Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 401/2017-T
Data da decisão: 2018-04-30  IRC  
Valor do pedido: € 4.578.343,13
Tema: IRC - RETGS
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Luís M. S. Oliveira e João Taborda da Gama, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem Tribunal Arbitral.

 

  1. Relatório

 

A…, S.A., sujeito passivo com o NIF…, com sede na …, …, … (doravante, “Requerente”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tribuária e Aduaneira.

A Requerente pretende que seja anulado o Despacho de Indeferimento da Subdiretora-Geral, por delegação, de 10/03/2017, do pedido de Revisão Oficiosa que apresentou da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) relativa ao exercício de 2011, de forma a que no apuramento do lucro tributável da Requerente como sociedade dominante do grupo, sejam incluídas no RETGS todas as sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal detidas direta e indiretamente pela sociedade dominante, com o consequente reembolso do montante total de €4.578.343,31, a título de IRC e de tributação autónoma por efeito das correções.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 03/07/2017.

Nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 28/08/2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.  

Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 12/09/2017.

Por despacho de 9-3-2018, foi prorrogado o prazo para a prolação e notificação da decisão final.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 do RJAT.

Quanto à competência material:

Este pressuposto processual verifica-se no caso, como melhor se fundamentará infra.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não há outras exceções ou questões prévias a apreciar e decidir.

 

  1. Matéria de facto
    1. Factos provados

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Em 30/05/2012, a Requerente apresentou, como sociedade dominante de Grupo de sociedades sujeito ao Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), a declaração de rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 2011, declarando como soma algébrica dos resultados fiscais do grupo o montante de €5.192.359,97, ao qual deduziu prejuízos fiscais no mesmo valor, apurando um imposto a pagar de €175.759,53, que foi tempestivamente pago [Doc 1, com o pedido de pronúncia arbitral (PPA)].
  2. Por entender que a referida autoliquidação não se encontrava correta, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa (Doc 2 – PPA).
  3. O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por Despacho da Subdiretora-Geral da AT, por delegação, datado de 10/03/2017, fundamentado no essencial em que “(...) face à clareza da redacção da norma, e não sendo atribuído qualquer natureza interpretativa, teremos de concluir qua tal hipótese encontra-se desde logo inviabilizada, pelo que, o regime introduzido pelo artigo 69º-A do Código do IRC só é aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2015. Assim sendo, as sociedades detidas, direta e indirectamente pela B… em sociedades residentes em Portugal, são elegíveis para integrar o grupo do qual a A… era sociedade dominante, como refere a requerente na sua petição, mas apenas a partir do período de tributação de 2015 (...)” -   Cfr Doc 3 – PPA.
  4. A Requerente era, no período de tributação de 2011 e conforme sua opção pela tributação pelo RETGS tomada em 1-1-2007, a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades sujeito ao RETGS, e composto pelas seguintes sociedades comerciais (cfr procedimento de revisão oficiosa – fls 52):
  1. A…, AS (sociedade dominante);
  2. C…, S.A., (“C…”) NIPC…, com sede em Rua…, n.º…, …-… …;
  3. D…, Lda., (“D…”) NIPC…, com sede em Lugar …- … …-… …;
  4. E…–, Lda., (“E…”) NIPC…, com sede em …, S/N …-… …; e,
  5. F…, Lda., (“F…”) NIPC…, com sede em Lugar …-…, … .
  1. Em 22/06/2011, a Requerente adquiriu 100% do capital social da sociedade G…, Lda., NIPC …, com sede em …- … …-… … (doravante, “G…”), tendo sido incluída no RETGS apenas no período de tributação de 2013, atendendo à necessária detenção temporal de um ano por parte da sociedade dominante na G… .
  2. Durante os períodos de 2011 e 2012, a sociedade G… foi objeto de tributação individual.
  3. No período de tributação de 2011, o Grupo dominado pela Requerente apurou um lucro tributável de €5.192.359,97.
  4. A Requerente é, e era em 2011, diretamente detida em 100% do seu capital social pela B…, S.L., (doravante, “B…”) sociedade comercial residente para efeitos fiscais em Espanha.
  5. A B… nunca foi nem é detida, direta ou indiretamente, por nenhuma sociedade residente para efeitos fiscais em Portugal...
  6. ... e detinha durante o período de tributação de 2011 e ainda detém, direta e indiretamente, várias sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal.
  7. Em 2011, a B… detinha 100% da sociedade H…, S.A....
  8. ... e de forma indireta, era   detentora de 100% do capital social das seguintes sociedades:
  1. I…, S.A., (“I…”) NIPC…, com sede em …, …-… …;
  2. J…, Lda., (“J…”) NIPC…, com sede em Rua …, …-… …, Portugal;
  3. K…, S.A., (“K…”), NIPC…, com sede em Rua …, …, …-… … .
  1. A sociedade I… é detida a 100% pela sociedade L…, S.A., residente, para efeitos fiscais, em Espanha, que por sua vez é detida a 100% pela sociedade B… .
  2. A sociedade J… é detida a 100% pela sociedade M…, SL, sociedade residente para efeitos fiscais em Espanha, que por sua vez é detida a 100% pela sociedade N…, S.L., também residente para efeitos fiscais em Espanha, e que por sua vez é detida a 100% pela sociedade B… .
  3. A sociedade K… é detida a 100% pela sociedade O…, S.A., sociedade residente fiscal em Espanha, que por sua vez é detida a 100% pela B… .
  4. A partir de 23-12-2015, o Grupo passou a integrar, para efeitos de tributação, as seguintes sociedades, sendo a dominante a B…, SL, com sede em Espanha:

