Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Mariana Vargas e Dr. Augusto Vieira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 07-02-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, S.A., NIPC…, com sede na Rua…, n.º…, …-… Lisboa, à data dos factos designada B…, S.A. (doravante designada «Requerente»), veio ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou ”RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a declaração da ilegalidade do acto de liquidação de IRC consubstanciado na demonstração de liquidação n.º 2013…, na demonstração de acerto de contas com data de 27-05-2013 e n.º 2013…, e na demonstração das liquidações de juros n.ºs 2013…, 2013… e 2013…, notificadas à Requerente em 29-05-2013 e relativas ao exercício económico de 2010.
A Requerente pede ainda o reembolso da quantia paga com juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 28-11-2017.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 18-01-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 07-02-2018.
Em 15-03-2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que suscitou as excepções:
– de caducidade do direito de acção;
– de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação da decisão da revisão oficiosa, bem como, do pedido de condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual;
– de litispendência ou da necessidade de suspensão dos presentes autos até que seja proferida decisão no âmbito de processo de impugnação judicial.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu ainda que o pedido deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 15-03-2018, foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar prioritariamente as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, começando pelas de incompetência (artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Porém, para sua apreciação é conveniente fixar a matéria de facto.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
-
A Requerente encontra-se sujeita ao regime geral de tributação, em sede de IRC, adoptando um período de tributação compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de cada ano.
-
Em 26-05-2012, a Requerente procedeu à entrega da declaração [de substituição] de rendimentos de IRC referente ao exercício de 2010, na qual apurou um montante de Derrama estadual de € 895.971,80 (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)
-
Na sequência de uma acção inspectiva, da iniciativa da Autoridade Tributária (AT), a este período, a Requerente foi notificada, em 29-05-2013, da liquidação adicional de IRC n.º 2013…, e, bem assim, da demonstração de acerto de contas com data de 27/05/2013 e n.º 2013…, e da demonstração das liquidações de juros n.ºs 2013…, 2013… e 2013…, actos que determinaram o apuramento final (oficioso) do imposto devido no exercício e a correcção do montante da Derrama estadual a pagar para € 1.429.770,22;
-
Em 23-05-2017, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da referida liquidação n.º 2013…, em que pediu que «a Derrama estadual criada pela Lei n.° 12-A/2010, de 20 de Junho, unicamente se aplique “a parte do lucro tributável correspondente ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor vigor”, o que, em rigor, significa que a mesma incida, no caso concreto, sobre exactamente metade do quantum considerado no apuramento do IRC liquidado» (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Por ofício de 03-08-2017, a Requerente foi notificada do projecto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, com fundamento na Informação n.º …/2017, que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em se refere, além do mais o seguinte:
§ III. DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
7. Compulsados os presentes autos, somos, desde já, a verificar inexistir, com efeito, qualquer razão, diga-se, exceção, nem dilatória nem perentória, suscetível de obstar ao conhecimento do mérito da presente causa, visto que:
-
A Requerente dispõe de personalidade e capacidade tributárias, nos termos do preceituado nos art.°s 15.º e 16.°, ambos da LGT, e, bem como, no art.° 3.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT”), todos conjugados com o disposto no art.° 5.° do Código das Sociedades Comerciais ("CSC”)
-
O presente procedimento de revisão oficiosa de ato tributário em análise é igualmente idóneo para reagir contra o ato tributário de liquidação supra identificado, nos termos previstos no n.° 1 do art.° 78.° da LGT;
-
A Requerente é parte interessada no procedimento, tendo legitimidade para a respectiva interposição ao abrigo do disposto no art.° 18.° da LGT e do n.° 1 do art.° 9.° do CPPT;
-
O requerimento no qual se consubstancia o presente pedido revisão oficiosa de ato tributário e, com efeito, tempestivo, dado ter sido apresentado dado ter sido apresentado em 25 de maio de 2017, em consonância com o estabelecido no mencionado art.° 78.° da LGT; e
-
Por último, verifica-se ainda que não nos é conhecida qualquer das circunstâncias previstas quer nas al.s a) e b) do n.° 2 do art.° 56.° da LGT, quer no n.° 2 do art.° 68.° e nos n.°s. 3 e 4 do art.° 111.°, todos do CPPT.
(...)
§ IV. DA ANÁLISE DO PEDIDO
10. Compulsado o teor da petição inicial apresentada pela Requerente, e considerando que, nos autos, está em causa dirimir se o ato tributário a sindicar enferma ou não dos vícios de ilegalidade que lhe são apontados, somos então a aferir da bondade dos argumentos nesta sede trazidos ao nosso conhecimento. Isto pari passu com o itinerário percorrido pela apresentante.
Dito isto,
§ IV.I. Do cálculo de imposto
§ IV.I.I. Da derrama estadual
§ IV.I.I.l. Dos argumentos da Requerente
11. A Reclamante começa por explicar que na declaração de rendimentos "Modelo 22”, de substituição,apurou um valor de € 395.971,80 (oitocentos e noventa e cinco mil, novecentos e setenta e um euros e oitenta cêntimos) a titulo de derrama estadual.
