Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 490/2017-T
Data da decisão: 2018-04-20  IRC  
Valor do pedido: € 104.369,01
Tema: IRC – Tributações Autónomas – SIFIDE – RFAI – CFEI.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

Os árbitros José Pedro Carvalho (árbitro presidente), José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora e Luís Menezes Leitão, designados como árbitros no Centro de Arbitragem Administrativa, para formarem o Tribunal Arbitral acordam no seguinte:

 

I. Relatório

1. No dia 1 de Setembro de 2017, a sociedade A… – S.G.P.S., S.A. apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma em IRC de € 104.369,01, do grupo fiscal B… SGPS, relativa ao exercício de 2015.

2. Nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou os árbitros ora signatários, notificando as partes.

3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:

4.1. A Requerente entregou no dia 30 de Maio de 2016 a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2015 do seu Grupo Fiscal, tendo apurado um montante de tributações autónomas em IRC de € 104.369,01.

4.2. Sucede que, no que agora está aqui em causa, no cálculo do imposto resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma em IRC o sistema informático da AT revela anomalias consubstanciadas no assinalar de divergências (“erros”) que impedem que a Requerente inscreva o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC, deduzido dentro das forças da colecta de IRC resultante da aplicação destas taxas, quer dos montantes de beneficio fiscal reconhecido às empresas do grupo fiscal ao abrigo do SIFIDE, na modalidade de crédito de imposto dedutível à colecta de IRC, (ii) quer dos montantes de benefício fiscal reconhecido às empresas do grupo fiscal ao abrigo do RFAI (iii) quer ainda dos montantes de benefício fiscal reconhecido às empresas do grupo fiscal ao abrigo do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), o que resultou num excesso de imposto pago por referência ao exercício fiscal de 2015, aqui em causa.

4.3. O montante de SIFIDE, atribuído/obtido, disponível para utilização no final do exercício de 2015 ascendia a € 1.693.653,38.

4.4. Por outro lado, em sede de RFAI subsiste um montante acumulado por deduzir à colecta de IRC que ascendia no exercício de 2015 a € 1.505.057,48.

4.5. O montante de CFEI disponível no exercício de 2015 ascendia por sua vez a um total de €158.540,36.

4.6. Em suma, o grupo fiscal dispõe de créditos de IRC para abate à respectiva colecta em montante muito superior à colecta das tributações autónomas em IRC do exercício de 2015, colecta esta que, como se referiu atrás, ascendeu a € 104.369,01, sendo que esse abate (que o sistema informático da AT não permite) se deve fazer começando pelos benefícios fiscais adquiridos há mais tempo, seguindo-se a ordem de dedução prevista na lei.

4.7. É de referir que a AT não apura nem apurou o lucro tributável do grupo fiscal B… SGPS e respectivas sociedades por métodos indirectos: ele foi apurado nos termos normais, via apresentação da modelo 22.

4.8. Acresce ainda que as empresas integrantes do grupo fiscal na origem do SIFIDE, do RFAI e do CFEI não são e não eram então entidades devedoras ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições.

4.9. Sucede que com respeito ao imposto resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma em IRC, o sistema informático da AT impede que a Requerente inscreva o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC, expurgado, i.e., deduzido, dentro das forças da colecta de IRC resultante da aplicação destas taxas, dos montantes do benefício fiscal de dedução à colecta do IRC que são o SIFIDE, o RFAI e o CFEI (a começar pelos mais antigos) para abate à colecta do IRC, o que resultou num excesso de imposto pago por referência ao exercício fiscal de 2015 aqui em causa.

4.10. A recusa pela AT, a que se tem vindo a assistir, destas deduções de SIFIDE, RFAI e de CFEI à colecta das tributações autónomas em IRC tanto mais se estranha porquanto recentemente a AT tomou posição sobre este assunto tendo afastado apenas a dedução à colecta das tributações autónomas em IRC dos créditos de imposto por dupla tributação internacional, o que é contraditado agora por esta decisão da reclamação graciosa apresentada pela A… SGPS.

4.11. Ora, tendo em conta a esmagadora jurisprudência arbitral que hoje qualifica as tributações autónomas como IRC, a Requerente absolutamente nada vê na lei que afaste o abate destes créditos de IRC por SIFIDE, por RFAI e por CFEI, também à parte da colecta de IRC produzida pelas tributações autónomas.

4.12. A este respeito, importa ainda salientar que quer por referência ao exercício de 2012, quer por referência conjuntamente aos exercícios de 2013 e 2014, o grupo fiscal (que em 2012 era liderado pela sociedade C… SGPS) obteve no âmbito de dois processos em tudo semelhantes ao presente, deferimento no que respeita à dedução de benefícios fiscais à colecta de tributações autónomas (processos arbitrais n.ºs 5/2016-T e 578/2016-T).

4.13. Os benefícios relativos ao SIFIDE e ao RFAI sofrem pois diminuições (por utilização contra a colecta da tributação autónoma de 2012 e 2013/14) nos montantes de € 63.599,28 e € 104.334,39, respectivamente, em resultado deste desfecho favorável referente aos exercícios de 2012 e 2013/14, importando sublinhar que, ainda assim, os benefícios remanescentes para dedução no exercício de 2015, continuarão a exceder em muito os montantes necessários para as respectivas deduções às tributações autónomas apuradas nos referidos exercícios.

4.14. Do mesmo modo que a jurisprudência tem entendido, de modo praticamente unânime, que a colecta de IRC prevista no (em vigor até 2013) artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a colecta das tributações autónomas em IRC se há-de também entender que a colecta do IRC prevista no mesmo Código uns metros mais à frente (artigo 90.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do Código do IRC, na numeração em vigor desde 2014) abrange também a colecta das tributações autónomas em IRC.

4.15. Donde que a negação da dedução do SIFIDE, CFEI e RFAI à colecta em IRC das tributações autónomas viole a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC (anteriormente a 2014 e até 2010, alínea b), e anteriormente a 2010 artigo 83.º do mesmo Código).