 

 

 

  1. Factos não provados

Não foi provado:

- que tenha sido pedida a opção pela aplicação do RETGS relativamente ao exercício de 2011, através de comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira no prazo e termos previstos no artigo 69º-7, do CIRC (redação de 2011), formulando a inclusão nesse pedido de outras sociedades para além das mencionadas supra, em D).

 

  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo instrutor junto aos autos pela AT.

Os factos não provados resultam do próprio reconhecimento da Requerente, embora invocando motivação para tal omissão.

 

  1. Matéria de Direito
  1.  Questões a decidir

São as seguintes em síntese e se bem se entende, as questões a decidir:

Se o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar o presente pedido de pronúncia considerando não ter havido recurso prévio à figura da reclamação graciosa prevista no artigo 131º-1, do CPPT e atendendo ao objeto da vinculação da AT estabelecido pelo artigo 2º-a), da Portaria nº 112-A/2011 [exclusão de arbitrabilidade das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação (...) que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º, do CPPT];

Se enferma de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto e de direito, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC de 2011 quando desconsidera do perímetro do RETGS as empresas fiscalmente residentes em Portugal e detidas a 100% pela sociedade comercial B…, SL [abreviadamente “B…”], residente para efeitos fiscais em Espanha.

 

Passando então à abordagem destas questões essenciais.

 

1ª Se o Tribunal Arbitral é materialmente competente.

 

Alcance da exigência de recurso à via administrativa para formulação de pedidos de pronúncia arbitral relativos a atos de autoliquidação

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efetuada.

No caso em apreço, é pedida a declaração de ilegalidade e anulação do ato de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2011, bem como a declaração de ilegalidade e anulação do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

Como resulta da matéria de facto fixada, não se provou nem se alegou sequer que a autoliquidação tivesse «sido efectuada de acordo com orientação genéricas da administração tributária» nem foi apresentada reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT.

No entanto, foi apresentado pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação referido.

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do ato tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.

Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes atos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de atos tributários» e «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação».

No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos.

Na verdade, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efetuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes atos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objeto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, ato aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos atos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de atos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa.

A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer (minus dixit quam voluit). Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto».

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de atos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de atos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o ato, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de atos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os atos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos atos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adotadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa.

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de atos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do ato tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, será de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de atos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º, que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses atos.

Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do ato tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas às declaração de ilegalidade de atos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A72011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redação daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do ato tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de atos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do ato tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.

Na mesma linha das decisões arbitrais proferidas, entre outros, nos processos nºs 638/2016-T (acórdão de 8-5-2017), 117/2013-T (acórdão de 6-12-2013) e 73/2012 (de 23-10/2012), é  de concluir que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

Em suma: este Tribunal é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio.

E não se colocam, na perspetiva apontada, as questões de (in)constitucionalidade assinaladas pela AT com base na errada interpretação literal da norma em causa, ficando, deste modo, prejudicada a apreciação dessas questões.

 

2ª Se enferma de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto e de direito, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC de 2011 quando desconsidera do perímetro do RETGS as empresas fiscalmente residentes em Portugal e detidas a 100% pela sociedade comercial B…, SL [abreviadamente “B…”], residente para efeitos fiscais em Espanha.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu pela verificação de todos os requisitos de aplicação do RETGS quanto ao exercício de 2015.

Quanto aos períodos anteriores, a Autoridade Tributária e Aduaneira não invocou no referido despacho que não se verificassem os requisitos cuja verificação cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira, limitando-se a invocar como obstáculo o facto de as opções pela aplicação do RETGS não terem sido formuladas no prazo estabelecido na alínea a) do nº 7 do artigo 69º do CIRC/2011 nem ter sido apresentado qualquer requerimento nesse sentido em tempo oportuno.

Quer a Requerente, quer a B… (que não é parte neste processo), não impugnaram o decidido no referido despacho por qualquer outra via que não fosse a revisão oficiosa e o presente processo.

No pedido de revisão oficiosa a Requerente pediu, em suma, além da anulação das autoliquidações, que fossem tributadas, no ano de 2011, pelo regime do RETGS previsto, à data pelo artigo 69º do CIRC, suprindo-se o cumprimento de requisitos formais para a constituição desse mesmo RETGS em 2011 e considerando-se como válido o exercício da opção pela aplicação do RETGS efectuada em 2015 pela Requerente por referência ao período de tributação de 2011, ou seja, com efeitos retroativos.