12. Em virtude de um procedimento administrativo de inspeção tributária, em que foram efetuadas correções à matéria coletável, o valor da derrama estadual foi aumentado para € 1.429.770,22 (um milhão, quatrocentos e vinte e nove mil, setecentos e setenta euros e vinte e dois cêntimos).
13. Contudo, a Reclamante entende que, face à data da entrada em vigor da lei n.° 20-A/2010, de 30 de junho, a qual aditou o art.° 87.°-A ao CIRC, sob a epígrafe "Derrama Estadual", o valor deste tributo deveria incidir somente aos rendimentos obtidos após dia 01 de julho de 2010, sob pena de estarmos perante um lei retroativa e, portanto, inconstitucional nos termos do n.° 3 do art.° 103.º, da CRP.
14. O problema coloca-se nos impostos periódicos, segundo diz, uma vez que obrigação subjacente constitui-se ao longo de um período temporal que, no caso concreto, somente uma das suas partes está sujeita à nova lei.
15. A Reclamante acrescenta ainda que os impostos periódicos “pressupõem uma renovação dos factos tributários que se sucedem num certo período de tempo", pelo que não se pode entender que o facto gerador seja instantâneo.
16. Perante esta situação, a Reclamante entende que, não obstante estamos perante uma retroatividade de terceiro grau, deve aplicar-se a regra do pro rata temporis, no seguimento da interpretação doutrinária do disposto no n.° 2 do art.° 12.°, da LGT. ;
§ IV.I.I.ll. Da apreciação
17. Em nosso entender, a questão relevante aqui em apreço prende-se em conhecer momento em que se verifica o facto que gera a exigibilidade da entrega de imposto devido a titulo de derrama estadual.
Então vejamos:
18. A derrama estadual, instituída pela Lei n.° 12-A/2010, de 30 de junho, entrou em vigor em 01 de junho do mesmo ano, foi aprovada no âmbito de um conjunto de medidas cujo objetivo foi "(...) reforçar e acelerar a redução do défice excessivo e o controlo do crescimento da divida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)”, tendo sido aditados ao CIRC um conjunto de normas prevendo as condições da sua liquidação e da forma de pagamento.”
19. A natureza deste tributo é definida pelo facto de a sua liquidação se determinar em função do valor do lucro tributável, apresentando-se por isso como necessariamente ligada ao montante de rendimentos obtidos em sede de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas.
20. A confirmar esta afirmação, o n.° 1 do art.° 87.º-A, do CIRC, dispõe que "(...) sobre a parte do lucro tributável superior a € 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (. . .), incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte (. . .)".
21. A semelhança do que sucede com o próprio IRC, a derrama estadual é um imposto de formação sucessiva na medida em que a sua base tributável constrói-se a partir de factos ocorridos ao longo de um determinado período temporal.
Todavia,
22. O legislador fiscal entendeu ser necessário estabelecer um momento em que o sujeito passivo se constitui na obrigação de liquidar o imposto, isto e, que se estabeleça a relação jurídica tributária a qual se constitui com o facto tributário, conforme estabelecido pelo art.° 36.°, da LGT.
23. Conforme já foi mencionado anteriormente, a derrama estadual foi aditada ao CIRC através da Lei n.° 12-A/2010, de 30 de junho, estabelecendo os requisitos para o seu apuramento, liquidação e formas de pagamento, pelo que as considerações gerais sobre a sua natureza e facto gerador cabem as normas dispostas no referido Código (bem como a demais legislação fiscal), designadamente, o art.° 8.° cuja epígrafe e "período de tributação”, onde, no seu n.° 9 "o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação”, por outras palavras, a obrigação de entregar o imposto constitui-se naquele momento.
Portanto,
24. Tendo em conta que a Lei n.° 12-A/2010, de 30/06, entrou em vigor antes do momento da verificação do facto gerador, entendemos que o imposto é devido por inteiro, isto é, não passível de ser dividido e apurado proporcionalmente em virtude de estarmos perante, não de um imposto de obrigação única, mas sim, de formação sucessiva.
25. Este entendimento e apoiado pela própria posição do Tribunal Constitucional ("TC"), que de seguida analisaremos, o qual afirmou em vários momentos que não era intenção do legislador que o princípio da não retroatividade abrangesse aquilo que se considera ser retroatividade imprópria ou inautêntica.
26. A principal jurisprudência do TC a propósito da retroatividade imprópria surge no âmbito da análise das tributações autónomas cuja construção lógica funda-se na premissa de que correspondem a uma realidade de natureza distinta, constituindo-se como um imposto indireto e instantâneo que tributa a despesa e não o rendimento.
