Na sequência do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 12 de dezembro de 2017, impõe-se a pronúncia de nova decisão arbitral.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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No dia 3 de Agosto de 2015, A…, contribuinte n.º … e B…, contribuinte n.º …, casados, com residência na …, n.º…, …-… Santarém, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS e de juros compensatórios, n.º 2014…, relativo ao ano de 2013, bem como do deferimento parcial da reclamação graciosa, no valor de €34.040,02.
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Para fundamentar o seu pedido alegam os Requerentes, em síntese:
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a ilegalidade do acto de liquidação, por preterição de formalidade legal essencial em consequência da violação do artigo 60º, n.º1, alínea a) da LGT;
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a ilegalidade do acto de liquidação de IRS e de juros compensatórios por falta de fundamentação, decorrente da violação dos artigos 268º, n.º3 da CRP e artigo 77º LGT;
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a ilegalidade do acto de liquidação por erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
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No dia 07-09-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o Exm.º Sr. Dr. Fernando Pinto Monteiro como árbitro do tribunal arbitral singular, tendo o mesmo comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 20-10-2015, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 04-11-2015.
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No dia 15-12-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 20-10-2016, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto apresentadas pela Requerente.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi proferida decisão arbitral, notificada às partes no dia 05-11-2016.
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Inconformada com a referida decisão, a Requerida apresentou impugnação dirigida ao Tribunal Central Administrativo do Sul.
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Por acórdão datado de 12-12-2017, o Venerando Tribunal Administrativo do Sul julgou procedente a impugnação apresentada pela Requerida, com as legais consequências.
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O Exm.º Dr. Fernando Pinto Monteiro, árbitro do tribunal singular a constituído neste processo, veio renunciar às funções arbitrais invocando para tanto razões susceptíveis de se considerarem como justificativas.
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Por despacho de 21-02-2018, o Exm.º Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD considerou justificativas as razões invocadas, e aceitou a renúncia do Exm.º Dr. Fernando Pinto Monteiro.
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No mesmo despacho, o Exm.º Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD determinou a substituição, como árbitro no presente processo, do Exmo. Dr. Fernando Pinto Monteiro pelo ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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No dia 21-02-2018 foram as partes notificadas do referido despacho.
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No dia 13-03-2018, foi o ora signatário nomeado árbitro no presente processo.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A Requerente adquiriu, por doação de C… e D… (pais da Requente), a fracção autónoma designada pela letra “O”, correspondente ao … andar esquerdo do prédio urbano, sito na …, n.º…, freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número …/… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, mediante escritura pública celebrada no dia 30 de Dezembro de 2010.
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Por sugestão da notária responsável pela celebração da referida escritura, os outorgantes atribuíram à doação o valor de €148.000,00.
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O imóvel tinha até aos dois anos anteriores à doação e na data da celebração da escritura pública de doação, o valor patrimonial tributário de €334,46.
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A doação beneficiou da isenção prevista no artigo 6º, alínea e) do Código do Imposto de Selo.
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Uma vez que a doação constituiu a primeira transmissão na vigência do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, originou a avaliação do prédio, alterando-se o seu valor patrimonial tributário de €334,46 para €73.333,00.
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Os pais da Requerente fizeram esta doação com o intuito de a ajudar a iniciar a sua vida.
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Os pais da Requerente doaram aos seus outros dois filhos, E… e F…, um montante em dinheiro, sendo que o primeiro optou por investir tal montante na aquisição de um restaurante e, o segundo, decidiu aplicar tal valor na aquisição de uma casa para habitação própria e permanente.
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Relativamente à aqui Requerente, os seus pais optaram por lhe doar um imóvel.
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Tal imóvel tinha sido adquirido pelos pais da Requerente e cedido à Requerente para sua habitação, enquanto esta frequentava o curso universitário em Lisboa.
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O imóvel doado servia para habitação da Requerente, não tendo esta, à data da doação, como objectivo vendê-lo.
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Durante o ano de 2011, a actividade a que se dedicava o Requerente – publicidade em têxtil – começou a gerar resultados negativos.
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Em 2012, o Requerente decidiu fechar a actividade, tendo ficado com um conjunto de dívidas que não conseguia saldar.
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Para fazer face às dívidas, os Requerentes decidiram vender o imóvel.
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A venda concretizou-se em Agosto de 2013 pelo valor de €160.000,00.
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Os Requerentes suportaram despesas e encargos com a aquisição e alienação do imóvel, no montante de €9.840,00, relacionados com a comissão de mediação imobiliária.
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Em nenhum momento, os pais da Requerente influenciaram as decisões da Requerente relativamente ao imóvel, ou receberam qualquer quantia por conta da alienação do mesmo.
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No dia 1 de Junho de 2014, os Requerentes apresentaram conjuntamente, enquanto agregado familiar, a Declaração de Modelo 3 do IRS n.º …-2013-…, relativa ao ano de 2013.
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Na referida declaração foi inscrito como titular “A”, o Requerente B… .
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No anexo G da referida declaração, os Requerentes indicaram como valor de realização do imóvel o montante de €160.000,00, e como valor de aquisição o montante de €148.000,00, bem como o montante de €9.840,00 a título de despesas e encargos.
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Os Requerentes declararam como data da aquisição do imóvel a data da aquisição do mesmo pelos pais da Requerente (Julho de 2003).
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Da referida declaração resultou a liquidação de IRS n.º 2014…, apurando um reembolso de €1.358,05.
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No dia 19-06-2014, os Serviços Tributários procederam à abertura de um processo de análise de divergências para comprovação dos valores e datas respeitantes à alienação do imóvel, declarados pelos Requerentes no Anexo G.
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Através do documento identificado pelo código 2014…, entregue na caixa postal electrónica do ViaCTT, no dia 26-06-2014, foi enviada notificação ao Requerente, dando conta da abertura do procedimento de análise da declaração de IRS do ano de 2013, bem como para proceder à junção dos documentos comprovativos dos elementos declarados, respeitantes à sua situação pessoal e familiar e à alienação do imóvel, no prazo de 15 dias, com a advertência de que a falta de regularização da situação no prazo estabelecido resultaria na correcção dos valores declarados.
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O Requerente acedeu à caixa postal electrónica do ViaCTT no dia 07-07-2015.
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O Requerente não deu cumprimento ao solicitado, não tendo procedido à junção dos documentos comprovativos dos montantes declarados.
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Mediante ofício datado de 17-09-2014, remetido por carta registada com aviso de recepção, registo n.º RF…PT, o Serviço de Finanças efectuou uma segunda notificação, de teor análogo à referida no ponto 23 supra.
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A carta foi remetida para o endereço sito na …, n.º…–…, …-… Santarém, e foi devolvida ao remetente com a indicação “objecto não reclamado”.
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Foi realizada nova notificação datada de 22-10-2014, remetida ao Requerente mediante carta registada com aviso de recepção, registo n.º RF…PT, para a morada sita na…, n.º… – …, …-… Santarém, que foi devolvida ao remetente com a indicação “objecto não reclamado”.
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Na notificação referida no ponto anterior foi comunicada a detecção de incorrecções, devidamente discriminadas, a intenção da AT efectuar correcções, também devidamente discriminadas, e a disponibilização do prazo de 15 dias para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia.
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A morada sita na …, n.º…–…, …-… Santarém, constava do cadastro da AT como domicílio do Requerente.
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O procedimento de divergências terminou com a elaboração de uma declaração oficiosa e a alteração do valor de aquisição do imóvel de €148.000,00 para €334,06.
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Desta liquidação oficiosa resultou o acto de liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios n.º 2014…, no valor de €34.040,02.
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No dia 11-02-2015, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa n.º …2015…, peticionando:
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a alteração da data de aquisição do imóvel para o mês de Dezembro de 2010; e
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a alteração do respectivo valor de aquisição para €73.000,00.
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Os Requerentes foram notificados, nos termos do artigo 60º da LGT, para se pronunciarem por escrito sobre o projecto de decisão da reclamação graciosa, mas não deram resposta à notificação findo o prazo de 15 dias concedido para esse efeito.
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No dia 05-05-2015, através do Ofício n.º … da Direcção de Finanças de …, os Requerentes foram notificados da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, que deferiu o pedido de alteração da data de aquisição do imóvel, e indeferiu o pedido de alteração do valor de aquisição do mesmo.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal, e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Em especial, para além do referido supra, o facto dado como provado no ponto 30 teve em conta o teor da p. 13 do documento “PA 8 - Proc. Diverg.” e da p. 5 do documento “PA- Anexo 7 Doc 1-9”, e os factos dados como provados nos pontos 2, 6 a 13 e 16, tiveram em conta os depoimentos da primeira e terceira testemunhas, não se denotando incongruências nem existindo outros meios de prova susceptíveis de fundar qualquer dúvida razoável relativamente aos factos em causa.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Começam os Requerentes por invocar a ilegalidade do acto de liquidação, por preterição de formalidade legal essencial em consequência da violação do artigo 60º, n.º1, alínea a) da LGT, alegando que “nunca chegaram a ser notificados para exercerem o seu direito de audição relativamente às correcções que deram origem aos referidos actos tributários.”.
A Requerida, por seu lado, relativamente a esta matéria, sustenta que “efectuou três notificações, com o intuito de obter os documentos comprovativos dos valores e datas respeitantes à alienação do imóvel, declarados pelos Requerentes no Anexo G da declaração Modelo 3 de IRS”, referindo-se às notificações a que aludem os pontos 22, 24 e 26 dos factos dados como provados.