Assim, o que está em causa não é propriamente a legalidade ou ilegalidade da autoliquidação, que foi efetuada de acordo com as respetivas declarações modelo 22 e as condições então existentes (opção pelo RETGS no exercício de 2011, com um perímetro de sociedades que não incluía as que o foram a partir de 2015, encabeçadas pela sociedade dominante B…), mas sim saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira, perante a opção por tal regime formulada em 2015, deveria ter decidido a aplicação desse regime ao grupo formado pela Requerente incluindo aí não só as sociedades objeto da comunicação prevista no artigo 69º-7, do CIRC [em vigor, naturalmente no período de tributação de 2011]

É questionável se a via da revisão oficiosa constitui um meio procedimental adequado para impugnar o decidido sobre a inviabilidade de aplicação do RETGS a períodos anteriores a 2015, motivada pelo facto de que as opções não foram efetuadas dentro do prazo e pela forma estabelecidos na citada alínea a) do nº 7 do art.º 69º, do  CIRC/2011, nem apresentado qualquer requerimento nesse sentido, em tempo oportuno.

No entanto, uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira não colocou qualquer obstáculo e apreciou o pedido de revisão oficiosa da autoliquidação, será com base neste contexto procedimental existente (decisão do pedido de revisão oficiosa) que a legalidade ou não da recusa de aplicação daquele regime deve ser apreciada no presente processo.

À luz do exposto, é manifesto que as autoliquidações não apresentam qualquer erro de facto ou de direito quanto aos pressupostos em que assentam.

Na verdade, «o apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária» (artigo 59º-2, do CPPT).  E foi precisamente isso que ocorreu.

A aplicação do RETGS ao exercício de 2011 não depende apenas da verificação dos requisitos legais a sua aplicação, pois é um regime facultativo, só aplicável na sequência de uma opção da sociedade dominante, formulada com antecedência em relação ao termo do primeiro exercício em que se pretende a sua aplicação (no caso dos autos, «até ao fim do 3º mês do período de tributação em que se pretende iniciar a aplicação», nos termos do nº 7 do artigo 69º, do CIRC).

A admissibilidade de opção dos sujeitos passivos de IRC pela aplicação do RETGS, com a possibilidade de obtenção de vantagens fiscais por estes e consequente perda de receitas tributárias, justifica-se por fins extrafiscais, designadamente facilitar «a reestruturação do tecido empresarial e a recuperação dos grupos económicos, através da promoção das sinergias entre empresas integradas num grupo, reforçando e consolidando o tecido empresarial, para assim alcançar maior competitividade e favorecer a concorrência», não sendo justificável para obtenção de «finalidades exclusivamente fiscais» (Cfr Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-12-2012, processo nº 021/12).

A esta luz, a imposição da obrigação de optar pela aplicação deste regime antes de serem conhecidos os resultados da sua aplicação harmoniza-se com este desígnio legislativo de dificultar a utilização do regime para finalidades exclusivamente fiscais, que seria viável com a possibilidade de aplicação retroactiva, com apuramento primeiro dos resultados fiscais e só posterior escolha do regime fiscal mais vantajoso.

Assim, essa opção no prazo previsto tem de ser manifestada pela sociedade dominante (e não por alguma ou algumas ou todas as sociedades dominadas), sendo essa manifestação imprescindível por, além do mais, implicar para aquela a assunção de responsabilidades fiscais (artigo 115º, do CIRC), para além de obrigações declarativas.

No caso em apreço – e tal como ficou apurado - não foi apresentado, para ter efeitos em 2011, requerimento de opção pela tributação segundo o RETGS, de modo a abranger no Grupo as sociedades detidas a 100% pela B… .

Invoca a Requerente que tal não aconteceu porque a então (2011) vigente alínea f), do nº 4, do artigo 69º, do CIRC, excluía do RETGS as sociedades residentes detidas através de sociedades não residentes.

É argumento que não colhe, independentemente da inaplicabilidade retroativa da alteração do artigo 69º-A, do CIRC, introduzida pela Lei nº 82-C/2014, de 31-12 (LOE/2015).

É que se a Requerente – e bem, aliás – estava convicta de que a legislação nacional era ilegal e/ou desconforme ao direito comunitário por não permitir a consolidação fiscal horizontal [entretanto plasmada nos artigos 69º e 69º- A do Código do IRC, através da citada Lei nº 82-C/2014], deveria então ter suscitado tal inclusão junto da AT, a qual necessariamente teria de se pronunciar acerca dessa temática e,  em caso de eventual recusa,  sempre poderia o contribuinte contestar essa decisão administrativa junto dos órgãos jurisdicionais nacionais, suscitando o primado do direito comunitário, com fundamento na eventual desconformidade daquela disposição do Código do IRC com os artigos 49º  e 54º,  do TFUE.