27. Concomitantemente, neste caso a propósito da tributação autónoma, cada despesa representa um facto tributário autónomo a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em sede de imposto sobre o rendimento no fim do respetivo período de tributação, distanciando-se a "tributação autónoma" do próprio imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e esse mesmo facto tributário que dá origem ao tributo autónomo e instantâneo, isto ,e, esgota-se no ato de realização de determinada despesa embora o apuramento do montante de imposto se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário.
28. Como ficou consignado no Acórdão do Tribunal Constitucional n° 85/2013, "(...) o que releva, face aos princípios constitucionais enunciados, não é o momento de liquidação de um imposto, mas sim o momento em que ocorre o ato que determina o pagamento desse imposto. É esse ato que vai dar origem à constituição de uma obrigação tributária, pelo que é nessa altura, em obediência ao principio da legalidade, na vertente fundamentada pelo principio da proteção da confiança, que se exige, como medida preventiva, que já se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o agravamento desse imposto, de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências fiscais do seu comportamento. ”
29. No que respeita ao principio da não retroatividade plasmado na nossa Lei Fundamental, diz o TC, no Acórdão n.° 617/2012, de 19 de dezembro de 2012, que “(...) tem vindo a seguir o entendimento que esta proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei.”
30. No caso do IRC, lê-se no mesmo aresto: "(...) estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.°, n.° 9, do CIRC)."
31. Em nosso entender, esta perspetiva e perfeitamente aplicável ao apuramento da derrama estadual uma vez que, conforme supramencionado, este tributo assume uma natureza de formação sucessiva por via daquilo que constitui a sua base tributável.
Prosseguindo,
32. Por sua vez, no Acórdão n.° 399/2010, de 27 de outubro de 2010, o TC afirma que a doutrina distingue vários níveis de retroatividade: grau máximo se "a circunstância de a lei nova se pretender aplicar a factos tributários passados e já totalmente consolidados; terá grau intermédio de retroactividade a lei aplicável a factos tributários anteriores mas cujos efeitos ainda se produzem no momento de entrada em vigor da lei nova.”.
33. Relativamente ao problema da alteração da taxa de imposto durante o ano fiscal, pretendendo o legislador a sua aplicação aos rendimentos auferidos durante o ano, antes mesmo da entrada em vigor da lei, “(...) podem conceber-se, em síntese, as seguintes opiniões: i) o imposto sobre o rendimento é qualificável como um imposto periódico pelo que o período de tributação só se estabiliza no fim do ano fiscal, em 31 de Dezembro de cada ano, estando, pois, afastada a retroactividade; ii) a alteração da taxa de imposto só pode ser aplicável aos rendimentos do ano seguinte, sob pena de retroactividade, uma vez que a taxa de imposto deve ser definida no momento inicial do ano fiscal e, por isso, no dia 1 de Janeiro de cada ano; iii) é admissível uma aplicação da nova taxa pro rata temporis, isto é, apenas aos rendimentos auferidos após a sua entrada em vigor (Vd. NUNO SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, Vol. II, 1997, p. 417 a 420)."
Portanto,
34. A definição de facto tributário e do momento em que este ocorre torna-se muito relevante para a apreciação da retroatividade pois a LGT estabelece, no n.° 1 do art.° 36.”, que “(...) a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário” e, por sua vez, conforme se mencionou anteriormente, o CIRC determina que esse mesmo facto verifica-se no último dia do período de tributação.
35. Deste modo, lê-se no mesmo Acórdão, o facto tributário não se confunde com relação jurídica e, assim, no que respeita as normas em apreciação, considerando "a opção doutrinária exposta em iii), o facto tributário pode ser isolado no momento da percepção dos rendimentos individualmente considerados. "
36. Por conseguinte, “(...) um caso em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga e um outro caso em que o facto tributário tenha ocorrido ao abrigo da lei antiga, mas os seus efeitos, designadamente os relativos à liquidação e pagamento, ainda não estejam totalmente esgotados não terão necessariamente o mesmo desvalor constitucional, uma vez que a primeira "situação é do ponto de vista da eventual afectação da situação jurídica do contribuinte mais grave que a segunda. E estes dois casos diferenciam-se também de um terceiro em que o facto tributário que a lei nova pretende regular na sua totalidade não ocorreu totalmente ao abrigo da lei antiga, antes se continua formando na vigência da lei nova, como acontece nos presentes autos. "
37. No entender dos juízes do TC, “(...) dos trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1997 retira-se, por um lado, que o legislador da revisão apenas pretendeu incluir, no n.° 3 do artigo 103.° da CRP, a proibição da retroactividade autêntica, própria ou perfeita da lei fiscal, o que não é contrariado pela letra do preceito, uma vez que o texto constitucional apenas se refere à natureza retroactiva tout court. Por outro lado, (...), que não se pretenderam integrar no preceito as situações em que o facto tributário que a lei nova pretende regular não ocorreu totalmente ao abrigo da lei antiga, antes continuando a formar-se na vigência da lei nova, pelo menos, quando estão em causa impostos directos relativos ao rendimento (como é claramente o caso dos presentes autos.