Tendo em conta tais notificações, sustenta a Requerida que “não obstante lhes ter sido dada a oportunidade de se pronunciarem, optaram por não o fazer quando não deram cumprimento à notificação electrónica e quando se recusaram a receber as notificações remetidas para o seu domicílio fiscal (cuja participação é obrigatória nos termos do artigo 43.º do CPPT e 19.º da LGT).”.
Refere ainda a Requerida que “admitindo, por mera hipótese académica e sem conceder, que os Requerentes não foram validamente notificados para exercer o direito de audição prévia no âmbito do procedimento de análise de divergências, a alegada preterição dessa formalidade legal deveria considerar-se sanada, (...) [p]orquanto, os Requerentes apresentarem reclamação graciosa da liquidação no âmbito da qual tiveram, novamente, possibilidade de se pronunciarem sobre a liquidação adicional, tendo optado por não exercer o direito de audição”.
Em abono desta sua última tese, a Requerida invoca o decidido no Ac. do STA de 25-06-2015, proferido no processo 01391/14.
Vejamos então.
Conforme decorre dos factos dados como provados sob os pontos 26 e 27, foi realizada uma notificação datada de 22-10-2014, remetida ao Requerente mediante carta registada com aviso de recepção (registo n.º RF…PT), para a morada sita na…, n.º … –…, …-… Santarém, que foi devolvida ao remetente com a indicação “objecto não reclamado” notificação essa em que foi comunicada a detecção de incorrecções, devidamente discriminadas, a intenção da AT efectuar correcções, também devidamente discriminadas, e a disponibilização do prazo de 15 dias para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia.
Mais se encontra provado que a morada sita na …, n.º … –…, …-… Santarém, constava do cadastro da AT como sendo a do Requerente e que os Requerente apresentaram, no exercício em questão, declaração de rendimentos conjunta, constando como sujeito passivo A, o Requerente.
Dispõe o artigo 60.º da LGT:
“4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.”.
Dispõe, também, o art.º 38.º do CPPT:
“1 - As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter de forma clara a identificação do remetente.
3 - As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada. (...)
5 - As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário.”.
O artigo 39.º, igualmente do CPPT, acrescenta, ainda, que:
“1 - As notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
2 - A presunção do número anterior sã﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽ta, ainda, que:equerente.
exercer o seu direito de audiçrcó pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção.
3 - Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
4 - O distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.
5 - Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.
6 - No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”.
Conforme decorre do artigo 60.º/5 da LGT, a regra prevista para a notificação para efeitos de audiência prévia é a da utilização de carta registada.
No caso, verifica-se que a AT optou por utilizar carta registada com A/R.
Tal circunstância, de per si, não terá qualquer efeito invalidante[2], desde que cumpridos os preceitos reguladores dessa forma de notificação, já que nos termos do artigo 38.º/5 do CPPT a AT poderá recorrer à notificação pessoal (da qual a notificação por via postal registada com A/R é uma forma; cfr. artigos 225.º/2/b) e 250.º do Código de Processo Civil), sempre que o entender necessário.
No entanto, e como também resulta dos factos dados como provados, a carta em questão foi devolvida ao remetente, com a menção “Não reclamada”.
Nestas situações, impõe o artigo 39.º/5 do CPPT que, se não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal (o que é o caso), a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção.
Ora, no caso tal carta não foi enviada, não demonstrando a AT que a notificação foi recebida pelo destinatário, nem beneficiando de qualquer presunção nesse sentido, o que só ocorreria se tivesse enviado nova carta registada com A/R, e este fosse assinado pelo contribuinte ou por terceiro presente no domicílio daquele (nos termos do artigo 39.º/3 do CPPT), ou, se a carta não fosse recebida ou levantada (nos termos do artigo 39.º/5 e 6 do CPPT).
Naturalmente que o ofício datado de 17-09-2014, remetido por carta registada com aviso de recepção, registo n.º RF…PT, não constitui uma primeira notificação para efeitos do exercício do direito de audição, uma vez que foi enviado para dar conta da abertura do procedimento de análise da declaração de IRS do ano de 2013, bem como para proceder à junção dos documentos comprovativos dos elementos declarados, respeitantes à sua situação pessoal e familiar e à alienação do imóvel, no prazo de 15 dias, com a advertência de que a falta de regularização da situação no prazo estabelecido resultaria na correcção dos valores declarados.
Deste modo, não se demonstrando nem se presumindo a recepção pelo destinatário da notificação enviada para exercício do direito de audição, não se pode considerar devidamente cumprido o dever de audiência prévia, pela AT.
Assente isto, cumpre então apurar se, como pretende a Requerida, a verificada preterição dessa formalidade legal se deve considerar sanada.
Conforme referido, louva-se a Requerida no Ac. do STA de 25-06-2015, proferido no processo 01391/14, em cujo sumário consta, para além do mais, que “Tendo o contribuinte interposto reclamação graciosa da liquidação adicional e neste meio de reacção administrativa tido a oportunidade de se pronunciar sobre a liquidação adicional e sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar, devemos considerar que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação.”.
Antes de mais, note-se que, salvo melhor opinião, do aresto em causa não resulta que sempre que tiver sido interposta reclamação graciosa da liquidação adicional e, no procedimento respectivo, haja sido facultado se deverá ter por sanada a preterição do dever de audiência prévia relativamente à liquidação objecto daquele procedimento, ou seja, que, em suma, ao interpor reclamação graciosa relativamente a uma liquidação em que não haja sido observado o seu direito de audiência prévia, o contribuinte esteja a renunciar ao mesmo, desde que a AT o observe previamente à decisão daquela reclamação.
De resto, tal entendimento, seria contrário a jurisprudência anterior do próprio STA, na qual se entendeu, justamente, que “Não afastam a relevância do vício de violação do direito de audiência os factos de, depois de elaboradas as liquidações, o contribuinte ter tido oportunidade de as impugnar administrativa e judicialmente e ter sido ouvido no âmbito da impugnação administrativa.”[3], bem como, de um ponto de vista mais geral, ao entendimento de que:
“3) As impugnações administrativas constituem formas de tutela do contribuinte perante o Fisco, de forma que a instauração do seu procedimento reabre a apreciação da situação subjacente ao acto tributário, o qual não se consolida até ao trânsito em julgado da decisão judicial incidente sobre a sua impugnação.
4) Associar o efeito preclusivo da competência do tribunal arbitral à não invocação na sede administrativa de certo vício fundamento do pedido de pronúncia arbitral colide com o regime das impugnações administrativas como garantias dos contribuintes no quadro do direito à tutela jurisdicional efectiva.
5) A restrição do universo de elementos constitutivos da causa de pedir arbitral em função da discussão efectuada em sede procedimental constitui uma restrição desproporcionada da tutela judicial efectiva, na medida em que a garantia do cumprimento da legalidade fiscal assegurada pelos procedimentos administrativos de revisão do acto tributário não pode operar como um impedimento de tal revisão em sede contenciosa, seja a mesma garantida através de um tribunal do Estado, seja a mesma garantida através de um tribunal arbitral.”[4]
Com efeito, sendo as impugnações administrativas formas de tutela do contribuinte perante o Fisco, não deverá, por norma, o contribuinte ser prejudicado nos seus direitos ao optar pela sua utilização, designadamente pela associação de efeitos preclusivos (no caso, de invocação da violação do seu direito de audiência prévia) à utilização de tais meios.
Daí que se considere que, para que seja aplicável a jurisprudência que dimana do referido Ac. do STA de 25-06-2015, proferido no processo 01391/14, seja necessário demonstrar, como se refere expressamente no mesmo, que o contribuinte tenha “tido a oportunidade de se pronunciar sobre a liquidação adicional e sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar”, oportunidade essa que terá de se ter verificado em concreto, e não de forma meramente abstracta, sob pena de se cair na apontada interpretação de que ao interpor reclamação graciosa relativamente a uma liquidação em que não haja sido observado o seu direito de audiência prévia, o contribuinte esteja a renunciar ao mesmo, desde que a AT o observe previamente à decisão daquela reclamação.
Ou seja, dito de outra forma, se se entendesse que será suficiente, para aplicação da doutrina plasmada no aresto em análise, a mera oportunidade abstracta de o contribuinte “se pronunciar sobre a liquidação adicional e sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar”, concluir-se-ia que em todas as situações em que houvesse audiência prévia relativamente à reclamação graciosa, ficaria “sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação.”, já que sob tal ponto de vista (abstracto) o contribuinte é livre de se pronunciar sobre tudo o que for possível pronunciar-se.
Deste modo, e pelo exposto, julga-se que apenas ficará “sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação.”, quando o conteúdo da própria notificação para o exercício de audiência prévia pelo contribuinte em sede de reclamação graciosa contiver, expressamente e em concreto, todas “as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar”.
Ora, no caso isso não será isso que acontece.
Com efeito, a reclamação graciosa, conforme resulta do ponto 29 dos factos dados como provados, restringiu-se às questões, colocadas pelos Requerentes, referentes à:
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a alteração da data de aquisição do imóvel para o mês de Dezembro de 2010; e
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a alteração do respectivo valor de aquisição para €73.000,00.