Foi aliás essa contestação que foi feita na Holanda, que tinha norma fiscal muito semelhante ao artigo 69º-4/f), do CIRC/2011 e que, por Acórdão do TJUE de 27 de novembro de 2008, proferido no processo nº C-418/07 (Acórdão “Papillon”), veio a ser considerada violadora do artigo 52º (atual artigo 43º), do TFUE.

Aliás o citado Acórdão “Papillon” teve na base o ato de indeferimento, pela Administração Fiscal holandesa, dum pedido feito pelo contribuinte.

No caso sub juditio, não consta alguma vez ter sido feito esse pedido de inclusão pela Requerente e/ou pela B…, com fundamento na ilegalidade, por violação do direito comunitário, da norma do artigo 69º-3/a), do CIRC/2011.

E, como é óbvio, o novo regime previsto no artigo 69º-A do CIRC, introduzido pela Lei nº 82-C/2014, é aplicável apenas aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 01-10-2015, como está expressamente estabelecido no nº 1 do seu artigo 5º, em sintonia com o princípio básico sobre a aplicação no tempo das normas tributárias, enunciado no nº 1 do artigo 12º, da LGT.

Pelo exposto e em síntese:

O ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação não enferma da ilegalidade invocada e é de manter na ordem jurídica e, consequentemente não padece de erro nos pressupostos, de facto e de direito, a autoliquidação objeto dos autos.

 

4. Decisão

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Declarar materialmente competente este Tribunal Arbitral para apreciação e decisão do pedido de pronúncia arbitral formulado;
  2. Julgar válido e legal o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que assim se mantém na ordem jurídica;
  3. Julgar válida e legal a autoliquidação de IRC sob impugnação, que assim é mantida na ordem jurídica;
  4.  Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  5. Julgar prejudicada pela decisão ora tomada a apreciação das demais questões suscitadas nos autos e, consequentemente,
  6. Absolver do pedido a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

  1. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 4.578.343,13.

 

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €57.834,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas no Processo de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

Lisboa, 30 de abril de 2018

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

(José Poças Falcão)

 

 (Luís M. S. Oliveira)

(vencido quanto à questão da exceção dilatória de incompetência do tribunal)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

Teria decidido pela procedência da exceção dilatória de incompetência do tribunal arbitral. A Requerente não recorreu à reclamação graciosa prevista no artigo 131.º 1 do CPPT e apenas apresentou pedido de revisão oficiosa em 29 de março de 2016. Recordando na íntegra as disposições legais e regulamentares pertinentes, sobre cuja base o tribunal aprecia e decide a invocada exceção, na redação vigente à data dos factos, isto é, a 31 de dezembro de 2011 (artigo 8.º 9 do Código do IRC): 

CPPT, artigo 131.º 1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.

LGT, artigo 78.º 1 - A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. 2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, artigo 124.º 4 - O âmbito da autorização […] compreende, nomeadamente, as seguintes matérias: a) A delimitação do objeto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os atos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não deem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de atos tributários, os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, os atos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária;

Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, artigo 4.º 1 - A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, artigo 2.º - Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Sobre o sentido e alcance da vinculação da AT à arbitragem tributária, nos termos do artigo 2.º a) da Portaria n.º 112-A/2011 – concretamente relativamente à questão de saber se estes tribunais são, ou não, competentes para conhecer de pedidos de declaração da ilegalidade de atos de segundo grau, praticados em sede de revisão oficiosa, sobre atos de autoliquidação – existem decisões diametralmente opostas em processos de arbitragem tributária.

Certas decisões, de que é paradigmática a extraída no Processo 117/2013-T, propendem para desconsiderar a exceção de incompetência, com base numa construção exegética e dogmática sintetizável nos termos seguintes: (a) a fórmula utilizada no artigo 2.º 1 a) do RJAT abrange os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário, pois não se vê razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa; (b) a referência expressa ao artigo 131.º do CPPT não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação; (c) na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º 1 da LGT) e artigo 9.º 1 do Código Civil proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas; (d) quanto à correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º 3 do Código Civil) o que só impede interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa; (e) a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer; (f) o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de atos de autoliquidação, prevista no artigo 131.º 1 do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de atos não existir uma tomada de posição da AT sobre a legalidade da situação jurídica criada com o ato, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa; (g) outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no artigo 131.º 3 do CPPT; em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da AT sobre a legalidade da situação jurídica criada com o ato de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária; (h) nos casos em que é formulado pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação é proporcionada à AT uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adotadas no artigo 131.º 1 e 3 do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa; (i) permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do ato tributário em vez da reclamação graciosa; (j) os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de atos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses atos; (k) esta interpretação, não se cingindo ao teor literal, até se justifica especialmente no caso do artigo 2.º a) da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: associa a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do ato tributário) à expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT, que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; utiliza a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos», que se coadunariam melhor com a feminina palavra «precedidas»; além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º 1 do CC, no específico caso do artigo 2.º a) da Portaria n.º 112-A/2011 há especial razão para não se justificar entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto de a redação da norma ser manifestamente defeituosa; (l) assegurando a revisão do ato tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no artigo 124.º 2 da Lei n.º 3-B/2010, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de atos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão; por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adotada (artigo 9.º 3 do CC); (m) contendo a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do ato tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º do CC para a viabilidade da adoção da interpretação que consagre a solução mais acertada.