38. Posto isto, a derrama estadual deve, então, pois, aplicar-se a todo o exercício fiscal, ao contrário do que pretende a Reclamante.
39. Não pode, assim, proceder a pretensão da Reclamante.
§ v. DA CONCLUSÃO
Em conformidade com o anteriormente exposto, somos de propor que o pedido de revisão formulado nos presentes autos seja indeferido de acordo com o teor do "quadro-síntese",desde logo melhor identificado no intróito desta nossa informação, com todas as consequências legais.
-
Por despacho de 29-08-2017, proferido pela Senhora Chefe de Divisão a Unidade dos Grandes Contribuintes, foi indeferido o pedido de revisão oficiosa (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 27-11-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
.
3. Questão da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação da decisão da revisão oficiosa
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, o seguinte:
– a Requerente, em 26-05-2012, procedeu à declaração de substituição
de rendimentos de IRC referente ao exercício de 2010, no qual apurou um montante de derrama estadual de €895.971,80;
– na sequência de uma posterior acção inspectiva a este período foi
notificada em 29-05-2013 da liquidação adicional de IRC nº 2013… e demonstração de acerto de contas, com data de 27-05-2013 e nº 2013…, e na demonstração das liquidações de juros n.ºs 2013…, 2013… e 2013…;
– a Requerente apresentou em 23-05-2017 um pedido de revisão oficiosa da liquidação adicional;
– a Requerente refere que parte do valor da Derrama estadual apurado como resultado das correcções efectuadas pela AT ao lucro tributável da sociedade, se encontra a ser contestado por via da impugnação judicial dessas correcções;
– vinculação da AT à tutela arbitral pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adoptar o comportamento potencialmente adequado a procurar efectivá-la;
– é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais
do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, uma interpretação que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente;
– o respeito pela vontade exteriorizada na vinculação à arbitragem em matéria tributária, sendo um factor de certeza e de segurança jurídica representa, também, a efectivação das consequências intencionadas pelo exercício de acção das partes em litígio, a qual não pode ser isolada dos referidos normativos de protecção constitucional, sob pena de tal pressupor um poder (inconstitucional) do intérprete-julgador na delimitação dos poderes do Estado na privatização do exercício da justiça, mormente quando não se admite a possibilidade sistemática de recurso nas arbitragens tributárias;
– pelo que, se afigurará inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclua apreciação dos pedidos arbitrais aqui formulados pela requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem;
– no caso em concreto, a Requerente apurou um determinado valor de derrama estadual e não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no n.º 1 do art. 131º do CPPT que, no caso, era necessária visto a ora Requerente suscitar também questões de facto, como se comprova pela revisão oficiosa apresentada;
– a revisão oficiosa, nos termos do art. 78º da LGT, não pode substituir a reclamação graciosa prevista no art. 131º do CPPT, ainda para mais quando o recurso à mesma é feito para além do prazo de 2 anos previsto em tal artigo;
– o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo foram, ou não, bem aplicados pela AT.
No caso em apreço, houve uma autoliquidação e, posteriormente, uma liquidação adicional, que a substituiu.
Apenas em relação à autoliquidação se pode colocar a necessidade de reclamação graciosa, nos termos do artigo 131.º do CPPT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
No caso em apreço, é impugnado um acto de liquidação adicional, pelo que não há qualquer exigência de prévia reclamação graciosa.
Por outro lado, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que «é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigo 124.º, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigo 25.º e 27.º do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral]».
Mas, a Constituição não impõe que a interpretação dos diplomas normativos tenha de cingir-se ao teor literal e, no caso em apreço, como se explicou, devidamente interpretadas as normas do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui-se que a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange os casos em que actos de autoliquidação foram precedidos de pedidos de revisão oficiosa. Por isso, a interpretação que se fez não aumentou a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação ao que está regulamentado, antes definiu exactamente a vinculação que resulta do diploma regulamentar, devidamente interpretado.
Por outro lado, ao interpretar e aplicar as normas jurídicas, este Tribunal Arbitral está a desempenhar a função que lhe está constitucionalmente atribuída (artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 209.º, n.º 2, da CRP), pelo que nem se vislumbra como possa existir violação dos princípios da separação de poderes, do Estado de Direito e da legalidade, pois o decidido por este tribunal evidencia, precisamente, a sua perfeita concretização: a Assembleia da República autorizou o Governo a legislar (artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril); o Governo, no uso de poderes legislativos, emitiu o RJAT; a Administração, através de dois membros do Governo, emitiu a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março; o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou os diplomas normativos referidos. É, manifestamente, a concretização do princípio da separação dos poderes.
Quanto à invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, definido no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, em que se refere que «o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributário», tratar-se-á, decerto, de lapso, já que ao decidir sobre a sua competência o Tribunal Arbitral não está a praticar qualquer acto de disposição de qualquer crédito.