Ora, em sede de audiência prévia, os Requerentes poderiam ter suscitado outras questões, como vieram a fazer em sede impugnatória, designadamente a ilegalidade do acto de liquidação de IRS e de juros compensatórios por falta de fundamentação, decorrente da violação dos artigos 268º, n.º3 da CRP e artigo 77º LGT e a ilegalidade do acto de liquidação por, no seu entendimento, o artigo 45.º, n.ºs 1 e 3 do CIRS consagrar uma presunção legal implícita e tal presunção se poder considerar ilidida em concreto, questões que não foram abrangidas pela audiência prévia do procedimento de reclamação graciosa, uma vez que não tinham sido colocadas como objecto da mesma pelos Requerentes, nem foram oficiosamente suscitadas pela AT, não integrando assim quer o projecto de decisão notificado aos Requerentes para efeitos de audiência prévia na reclamação graciosa, nem a decisão final desta.
Acresce ainda que o referido Ac. do STA de 25-06-2015, proferido no processo 01391/14 assenta no entendimento de que “que a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau (por que foi decidida a reclamação graciosa), pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação.”, entendimento este que não será, sempre ressalvada melhor opinião, directamente transponível para o processo arbitral tributário.
Com efeito, tem sido abundantemente afirmado pela jurisprudência arbitral do CAAD, e pela própria doutrina, que o objecto do processo arbitral tributário é o acto de liquidação, conforme decorre do artigo 2.º/1/a) do RJAT, e não os actos de segundo grau e terceiro grau, que serão relevantes unicamente para aferir da tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 10.º/1/a) também do RJAT, razão pela qual se tem entendido que os vícios próprios dos actos de segundo e terceiro grau caem fora da competência dos tribunais arbitrais tributários a funcionar no CAAD.
Como explica Carla Castelo Trindade[5], “não são arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas e recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão oficiosa do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária.”. Ou seja, “O objecto do pedido de pronúncia arbitral será, então, a (i)legalidade do acto tributário de primeiro grau, independentemente de o sujeito passivo apontar como objecto da sua acção arbitral este (o acto de primeiro grau), ou o de segundo, isto sempre, desde que o de segundo aprecie a (i)legalidade do acto de primeiro grau.”.
Assim, e pelo exposto, julga-se não ser caso de aplicação da doutrina do Ac. do STA de 25-06-2015, proferido no processo 01391/14, mas antes da apontada jurisprudência segundo a qual “Não afastam a relevância do vício de violação do direito de audiência os factos de, depois de elaboradas as liquidações, o contribuinte ter tido oportunidade de as impugnar administrativa e judicialmente e ter sido ouvido no âmbito da impugnação administrativa.”.
Aqui chegados, resta apenas aferir, em obediência à jurisprudência reiterada e constante do STA na matéria em causa, se se verifica a não relevância da preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo.
Como tem afirmado repetidamente o STA, “A não relevância da preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final.”[6].
Tem entendido assim aquele alto Tribunal que “o princípio do aproveitamento do acto em direito fiscal face à sua natureza ablativa só em casos muito específicos em que se considere de todo a irrelevância do vício formal na génese do acto administrativo por não contender com a sua existência ou validade é que em sede fiscal pode ser atendido.”[7].
Ou, como referido no já indicado Ac. do STA de 25-06-2015, proferido no processo 01391/14, citado pela própria Requerida, “A pedra-de-toque para a aplicação do referido princípio deve ser, isso sim, a insusceptibilidade de a participação do interessado influenciar a decisão final, seja no seu sentido seja nos seus fundamentos.”.
Ora, no caso, não se pode concluir que o exercício do direito de audição pelos Requerentes, fosse insusceptível de “influenciar a decisão final, seja no seu sentido seja nos seus fundamentos.”, sendo notório, de resto, o oposto, já que a própria decisão da reclamação graciosa não manteve, nos seus precisos termos, o acto de liquidação em crise, revogando-o parcialmente, pelo que, desde logo nessa parte, se denota que o oportuno exercício do direito de participação dos Requerentes era susceptível de influenciar a decisão final do procedimento de liquidação.
Assim, e face ao exposto, verifica-se o vício de forma arguido pelos Requerentes, atenta a violação do disposto no artigo 60.º da LGT, devendo, em consequência, ser anulada a liquidação objecto do presente processo arbitral, bem como os actos que pressupõem a respectiva validade, designadamente a liquidação de juros compensatórios e a decisão do procedimento de reclamação graciosa, procedendo o pedido arbitral formulado.
Face ao decidido, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelos Requerentes.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
-
Anular o acto de liquidação de IRS e de juros compensatórios n.º 2014…, bem como o despacho, datado de 5 de Maio de 2015, que indeferiu parcialmente a reclamação graciosa apresentada contra o mesmo acto;
-
Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 34.040,02, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.836,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 9 de Abril de 2018
O Árbitro
(José Pedro Carvalho)
Decisão Arbitral
RELATÓRIO
A fls. 2 A…, contribuinte n.º … e B…, contribuinte n.º…, casados, residentes em Santarém na …, n.º…, …-… SANTARÉM, vem, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º, todos do RJAT (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária) com referência ao IRS e JUROS COMPENSATÓRIOS, liquidado do ano de 2013, e, bem assim, do deferimento parcial da reclamação graciosa deduzida com o mesmo fim, pedir a constituição do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade das liquidações acima referenciadas de IRS e JUROS COMPENSATÓRIOS, com as seguintes fundamentos.
1.º
Os requerentes foram notificados da liquidação n.º 2014… respeitante a IRS e de Juros Compensatórios, do ano de 2013, e, não se conformando com a liquidação, deduziram reclamação graciosa peticionando a sua anulação.
2.º
Pelo ofício nº…, de 5/05/2015, da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de…, os requerentes foram notificados do deferimento parcial da referida reclamação graciosa.
3.º
Não se conformando com a liquidação nem com o deferimento parcial da reclamação graciosa os Requerentes vem apresentar o pedido de pronuncia arbitral contra:
i) a liquidação do IRS 2014…, do Director Geral da Autoridade Tributária, com referência ao ano de 2013, do qual resultou o montante a pagar de 34,040,20;
ii) despacho de 5 de maio de 2015 que determinou o indeferimento, parcial, da reclamação graciosa.
4.º
Atento o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do 1 do art.º 10.º do o art.º 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPA, o prazo para apresentação do pedido de pronuncia arbitral da decisão da reclamação graciosa é de noventa dias contados da notificação da decisão, pelo o presente pedido de Pronuncia do Tribunal Arbitral é tempestivo.
FACTOS RELEVANTES PARA A APRECIAÇÃO DO PEDIDO
5.º
Por escritura pública de 30 de dezembro de 2010, C… e D…, doaram à sua filha A…, ora requerente, por conta da sua quota disponível, a fração autónoma designada pela letra “O” correspondente ao … andar esquerdo do prédio urbano sito na …, n.º…, freguesia de …, concelho de Lisboa, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …/…, doravante “IMOVEL”.
6.º
À data da escritura o imóvel tinha o VPT (valor patrimonial tributário) de € 334,46, tendo sido atribuído, por mero lapso, à doação, para efeitos fiscais, € 148.000.
7.º
Por ser a primeira transmissão após entrada em vigor do CIMI, foi avaliado, segundo as novas regras, tendo-lhe sido atribuído o valor de €73.300, alienado, em agosto de 2013, por € 160.000.
8.º
Os requentes suportaram ainda, com a aquisição e alienação do imóvel, a comissão de mediação imobiliária, do montante de € 9.840.
9.º
Em 1 de Junho de 2014, os requerentes apresentaram a sua declaração mod.3 de IRS, do ano de 2013, tendo indicado no seu anexo G a alienação bem como o valor aquisição de € 148.000 e de realização de €148.000.
10.º
Por mero lapso indicaram como data de aquisição do imóvel julho de 2013 e não a data da escritura publica de doação de dezembro de 2010.
11.º
Da referida declaração resultou a liquidação de IRS n.º 2014…, com reembolso de € 1.358,05.
12.º
A Administração Tributária promoveu um processo de divergências para comprovação dos valores e datas declaradas no indicado anexo G, tendo notificado os requerentes para apresentarem os documentos comprovativos e para exercerem o seu direito de audição às alterações propostas na declaração oficiosa elaborada, nomeadamente alteração do valor aquisição de € 148.000 para 334,06 – o VPT do imóvel na data da alienação - e a não consideração de despesas com a aquisição e alienação do mesmo.
13.º
Da declaração oficiosa resultou a liquidação adicional do IRS e juros compensatórios n.º 2014…, do valor de € 34.040,02 que ora também se contesta, e a apresentação, em 11 de fevereiro de 2015, da reclamação graciosa para correção da data aquisição do imóvel para dezembro de 2010 e do valor de aquisição de € 73.300.
14.º
A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, pelo ofício nº…, de 05/05/2015, notificou os requerentes da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, tendo deferido o pedido de alteração da data da aquisição do imóvel, mas manteve o valor de €334,06.
15.º
Ao contrário do que alega a Administração Tributária os Requerentes nunca chegaram a ser notificados para exercerem o direito de opção relativamente as correções nomeadamente a correção do valor aquisição do imóvel, tendo sido com total surpresa quando foram confrontados com a liquidação adicional de IRS e Juros Compensatórios n.º 2014… .