4.16. Com efeito, se é um facto que o próprio regime do SIFIDE a propósito da previsão do benefício fiscal de dedução à colecta do IRC menciona “o montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC”, é de sublinhar que o regime do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) faz exactamente a mesma coisa no seu artigo 3.º, n.º 1, alínea a), e outro tanto acontece com o regime do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), no seu artigo 3.º, n.º 5, alínea a).

4.17. Com efeito, mesmo que a previsão do crédito de imposto se expresse em termos de “dedução à colecta do IRC”, por oposição a “dedução ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC”, o resultado prático final é o mesmo, porquanto o montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC outro não é senão o IRC.

4.18. Donde que, sendo entendido por todos quantos contam (AT e tribunais) que a tributação autónoma é IRC (e é porque o é que se lhe aplica o artigo 90.º do Código do IRC, dirigido exclusivamente ao IRC e a nenhum outro imposto), seja indiferente se a norma de benefício se refere ao que se apura em aplicação do artigo 90.º do Código do IRC (e portanto indirecta, mas necessariamente, ao IRC), como é o caso do SIFIDE, do RFAI e do CFEI (em parte).

4.19. A jurisprudência arbitral fundamentou a sua conclusão na tese de que as tributações autónomas respeitantes, pelo menos, a encargos com viaturas, ajudas de custo e despesas de representação, são um substituto (ou complemento) da indedutibilidade dos custos em IRC, donde a natureza de IRC da colecta produzida por estas tributações autónomas.

4.20. E é com base nesta conclusão, assim fundamentada, que a jurisprudência concluiu que por ser colecta de IRC a colecta produzida por estas tributações autónomas estava, por isso mesmo, sujeita ao regime previsto para a colecta do IRC na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC (na redacção em vigor até 2013): indedutibilidade desta colecta na operação de cômputo do lucro tributável.

4.21. Pela mesmíssima razão, pede a Requerente que, coerentemente, se conclua que a colecta de IRC constituída por estas tributações autónomas esteja disponível, a par da restante colecta do IRC, na operação das deduções à colecta previstas no artigo 90.º do Código do IRC, entre as quais se encontra a dedução do SIFIDE, CFEI e RFAI.

4.22. Se a AT e os tribunais não têm tido dúvidas que onde se falava de IRC no artigo 45.º do Código do IRC (na redacção em vigor até 2013), mais concretamente na alínea a) do seu número 1, se estava também a falar de tributações autónomas (por estas serem também IRC), não faz sentido que a mesma expressão no mesmo Código venha sendo entendida pela AT de maneira divergente.

4.23. Independentemente de se concordar ou não com o epíteto de “combate à evasão fiscal” que a AT tem vindo a associar indiscriminadamente às tributações autónomas, tal associação em nada deve modificar a conclusão de a colecta desta parte do IRC dirigida (nesta tese) contra abusos estar disponível para efeitos de benefícios fiscais em IRC que operam, justamente, ao nível da colecta, ou para efeito do PEC.

4.24. Com efeito, em lado algum da lei resulta afastada destes benefícios fiscais ou do PEC a colecta ou partes da colecta do IRC resultantes de medidas legislativas anti-evasão fiscal.

4.25. Num cenário em que se entenda não ser possível efectuar a dedução dos benefícios fiscais aos montantes devidos a título de tributações autónomas, então a Requerente solicita, a título subsidiário, que seja anulada a autoliquidação do período de tributação de 2015 da Requerente e respectivo Grupo Fiscal, na parcela correspondente às tributações autónomas, pelo facto de as mesmas terem sido liquidadas e cobradas sem base legal para o efeito.

4.26. Entendeu de modo esmagador a jurisprudência que quando no Código do IRC se faz referência à colecta do IRC, nada mais lá necessita de estar para que se imponha a conclusão jurídica de que essa disposição se aplica também à colecta das tributações autónomas.

4.27. E com base na mesma premissa (“o imposto ‘tributação autónoma’ é IRC”) a referência ao IRC constante do artigo 89.º e ss. do Código do IRC constituiu a base legal utilizada por todos, a começar pela própria AT, para que se procedesse à liquidação da tributação autónoma.

4.28. É que o artigo 88.º do Código do IRC apenas refere a base de incidência e as taxas a aplicar por forma a apurar a colecta de IRC em sede de tributações autónomas, de modo em tudo igual ao que faz o artigo 87.º relativamente à colecta do IRC que resulta do lucro tributável apurado.

4.29. Na ausência de aplicação daquelas normas dirigidas ao IRC, artigos 89.º e 90.º (e ss.) do Código do IRC, também às tributações autónomas, estaríamos perante uma lacuna legal insuperável quer pela jurisprudência quer pela doutrina, porquanto, como também viram já bem vários decisores arbitrais acima referenciados, está-se perante matéria de reserva de lei, nos termos do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.

4.30. Com a Lei do Orçamento do Estado para 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, doravante designada por “LOE 2016”), o Parlamento interveio nesta matéria a pedido da AT, e reiterou que o artigo 89.º do Código do IRC se aplicava também à liquidação das tributações autónomas (parte 1 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC), mas inexplicavelmente não reiterou expressamente que o artigo 90.º do Código do IRC também se aplica à liquidação das tributações autónomas.

4.31. Em contra-corrente com o que resultava da pacífica qualificação jurisprudencial e por parte da AT, da colecta de tributação autónoma em IRC como colecta de IRC, o legislador em sede de LOE 2016 optou por afastar a aplicação de parte do disposto no artigo 90.º do Código do IRC para a colecta do IRC à colecta da tributação autónoma em IRC (parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC).

4.32. Tudo isto se encontra no novo n.º 21, acrescentado pelo artigo 133.º da LOE 2016 ao artigo 88.º do Código do IRC.

4.33. Pode, e deve concluir-se que o artigo 135.º da LOE 2016 se refere apenas à parte 1 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, interpretação que pela negativa é autorizado pela manifesta incorrecção da redacção daquele artigo 135.º (conforme desenvolvido supra), revelador do pouco cuidado que o legislador teve em ser preciso, e que pela positiva é autorizada pela presunção de que o legislador adoptou as soluções mais acertadas e pela directriz da interpretação conforme à Constituição.