Para além disso, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários aplica-se à Administração e não aos Tribunais, como entendeu o Tribunal Constitucional, na esteira da generalidade da doutrina. ( [1] )
Diferente disso, é a eventual anulação de uma cobrança ilegal, mas isso não tem a ver com a disponibilidade de qualquer crédito, mas sim, com o direito a impugnação contenciosa de actos lesivos, que é constitucionalmente assegurado (artigo 268.º, n.º 4, da CRP) e é um direito fundamental dos contribuintes num Estado de direito (artigos 2.º e 20.º, n.º 1, da CRP).
Assim, a interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 que aqui se adopta, em vez de ser materialmente inconstitucional, é a única que assegura a sua constitucionalidade, à face do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, alínea b), da CRP, como atrás se referiu. Isto é, é esta a interpretação conforme à Constituição, em que se reconhece na norma «um sentido que, embora não aparente ou não decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei Fundamental. E são diversas as vias que, para tanto, se seguem e diversos os resultados a que se chega: desde a interpretação extensiva ou restritiva à redução (eliminando os elementos inconstitucionais do preceito ou do acto)» ( [2] )
Não ocorre, assim, incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa que apreciem a legalidade quer de actos de autoliquidação quer de actos de liquidação adicional.
Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-04-2017, proferido no processo n.º 08599/15.
Por outro lado, no caso em apreço, nem se verifica o obstáculo à competência que poderia existir se a decisão do pedido de revisão oficiosa não comportasse a apreciação da legalidade do acto de liquidação adicional.
Na verdade, se a decisão da revisão oficiosa se limitasse a apreciar se se verificavam os pressupostos do uso do meio procedimental previsto no artigo 78.º da LGT, estar-se-ia perante um acto em matéria tributária que não apreciava a legalidade de acto de liquidação, cuja legalidade não poderia ser apreciada em processo de impugnação judicial, como resulta da alínea d) do n. 1 do artigo 97.º do CPPT, e consequentemente,não podia ser apreciada em processo arbitral, cujo campo de aplicação se limita ao do processo de impugnação judicial.
Mas, não foi isso que sucedeu, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não se limitou a verificar se estavam preenchidos os pressupostos de que depende a possibilidade de revisão e até declarou expressamente que se verificavam esses pressupostos:
§ III. DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Compulsados os presentes autos, somos, desde já, a verificar inexistir, com efeito, qualquer razão, diga-se, exceção, nem dilatória nem perentória, suscetível de obstar ao conhecimento do mérito da presente causa, visto que:,
-
A Requerente dispõe de personalidade e capacidade tributárias, nos termos do preceituado nos art.°s 15.º e 16.°, ambos da LGT, e, bem como, no art.° 3.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT”),5 todos conjugados com o disposto no art.° 5.° do Código das Sociedades comerciais ("CSC”);
-
O presente procedimento de revisão oficiosa de ato tributário em análise é igualmente idóneo para reagir contra o ato tributário de liquidação supra identificado, nos termos previstos no n.° 1 do art.° 78.° da LGT;
-
A Requerente é parte interessada no procedimento, tendo legitimidade para a respectiva interposição ao abrigo do disposto no art.° 18.° da LGT e do n.° 1 do art.° 9.° do CPPT;
-
O requerimento no qual se consubstancia o presente pedido revisão oficiosa de ato tributário, com efeito, tempestivo, dado ter sido apresentado dado ter sido apresentado em 25 de maio de 2017, em consonância com o estabelecido no mencionado art.° 78.° da LGT; e
-
- Por último, verifica-se ainda que não nos é conhecida qualquer das circunstâncias previstas quer nas al.s a) e b) do n.° 2 do art.° 56.° da LGT, quer no n.° 2 do art.° 68.° e nos n.°s. 3 e 4 do art.° 111.°, todos do CPPT.
Assim, está-se perante um acto de decisão do pedido de revisão oficiosa em que não se questiona a verificação dos requisitos da revisão e se aprecia a legalidade do acto de liquidação, nos pontos 17 a 39 da Informação n.º …/2017, que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral.
Por isso, não se verifica também o eventual obstáculo invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira de este Tribunal Arbitral exceder as suas competências por ter de apreciar a aplicação do artigo 78.º da LGT: esta aplicação, neste caso, foi efectuada e não é objecto de controvérsia que se verificavam os requisitos dessa aplicação, pelo que se trata de matéria sobre a qual este Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar.
Improcede, assim, a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que manteve a liquidação adicional.
4. Questão da incompetência para apreciar pedido de condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objecto um acto em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.
Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de actos de liquidação ou de actos de fixação da matéria tributável e actos de segundo grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, actos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
Isto é, constata-se que o legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.
Embora o processo de impugnação judicial tenha por objecto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de actos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.
Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.