16.º
A falta de notificação nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do art.º 60.º da Lei Geral Tributária é uma violação que só por si implicará também a anulação da liquidação cujas legalidades se contestam por preterição de formalidade legal essencial-falta de audiência prévia.
17.º
A liquidação adicional do IRS e Juros Compensatórios não está suficientemente fundamentada, de facto e de direito, por não serem explicados, sendo apenas indicado um conjunto de valores, que se trata de IRS do ano de 2013 sem qualquer identificação adicional quanto à sua natureza e origem, impercetíveis para um destinatário normal e, também para os ora requerentes, sendo apenas referido que a liquidação poderá ser objeto de reclamação graciosa ou de impugnação judicial sem que se identifiquem, sequer, as concretas disposições legais em que assenta aquela mesma liquidação adicional.
18.º
Ora, o art.º 77.º n.º 2 da LGT dispõe que mesmo quando efetuada de forma sumária a fundamentação dos atos tributários deve sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos atos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
19.º
Impende sobre a Administração Tributária o dever legal de fazer referência expressa de fazer referência expressa às disposições legais aplicáveis, sendo que a fundamentação que não contenha esta referência é sempre insuficiente e tem por consequência a anulabilidade do ato.
20.º
O n.º 2 do art.º 77.º da LGT consagra uma fundamentação ainda mais simples, embora não menos rigorosa do que a prevista no n.º 1, para os atos tributários de liquidação a que se aplica. Dispõe sobre o mínimo de fundamentação expressa do ato tributário, a fundamentação estritamente necessária à sua legalidade (…) (Cf. GURREIRO, ANTONIO LIMA; Lei Geral Tributária – Anotada, Lisboa, 2001, pág. 339).
21.º
Só fazendo expressa referência aos elementos elencados no referido n.º 2, do artigo 77.º da Lei Geral Tributária se dará devido cumprimento à lei, não podendo os serviços omitir os elementos de facto e as disposições legais aplicáveis, prejudicando as possibilidades de defesa do sujeito passivo, como efetivamente prejudicam no caso concreto.
22.º
O dever de motivação ou de fundamentação de qualquer ato administrativo ou tributário tem associadas duas finalidades: (i) por um lado, inteirar o respetivo destinatário das razões ou dos motivos que conduziram à tomada de decisão em determinado sentido; e, (ii) por outro lado, permitir que se faça um controlo sobre a legalidade da decisão e sobre a validade dos motivos que subjazem a determinada decisão concreta.
23.º
Como ensina Vieira de Andrade, o imperativo de fundamentação expressa (…) desempenha assim tipicamente um papel de garantia funcional com a pretensão de assegurar a racionalidade e controlabilidade dos momentos característicos da função administrativa, daqueles em que os órgãos da Administração tomam decisões de autoridade que produzem modificações jurídicas no mundo externo (Cf. ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA; O dever de fundamentação expressa de atos administrativos, Coimbra, 1992, p.215).
24.º
Contudo a liquidação notificada é, como se demonstrou omissa quanto à necessária fundamentação, devendo ser anulada em conformidade (cf. artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo).
25.º
Não pode ser invocada a fundamentação perada por via de remissão para a fundamentação já remetida, desde logo, porque não há qualquer remissão explicita para qualquer documento concreto que contenha essa mesma fundamentação.
26.º
Nos termos do n.º 2 do art.º 77.º da LGT, resulta que, em regra os atos de liquidação, não basta que a fundamentação se faça por remissão para o relatório final do procedimento de inspeção tributária. Na fundamentação dos atos tributários deverão também constar “sempre”, mas disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento.
27.º
Com efeito, os atos tributários – nomeadamente os atos de liquidação, enquanto atos administrativos, não “resultam” do relatório de inspeção, mas sim da decisão fundamentada do órgão da Administração tributária respetiva prática (cf. ALFARO, MARTINS; Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária – Comentado e Anotado, Lisboa, 2003, pág. 446).
28.º
Porém, sem conceder, mesmo que se admitisse que os atos de liquidação se podem fundamentar em algum outro documento externo, sem necessidade de cumprimento dos requisitos mínimos de fundamentação exigidos pelo disposto no número 2 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária, sempre se teria de exigir a expressa remissão no próprio ato de liquidação para esse mesmo documento externo, o que também não ocorreu, como os Requerentes já deixaram referido.
29.º
O respeito pelos mais elementares direitos dos contribuintes obriga a que a fundamentação seja contemporânea e contextual e, também, que não se presuma, devendo resultar de forma clara, expressa e inequívoca do próprio ato, o que não sucedeu.
30.º
E, nos casos em que se admita a fundamentação por remissão, impõe-se que essa remissão seja expressa, de modo a que a fundamentação seja tão acessível ao contribuinte como se constasse do próprio ato, o que não sucedeu também.
31.º
Este princípio, consagrado no n.º 1 do artigo 77.º da LGT, resulta também do próprio artigo 63.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, que faz depender a fundamentação dos atos tributários ou em matéria tributária nas conclusões do Relatório da Inspeção da adesão ou concordância com estas.
32.º
Mas a adesão ou concordância exige que o autor, expressamente se refira e identifique o relatório, parecer, informação ou proposta com que manifesta essa mesma concordância. Em consequência é necessária uma referência expressa e inequívoca a elementos bem individualizados a elementos bem individualizados do processo administrativo, pois, caso contrário estaria a transferir-se para o administrado.
33.º
Ónus ou dever de determinar – como a lei exige – clara, suficiente ou congruentemente, o que motivou a decisão tomada, pesquisando no processo quais os elementos tidos em conta na decisão.
34.º
É aliás entendimento pacífico da jurisprudência que não vale como fundamentação a motivação apresentada posteriormente à pratica do ato. Nem a constante de peças instrutórias anteriores para as quais não tenha sido feita remissão expressa ou implícita (cf. Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0228/03, in www.dgsi.pt).
35.º
Nos atos sob censura não há qualquer referência, expressa ou implícita, a Relatório da Inspeção Tributária ou a outro qualquer documento concreto, pelo que, não constando do próprio ato a fundamentação legalmente exigida – ou seja, a demonstração dos pressupostos de que dependa a liquidação - também não se pode entender que esta se tem por cumprida, por remissão para um outro qualquer documento, que não vem identificado.
36.º
Acresce que, no que respeita a juros compensatórios, não é invocada qualquer fundamentação quer de facto quer de direito para a sua liquidação. Ora não podem os Requerentes conformar-se com a liquidação de juros compensatórios sem que da respetiva demonstração da liquidação resulte expressamente a respetiva fundamentação, nomeadamente, a demonstração do preenchimento dos pressupostos legais em que assenta a liquidação.
37.º
Parece, pois, curial que se conclua que i ato de liquidação de imposto e de juros compensatórios em causa foi praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis, designadamente o art.º 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e artigo 77.º da Lei Geral Tributária, devendo ser anulado em conformidade (art.º 135.º o Código de Processo Administrativo).
38.º
O referido ato de liquidação- no que não se concede e só por mera cautela se admite, é ilegal, não só pela mencionada falta de fundamentação, mas, também, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito das correções efetuadas pela Administração Tributária.
39.º
De acordo com o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário.
40.º
Quando o imóvel é adquirido por doação isenta de Imposto do Selo – transmissão gratuita doação de bens de pais para filhos – o valor de aquisição deverá corresponder ao VPT constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação (art.º 45.º, n.º 3, do CIRS, na redação que lhe foi dada pela Lei 3-B/2010, de 28 de abril).
41.º
Pretendeu o legislador evitar o planeamento fiscal comummente utilizado ao abrigo da lei antiga para diminuir a mais-valia tributável decorrente da alienação de prédios urbanos com um VPT desatualizado.
42.º
Esta prática abusiva traduzia-se na doação fictícia do imóvel, geralmente um filho, atenta a isenção de imposto de Selo de que beneficiavam estas transmissões gratuitas), seguidas da alienação onerosa a terceiros por um preço idêntico ou aproximado ao VPT resultante da primeira avaliação do imóvel, efetuada nos termos do Código do IMI, quando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor.
43.º
A doação serviria apenas para despoletar a avaliação do imóvel e de fazer subir o VPT que numa ulteriora alienação viria a ser utilizado como valor aquisição na cálculo da mais-valias, tendo em vista a redução da tributação.
44.º
O combate aos ausos foi realizado através da consagração numa norma de incidência objetiva de uma presunção ou ficção legal implícita, a forma de ultrapassar as dificuldades probatórias.
45.º
Ora a LGT estabelece que as presunções consagradas nas normas de incidência tributárias, admitem sempre prova contrária (art.º 73.º da LGT).
46.º
O Tribunal Constitucional já acolheu esta solução no contexto do princípio da igualdade tributaria referindo que o estabelecimento de presunções com o objetivo de conferir certeza e simplicidade às relações fiscais, de permitir uma pronta e regular perceção dos impostos e de evitar a evasão e a fraude (…) tem de compatibilizar-se com o princípio em análise (da igualdade tributária) o que passa quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas na medida em que impedem o contribuinte de provar a inexistência da capacidade contributiva visada na respetiva lei visada na respetiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para apresentarem relativas para apresentarem o pressuposto económico tido em conta (…). As presunções devem apoiar-se em elementos concretamente positivos que as justifiquem racionalmente e admitir prova em contrario, de modo a que o imposto se ligue a um pressuposto económico certo, provado e não apenas provável (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97).