4.34. Acresce, conforme desenvolvido supra, que a atribuição de natureza interpretativa a uma norma fiscal não desencadeia por si só a aplicação do regime de aplicação de leis no tempo previsto no Código Civil.

4.35. Concretizando, e sintetizando, o regime de aplicação de leis no tempo previsto no Código Civil (onde se inclui por direito próprio o seu artigo 13.º), não se aplica no que respeita a matérias que disponham de um regime privativo para o efeito, em obediência a princípios distintos, como é o caso (actualmente) dos impostos: cfr. artigo 12.º da LGT e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.

4.36. Em qualquer caso o artigo 13.º do Código Civil e a prescrição de retroactividade que aí se contém só se aplica a normas interpretativas, por oposição a falsas normas interpretativas, sendo a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC é, supondo que foi realmente intenção do legislador atribuir-lhe carácter interpretativo uma falsa norma interpretativa.

4.37. Por impossibilidade lógica e antinomia só se pode interpretar a atribuição de natureza interpretativa ao novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, pelo artigo 135.º da LOE 2016, como querendo referir-se à parte 1, e não à parte 2, do referido n.º 21.

4.38. Se, não obstante todas as razões que acima se elencaram, se entender ainda assim que o artigo 135.º da LOE 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março) atribuiu natureza interpretativa também à parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, isto é, também ao segmento normativo “não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global [de tributação autónoma em IRC] apurado”, introduzido pela mesma LOE 2016 (pelo seu artigo 133.º), estar-se-á então perante uma inconstitucionalidade material do referido artigo 135.º da LOE 2016, por violação da proibição de retroactividade em matéria de impostos prevista no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição, quer se tenha concluído, quer não (e entende-se que não), estar-se perante uma lei materialmente interpretativa, e por violação, também, do princípio da separação de poderes e do princípio da independência do poder judicial.

4.39. Violação, pois, também, do artigo 2.º (Estado de direito democrático, e separação e interdependência de poderes, sendo que quanto a este último aspecto no caso está em causa a perspectiva da interdependência – e por conseguinte negação de excessos e de ocupação de espaço que não lhe pertence – do poder político-legislativo face ao poder judicial), do artigo 111.º, n.º 1 (separação e interdependência dos órgãos de soberania, que é ainda um limite material de revisão – artigo 288.º, alínea j), da Constituição), e do artigo 203.º (independência dos tribunais, outro limite material de revisão – artigo 288.º, alínea m), da Constituição), todos da Constituição.

4.40. A Requerente pagou imposto em montante superior ao legalmente devido pelo que, declarada a ilegalidade da (auto)liquidação na parte aqui peticionada, a Requerente tem direito não só ao respectivo reembolso, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, a juros indemnizatórios.

4.41. Juros estes calculados sobre € 104.369,01 que deveriam ter sido reembolsados até 31 de Agosto de 2016, contados desde 1 de Setembro de 2016 até integral reembolso deste montante de imposto (tributações autónomas em sede de IRC) indevidamente pago.

4.42. Acresce que o erro de que padece a (auto)liquidação contra a qual se reclama resulta de erro dos Serviços sobre os pressupostos de direito que condicionou informaticamente o preenchimento da declaração (Modelo 22) de autoliquidação, como supra se referiu, agravado ainda pelo indeferimento da reclamação graciosa.

4.43. Nestas circunstâncias – erro imputável aos Serviços – deverá ser reconhecido à Requerente o direito a indemnização pelos prejuízos resultantes do pagamento pela Requerente de imposto em excesso no montante supra referido.

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:

5.1 As tributações autónomas, ao respaldo do que vem escorado na douta jurisprudência arbitral e na argumentação da AT, pese embora se tratar de uma colecta em IRC, distingue-se por incidir não sobre os lucros mas, antes sim, sobre despesas incorridas pelo sujeito passivo ou por terceiros que com ele tenham relações.

5.2. Em face da sua teleologia, as tributações autónomas, enquanto instrumento fiscal anti-abusivo, esvaziar-se-iam de qualquer conteúdo prático-tributário na eventualidade de se acolher a tese defendida pela Requerente – o que apenas por mero exercício académico se concederia.

5.3. Sob pena de se subverter os fins das tributações autónomas, ao conferir-lhes, com esta interpretação, um efeito nulo, em conformidade com o que a AT vem exaustivamente pugnando.

5.4. Ora, a lei e a sua interpretação não se compaginam com meras aparências ou juízos valorativos construídos ao redor das conveniências das teses de quem as defende, sem que se tenha presente a hermenêutica da teleologia do normativo em apreço.

5.5. Novamente, reitere-se, que a admissibilidade de uma interpretação desta estirpe, permitiria uma inadmissível limitação da liberdade de conformação da iniciativa do legislador, que ao criar as tributações autónomas o fez com um propósito que pertence ao plano das evidências, i.e.,

a) a luta contra a evasão fiscal;

b) a intenção de tributar rendimento de terceiros cujo acréscimo de rendimento, de outra maneira, se subtrairia à tributação;

c) a penalização, pela via fiscal, do pagamento de rendimentos considerados excessivos face à conjuntura de crise económica de que, ainda hoje, existem resquícios.

5.6 Pelo que, permitir devaneios interpretativos que redundariam na admissibilidade de dedução de  benefícios fiscais (ou pagamento especial por conta, cfr. já decidido exaustivamente pelo tribunal arbitral, entre outros nos processos n.º 113/2015-T; 535/2015-T; 639/2015-T; 535/2015-T; 670/2015-T; 722/2015-T; 736/2015-T; 745/2015-T; 746/2015-T; 750/2015-T; 751/2015-T; 752/2015-T; 767/2015-T; 769/2015-T; 780/2015-T; 781/2015-T; 784/2015-T; 784/2015-T; 174/2016-T todas elas corroborando a tese pugnada pela Requerida) , à colecta das tributações autónomas – à semelhança daquilo que a lei permite à colecta do IRC –  como pretende a Requerente, amputa inexoravelmente as tributações autónomas naquilo que foram os princípios e fins em que assentou a sua criação pelo legislador.