Acompanham este entendimento, transcrevendo-o em substância, as decisões exaradas nos Processos 244/2013-T, 202/2013-T – mas com voto discordante, no sentido da decisão extraída no Processo 236/2013-T – e 630/2014-T. No mesmo sentido, com base em raciocínios não coincidentes, mas sem carrearem elementos interpretativos novos, encontram-se as decisões nos Processos 221/2016-T e 39/2017-T.

A outra corrente jurisprudencial formada no CAAD, de que é paradigmática a decisão no Processo 236/2013-T, propende para considerar verificada a exceção de incompetência, com base em construção exegética e dogmática assim sintetizável: (a) a vinculação da AT, constante da Portaria n.º 112-A/2011, corresponde, primeiro, a uma aceitação voluntária da jurisdição dos tribunais arbitrais e, em segundo lugar, a uma delimitação estrita do âmbito de aplicação da arbitragem dos atos tributários genericamente fixada pelo artigo 2.º 1 do RJAT; (b) esta vinculação corresponde a uma renúncia à jurisdição dos Tribunais Tributários – tribunais comuns nesta matéria; (c) a vinculação da AT não corresponde a verdadeiro compromisso arbitral; surge como ato administrativo genérico unilateral, emanado de dois ministérios; (d) tratando-se de vinculação unilateral que implica renúncia ao foro comum – os tribunais tributários – a declaração seria sempre de interpretar literalmente, ou seja, estritamente, como todos os atos de renúncia, o que corresponde a um princípio geral de direito, aflorado, por exemplo, no artigo 237.º do Código Civil; (e) a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, ao introduzir a exceção referida, contém uma expressão ampla (o “recurso à via administrativa”) e uma concretização imediata restritiva e taxativa (operada “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT”);  (f) o texto normativo não permite encontrar nele um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, com a possibilidade de, em qualquer uma das três situações nele referidas (autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta), se poder prescindir do recurso à reclamação graciosa, stricto sensu, para arbitragem da pretensão tributária, ainda que sobre ela tenha havido um qualquer ato de segundo grau e, portanto, se tenha verificado, in casu, uma reapreciação do ato tributário sindicado pela AT, na sequência de pedido de revisão oficiosa formulado pelo sujeito passivo; (g) tal conclusão é alcançada independentemente e sem prejuízo da posição que se adote sobre a equiparação de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte, ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos de impugnação judicial; (h) pela clareza da disposição de vinculação, atenta a dupla negação nela constante: determinados atos não se incluem no objeto da vinculação (sujeição), exceto se precedidos de reclamação graciosa (“precedido de… nos termos dos...”), não se vê como pode o intérprete alcançar conclusão diversa, em especial para alargar o âmbito de sujeição da AT a uma opção do sujeito passivo, sujeição essa que o legislador pretendeu que fosse em concreto delimitada por vontade da própria AT, uma clara reserva da Administração em matéria de autovinculação; (i) no caso da Portaria de vinculação, podemos falar de uma declaração de vinculação unilateral com caráter restritivo, a interpretar nos seus estritos termos, porque a Portaria introduz, expressamente, uma condição prévia (consistente na reclamação graciosa relativa ao ato tributário sindicado), nos termos das disposições legais especificamente indicadas para acesso à arbitragem arbitrária; (j) acolhe-se assim a decisão constante do acórdão arbitral proferido no Processo n.º 51/2012-T, que entendeu que “considerando a natureza voluntária da arbitragem” a interpretação da vinculação da AT “não poderá, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação. Só não seria assim se a sua posição implicasse a frustração total do objetivo pretendido com a instituição da arbitragem tributária, o que não é o caso”; (k) quanto à pretensa redação “deficiente” do artigo 2.º a) da Portaria, independentemente dos méritos de uma ampla arbitrabilidade de atos tributários, há, com efeito, um erro de concordância ao utilizar o particípio passado “precedidos” no plural masculino quando deveria ser no plural feminino, a concordar com “pretensões”, mas tal lapso gramatical não prejudica nem afeta o entendimento da parte seguinte do texto, que aqui está verdadeiramente em causa; a expressão “recurso à via administrativa” constitui uma fórmula genérica ampla que em si mesma pode abranger todos os meios de o contribuinte defender os seus direitos, antes de recorrer aos tribunais, uma fórmula ampla mas não errada nem suscetível de induzir em erro; a Administração (Ministérios da Justiça e das Finanças) especificou a seguir, de forma bem precisa, quais as disposições em causa, indicando-as numa clara enumeração taxativa e não exemplificativa; temos assim a designação genérica “via administrativa” e uma caraterização específica: “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT”; (l) estamos perante uma técnica que respeita o discurso lógico-jurídico, em perfeita consonância com o artigo 9.º 3 do Código Civil; (m) pretender o intérprete acrescentar a este membro da frase “… e do artigo 78.º da Lei Geral Tributária”, que manifestamente ali não está, constitui violação dos princípios fundamentais da hermenêutica jurídica aplicáveis quer às normas jurídicas quer aos atos jurídicos.