47.º
Não poderá deixar de ser admitida, nesta sede, a possibilidade de os Requerentes ilidirem a presunção em que assentou o cálculo da mais-valia decorrente da alienação do imóvel e o ato de liquidação adicional de IRS praticado com referência ao ano de 2013, ora contestado.
48.º
Passará a demonstrar-se como a doação do imóvel obedeceu a outros propósitos que não o da redução drástica da mais-valia imobiliária decorrente da respetiva alienação.
49.º
Inicialmente os doadores eram proprietários de uma quinta na … tendo decidido vender parte da quinta, tendo o produto da venda sido aplicado na aquisição de alguns terrenos e bem assim, na aquisição do imóvel.
50.º
O período em que foi alienado o imóvel e efetuados os investimentos coincidiu com o casamento de dois filhos, tendo os pais feito doações em dinheiro aos mesmos, um dos quais optou por adquirir uma casa para habitação própria e permanente e o outro por adquirir um restaurante.
51.º
Entretanto encontrando-se o imóvel desocupado os pais decidiram cede-lo para habitação de sua filha, enquanto esta frequentava o curso universitário em que se encontrava inscrita.
52.º
Em finais de 2008, por ocasião do casamento de sua filha os pais decidiram fazer-lhe uma doação a dinheiro, à semelhança do que sucedido com os outros dois filhos, tendo esta sugerido que em alternativa lhe fosse doado o imóvel em que tinha vivido como estudante e, portanto, tinha um valor sentimental muito importante.
53.º
Por não haver urgência, a escritura de doação apenas se realizou em 30 de dezembro de 2010, o que foi influenciado pela decisão de os requerentes irem viver para Santarém e arrendarem o imóvel.
54.º
Em 2011, por virtude da crise económica e financeira, a atividade a que se dedicava B…– publicidade em têxteis – começou a gerar resultados negativos pelo que em 2012 decide fechar a atividade, herdando, todavia, um conjunto de dívidas que não conseguia saldar.
55.º
Pressionado pelas dívidas que se vinham acumulando e de forma a conseguirem cumprir os compromissos assumidos, os requerentes tomaram a decisão de vender o imóvel em Agosto de 2013.
56.º
A venda do imóvel foi efetuada por € 160.000 aproximado ao valor que lhe havia sido atribuído à doação do imóvel (€ 148.000).
57.º
Da factualidade descrita os requerentes entendem que não podem deixar de se tirar as seguintes conclusões:
58.º
a) A aquisição do imóvel por parte de C… e para D…, pais da reclamante, foi efetuada num contexto de investimento imobiliário e com recurso ao produto da venda de parte do imóvel de que eram proprietários;
b) A doação do imóvel foi uma verdadeira doação, mais não representando que a materialização da prenda de casamento que os seus pais lhe quiseram oferecer, à semelhança e na mesma medida que o haviam feito para os seus outros dois filhos;
c) Embora a escritura de doação apenas fosse realizada em 2010, o imóvel foi utilizado como habitação dos requerentes desde finais de 2008, data em que casaram, até finais de 2010;
d) A venda do imóvel em 2013 (três anos após a doação civil) foi motivada, única e exclusivamente, pela necessidade de saldar as dívidas assumidas, na sequência do fecho da atividade da empresa que, até então, geria.
59.º
Em suma a doação do imóvel não foi efetuada com o propósito de reduzir a mais-valia que resultasse da futura alienação, mas, isso sim, com a intenção de dispor gratuitamente de um bem em favor de outra pessoa, uma filha, com o intuito sério e altruísta de a ajudar em inicio de vida.
60.º
Nessa medida, em face da prova produzida, dever-se-á considerar ilidida a presunção legal implícita no n.º 3 do art.º 45.º do Código do IRS, de acordo com a qual toda e qualquer doação isenta de imóvel com um VPT desatualizado é realizada com o propósito único de, numa futura alienação, eliminar ou reduzir drasticamente a mais-valia daí decorrente.
61.º
Razão pela qual deverá ser desaplicada a regra aí contida e aplicada, por sua vez, a regra geral decorrente da alínea b) do n.º 1 da mesma disposição legal: para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, o valor que serviria de base à liquidação de imposto de selo, caso este fosse devido.
62.º
Não restam dúvidas de que a doação de imóveis de pais para filhos estava e está isenta de imposto de selo, nos termos do artigo 6.º, alínea e) do Código do Imposto de Selo.
63.º
No entanto, caso fosse devido, de acordo com a lei em vigor à data dos factos, tratando-se da primeira transmissão do imóvel após a entrada em vigor do Código do IMI, o imposto de selo seria liquidado com base no valor resultante da avaliação que, por imposição legal, deveria ser efetuada na sequência dessa mesma transmissão (cf. Art.º 27.º do Dec. Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, conjugado com o art.º 15.º, n.º 1, do mesmo diploma legal).
64.º
Tendo o imóvel sido avaliado em € 73.300, seria este o valor que serviria de base à liquidação de imposto de selo, caso este fosse devido, e, portanto, seria este (e não o VPT do imóvel até aos dois anos anteriores à doação) o valor de aquisição a ter em conta para efeitos de cálculo das mais-valias decorrentes da respetiva alienação.
65.º
O pagamento da comissão por mediação imobiliária da alienação do imóvel (€ 9.84,00) é despesa necessária e praticada deve ser considerado nos termos do art.º 51.º, alínea) do Código do IRS, facto este suficiente para se conclua que o ato de liquidação é ilegal tal como a decisão da reclamação graciosa, porque assente em erro sobre os pressupostos de facto (e de direito), devendo ser anulados o que se requer.
66.º
Em face do exposto deve a liquidação do IRS e de juros compensatórios ser anulado em conformidade e bem assim, a decisão da reclamação graciosa que os manteve), com as demais consequências legais.
67.º
A liquidação dos juros compensatórios carece de ser demonstrado pela Administração tributária com sede em fundamentação: de que o retardamento da liquidação do imposto se deva a facto imputável ao contribuinte, nos termos do disposto no art.º 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
68.º
Em momento algum a administração tributária se refere à existência de culpa imputável aos Requerentes, pressuposto fundamental da pretensão de liquidação de juros compensatórios que não são uma mera decorrência da dívida de imposto, e carecem de fundamentação expressa, acessível e contextual, à semelhança de qualquer matéria objeto de correção na sequência de procedimento de inspeção tributária.
69.º
O Art.º 268.º,n.º2, da CRP estabelece que os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, continuando o art.º 77.º da LGT dispõe que a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
70.º
O que importa é que o contribuinte destinatário da decisão fique minimamente ciente do iter volitivo da administração no que concerne à determinação da matéria coletável. A violação destes requisitos da decisão implica a respetiva ilegalidade, fundamento da subsequente anulação em sede de impugnação judicial da liquidação (artigos 89.º e 120.º, alínea c).
71.º
No caso presente importa que o contribuinte destinatário da decisão fique minimamente ciente do iter volitivo da administração tributária no que concerne à liquidação de juros compensatórios, pelo que, a violação deste requisito da decisão, implica a respetiva ilegalidade, fundamento para a sua anulação.
72.º
No Acórdão de 1 de julho de 1998, Processo n.º 43812, o STA considerou que o dever de fundamentação expressa que onera a atividade administrativa, consiste na obrigação de exteriorização das razões de facto e de direito que estão na base da decisão administrativa, para que o respetivo enunciado seja apto a exprimir uma justificação da opção tomada.
73.º
Também o Acórdão de 11-11-1998 Procº 31.339, do STA, considera que o dever de fundamentação exige que um destinatário normal, colocado na posição do recorrente, face ao teor expresso do ato, possa apreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela autoridade recorrida para chegar a tal decisão, de forma a poder determinar-se, conscientemente, no sentido da impugnação ou não impugnação.
74.º
No caso em apreço a administração tributária abstém-se de indicar quais os elementos em que se baseia para promover a liquidação de juros compensatórios, notificando a requerente da respectiva demonstração da liquidação, através do mesmo documento pelo qual a tinha notificado da liquidação do IRS, não fazendo qualquer menção à culpa dos requerentes no suposto atraso na liquidação do imposto, e muito menos procedendo à demonstração dessa culpa.
75.º
A administração tributária limitou-se a notificar a liquidação dos juros compensatórios, sem indicar os motivos pelas quais considera existir culpa, imputável aos requerentes no suposto atraso na liquidação do imposto.
76.º
Neste sentido a administração tributária impede os requerentes de conhecerem, em toda a sua extensão. o porquê do encargo adicional que lhes é imposto, bem como de apreciar a sua legalidade, pelo que a falta de fundamentação constitui vicio de forma que determina a anulabilidade da liquidação.
77.º
Esta orientação, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se no Acórdão de 18 de fevereiro de 1998, no processo n.º 22.325, entendendo que os juros compensatórios representam como o próprio nome indica, uma compensação ou indemnização, uma espécie de reparação civil pelo retardamento da liquidação, com o consequente retardamento da entrada do imposto nos cofres do Estado. (…) A imputabilidade referida na lei não se basta com a mera ligação objetiva do facto ao contribuinte, seja, com a ilicitude, comportamento ainda um juízo subjetivo consistente na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente de forma a poder formular-se, a respeito da sua conduta, um juízo de censura; numa palavra, a culpa. Tal imputabilidade não se verifica se o retardamento da liquidação – tendo o contribuinte, na declaração modelo 2, tempestivamente apresentada, fornecido à Administração todos os elementos necessários à efetivação daquela – resulta de simples divergência, não culposa, de critérios quanto à quantificação de determinadas verbas como custos. A desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, imposto pela ordem jurídica, do critério adotado, em divergência com o fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa.