5.7. Destarte, as pretensões aduzidas assentam numa construção sem qualquer sustentáculo legal, escorando-se numa qualquer tentativa forçada de interpretação ab-rogante do normativo vigente, termos em que fenecem in totum os argumentos esgrimidos pela Requerente.

5.8. Pelo que, respeitosamente considerando a douta jurisprudência arbitral arvorada pela Requerente, interpretar o normativo vigente para as tributações autónomas no sentido que se propugna na falácia acolhida e defendida por aquela, mais não é do que, repise-se à saciedade, uma interpretação ab-rogante travestida de impulso legiferante, podendo constituir, em última análise, uma violação ao princípio da separação de poderes.

5.9. O Orçamento de Estado para 2016 aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, atribuindo ao mesmo com carácter interpretativo, pelo que se dúvidas houvessem, as mesmas ficariam dissipadas com aquele normativo.

5.10. Com efeito, no que ao efeito interpretativo conferido pelo artigo 135.º constante da Lei do Orçamento de Estado para 2016, apelemos à boa jurisprudência exarada, entre inúmeros outros, nos processos arbitrais n.ºs 722/2015 –T CAAD; 727/2015 – T CAAD; 785/2016 T CAAD e, bem assim, no voto vencido lavrado pela insigne Conselheira Fernanda Maçãs no processo n.º 5/2016 T CAAD.

5.11. Posto isto, resulta que o próprio efeito interpretativo conferido por aquela Lei seria, per si, desnecessário, porquanto, conforme se demonstrou, nenhuma outra interpretação seria passível de ser efectuada tendo em consideração a teleologia e hermenêutica jurídica das normas em apreço, o que confere total legalidade, constitucionalidade e, acima de tudo, autenticidade aquele caracter interpretativo.

5.12. Cabe ainda chamar à colação o argumento igualmente improcedente, que tem vindo a ser esgrimido (V., Decisão no proc.º 740/2015-T) no sentido de que remeter o teor da expressão, contida na regulamentação do SIFIDE II aprovado pelo art.º 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (n.º 1 do Art.º 4.º): «… montante da coleta do IRC apurado nos  termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC e até à sua concorrência…», apenas para a colecta do IRC apurada com base na matéria colectável que tem origem no lucro significaria fazer uma interpretação restritiva das normas sobre benefícios fiscais e que o art.º 10.º do EBF não prevê explicitamente a possibilidade de interpretação restritiva.

5.13. Pois bem, ainda que o art.º 10.º do EBF admita interpretação extensiva e proíba a analogia na interpretação das normas sobre benefícios fiscais, não proíbe o recurso à interpretação restritiva e, por isso mesmo, em situações objectivamente fundamentadas não está afastada a sua utilização.

5.14. E, justamente, neste caso, a interpretação restritiva até encontraria respaldo e plena justificação na preservação dos objectivos e da filosofia que subjazem aos benefícios fiscais ao investimento em geral e ao SIFIDE em particular, dados os efeitos perversos que podem ser alcançados com a possibilidade de dedução do crédito de imposto às colectas das tributações autónomas em IRC.

5.15. Sendo que a interpretação restritiva é consentida sempre que subsistam razões ponderosas para concluir que o sentido e alcance que resultariam de  considerar que as deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º, onde se inclui o SIFIDE, poderiam ser efectuadas ao somatório das colectas das tributações autónomas, apuradas nos termos da alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo, atraiçoariam a ratio legis ou que se torna necessário conciliar  os interesse conflituantes que duas normas visam tutelar.

5.16. Refuta-se igualmente o argumento desenvolvido na Decisão Arbitral proferida no proc.º n.º 740/2015-T , segundo o qual a norma interpretativa do n.º 21 do art.º 88.º do Código do IRC, na parte em que se refere a «efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», “apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída” não pode ter relevância em matéria de dedução do SIFIDE porque tal constituiria uma interpretação restritiva do art.º 4.º do respectivo regime que consta de norma especial de um diploma avulso, como é o do SIFIDE II, e que «na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil)…», em primeiro lugar,  porque a norma (art.º 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 Março) que atribui carácter interpretativo limita-se a fixar um entendimento que já tinha apoio na letra e na ratio da lei e, em segundo lugar, as normas que regulam benefícios fiscais têm natureza excepcional e não natureza especial.

5.17. É igualmente de afastar o argumento de que a aplicação do disposto no n.º 21 do art.º 88.º ao SIFIDE II  não seria compaginável com o princípio constitucional da protecção  da confiança, na medida em que este instrumento de benefício fiscal teve em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos no período entre 01-01-2011 e 31-12-2015, o benefício obtido a contrapartida do comportamento desejado e incentivado, sendo certo que o legislador se limitou a acolher, clarificando-a, um entendimento que sempre teve aplicação pela generalidade dos contribuintes e que se extraía das disposições legais vigentes.

5.18. Assim seria, efectivamente, se o disposto no n.º 21 do art.º 88.º tivesse carácter inovador, o que como se viu não tem e, além do mais, nenhum sujeito passivo, no período acima referido tinha a expectativa de deduzir o crédito de imposto do SIFIDE II ao montante das colectas das tributações autónomas, pois, como bem refere a Requerente essa expectativa resultou de recentes decisões arbitrais proferidas sobre as tributações autónomas que a levaram a apresentar relação graciosa da autoliquidação.