Em sentido idêntico, mas aditando um ângulo interpretativo pertinente à análise, a decisão no Processo 303/2013-T: a Portaria n.º 112-A/2011 foi aprovada e publicada já após extensa e profusa jurisprudência que afirmava que, atenta, a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é possível a sua equiparação ao disposto no artigo 131.º 1 do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento. Ora, se o legislador não previu, no artigo 2.º daquela Portaria, o procedimento de revisão oficiosa como equiparável ao recurso à via administrativa, maxime reclamação graciosa, para efeitos de aceder ao pedido de pronúncia arbitral, foi, certamente, porque não o pretendeu fazer. É um entendimento forçado querer conjeturar que o legislador legislou de forma assaz imperfeita, olvidando-se desta referência, quando já existia vasta jurisprudência e quando essa já era reiteradamente seguida pela atuação da AT, pelo que esta última parte do preceito não pode, sob pena de manifesta ilegalidade, ser afastada, interpretando-se a norma como se esta referência específica simplesmente não existisse. O entendimento de que os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do estado de direito e da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da Constituição), bem como da legalidade (artigos 3.º 2 e 266.º 2 também da CRP), com o corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.

Ainda em sentido idêntico, mas sem carrearem elementos interpretativos novos, as decisões exaradas nos Processos 183/2014-T, 113/2014-T, 669/2015-T e 505/2016-T.

Finalmente, temos o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no Processo 08599/15 (27.04.2017), em julgamento da impugnação da decisão arbitral no Processo 630/2014-T. A impugnação, interposta pela AT, foi indeferida com base no raciocínio exegético-dogmático fixado no Processo 117/2013-T, a que o TCAS adere e transcreve quase integralmente, acrescentando-lhe a apreciação sobre a invocação de inconstitucionalidade da interpretação impugnada.

No presente processo, fez maioria a interpretação segundo a qual a apontada exceção dilatória improcede. Ora, eu entendo que, para a interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, não pode, em primeiro lugar, ser descurado o elemento sistemático: a alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, fixou o âmbito da autorização legislativa na dimensão da delimitação do objeto do processo arbitral tributário. Fê-lo nos seguintes termos: “(…) nele podendo incluir-se os atos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não deem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de atos tributários, os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, os atos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária”. O uso da autorização legislativa foi – como podia ser – parcelar, como decorre do confronto da referida disposição com o elenco constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, mas além disso, incorporou, através do artigo 4.º 1, a opção de remeter a definição do tipo e do valor máximo dos litígios abrangidos no âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais para portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça. Ou seja, o Governo, no uso da função legislativa autorizada, optou por não definir na própria lei o âmbito da vinculação da AT, antes entregando essa definição à prolação de um ato da Administração, sob a forma de portaria.

Em segundo lugar e a jusante, não pode igualmente ser descurado outro elemento interpretativo, carreado este pelo próprio preâmbulo da Portaria n.º 112-A/2011. Aí se lê: “Com a presente portaria, a administração tributária vincula-se também à jurisdição do CAAD nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, associando-se a este mecanismo de resolução alternativa de litígios e nos termos e condições aqui estabelecidos.” Resultam para mim claras duas asserções implícitas na referida frase. A primeira é que o ato de vinculação da AT à jurisdição do CAAD operado pela Portaria é um ato administrativo, não um ato normativo de natureza regulamentar, por lhe faltar generalidade e abstração. Esta natureza do ato é fundamental para a interpretação a jusante, designadamente para se aferir do rigor e consequente licitude de cada uma das potenciais interpretações sobre a extensão da vinculação que tal ato incorpora. A segunda é que a vinculação se faz “nos termos e condições aqui estabelecidos”. Escusado seria dizê-lo, pois uma vinculação vale sempre nos seus precisos termos e condições, mas os referidos membros do Governo entenderam não despicienda a frase. Ou seja, também considero, neste ponto acompanhando a decisão no Processo 236/2013-T, que a vinculação da AT corresponde a aceitação voluntária da jurisdição dos tribunais arbitrais e incorpora delimitação estrita do âmbito de aplicação da arbitragem, a dever ser interpretada literalmente. Não vejo, salvo o devido respeito, como possa validamente considerar-se, ressalvadas circunstâncias de erro manifesto e patente, que, onde a Administração Pública exara vincular-se em termos precisos, se interprete que pretendeu vincular-se para além deles.