78.º
Mais, no Acórdão proferido em 23 de outubro de 2002, pelo Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 1145/02, sustentou-se que os juros compensatórios decorrentes do atraso na liquidação do respetivo imposto (…) pressupõem a existência de culpa (dolo ou negligência) do contribuinte pelo atraso ou falta da liquidação.
79.º
Nos termos do disposto nos artigos 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 342.º, n.º 1 do Código Civil, cabe à administração tributária demonstrar e provar esses factos constitutivos do direito à liquidação dos juros compensatórios, designadamente a culpa do sujeito passivo no eventual atraso ou retardamento da liquidação do imposto, ou seja, demonstrar o pressuposto da liquidação de juros compensatórios que se traduz na (…) existência de um nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e o retardamento da liquidação e, bem assim, um juízo de censura, a título de dolo ou de negligência, aferido em abstrato, segundo a diligência do “bonus pater famílias” (cf. Acórdão do STA, de 17-10-2001, Procº25.803).
80.º
Assim, a culpa deveria ter sido apreciada na notificação em apreço ou em qualquer outro documento para o qual aquela remetesse. A liquidação dos juros compensatórios não é uma consequência automática de qualquer liquidação adicional do imposto, correspondendo, ao invés, ao resultado final de todo o processo cognitivo e valorativo onde se estabeleça o nexo de causalidade referido, e se formule um juízo de censura quanto à atuação do contribuinte (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de outubro de 2001, no processo nº 25.034.
81.º
Ora, o atraso na liquidação não pode ser imputado aos requerentes a título de culpa, pois agiram sempre de acordo com uma interpretação (mais do que) plausível da lei, nomeadamente seguindo instruções da notária aquando da outorga da escritura de doação, pelo que não estão verificados os pressupostos que a lei faz depender a liquidação de juros compensatório.
82.º
A liquidação de juros compensatórios é ilegal devendo ser anulada de conformidade.
83.º
Refira-se que, ao decidiu como decidiu, indeferindo a reclamação graciosa apresentada, o despacho da Chefe de Divisão da Direção de Finanças de …, de 5 de Maio de 2015, que assenta em pressupostos de facto e de direito não conformes com as normas e princípios jurídicos aplicáveis, caracterizando-se por uma incorreta aplicação da lei aos factos, o que deverá determinar a respectiva anulação com as consequências legais (Cf. Artigo 135.º co Código de Procedimento Administrativo).
84.º
Requer ainda a inquirição da testemunha G…, GESTOR, RESIDENTE NA RUA…, N.º…, …-… CASCAIS.
Termina requerendo:
A admissão do presente pedido.
RESPOSTA DA ADMINISTRAÇÃO
85.º
Os requerentes apresentaram em 1 de Junho de 2014 a declaração mod/3 de IRS do ano de 2013, fazendo constar do anexo G, a alienação do imóvel em Agosto de 2013, declarando como valor de realização € 160.000,00 e como valor de aquisição o montante de € 148.000,00 e, € 9.840,00 a título de despesas e encargos.
86.º
No seguimento da receção e apreciação dos elementos da declaração, em 19-06-2014, os serviços procederam a abertura dum processo para análise de divergências dos elementos declarados de valores e datas de alienação do imóvel.
87.º
O requerente foi notificado da abertura do processo e para proceder à junção de documentos comprovativos dos elementos declarados, respeitantes à sua situação pessoal e familiar e à alienação do imóvel, no prazo de 15 dias, com a advertência de que a falte de regularização da situação daria origem a correção dos elementos declarados.
88.º
A notificação, via eletrónica, foi entregue na Caixa de correio do ViaCTT, em 26-06-2014, tendo o requerente acedido à caixa correio em 21-07-2014.
89.º
O Requerente não deu cumprimento ao solicitado não juntando os documentos comprovativos.
90.º
Não obstante o Requerente ter sido validamente notificado, os serviços para obterem os documentos em falta, efetuaram segunda notificação pelo oficio de 17-09-2014, por carta registada com aviso de receção com o n.º RF…PT, enviada para a …, …–…, … –… Santarém (morada do cadastro) sendo devolvida com a indicação “objeto não reclamado”.
91.º
O Requerente foi notificado mais uma vez, pelo registo RF…PT, para a …, … –…, …-… Santarém, a morada do cadastro, para apresentar documentos e de que seriam efetuadas correções na falta de entrega dos mesmos, sendo indicados os campos, os valores declarados e a corrigir e a identificação do imóvel, devolvida com indicação “objeto não reclamado”.
92.º
Perante a falta entrega os serviços emitiram a liquidação oficiosa n.º 2014…, objeto da presente ação arbitral.
93.º
Inconformados com a liquidação, os requerentes deduziram reclamação graciosa que, por despacho de 5 de maio de 2015 foi deferida parcialmente.
94.º
Os Requerentes foram notificados para se pronunciarem por escrito sobre o projeto de decisão da reclamação graciosa, mas, no prazo de 15 dias não deram resposta.
95.º
Os requerentes vêm manifestar a sua discordância relativamente ao entendimento da AT subjacente às liquidações que reputam de ilegais, alegando o seguinte:
(i) A preterição de formalidade legal essencial;
(ii) A ilegalidade do ato de liquidação de IRS e de Juros compensatórios por falta de fundamentação;
(iii) A ilegalidade do ato de liquidação por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
96.º
Não lhes assiste qualquer razão, como de seguida se demonstrará.
97.º
Afirmam os requerentes que “ao contrário do que alega a administração tributária na decisão de deferimento parcial que antecede (…) nunca chegaram a ser notificados para exercerem o seu direito de audição relativamente às correções que deram origem aos referidos atos tributários” e que “em nenhum momento, foram (…) notificados para se pronunciarem sobre uma alegada proposta de correção do valor de aquisição do imóvel, tendo sido com total surpresa que foram confrontados com o ato de liquidação adicional de IRS e Juros Compensatórios n.º 2014…, concluindo que a AT violou o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 60.º da Lei Geral Tributária.
98.º
Tal não corresponde à verdade mostrando-se provado que a AT efetuou três notificações, com o intuito de obter os documentos comprovativos dos valores e datas respeitantes à alienação do imóvel, declarados pelos requerentes no anexo G da declaração modelo 3 de IRS.
99.º
A primeira notificação foi remetida ao Requerente, via eletrónica, através do documento identificado pelo código 2014…, entregue na caixa postal eletrónica do ViaCTT no dia 26-06-2014.
100.º
Sendo que o requerente acedeu à caixa postal eletrónica no dia 07-07-2015, considerando-se notificado no dia 21-07-2014, correspondente ao 25.º dia posterior ao envio da notificação eletrónica, nos termos do n.º 10.º do art.º 39.º do CPPT.
101.º
Na ausência de resposta à primeira notificação, não obstante o Requerente ter sido validamente notificado, diligenciou o Serviço de Finanças no sentido de obter os esclarecimentos necessários, efetuando uma segunda notificação mediante ofício remetido por carta registada com aviso de receção, para o domicílio que consta do cadastro da AT, que foi devolvida com a indicação “objeto não reclamado”.
102.º
O requerente foi mais uma vez notificado para apresentar os documentos comprovativos dos valores e datas declarados no anexo G, constando, novamente, desta terceira notificação, que seriam efetuadas correções caso os documentos comprovativos não fossem apresentados, constando da notificação os campos da declaração e os valores declarados, os valores a corrigir e a identificação do imóvel.
103.º
Perante a omissão de pronúncia, a falta de justificação dos montantes declarados e a falta de entrega dos elementos solicitados em três notificações, procederam os serviços à emissão da liquidação oficiosa n.º…, objeto da presente ação arbitral.
104.º
Os Requerentes são obrigados a comprovar os elementos das suas declarações, nos termos do art.º 128.º, n.º 1, do CIRS, o qual dispõe que “as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Direcção-Geral dos Impostos os exija”.
105.º
Preceito legal ao abrigo do qual foram feitas as notificações aos requerentes, nelas se referindo expressamente que a falta de apresentação dos elementos solicitados teria como consequência a correção dos valores declarados.
106.º
Não se entende, pois, a total e invocada surpresa dos requerentes ao serem notificados do ato de liquidação adicional de IRS, já que a falta de apresentação dos documentos e a omissão de pronuncia sobre as correções efetuadas só a si é imputável e resultou do incumprimento das obrigações acessórias constantes do IRS.
107.º
Não assiste qualquer razão aos requerentes que contrariamente ao que pretendem fazer crer, apenas não participaram nas decisões que lhe dizem respeito simplesmente porque assim o entenderam, pois não obstante lhes ter sido dada a oportunidade de se pronunciarem, optaram por não o fazer quando não deram cumprimento à notificação eletrónica e quando se recusaram a receber as notificações remetidas para o seu domicílio fiscal (cuja participação é obrigatória nos termos do art.º 43.º do CPPT e 19..º da LGT.
108.º
As notificações em causa cumprem, escrupulosamente, os requisitos constantes dos artºs 38.º e 39.º do CPPT para se considerarem perfeitas.