5.19. Logo, não se pode aduzir que se pode concluir que a norma do n.º 21 do art.º 88.º, na parte em que clarifica a impossibilidade de serem efectuadas quaisquer deduções ao montante das colectas das tributações autónomas tem por escopo fixar o entendimento que sempre vigorou em matéria de deduções à colecta do IRC e que apenas foi posto em crise na decorrência de alguma jurisprudência arbitral recente.

5.20. Tal interpretação extensiva (extensíssima, aliás) das normas que estabelecem benefícios fiscais não nos parece que possa conduzir a tal asserção, i.e, à dedução dos mencionados benefícios fiscais à colecta das tributações Autónomas.

5.21. Para mais, os efeitos fiscais favoráveis que o SIFIDE II prometeu aos contribuintes dirigem-se como em qualquer instrumento de incentivação do investimento, visam melhorar a sua performance, traduzida através dos lucros e não maximizar a realização de despesas sujeitas a tributação autónoma.

5.22. Ora, levando a argumentação defendida naqueles arestos até ao limite, poderia conduzir-se ao absurdo de o SIFIDE incentivar não a obtenção de lucro mas, antes sim, a maximização da realização de despesas (não documentadas ou atinentes a operações que configuram práticas de evasão fiscal), diluindo o seu carácter notoriamente anti abusivo.

5.23. Pelo que, aqui chegados, reitere-se que os segmentos de tributação são distintos, ainda que inseridos no mesmo Código, estando por essa razão as tributações autónomas imbricadas no IRC, mas não se confundindo com ele, melhor, não se diluindo nas suas finalidades.

5.24. Não seria lógico permitir a dedução do valor apurado em sede de tributações autónomas ao lucro tributável - atento o seu efeito dissuasor em termos de combate à evasão fiscal, então, similar omissão de sentido existiria se, em teoria, fosse permitido à Requerente deduzir à sua colecta (das tributações) os montantes pagos em sede de SIFIDE.

5.25. Isso, pois que, também a subtracção do valor do SIFIDE enquanto benefício fiscal à colecta daquelas tributações redundaria na redução, ou mesmo, na eliminação de imposto a pagar pelos sujeitos passivos.

5.26. O que, diga-se, é desconforme ao espírito do Código, ao do da figura das tributações autónomas, ao espírito que sustentou a sua criação, bem como aos motivos por que as mesmas foram no ordenamento introduzidas e, bem assim, desconforme com o propósito de atenuar (ou mesmo eliminar) os desequilíbrios e desigualdades existentes entre sujeitos passivos.

5.27. Contudo, em face do exposto, e para dirimir de vez as interpretações divergentes que têm vindo a ser feitas pela jurisprudência a Lei n.º 114/2017 de 29 de dezembro (Orçamento de Estado para 2018), em concreto o seu art.º 233.º, o qual alterou o n.º 21 do art.º 88.º do CIRC, reafirmando-se a natureza interpretativa daquele preceito, em conformidade com o artigo 233.º da Lei ante citada.

6. No dia 15 de Janeiro de 2018, foi proferido despacho arbitral, nos termos seguintes:

No prazo de 10 dias, deverá a Requerente informar se, face às posições das partes assumidas nos articulados, mantém interesse na inquirição da testemunha por si arroladas, ou se prescinde da mesma.

Mantendo-se o interesse da Requerente naquela inquirição, deverá esta, no mesmo prazo, indicar quais os concretos pontos do requerimento inicial que serão objecto daquele tipo de prova

7. A Requerente prescindiu da inquirição das testemunhas por si arroladas.

8. A 25 de Janeiro de 2018, foi proferido despacho arbitral, dispensado a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT e convidando a apresentar alegações escritas.

9. As partes apresentaram alegações escritas, onde reafirmaram as posições alegadas.

10. A 12 de Março de 2018, foi proferido despacho arbitral, prorrogando a data inicialmente indicada para a decisão para efeitos da parte final do art.º 18.º/2 do RJAT, até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 também do RJAT.

 

 

II – Factos provados

 

São os seguintes os factos provados com interesse para a decisão da causa.

1. Em 30 de Maio de 2016 a ora Requerente procedeu à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) do seu Grupo Fiscal referente ao exercício de 2015, tendo procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano de 2015, no montante de € 104.369,01.

2. Na sequência da apresentação de reclamação graciosa contra a referida autoliquidação respeitante ao exercício de 2015, foi a Requerente notificada do seu indeferimento em 12 de Junho de 2017, por despacho do Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária – Contencioso, da Direcção de Finanças de … (actuando ao abrigo de subdelegação de poderes) datado de 9 de Junho de 2017.

3. A Requerente procedeu ao recurso por via administrativa, sem sucesso.

4. O montante de SIFIDE, atribuído/obtido, disponível para utilização no final do exercício de 2015 ascendia a € 1.693.653,38.

5. Em sede de RFAI subsiste um montante acumulado por deduzir à colecta de IRC que ascendia no exercício de 2015 a € 1.505.057,48.

6. O montante de CFEI disponível no exercício de 2015 ascendia por sua vez a um total de €158.540,36.

7. As empresas integrantes do grupo fiscal na origem do SIFIDE, do RFAI e do CFEI não são e não eram então entidades devedoras ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições

 

III – Factos não provados

Não foram apurados factos não provados com interesse para a decisão da causa.

 

 

IV – Do Direito

 

São as seguintes as questões a considerar neste processo:

A) Da ilegalidade da declaração de autoliquidação de IRS e respectivas taxas de tributação autónoma

B) Do direito a juros indemnizatórios

 

A) DA ILEGALIDADE DA DECLARAÇÃO DE AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRS E RESPECTIVAS TAXAS DE TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA

 

Está em causa averiguar se poderiam ser deduzidos o SIFIDE

 

Refere o artigo 90º do CIRC, na redacção vigente à data:

1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;

b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;

c) A relativa a benefícios fiscais;

d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

e) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

3 — (Revogado).

4 — Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 — As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 —  (Revogado pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro)

8— Relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao montante apurado nos termos do n.º 1 apenas são de efetuar as deduções previstas nas alíneas a) e e) do n.º 2.