Acresce, como impressivamente se escreveu no Processo 303/2013-T, que “a Portaria n.º 112-A/2011 foi aprovada e publicada já após extensa e profusa jurisprudência, que afirmava que, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é possível a sua equiparação ao disposto no art.º 131.º, n.º 1 do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento. Ora, se o legislador não previu, no art.º 2.º daquela Portaria, o procedimento de revisão oficiosa como equiparável ao recurso à via administrativa, maxime reclamação graciosa, para efeitos de aceder ao pedido de pronúncia arbitral, foi, certamente, porque não o pretendeu fazer; é um entendimento forçado querer conjeturar que o legislador legislou de forma assaz imperfeita, olvidando-se desta referência, quando já existia vasta jurisprudência e quando essa já era reiteradamente seguida pela atuação da AT, pelo que esta última parte do preceito não pode, sob pena de manifesta ilegalidade, ser afastada, interpretando-se a norma como se esta referência específica simplesmente não existisse.”

Ainda que aceite a validade do recurso à interpretação extensiva, em abstrato, será que encontrar-se na alínea a) do artigo 2.º da Portaria a expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do ato tributário, legitima a conclusão de que se encontra no texto o mínimo de correspondência verbal (embora imperfeitamente expresso) exigido pelo artigo 9.º 3 do Código Civil, para sustentar a interpretação extensiva? - que o resultado desta se deva considerar – quod erat demonstrandum – a solução mais acertada e portanto a que deve ser retida pelo intérprete / aplicador da lei? Entendo que não. As posições que defendem que, por recurso à interpretação extensiva, se conclui pela competência dos tribunais arbitrais para conhecer de pedidos de anulação de decisões em sede de revisão oficiosa de atos de autoliquidação equacionam devidamente a questão, mas omitem referenciar o quadro legislativo e regulamentar na sua totalidade, para aferirem da existência do mínimo de correspondência verbal. Ora, tal quadro é o que se contém na seguinte proposição, sem que qualquer segmento dela possa validamente ser desconsiderado: a AT vincula-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenha por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida referidas no artigo 2.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT, isto é, precedidas de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.

Na afirmação de que existe o tal mínimo de correspondência verbal nem sempre encontro adequadamente aflorada a busca dessa correspondência com a integralidade deste quadro legislativo e regulamentar. Tal pode ser porque, nalguns dos casos sujeitos aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a questão não fosse decisiva. Assim, no Processo 117/2013-T pode ler-se “a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT abrange os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário, pois não se vê razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa”. Mais adiante: “permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do ato tributário em vez da reclamação graciosa”. No Processo 73/2012-T: “a referência (…) ao «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve interpretar-se como reportando-se apenas aos casos em que tal recurso, através da reclamação graciosa (a que é equiparável o pedido de revisão do ato tributário formulado dentro do prazo de reclamação administrativa) é imposto por aquelas normas do CPPT.”

Ou seja, independentemente e sem prejuízo da resposta à questão da equiparação da revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte, ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos de impugnação judicial, não só me parece não haver o elemento legitimador da interpretação extensiva do mínimo de correspondência verbal “com a possibilidade de, em qualquer uma das três situações nele referidas (autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta), se poder prescindir do recurso à reclamação graciosa, stricto sensu, para arbitragem da pretensão tributária, ainda que sobre ela tenha havido um qualquer ato de segundo grau e, portanto, se tenha verificado, in casu, uma reapreciação do ato tributário sindicado pela AT, na sequência de pedido de revisão oficiosa formulado pelo sujeito passivo” (Processo 236/2013-T), como pode tal mínimo de correspondência verbal estar ausente – na interpretação relevante, que é a da aplicação ao caso concreto – com a expressão, não truncada, “precedidas de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração”.

Ora, o referido mínimo de correspondência verbal seria crítico para legitimar a interpretação extensiva precisamente no que ao presente processo se refere, porquanto a Requerente interpôs pedido de revisão oficiosa fora do prazo de dois anos que – segundo certa subcorrente da jurisprudência que entende improcedente a exceção dilatória de incompetência – permitiria equiparar tal pedido à interposição de uma reclamação graciosa. Assim, entendo que deveria o tribunal arbitral ter-se julgado materialmente incompetente para conhecer do pedido no presente processo.

Luís M.S. Oliveira

 (João Taborda da Gama, vencido nos termos da declaração de voto que segue)

Vencido, quanto à questão de fundo. Teria considerado o pedido procedente nos termos da fundamentação constante do Processo n. 786/2015-T, de 26 de junho de 2016 e do Processo n.º 280/2014-T, de 12 de janeiro de 2015, para os quais remeto, com o acrescento que segue.

Ciente da dificuldade da questão, entendo, em termos sumários, que a aplicação do princípio do primado do Direito da União Europeia não pode estar dependente do dever da prática de atos inúteis pelos contribuintes.  Como afirmou o STA no Processo n.º 568/13, de 18-12-2013 “atento o primado do direito comunitário, é vedado ao tribunal português aplicar normas do direito nacional que afrontem o que naquele se impõe, e no caso de existir acórdão do TJUE sobre interpretação de norma comunitária e sua compatibilidade com uma norma nacional, essa interpretação pode e deve ser aplicada mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão, devendo a decisão interpretativa retroagir à data da entrada em vigor da norma nacional, excepto se o acórdão dispuser de forma diferente”.