109.º
Mas, se não tivessem sido validamente notificados para exercer o direito de audição, a alegada preterição deveria considerar-se sanada porque os requerentes deduziram reclamação graciosa contra a liquidação no âmbito da qual tiveram oportunidade de se pronunciarem sobre a liquidação adicional, tendo optado por não exercer o direito de audição.
110.º
Neste sentido se pronunciou o STA, no Acórdão de 25-06-2015, processo n.º 01391/14 que se transcreve:
“Como afirmou já este Supremo Tribunal Administrativo, “o direito de audiência não tem como única finalidade a possibilidade de participar na fixação da matéria coletável, antes podendo essa participação ( que o direito de audiência visa assegurar) assumir muitos outros domínios da formação de decisão final (cf. O acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de outubro de 2014, proferido no processo n.º 1374/13, ainda não publicado no jornal oficial mas disponível em http://dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/29e75cff6637cdef8o257d7800526d92?Opendocument
A pedra-de-toque para a aplicação do referido princípio deve ser, isso sim, a insusceptibilidade de a participação do interessado influenciar a decisão final, seja no seu sentido seja nos seus fundamentos.”
111.º
E continua o douto Acórdão:
“(…) a presente impugnação judicial foi deduzida na sequência do indeferimento da reclamação graciosa que o ora requerido deduziu contra aquele ato tributário. Como judiciosamente observam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “poderá também considerar-se convalidado o ato primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado veio a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. Em situações deste tipo, quer o ato primário tenha sido mantido quer tenha sido revogado e substituído pelo ato de segundo grau, a decisão administrativa final acaba por ser o ato de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este ato que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação” (…).
112.º
No caso presente os requerentes apresentaram reclamação graciosa da liquidação adicional e foram notificados para se pronunciarem sobre o projeto de decisão, prescindindo, no entanto, do seu direito de audição, tal como já tinha acontecido no procedimento de analise de divergências, no âmbito do qual se furtaram sempre ao recebimento das notificações postais.
113.º
Pelo que a alegada inexistência de audição prévia não pode ser imputada à AT, mas apenas aos requerentes, os quais não demonstraram qualquer interesse em participar e influenciar a decisão administrativa, pretendendo agora, em sede arbitral, valer-se da sua conduta omissa para invalidar um o ato de liquidação, o qual, como se demonstra de seguida, foi praticado no exercício de poderes vinculados, limitando-se a AT a cumprir integralmente o disposto nas normas legais aplicáveis.
114.º
Afirmam os requerentes que “no ato de liquidação notificado não são explicitados todos os fundamentos, quer de facto quer de direito, que determinaram a sua emissão, sendo apenas indicado um conjunto de valores, e que se trata de IRS do ano de 2013 sem qualquer identificação adicional quanto à sua natureza e origem, impercetíveis para um destinatário normal” invocando a violação do disposto no n.º 3 do art.º 268.º da CRP, do art.º 77.º da LGT e art.º 63.º do RCPT, padecendo do vício de forma por falta de fundamentação.
115.º
Cumpre salientar desde já que os requerentes não juntaram ao pedido arbitral documentos respeitantes às notificações dos atos de liquidação do imposto e de juros compensatórios, limitando-se a identificar os atos impugnados com o documento n.º 2, que consiste numa mera demonstração da liquidação da qual não resultam minimamente provados os vícios de fundamentação que alegam ter ocorrido.
116.º
Cumpre também esclarecer que os requerentes não foram sujeitos a nenhuma ação inspetiva realizada pela Inspeção Tributária, pelo que não faz qualquer sentido chamar à colação disposições do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), designadamente o seu n.º 63.º.
117.º
É incontroverso, atenta a jurisprudência maioritária que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguida pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não outra.
118.º
As liquidações controvertidas tiveram origem num procedimento de análise aos elementos declarados pelos requerentes realizada ao abrigo do art.º 128.º, n.º 1, do CIRS que estabelece que as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Direção-Geral dos Impostos o exija.
119.º
Os requerentes tiveram conhecimento do procedimento de análise de divergências como os próprios admitem no art.º 57.º do pedido arbitral, bem como tiveram conhecimento e que a falta de apresentação dos elementos solicitados no prazo estipulado teria como consequência a correção dos valores declarados na declaração modelo 3 de IRS, e, tal como ficou amplamente demonstrado, só não se pronunciaram sobre as correções propostas, nas várias oportunidades para o fazer porque não quiseram.
120.º
Os elementos que constam do procedimento de análise de divergências permitem identificar e conhecer todo o percurso percorrido pela AT para chegar ao valor total daas correções, dando a conhecer o itinerário cognitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, esclarecendo o que levou a decidir num determinado sentido e não em qualquer outro, dele constando todos os elementos de que os requerentes poderiam necessitar para compreender e apreender as correções que foram efetuadas bem como os atos de liquidação que lhe seguiram.
121.º
Da leitura do pedido de pronuncia arbitral e da reclamação graciosa resulta que os requerentes não demonstraram qualquer dificuldade em entender/apreender o itinerário cognitivo percorrido pelos serviços da AT, tendo mesmo formulado um juízo crítico sobre o mesmo.
122.º
Mostra-se evidente que os requerentes tiveram conhecimento da fundamentação dos atos de liquidação, pois de outra forma não estariam habilitados a discutir, como discutem na presente ação arbitral e no procedimento de reclamação graciosa, as correções atinentes aos valores do imóvel.
123.º
O ato de liquidação consiste no apuramento matemático, processado informaticamente, do valor a pagar ou a receber pelo sujeito passivo, sendo o culminar de uma sucessão de atos encadeados que conduzem ao cálculo do imposto.
124.º
Depois das notificações efetuadas aos requerentes e de estes terem optado por não participar no procedimento tudo o que havia a fazer era a liquidação em sentido estrito, não cabendo senão estabelecer a taxa aplicável e proceder aos cálculos do imposto devido. Foi o que fez, e não mais, o ato de liquidação (Acórdão do STA, de 29-10-2003, proc, n.º 01077).
125.º
Como tal, notificados os Requerentes da existência do procedimento de divergências e da efetivação das correções caso não procedessem à remessa dos documentos solicitados, não necessita o ato de liquidação subsequente de reproduzir novamente os fundamentos já invocados (respeitante aos valores, despesas e datas de aquisição do imóvel, devendo a nota de cobrança conter apenas, como efetivamente contém, os elementos próprios do ato de liquidação, ou seja a demonstração do apuramento do valor a pagar ou a reembolsar.
126.º
A AT cumpriu integralmente, os requisitos legais da fundamentação dos atos constantes dos artigos 77.º da LGT e 125.º do CPA, os quais determinam que a fundamentação pode ser efetuada de forma sumária e pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão parte integrante do respetivo ato.
127.º
Quanto à liquidação de juros compensatórios e tendo em consideração o que acabamos de expor encontra-se igualmente fundamentada, tendo a AT respeitado os requisitos do n.º 9 do art.º 35.º da LGT, porquanto, na demonstração da liquidação notificada aos requerentes dá-se a conhecer o montante do imposto sobre a qual incidem juros, a taxa aplicável e o período da sua contagem (neste sentido, veja-se o Acórdão do STA, proferido no proc. 0645712 EM 14-02-2013).
128.º
Nestes termos resulta claro que as liquidações cuja falta de fundamentação vem alegada, não padecem de tal vício, porquanto de toda a sucessão de atos levada a cabo pela AT (procedimento de análise de divergências e ato de liquidação do imposto, constam expressa e minuciosamente descritos todos os procedimentos essenciais dos atos - as razões de facto e de direito que fundamentaram a decisão, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários.
SEM CONCEDER
129.º
Ressalve-se que, a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação, o que se admite somente por cautela e dever de patrocínio, cabia aos requerentes solicitar a emissão da certidão prevista no art.º 37.º do CPPT.
130.º
Na verdade, e tal como esclarece António Lima Guerreiro in Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, Lisboa, 2000, pág. 341, em nota ao artigo 77.º da LGT:
Tem sido jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (seguida a partir do Acórdão de 11 de dezembro de 1991, recurso 11897), que a falta de notificação da fundamentação não afeta a legalidade do ato. É um elemento exterior ao ato e não um requisito da sua perfeição. A falta de notificação da fundamentação conduz apenas à consequência prevista no art.º 37.º da CPPT, nos termos do qual, se a notificação não contiver todos os requisitos previstos na lei, pode o interessado requerer a notificação dos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha isenta de qualquer pagamento, contando-se apenas a partir da notificação dos factos omitidos ou a passagem da certidão que os contenha o prazo de reclamação, recurso ou impugnação judicial.
131.º
Quando do elenco da factualidade em apreço, os Requerentes ficaram a conhecer a fundamentação das correções decorrentes do procedimento de análise de divergência, e só não exerceram o direito de audição porque se furtaram ao recebimento das notificações enviadas para esse efeito.
132.º
Daí se depreendendo que os requerentes se consideravam suficientemente esclarecidos, ao ponto de não quererem receber as notificações e de não utilizarem as faculdades prevista na lei para se defenderem do projetado ato de correção, designadamente da faculdade prevista no art.º 37.º do CPPT.
133.º
Termos em que, não tendo os requerentes usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que os atos sub judicio continham e contêm, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vicio de fundamentação que alegadamente padeciam ficou sanado.