9 — Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

10 — Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos nºs 2 a 4.

11 — Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

12 — A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

O Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDEII), aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 5.º:

Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 10 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.

5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de usufruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.

6 - A taxa incremental prevista na alínea b) do n.º 1 é acrescida em 20 pontos percentuais para as despesas relativas à contratação de doutorados pelas empresas para actividades de investigação e desenvolvimento, passando o limite previsto na mesma alínea a ser de (euro) 1 800 000.

7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de actos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

Artigo 5.º

Condições

Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o artigo 4.º os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

a) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.

 

Refere o artigo 3º da Lei 49/2013, de 16 de Julho (CFEI):

Artigo 3.º

Incentivo fiscal

1 - O benefício fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20 % das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2013.

2 - Para efeitos da dedução prevista no número anterior, o montante máximo das despesas de investimento elegíveis é de 5 000 000,00 EUR, por sujeito passivo.

3 - A dedução prevista nos números anteriores é efetuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação que se inicie em 2013, até à concorrência de 70 % da coleta deste imposto.

4 - No caso de sujeitos passivos que adotem um período de tributação não coincidente com o ano civil e com início após 1 de junho de 2013, as despesas relevantes para efeitos da dedução prevista nos números anteriores são as efetuadas em ativos elegíveis desde o início do referido período até ao final do sétimo mês seguinte.

5 - Aplicando-se o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução prevista no n.º 1:

a) Efetua-se ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria coletável do grupo;

b) É feita até 70 % do montante mencionado na alínea anterior e não pode ultrapassar, em relação a cada sociedade e por cada exercício, o limite de 70 % da coleta que seria apurada pela sociedade que realizou as despesas elegíveis, caso não se aplicasse o regime especial de tributação de grupos de sociedades.

6 - A importância que não possa ser deduzida nos termos dos números anteriores pode sê-lo, nas mesmas condições, nos cinco períodos de tributação subsequentes.

7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de quaisquer operações previstas no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

Conforme o que dispunha o artigo 3º do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (aprovado pelo artigo 13º da Lei 10/2009, de 10 de Março):

Artigo 3.º

Incentivos fiscais

1 - Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:

a) Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:

i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de (euro) 5 000 000;

ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a (euro) 5 000 000;

b) Isenção de imposto municipal sobre imóveis, por um período até cinco anos, relativamente aos prédios da sua propriedade que constituam investimento relevante;

c) Isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante;

d) Isenção de imposto do selo relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante.

(…)

 

Através da entrada em vigor da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, foi aditado ao artigo 88º do CIRC, o nº 21, que dispõe o seguinte:

“21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.

Por sua vez, o art. 135º da mesma Lei estabeleceu que "a redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos nº.s 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa".

Contudo, não obstante se tratar de lei que se proclamou como tendo natureza interpretativa, a sua aplicação ao caso em concreto implicaria a cobrança retroactiva de impostos, a qual é vedada pelo artigo 103, nº 3, da Constituição da República Portuguesa. Efectivamente, nos termos do art. 13º CC, a lei interpretativa é retroactiva, aplicando-se aos factos passados (facta preterita) e apenas ressalvando os litígios já terminados (causae finitae). Ora, as leis fiscais apenas se podem aplicar para o futuro, atenta a consagração constitucional da proibição da irretroactividade da lei fiscal (art. 103º, nº3, da Constituição). O art. 12º, nº1, da Lei Geral Tributária determina consequentemente que "as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos".

Sublinhe-se, ainda, a respeito da aplicação desta norma, o que refere o Acórdão do CAAD nº 5/2016-T:

“A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento para 2016), aditou ao CIRC os n.ºs 20 e 21 do artigo 88.º, tendo sido reconhecida pelo legislador natureza interpretativa às normas aí contidas.

O n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, prevê o seguinte:

«A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado».

Da análise desta norma podemos retirar as seguintes conclusões:

i)          Ela não altera o regime jurídico do SIFIDE nem do RFAI;

ii)        Ela não tem por objeto a interpretação autêntica de normas contidas no SFIDE nem no RFAI;

iii)      Mantém-se válida a previsão, contida no SIFIDE, das deduções “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”;

iv)      Mantém-se válida a previsão, contida no RFAI, das deduções “à coleta de IRC”;

v)        Não é alterada a natureza das “taxas de tributação autónoma”;

vi)      Não é alterado o procedimento e forma de liquidação;

vii)    Passam a estar expressamente vedadas deduções ao montante de tributações autónomas apurado, o que não impede que sejam feitas deduções à coleta de IRC (que inclui o resultado das tributações autónomas) previstas no SIFIDE e no RFAI.

(…)

Deste modo, a norma contida no n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, à qual foi atribuída natureza interpretativa, não obsta a que sejam deduzidos à coleta de IRC (ou seja, à globalidade da coleta apurada por aplicação do artigo 90.º do CIRC) montantes ao abrigo do SIFIDE e do RFAI. Com efeito, o intérprete e aplicador da lei pode discordar das opções do legislador, o que não pode é alterar as soluções legislativas adotadas. Ora o legislador refere-se no RFAI à dedução “à coleta do IRC” e no SIFIDE refere-se à dedução “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”, o que, em ambos os casos, é manifestamente distinto de “dedução à matéria coletável de IRC”. O legislador poderia, quer no RFAI quer no SIFIE, ter adotado esta solução; a verdade é que não o fez, e não cabe ao intérprete corrigir a mão do legislador. Como afirma José de Oliveira Ascensão, «[p]or mais desejável que se apresente uma alteração do sistema normativo, essa alteração pertence às fontes de direito, não ao intérprete. Este capta o sentido da fonte como ele objectivamente se apresenta no momento actual, não lhe antepõe qualquer outro sentido. Razões ponderosas de segurança e de defesa contra o arbítrio alicerçam esta conclusão». Deste modo, para que as deduções previstas no RFAI e no SIFIDE deixem de ser feitas à coleta do IRC (para a qual concorrem também as tributações autónomas) o legislador, caso assim o entenda, deve alterar os regimes jurídicos especiais que as preveem.”

