira da CSB, resta simplesmente afirmar a conclusão da incompetência ratione materiae deste Tribunal para a apreciação do presente litígio.
  2. Em consequência, não compreendendo a competência deste Tribunal a espécie tributária da Contribuição sobre o Sector Bancário por constituir uma contribuição financeira (e não um imposto), não pode este Tribunal apreciar o mérito do litígio e pronunciar-se sobre os vícios de violação de lei imputados à autoliquidação de CSB objecto do documento de cobrança n.º ... em qualquer dos elementos objectivos, subjectivos e temporais da respectiva incidência tributária.
  3. Por estes motivos, por força do disposto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º do RJAT e no art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, verifica-se a incompetência, em razão da matéria, deste Tribunal Arbitral, o que implica uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância da Requerida, conforme disposto no art. 16.º do CPPT, aplicável ex vi al. c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT e nos arts. 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.

 

 

 

VI. Decisão

 

Termos em que se decide, em conformidade com o disposto no art. 16.º do CPPT e dos arts. 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, em declarar a incompetência absoluta deste Tribunal em razão da matéria e, em consequência, em absolver desta instância arbitral a Requerida.

 

 

VII. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, aplicáveis por força das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de €1.183.947,87 (um milhão, cento e oitenta e três mil, novecentos e quarenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos).

 

 

VIII. Custas

 

Custas a cargo da Requerente, nos termos do artigo 5.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, não cabendo proceder, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, à fixação do respectivo montante.

 

 Notifique-se.

 

 

Lisboa, 14 de Junho de 2018.

 

 

Os Árbitros

 

 

 

Fernanda Maçãs

(Presidente)

 

 

 

João Menezes Leitão

 

 

Rui Duarte Morais

(vencido, conforme declaração anexa)

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Votei contra esta decisão arbitral, pese embora a excelência da sua fundamentação, porquanto:

Partilhando o entendimento deste Tribunal Arbitral quanto à qualificação da Contribuição sobre o Sector Bancário como contribuição financeira, entendo que os Tribunais Arbitrais (CAAD) são competentes, em razão da matéria, para apreciarem da legalidade de tais tributos pelas razões que ficaram expressas na decisão arbitral n.º 312/2015-T, que subscrevi, as quais, com a devida vénia aos demais árbitros que integraram tal coletivo, passo a transcrever:

“Em primeiro lugar, o teor literal e a articulação sistemática dos preceitos não permitem um esclarecimento direto e evidente do sentido das normas. E se algum sentido se pode atribuir de forma mais próxima e fiel à interpretação literal-sistemática dos preceitos é o de que a referência a “impostos” em vez de “tributos” no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, seguida da remissão expressa para o n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e da enunciação expressa de um conjunto de exceções, indicia que o ‘legislador’ da Portaria não teve a intencionalidade restritiva clara que a AT invoca, pois se assim fosse teria feito alusão expressa a essa restrição no leque das alíneas que contemplam as exceções.

Em segundo lugar, a convocação dos elementos teleológico e racional da interpretação jurídica também não apontam para a razoabilidade de uma tal restrição, mas apenas para a “limitação do âmbito de vinculação da AT através da titularidade dos poderes para administrar os tributos”, sendo esse, de resto, o limite lógico da vinculação – não abrangendo a restrição assim os relacionados com “contribuições” também por ela liquidadas.

O facto é que o procedimento de liquidação e cobrança dessas “contribuições” em nada se distingue, na sua natureza e estrutura, do dos “impostos” (a AT atua aí como se de impostos se tratasse), donde não há razão válida para excluir a vinculação da AT, nesses casos, à arbitrabilidade.

A inexistência de uma referência expressa no texto do artigo 2.º da mencionada Portaria n.º 112-A/2011 a esse tipo de tributos dever-se-á apenas, ao fim e ao cabo, ao facto de, à data dela, ainda não se encontrar atribuído à administração da AT qualquer tributo com tais características.

Mais, a doutrina em que a AT se louva não permite sustentar uma posição diversa, antes pelo contrário.

Assim, p. ex., SÉRGIO VASQUES e CARLA CASTELO TRINDADE em «O âmbito material da arbitragem tributária», Cadernos de Justiça Tributária n.º 00 (Abril/Junho 2013), pág. 24, deixam claro que

“os serviços e organismos referidos no artigo anterior [hoje, a AT] vincularam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

Nos termos do art.º 2.º do DL n.º 118/2011, de 15/12, o qual aprovou a Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, esta entidade tem assim sob a sua égide a administração dos direitos aduaneiros, dos impostos sobre o rendimento, dos impostos sobre o património e dos impostos sobre o consumo e, bem assim, dos demais tributos que lhe sejam legalmente atribuídos como, por exemplo, as contribuições especiais”.

Nesta medida, considera-se que o âmbito da arbitrabilidade abrange, como decorre da interpretação conjugada dos artigos 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, a apreciação das pretensões relativas a tributos cuja administração esteja cometida à AT, com exceção dos casos enunciados nas alíneas do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 ̶ abrangendo, portanto, também as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas”.

Concluiria assim pela competência do tribunal arbitral e, consequentemente, pela apreciação do mérito da causa.

 

 

Rui Duarte Morais