134.º
A questão a dirimir na presente ação arbitral prende-se com a correta interpretação do disposto no artigo 45. do CIRS, quanto aos valores de aquisição e de realização a considerar para efeitos do cálculo da mais-valia obtida com a alienação do imóvel adquirido pelos requerentes por doação isenta.
135.º
No que respeita ao valor de aquisição a título gratuito, determina o art.º 45.º do CIRS:
1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens e direitos adquiridos a título gratuito:
a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto de selo;
b) O valor que serviria de base à liquidação do imposto de selo, caso este fosse devido (…).
3 – No caso de direitos reais sobre bens imoveis adquiridos por doação isenta, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto de Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação (Lei n.º 3-B/2010-28/04).
136.º
Ora, os Requerentes alienaram, em agosto de 2013. Um imóvel que a Requerente adquiriu por doação dos seus pais, no dia 30 de dezembro de 2010, beneficiando da isenção prevista no artigo 6.º, alínea e) do Código do Imposto de Selo.
137.º
O imóvel tinha até aos dois anos anteriores à doação o valor patrimonial tributário de € 334,46, o qual só foi alterado, para € 73.333,00, depois da doação, nos termos do regime transitório decorrente da implementação da reforma da tributação do património, constante do n.º 1 do art.º 15.º do decreto-lei nº 287/2003, de 12/11, que impunha a avaliação dos prédios urbanos aquando da primeira transmissão na vigência do CIMI.
138.º
Do exposto resulta, indubitavelmente, que a Requerida deu integral cumprimento ao quadro legal aplicável à matéria, subsumindo, de forma, correta, a factualidade apurada na disciplina jurídica consagrada no n.º 3 do art.º 45.º do CIRS.
139.º
Conforme refere o Ilustre Professor Baptista Machado, os elementos de que o interprete lança mão para desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais são essencialmente dois: o elemento gramatical (letra da lei) e o elemento lógico (espírito da lei), sendo que este último se subdivide em três elementos – o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico.
140.º
Refere ainda o Ilustre Professor “o texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: «a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavas da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva (…) se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma (…).
141.º
No caso do n.º 3 do artigo 45.º do CIRS, só comporta um sentido que é o de considerar, para cálculo da mais-valia resultante da alienação do imóvel adquirido por doação isenta, o valor patrimonial tributário que o imóvel tinha até aos dois anos anteriores à doação, não permitindo a letra da lei a adoção para cálculo do Imposto de mais-valias adquirido por doação isenta do valor que serviria de base à liquidação de imposto de selo, caso este fosse devido, nos termos do n.º 1,alínea b) do art.º 45.º do CIRS., admitir expressamente esta norma especial expressamente prevista pelo legislador para alienação de imóveis adquiridos por doação isenta, significaria violar o princípio da prevalência da lei especial sobre a lei geral.
142.º
Consubstanciaria uma interpretação revogatória ou ab-rogante do art.º 45.º do CIRS, que só é admissível quando a fórmula legislativa é tão mal inspirada que nem sequer consegue aludir com clareza mínima às hipóteses que pretende abranger e, tomada à letra, abrange outras que decididamente não estão no espírito da lei, o que não é, seguramente, o caso.
143.º
O argumento expendido pelos requerentes é manifestamente improcedente e não tem qualquer sustentação legal, resultando do exposto que a requerida se limitou a aplicar a norma prevista pelo legislador à situação sub judicio.
144.º
A AT entende que se o art.º 45.º, n.º 3 do CIRS configura uma presunção legal suscetível de elisão por forma a afastar a tributação com base em rendimentos presumíveis, a verdade é que para elidir a presunção não basta invocar argumentação genérica no sentido de que o propósito da doação não foi a redução da mais-valia.
145.º
Dispõe o art.º 73.º da LGT que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, consagrando o legislador fiscal expressamente, a proibição de presunções legais absolutas de rendimento.
146.º
Quando o Administração Fiscal beneficia de uma presunção legal constante de uma norma de incidência tributária, ocorre uma inversão do ónus de prova, sendo que só através da prova do contrário poderá o sujeito passivo elidir a presunção, cabendo, assim, aos requerentes, provar o valor efetivo da alienação, demonstrando que o valor que o legislador manda aplicar se afasta do valor real pelo qual ocorreu a transação.
147.º
Não obstante nenhuma prova foi feita nesse sentido, limitando-se as requerentes a afirmar que o intuito não foi a redução da mais-valia, o que é manifestamente insuficiente para contradizer a legalidade da correção efetuada pela AT, não tendo os mesmos cumprido o ónus da prova do contrário que lhes é imposto pelo n.º 2 do artigo 350.º do CC e pelo artigo 73.º da LGT.
148.º
O argumento da redução da mais-valia não se conjuga com o facto de terem feito constar na escritura de doação, para efeitos fiscais, o valor de € 148.000,00, parecendo claro a intensão de aumentar o valor do imóvel para reduzir as mais-valias numa posterior alienação.
149.º
Invocam os requerentes a falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios, afirmando que a Administração Tributária não logrou demonstrar os pressupostos de que depende a liquidação, designadamente a culpa no retardamento da liquidação.
150.º
Nos termos do art.º 35.º da LGT, os juros compensatórios são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, e integram-se na própria dívida do imposto.
151.º
Referem a doutrina e a jurisprudência que os juros compensatórios são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, e integram-se na própria dívida do imposto.
152.º
Referem a doutrina e a jurisprudência que os juros compensatórios “pressupões atraso na liquidação, isto é, na determinação do montante do imposto, por motivo imputável ao contribuinte” (cf. Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, 4.º edição, pág. 174), sendo que “a responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma dívida de imposto, da existência de um atraso na efetivação de uma liquidação de imposto, e da imputabilidade deste atraso à atuação do contribuinte” (cfr. Ac. do STA, de 22-09-98, Proc. 022 612).
153.º
Os juros compensatórios constituem, pois, um regime específico de indemnização civil do Estado pelos causados pela falta de cobrança do imposto, resultante do incumprimento por parte do contribuinte dos seus deveres acessórios , constituindo um agravamento “ex-lege” proveniente da omissão de declarações ou de apresentação de documentos ou da falta de auto-liquidação ou insuficiente liquidação, situações que originam o atraso da liquidação (neste sentido, Vitor Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, Vol. I, Coimbra, 1984, pág. 451).
154.º
Sustenta a jurisprudência o entendimento no sentido de que se determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta, por ilação lógica, a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao caracter ilícito-típico do facto praticado), devendo partir-se do pressuposto de que existe culpa quando a atuação do contribuinte integra a hipótese de uma infração tributária (cfr. Ac. do STA, de 23-10-98, Proc. 022612 e Ac. do STA, de 19-11-2008, Proc. 0325/08).
155.º
Ora, neste caso, a responsabilidade dos requerentes no atraso na liquidação e na entrega ao Estado do imposto devido, avém do incumprimento das disposições legais vigentes para a sua concreta situação tributária, das consequentes inexatidões e omissões praticadas no preenchimento da declaração modelo 3 e da falta de apresentação dos documentos justificativos doa montantes declarados, que constituem infrações previstas e punidas pelo Regime Geral de Infrações Tributárias, donde resulta demonstrada a culpa e, consequentemente, a legalidade da liquidação dos juros compensatórios.
156.º
Termina a AT pedindo, sem suporte legal:
a) a dispensa da prova testemunhal atendendo à natureza da matéria controvertida;
b) que o presente seja julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a requerida de todos os pedidos com as legais consequências.
As alegações confirmam o que foi demonstrado ao longo do processo, nomeadamente a elisão da presunção prevista no artigo art.º 45.º do CIRS, ou seja, não ficou provado que a operação do imóvel tivesse, como finalidade a diminuição da matéria coletável no IRS.
Os factos e as razões de direito estão devidamente identificados e justificados pelo que há que decidir.
QUESTÕES DO CONHECIMENTO PREJUDICADAS
Relativamente matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que aleado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importem para a decisão, a matéria provada e não provada (art.º 123.º, n.º 2 do CPTP e art.º 607.º, n.º 3 do Código do Processo Civil, aplicável “ex-vi” art.º 29.º, n.º 1, al. a) e al. e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às varias plausíveis questões de direito (art.º 596.º do CPC, aplicável “ex-vi” do art.º 29.º, n.º 2 do RJAT).
DECISÃO
Em face do exposto concluímos ter razão a requerente, julgando procedente o pedido de pronuncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais dos atos de liquidação identificados nos autos.
VALOR DO PROCESSO € 34 040,02.
As custas, na importância de € 918,00, são da responsabilidade da Requerida
Lisboa 05/11/2016
O Árbitro
Fernando Pinto Monteiro
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[2] Sobre esta questão, cfr. o acórdão arbitral proferido no processo 752/2016T do CAAD, disponível em www.caad.org.pt.
[3] Cfr., nesse sentido, Acs. de 11-01-2006 e 10-11-2010, proferidos, respectivamente, nos processos 0584/05 e 0671/10.
[4] Ac. do STA de 27-04-2017, proferido no processo 08958/15.
[5] “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - Anotado”, Almedina, 2014, p.70 e ss.
[6] Ac. de 30-11-2016, proferido no processo 0582/16.
[7] Ac. de 26-10-2016, proferido no processo 0822/15.