 

Por outro lado, releve-se ainda que a possibilidade de deduções ao montante apurado a título de tributação autónoma em IRC é defendida pela maioria da jurisprudência arbitral.

 

Veja-se, por exemplo, o Acórdão do CAAD nº 784/2015-T:

“O diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência». O n.º 3 do mesmo artigo 4.º confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior». Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que o artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE II, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º. O facto de o artigo 5.º do SIFIDE II afastar o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indirectamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos susceptíveis de os reduzirem) não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indirectos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável, cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria colectável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC. Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indirectos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à colecta das tributações autónomas, que é determinada por métodos directos. Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas uma explicação para o seu afastamento da respectiva colecta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE II, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização. Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II ser limitada à colecta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas. Assim, apontando o teor literal do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas a apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas. A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê. De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)». Como fundamento para uma interpretação restritiva poderá aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções. Mas, o desincentivo desses comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF). E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, como se infere da fundamentação no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:

II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento

Empresarial II (SIFIDE)

Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento). Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios internacionais recentes. É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à colecta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atractivos e competitivos.

Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais. A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE II, é decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicados como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC. Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE II é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas. Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC”.

 

Veja-se também, a este respeito, o que refere o Acórdão do CAAD nº 769-2014-T:

 

Assim, a questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se os créditos fiscais que, no ano de 2011, foram reconhecidos à Requerente, em sede de SIFIDE, podem ser deduzidos à colecta produzida pelas tributações autónomas que a oneraram nesse exercício fiscal, na parte em que não podem ser deduzidos à restante colecta de IRC. Há tributações autónomas previstas no CIRC (artigo 88.º do CIRC) e tributações autónomas previstas no CIRS (artigo 73.º do CIRS). A colecta por elas proporcionada constitui colecta do imposto respectivo, estando sujeita à generalidade de normas previstas nos códigos referidos, potencialmente aplicáveis. Quanto ao IRC, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código. Mas, a solução desta questão conceitual da natureza da colecta proveniente das tributações autónomas previstas no CIRC não permite resolver a questão de saber se os créditos provenientes do SIFIDE podem ser deduzidos a essa mesma colecta. Na verdade, o diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência». O n.º 3 do mesmo artigo confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior». Assim, a questão que interessa resolver, é, independentemente da natureza do imposto a que se referem as tributações autónomas, a de saber se o montante das tributações autónomas é «apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC», pois, se o for, terá de se concluir que, para determinar o limite da dedução, se atende à colecta proveniente das tributações autónomas. O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10). Por isso, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária nos termos do artigo 90.º do CIRC, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se às taxas aplicáveis e à respectiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efectuado nos termos do artigo 90.º. As diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável, assenta na determinação da matéria tributável e nas taxas, previstas nos Capítulos III e IV do CIRC, mas não nas formas de liquidação, que se prevêem no Capitulo V do mesmo Código e são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC. Por isso, sendo para o artigo 90.º, inserido neste Capítulo V, que se remete no artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE, não se vê suporte legal para efectuar uma distinção entre a colecta proveniente das tributações autónomas e a restante colecta de IRC, pelo facto de serem distintas as taxas e as formas da determinação da matéria tributável”.

 

Como se pode verificar, também o Acórdão do CAAD nº 219/2015-T apresenta posição idêntica:

“É certo que, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, as tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções. Mas, também é certo que, como está ínsito naquela afirmação, essas tributações autónomas apenas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais, e os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF). E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, como se infere do facto de estes benefícios serem indicados como estando especialmente excluídos do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC. Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas. Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC. No que concerne à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a inconstitucionalidade desta interpretação por incompatibilidade «com os princípios constitucionais da legalidade tributária, da igualdade na repartição da carga tributária, da prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e da tributação pelo lucro real, nos termos do disposto nos artigos 13.º e 103.º, n.º 1 e 2 da CRP», não é explicitado pela Autoridade Tributária e Aduaneira porque é entende que essa incompatibilidade existe, nem se vislumbra como possa existir. Na verdade, quanto ao princípio da legalidade tributária, a interpretação legal é a defendida pela Requerente, pelo que se disse, sendo ilegal a interpretação defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Por outro lado, o princípio da legalidade abrange a forma de liquidação dos tributos, só podendo a sua liquidação ser efectuada «nos termos da lei» [artigos 103.º, n.º 3, da CRP e 8.º, n.º 2, alínea a) da LGT, pelo que, a não ser aplicável o artigo 90.º do CIRC à liquidação de tributações autónomas, teria de se concluir que não existiria no CIRC qualquer norma sobre a forma de liquidação destas tributações, o que se reconduziria a que enfermaria de inconstitucionalidade a sua liquidação, por ofensa do em princípio da legalidade, que se não compagina liquidação de tributos sem os termos em que ela se efectua estarem previstos na lei. No que concerne aos princípios da igualdade na repartição da carga tributária, da prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e da tributação pelo lucro real também não se vê que colidam com a interpretação da Requerente, pois esta é aplicável à generalidade dos contribuintes que estejam na mesma situação e os benefícios fiscais, se é certo que diminuem a carga fiscal, têm justificação em razões de interesse público que se sobrepõem aos interesses da tributação, como se referiu”.

 

Resulta, portanto, claro, tanto das normas constantes dos diplomas legais, como do entendimento maioritário da jurisprudência, que a dedução dos benefícios fiscais à colecta das tributações autónomas da Requerente teria de ser admitida pela Autoridade Tributária, pelo que procede o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC da Requerente.

 

B) DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Refere a este respeito, o artigo 43º, nº 1 da Lei Geral Tributária que são devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Sendo que este direito é reconhecido em processo arbitral, por força do artigo 24º, nº 5 do RJAT.

Veja-se então se é possível entender pela existência de erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária.