Também é inequívoco que nos processos de impugnação judicial é possível apreciar pedidos de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Mas, na falta de qualquer disposição legal que permita concluir em contrário, o âmbito do processo de impugnação judicial e dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos actos dos tipos referidos no artigo 2.º que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011, não podendo, designadamente, definir os termos em que devem ser executados julgados anulatórios que vierem a ser proferidos.
Na verdade, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, a competência para executar os julgados proferidos pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD cabe, em primeira linha à própria Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que «a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta...».
Por outro lado, a haver discordância entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os sujeitos passivos sobre a forma de execução de julgados, são os tribunais tributários os competentes para a sua apreciação, já que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em processos de execução de julgados e os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral, como decorre do artigo 23.º do RJAT.
Assim, conclui-se que tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao defender que este Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar o pedido de cálculo da derrama estadual.
No entanto, esta incompetência para apreciar um dos pedidos, havendo outros para os quais este Tribunal Arbitral é competente (os pedidos de anulação da liquidação adicional e do despacho de indeferimento da reclamação graciosa), apenas tem como consequência que o pedido para o qual o Tribunal é incompetente se considere «sem efeito», como se infere do que, embora a outro propósito, se refere no n.º 4 do artigo 186.º do CPC, ao aludir a situações em que «um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal».
Assim, procede a excepção de incompetência quanto ao referido pedido de pedido de condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual, pelo que se absolve da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a este pedido, não ficando prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos.
5. Questão da caducidade do direito de liquidação
A fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos, pois a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade, como de resto evidencia o artigo 10.º, alínea a), do RJAT, ao prever a contagem do prazo para apresentação de pedido de constituição de tribunal arbitral a partir dos momentos em que são praticados actos de segundo ou terceiro grau susceptíveis de impugnação autónoma [em que se incluem «o indeferimento, expresso ou tácito e total ou parcial, de reclamações, recursos ou pedidos de revisão ou reforma da liquidação», a que se refere a alínea d) do n.º 2 do artigo 95.º da LGT].
A Requerente apresentou em 23-05-2017 um pedido de revisão oficiosa da liquidação da liquidação adicional de IRC n.º 2013…, que foi indeferido por despacho notificado a Requerente por ofício expedido em 30-08-2017 (documentos n.ºs 3 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).
O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado pela Requerente em 28-11-2017.
Como resulta do início do pedido de pronúncia arbitral, este reporta-se ao «Procedimento Administrativo de Revisão Oficiosa n.º …2017…», pelo que é inequívoca a interpretação de que, com o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pretende impugnar a decisão proferida nesse procedimento, mantendo na ordem jurídica o acto de liquidação adicional.
Aliás, a Autoridade Tributária e Aduaneira apercebeu-se perfeitamente de que o acto que é objecto imediato do pedido de pronúncia arbitral é o de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, como se conclui inequivocamente dos factos de ter junto aos autos o processo administrativo relativo à revisão oficiosa e não o de liquidação adicional e se ter pronunciado expressamente sobre a decisão desse processo.
De harmonia com o disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o prazo para apresentação de pedido de constituição de tribunal arbitral é de «90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma».
O acto de indeferimento de pedido de revisão oficiosa é susceptível de impugnação autónoma [artigo 95.º, n.º 2, alínea d) da LGT e artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT], pelo que é a partir da sua notificação que se conta o prazo para a impugnação do acto de liquidação, que nele foi confirmado.
No caso em apreço, o pedido de constituição de tribunal arbitral foi apresentado antes do decurso do prazo de 90 dias após a notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, pelo que se tem de concluir que foi tempestivamente apresentado.
Improcede, assim, a excepção da caducidade do direito de acção.
6. Questões da litispendência e suspensão da instância por pendência de processo de impugnação judicial
A Requerente apresentou impugnação judicial da liquidação adicional de IRC n.º 2013… e pretende que o Tribunal Arbitral determine que a Derrama estadual unicamente se aplique a metade do quantum considerado no apuramento do IRC liquidado.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que ocorre litispendência entre o presente processo e o processo de impugnação judicial, que não identifica, apesar de ser parte nele.
Como resulta dos artigos 580.º e 581.º do CPC, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, a excepção da litispendência pressupõe a
repetição de uma causa, considerando-se que há repetição quando há entre os dois processos identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
No caso em apreço, não se provou qual é o objecto do processo de impugnação judicial, designadamente que nele seja invocado competência causa de pedir o vício que é imputado no presente processo, relativo à aplicação da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, mas decorre do pedido de revisão oficiosa e do pedido de pronúncia arbitral que o vício que é imputado ao acto de liquidação adicional no presente processo não lhe foi imputado no processo de impugnação judicial, pois a Requerente invoca que foi o conhecimento da teor da decisão arbitral proferida, no CAAD, em 23/01/2017, no âmbito do processo n.º 432/2016-T, que a levou a requerer a revisão oficiosa.