Nas palavras do Tribunal de Justiça “importa recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a interpretação que faz de uma norma de direito comunitário, no exercício da competência que lhe confere o artigo 177.º do Tratado, esclarece e precisa, quando é necessário, o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido cumprida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Donde se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida o pedido de interpretação, se se encontrarem também reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (v., nomeadamente, acórdão de 2 de Fevereiro de 1988, Blaizot, 24/86, Colect., p. 379, n._ 27)”. E, em seguida, lembra que “só a título excepcional é que o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição que haja sido interpretada pelo Tribunal para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa-fé. Esta limitação só pode ser admitida, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no próprio acórdão que decide sobre a interpretação solicitada (v., nomeadamente, acórdão de 24 de Setembro de 1998, Comissão/França, C-35/97, Colect., p. I-5325, n._ 49)”. (citações retiradas do Acórdão do Tribunal de 4 de maio de 1999, Sema Sürül contra Bundesanstalt für Arbeit, C-292/96, 107-108).

No presente caso, a Requerente cumpriu todos os requisitos internos de acesso aos tribunais (caso contrário este Tribunal Arbitral teria considerado procedente uma exceção), e o Tribunal de Justiça no caso Papillon não limitou os efeitos da sua decisão. E a fixação de efeitos que limitam o alcance de decisões interpretativas apenas pode ser feita pelo Tribunal de Justiça e nunca por um tribunal nacional como o presente Tribunal Arbitral.

E estas conclusões não se alteram em nada pelo facto de, no caso em apreço, a Requerente não ter pedido a inclusão no perímetro do grupo de uma sociedade que a lei, à altura, não permitia que o fosse. Aliás, relembre-se que os casos em que o Tribunal de Justiça reconhece relevância à conduta processual anterior dos sujeitos passivos é naqueles casos excecionais em que, apesar de decidir limitar os efeitos temporais da sua decisão apenas para o futuro, salvaguarda os contribuintes que tenham iniciado litígios judiciais ou administrativos antes da data da decisão (por exemplo, Acórdão do Tribunal, de 9 de março de 2000, Evangelischer Krankenhausverein Wien contra Abgabenberufungskommission Wien e Wein & Co. HandelsgesmbH contra Oberösterreichische Landesregierung, C- 437/97, 60).

É importante ter presente que no binómio Contribuinte–Estado foi este, e não aquele, que cometeu uma ilegalidade ao aprovar, manter em vigor e aplicar uma norma contrária ao Direito da União Europeia. Tendo as normas fiscais, num quadro de aplicação das mesmas pelos contribuintes, uma função reconhecida de indirizzo dos comportamentos particulares, é plenamente plausível – e até desejável - que estes cumpram o que nelas se dispõe (neste caso não solicitando uma delimitação do perímetro do RETGS que a lei proibia).  Mas não é razoável, nem proporcional, que esse cumprimento, baseado na presunção de conformidade das normas com os padrões supra-legais que devem respeitar, seja depois utilizado precisamente para lhes negar o direito a uma tributação de acordo com o quadro normativo que deve ser considerado como sempre tendo estado em vigor.

Ao diferenciar entre contribuintes que fizeram um pedido que obrigatoriamente seria recusado, e contribuintes que não o fizeram, mas que usaram os meios que o seu ordenamento jurídico lhes coloca à disposição para suscitarem a revisão da sua situação tributária, esta decisão está a fazer recair nos contribuintes e não no Estado todos os efeitos negativos da aprovação por este de normas que violam o Direito da União Europeia. Está também a erigir como critério de eficácia do primado do Direito da União Europeia – e, consequentemente, como critério de repartição dos encargos tributários – fatores como a menor ou maior propensão para a litigância, a maior ou menor aversão ao risco fiscal, o circunstancialismo do aconselhamento fiscal dos contribuintes quanto à sua estratégia processual. Aliás, há até o risco de serem critérios que, se extrapolados para outros casos, tenderão a favorecer contribuintes maiores, com mais recursos, mais propensos ao risco, mais sofisticados e a incentivar uma maior litigância, extremando a vigilância dos contribuintes sobre a conformidade das normas internas com o Direito Europeu.

Por último, o facto de o RETGS ser um regime que assenta numa escolha prévia por parte do contribuinte para evitar que este possa tomar a opção sobre o referido regime apenas por razões fiscais quando já conhecesse a sua própria situação fiscal , é um argumento que deve ceder nos casos patológicos como este em que o Estado português – e não o contribuinte – criou, manteve em vigor e aplicou uma norma que violava um padrão jurídico (o Direito da União Europeia) ao qual se encontrava infra-ordenada.

 

(João Taborda da Gama)