Verifica-se, no caso em apreço, que a declaração de autoliquidação foi formulada pela própria Requerente e não directamente pela Autoridade Tributária, ora Requerida.

Contudo, é de ter em conta que a Requerente, na formulação da declaração em causa, se encontrou limitada pelos serviços informáticos através dos quais a declaração é formulada, serviços esses disponibilizados pela Autoridade Tributária, e em relação aos quais não pode a Requerente efectuar qualquer alteração.

Por outro lado, é também claro que, existindo recurso prévio por via administrativa, e tendo a Requerente já apresentado a respectiva explicação no que se reporta à impossibilidade informática de apresentar a declaração nos termos correctos, deveria a Autoridade Tributária ter corrigido o erro em causa, o que não fez, persistindo nos mesmos fundamentos.

Estamos, neste caso, perante negligência por parte da Autoridade Tributária, negligência essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.

Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, entende-se que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 104.369,01, que serão contados desde 01-09-2016, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

V – Decisão

 

É procedente o pedido de declaração da ilegalidade da autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, do grupo fiscal B… SGPS, relativa ao exercício de 2015, no montante de € 104.369,01, com as consequências legais daí decorrentes, ou seja, o reembolso à requerente da quantia indevidamente paga, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 1 de setembro de 2016.

 

Fixa-se ao processo o valor de € 104.369,01. (valor indicado e não contestado) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 3.060,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas pela entidade requerida.

Notifique-se.

 

Lisboa, 20/04/2018

 

O Árbitro Presidente

 

José Pedro Carvalho

(vencido nos termos da declaração de voto anexa)

 

O Árbitro Adjunto

 

José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora

 

O Árbitro Adjunto

 

Luís Menezes Leitão - Relator

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

 

Votei vencido na presente decisão porquanto, pelos argumentos constantes, entre outras, das decisões que fizeram vencimento nos processos arbitrais 34/2016T, 174/2016T, 122/2016T, 567/2016T, 587/2016T e 192/2017T, considero que o artigo 90.º/2 do CIRC, na redacção anterior à entrada em vigor da redacção dada pela Lei 7-A/2016, de 30 de Março, deve ser objecto de uma interpretação correctiva, limitando a sua abrangência ao IRC stricto sensu, excluindo, portanto, as tributações autónomas e mantendo assim o seu sentido original, que era aquele que o mesmo tinha antes da introdução das tributações autónomas no CIRC.

Não contende com o entendimento exposto, julga-se, nem a natureza de IRC reconhecida às tributações autónomas na decisão que fez vencimento (conforme referido em várias sedes, as tributações autónomas deverão ser entendidas como integrando o IRC lato sensu, implicando todavia a sua própria natureza uma distinção relevante com o IRC tradicional, ou stricto sensu, incluindo na matéria sub iudice), nem as considerações a respeito da interpretação correctiva, dado que, por um lado, aquela é admissível genericamente em direito fiscal (verificados, como se entende ser o caso, os respectivos pressupostos), e, por outro, não está em causa a aplicação da mesma a matéria de benefícios fiscais, mas à norma do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC aplicável.

A questão que se está a colocar, decorre – exclusivamente – da falta de perspectiva do legislador aquando da introdução das tributações autónomas no CIRC, que não permitiu que se apercebesse de todas as implicações de tal operação, o que levou a que, entre outros[1], o artigo 90.º/2 do CIRC se tivesse mantido inalterado e que a tenha que ser a jurisprudência a, casuisticamente, ir determinando as partes do regime do IRC que se  aplica às tributações autónomas[2].

De resto, a posição que fez vencimento sustenta a conclusão – totalmente avessa à presunção de um legislador razoável – de que será possível proceder-se às deduções previstas no artigo 90.º/2 do CIRC à colecta de tributações autónomas relativas a despesas não documentadas ou a pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal privilegiado, entre outras.

A estas duas questões, que a posição acolhida na decisão que fez vencimento não dá resposta, acrescenta-se uma outra – igualmente desconsiderada naquela – que é a de, entre as várias finalidades subjacentes às tributações autónomas, decorrentes, para além do mais, da sua heterogeneidade essencial, assomar a prevenção da fraude e evasão fiscais (notoriamente na tributação autónoma sobre despesas não documentadas e sobre pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal privilegiado), o que também não foi devidamente considerado.

Por fim, e como relevado já na decisão do processo 192/2017T, considero que a interpretação correctiva sugerida tem apoio na letra da lei, ao nível do disposto nos n.ºs 11 e 12 do artigo 88.º do CIRC aplicável, de onde, para além do mais e ressalvado o respeito devido a outros entendimentos, se deverá retirar a conclusão, sob pena de total inutilidade do disposto naquele n.º 12, de que, por norma, não eram já admissíveis deduções à colecta de tributações autónomas, ressalvados os casos especialmente previstos na lei, como acontece com esse referido n.º 12.

Assim, atenta a natureza e a teleologia próprias das tributações autónomas, tal como desenvolvido nas decisões arbitrais supra-citadas, bem como a evolução histórica da sua emergência no quadro do IRC, não tenho quaisquer dúvidas que aquela norma não foi criada, nem mantida, tendo em vista a sua aplicação às tributações autónomas, carecendo, por isso, de ver a sua letra interpretada correctivamente, no sentido acima apontado.

 

Lisboa, 20-04-2018

 

José Pedro Carvalho (Presidente - Vencido)

 

 



[1] O que levou à introdução de sucessivos remendos no regime do IRC, como acontece, p. ex., com os actuais artigos 12.º, 23.º-A/1/a), 117.º/6, 120.º/9, para além do artigo 88.º/21, introduzido pela referida Lei 7-A/2016, de 30 de Março.

[2] Cfr., p. ex. Acs. do STA de 12-04-2012, proferido no processo 077/12 (aplicação das tributações autónomas a entidades isentas de IRC), e de 06-04-2016, proferido no processo 01613/15 (não dedutibilidade da colecta de tributações autónomas à colecta de IRC).