De qualquer forma, como resulta do preceituado nos artigos 3.º, n.º 2, e 13.º, n.º 4, do RJAT, é permitido aos sujeitos passivos impugnarem o mesmo acto de liquidação, com fundamentos distintos, através, cumulativamente, de impugnação judicial e processo arbitral.
Assim, desde logo, não se provando que o acto de liquidação tenha sido impugnado no processo de impugnação judicial a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira com os mesmos fundamentos que são utilizados no presente processo arbitral, não se pode considerar demonstrado que ocorra litispendência.
Pela mesma razão de ser possível a referida cumulação de processos não se justifica a suspensão da instância no presente processo.
Improcede, pelo exposto, a excepção de litispendência e indefere-se o pedido de suspensão da instância.
5. Matéria de direito
A Lei n.º 12-A/2010, de 20 de Junho, aprovou um “conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)”. Entre essas medidas, incluiu-se a criação de uma derrama estadual sobre a parte do lucro tributável superior a € 2.000.000, que foi efectuada através do aditamento ao CIRC dos artigos 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A, que estabelecem o seguinte:
Artigo 87.º-A
Derrama estadual
1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incide uma taxa adicional de 2,5 %.
2 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.
3 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º
Artigo 104.º-A
Pagamento da derrama estadual
1 - As entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e os não residentes com estabelecimento estável devem proceder ao pagamento da derrama estadual nos termos seguintes:
a) Em três pagamentos adicionais por conta, de acordo com as regras estabelecidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º;
b) Até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º, pela diferença que existir entre o valor total da derrama estadual aí calculado e as importâncias entregues por conta nos termos do artigo 105.º-A;
c) Até ao dia do envio da declaração de substituição a que se refere o artigo 122.º, pela diferença que existir entre o valor total da derrama estadual aí calculado e as importâncias já pagas.
2 - Há lugar a reembolso ao sujeito passivo, pela respectiva diferença, quando o valor da derrama estadual apurado na declaração for inferior ao valor dos pagamentos adicionais por conta.
3 - São aplicáveis às regras de pagamento da derrama estadual não referidas no presente artigo as regras de pagamento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, com as necessárias adaptações.
Artigo 105.º-A
Cálculo do pagamento adicional por conta
1 - As entidades obrigadas a efectuar pagamentos por conta e pagamentos especiais por conta devem efectuar o pagamento adicional por conta nos casos em que no período de tributação anterior fosse devida derrama estadual nos termos referidos no artigo 87.º-A.
2 - O valor dos pagamentos adicionais por conta devidos nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º-A é igual a 2 % da parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 relativo ao período de tributação anterior.
3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, é devido pagamento adicional por conta por cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante.
A questão de mérito que é objecto do processo é a de saber se esta derrama estadual, no ano de 2010, se aplica a todo o lucro tributável que vier a ser determinado no último dia do exercício (31-12-2010, no caso da Requerente, cujo exercício coincide com o ano civil).
No entender da Requerente, a Derrama Estadual apenas se pode aplicar à parte do lucro tributável correspondente ao período ocorrido a partir de 1 de julho de 2010, data de entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2010.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que a Derrama Estadual deve aplicar-se ao lucro tributável de todo o exercício fiscal de 2010.
O artigo 20.º daquela Lei n.º 12-A/2010 inclui regras especiais sobre a sua entrada em vigor, sendo a primeira a que que «a presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, salvo o disposto nos números seguintes».
As referidas normas sobre a derrama estadual não são abrangidas por qualquer das regras dos números seguintes, pelo que a sua entrada em vigor ocorreu em 01-07-2010.
Na falta de norma especial sobre a aplicação no tempo desta norma, são de aplicar as regras sobre a aplicação da lei tributária no tempo, que constam dos n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º da LGT. [3]
Nos termos do n.º 1 deste artigo 12.º, «as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos».
Mas, para os factos tributários que se prolongam no tempo, que se iniciaram antes da entrada em vigor e se prolongam para além dela, vale a regra do n.º 2 do mesmo artigo 12.º, que estabelece que «se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor».
Esta regra afigura-se ter consagrado a tese que era defendida por ALBERTO XAVIER sobre a admissibilidade da «retroactividade de 3.º grau», que ocorre quando o facto não se tiver «verificado por inteiro à sombra da lei antiga, antes se prolongar na sua produção concreta no domínio temporal da lei nova. A situação é particularmente relevante no campo dos impostos periódicos que pressupõem uma acção continuada ao longo do período a que respeitam». A retroactividade de 3.º grau não seria para ALBERTO XAVIER uma verdadeira retroactividade, sendo de dividir os rendimentos «pro rata temporis» ( [4] ) aplicando a lei nova à proporção do período de formação do facto tributário que decorreu na sua vigência.
É a esta regra da proporcionalidade, essencialmente, que se reconduz a tese defendida pela Requerente, ao entender que a derrama estadual deve aplicar-se com base em metade do lucro tributável de 2010.[5]
Sendo esta retroactividade de 3.º grau aceite pela Requerente, não importa apreciar a sua admissibilidade à face da proibição de criação de impostos retroactivos, que consta do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, pois tal questão não é objecto de controvérsia (a Autoridade Tributária e Aduaneira defende mesmo que é constitucionalmente aceitável a aplicação da nova lei a todo o lucro tributável do ano de 2010).
O facto tributário que gera a derrama estadual é o lucro tributável de IRC, que é um facto complexo, que se forma ao longo do exercício, não sendo, por isso, um facto tributário instantâneo, mas sim de formação sucessiva, para efeitos do n.º 2 do artigo 12.º da LGT.
Assim, por força deste n.º 2, quanto ao exercício de 2010, a derrama estadual apenas é aplicável ao lucro tributável que se formar a partir de 01-07-2010, aplicando-se o princípio «pro rata temporis».
Aplicando este princípio, constata-se que o período do ano de 2010 decorrido até 30-06-2010 é de 181 dias enquanto o que decorreu a partir de 01-07-2010 é de 184 dias, pelo que a aplicação da regra da proporcionalidade se traduz em ser relevante para a determinação da derrama estadual do ano de 2010 a percentagem de 50,41% (184/365) da parte do lucro tributável superior a € 2.000.000.
Nestes termos, a decisão liquidação adicional impugnada, enferma de ilegalidade, por erro sobre os pressupostos de direito relativamente ao cálculo da derrama estadual, que justifica sua anulação parcial, de harmonia com o artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.
6. Pedido de reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios
A Requerente formula pedido de reembolso da quantia indevidamente paga, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.
6.1. Possibilidade de apreciação em processos arbitrais tributários de pedidos de pedidos de reembolso de imposto pago e juros indemnizatórios
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
6.2. Direito a reembolso
Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede, na medida em que foi considerado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na liquidação adicional, para determinar a derrama estadual, mais do que 50,41% da parte do lucro tributável da Requerente que excede € 2.000.000,00.
Na sequência da ilegalidade parcial do acto de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
Pelo exposto, procede o pedido de reembolso nessa parte da liquidação adicional.
A medida do reembolso depende do cálculo da derrama estadual que, pelo que se disse no ponto 4 deste acórdão, não se insere nas competências deste Tribunal Arbitral.
6.3. Juros indemnizatórios
O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06.
Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».
Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Nestes casos, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário, nos termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 23-05-2017 e a decisão foi notificada à Requerente por ofício de 03-08-2017.
Assim, não tendo decorrido mais de um ano entre a data da apresentação do pedido de ver oficiosa e a sua decisão, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios, pelo que improcede este pedido.
7. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar improcedentes as excepções de caducidade do direito de acção, da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação da decisão da revisão oficiosa e da litispendência, suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
-
Indeferir o pedido de suspensão da instância formulado pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
-
Julgar procedente a excepção da incompetência material para apreciar o pedido de de condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual;
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando ilegal a liquidação adicional de IRC n.º 2013…, relativa ao exercício de 2010, na parte em que nela se considerou, para determinar a derrama estadual, mais do que 50,41% da parte do lucro tributável da Requerente que excede € 2.000.000,00.
-
Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia paga em excesso pela Requerente, a determinar em execução de julgado;
-
Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 714.885,11.
9. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.404,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira nas percentagens de 1% e 99%, respectivamente.
Lisboa, 30-04-2018
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Mariana Vargas)
(Augusto Vieira)
[1] Acórdão n.º 177/2016, de 29-3-2016, processo n.º 126/15.
[2]JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 4ª ed., Coimbra, 2000, páginas 267/268.
[3]Nesta linha, podem ver-se os acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 16-09-2015, proferidos nos processos n.ºs 01292/14 e 01504/14, e de 02-12-2015, proferido no processo n.º 0734/15.
[4] ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, I, página 197 e seguintes.
Na retroactividade de 1.º grau «o facto verificou-se por inteiro ao abrigo da lei antiga, tendo já produzido todos os seus efeitos no âmbito dessa mesma lei. A lei nova pretende retirar dos mesmos factos efeitos jurídicos distintos». «Aqui a retroactividade é frontal e patente, não se suscitando quaisquer dúvidas de qualificação».
Na retroactividade de 2.º grau «o facto também se verificou por inteiro ao abrigo da lei antiga, aproximando-se por isso da retroactividade de 1.º grau. Mas desta se distingue porque os seus efeitos não se esgotaram por inteiro à sombra da lei velha, antes continuam a produzir-se no domínio temporal da aplicação da lei nova». «O que é relevante para “fixar” a norma temporalmente aplicável é o momento em que ocorreu o facto tributário e não aquele em que a norma é concretamente aplicada».
[5] É também essa a interpretação do artigo 12.º, n.º 2, da CRP que aventa a Autoridade Tributária e Aduaneira, como pode ver-se pelo artigo 85.º da Resposta.