Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 255/2017-T
Data da decisão: 2018-04-10   Outros 
Valor do pedido: € 6.675.172,18
Tema: Imposto especial de jogo online - incompetência do Tribunal Arbitral.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

 

Os árbitros Conselheira Doutora Fernanda Maçãs, árbitro presidente, Professora Doutora Clotilde Celorico Palma e João Menezes Leitão, árbitros vogais, que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam:

 

I. Relatório[1]

 

1. A…, que opera sob a marca B…, contribuinte n.º …, com sede em …, Malta, e com sucursal em Portugal no …, …, n.º…, …, …-…  … (a seguir a Requerente), apresentou em 7.4.2017, com fundamento no disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e no artigo 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), pedido de pronúncia arbitral em matéria tributária, com vista à declaração de ilegalidade das liquidações de imposto especial sobre o jogo online (IEJO) n.º …, de 04.01.2017, relativa a dezembro de 2016, que apurou um valor a pagar de €729.980,14 e n.º …, de 13.01.2017, que apurou um valor a pagar de €5.945.192,04, relativa ao remanescente de IEJO devido no ano de 2016.

 

2. No pedido de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), a Requerente, após referir que os atos sindicados são liquidações de imposto especial sobre o jogo online emitidas pelo Turismo de Portugal, I.P. ao abrigo do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (RJO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29.04 (art. 2 da PI), requer que o Tribunal considere que, no presente caso, o Turismo de Portugal I.P., assumindo a natureza de administração tributária na liquidação do IEJO, se encontra vinculado à “jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa” (CAAD), por força do disposto no art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3 e é, portanto, parte legítima nos presentes autos (arts. 73, 75, 76 e 80 da PI) ou, se assim não se entender, que o Turismo de Portugal, na qualidade de administração tributária, no caso concreto, se vincule à “jurisdição do CAAD”, podendo fazê-lo por via de um compromisso arbitral (arts. 82, 87 e 88 da PI).

 

3. No pedido de pronúncia arbitral, com fundamento nos artigos 5.º, n.º 3, al. b), 6.º, n.º 2, al. b) e 10.º, n.º 2, al. g) do RJAT, a Requerente designou como árbitro a Senhora Professora Doutora Clotilde Celorico Palma.

 

4. Muito embora no pedido de pronúncia arbitral (cfr. arts. 1 a 620 da PI) não conste qualquer referência como entidade demandada à Autoridade Tributária e Aduaneira, no requerimento eletrónico do pedido de constituição de Tribunal Arbitral formulado pela Requerente, com o número de registo …, consignou-se no campo “observações” o seguinte: “Notificação para o Turismo de Portugal ser demandado conjuntamente com a AT”.

 

5. O CAAD notificou o pedido de pronúncia arbitral em 10.4.2017 ao Presidente do Conselho Diretivo do Instituto do Turismo de Portugal, I.P., Serviço de Regulação de Inspeção de Jogos (a seguir, TP ou Turismo de Portugal) e à Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, AT), na qualidade de entidades Requeridas, as quais, conforme mencionado na carta de 16.6.2017 do Presidente do CAAD a seguir indicada, por comunicações, respetivamente, de 26.5.2017 e de 8.6.2017, procederam, cada uma, à designação de árbitro.

 

6. O Turismo de Portugal, na sua comunicação de 26.5.2017, após referenciar o disposto nos arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3, quanto à vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, expôs, a título prévio, o seguinte (sendo, pois, a designação do respetivo árbitro feita “à cautela e sem conceder”):

“4. O Instituto do Turismo de Portugal, I.P., é um instituto público de regime especial e não se encontra, manifestamente, no âmbito daqueles serviços e organismos, sendo representado em juízo, ou na prática de atos jurídicos, pelo presidente do conselho diretivo, por dois dos seus membros, ou por mandatários especialmente designados (cfr. Lei n.º 3/2014, de 3 de janeiro).

5. Acresce que os atos de liquidação objeto do presente processo se encontram excluídos do âmbito de atuação dos referidos serviços e organismos que se encontram vinculados a esta jurisdição.

6. Para que não subsistam quaisquer dúvidas e ainda que se entenda não ser legalmente possível, o Instituto do Turismo de Portugal, I.P. expressamente declara que não pretende vincular-se ou de qualquer forma aderir, por via de compromisso arbitral, à jurisdição do CAAD”.

 

7. O Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa, por carta de 16.6.2017, dirigida aos Representantes da AT e ao Mandatário do TP, subordinada à epígrafe “Processo n.º 255/2017-T – designação de árbitros em caso de pluralidade de entidades demandadas”, transmitiu o seguinte:

“No âmbito do processo em apreço, a Requerente usou da faculdade prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) [sic] do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, devendo o Tribunal constituir-se, ope legis, como um coletivo de três árbitros.

Nos termos do mesmo normativo legal, “[q]uando o Tribunal funcione com a intervenção do coletivo, os árbitros são designados: (...) b) pelas partes, cabendo a designação do terceiro árbitro, que exerce as funções de árbitro presidente, aos árbitros designados ou, na falta de acordo, ao Conselho Deontológico”.

Com efeito, a cada parte – Requerente e Requerida – caberá a designação de um árbitro, devendo o terceiro árbitro, que assumirá as funções de presidente, ser cooptado pelos dois árbitros designados pelas partes.

No âmbito do processo em apreço, a Requerente exerceu a faculdade de designar um árbitro com a apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

No dia 26 de maio de 2017 o Instituto do Turismo de Portugal comunicou ao CAAD a designação de um árbitro.

E em 8 de junho de 2017 a Autoridade Tributária e Aduaneira também comunicou ao CAAD a designação de árbitro, distinto do árbitro designado pelo Instituto do Turismo de Portugal.

Em face do exposto, verificando-se no Processo n.º 255/2017-T uma pluralidade de entidades demandadas, e devendo o Tribunal Arbitral ser composto por três árbitros, devem as entidades requeridas – Instituto do Turismo de Portugal e Autoridade Tributária e Aduaneira – designar conjuntamente um árbitro, ou remeter tal designação para o Conselho Deontológico do CAAD.

Em caso de incumprimento dessa designação o Conselho Deontológico do CAAD substitui-se às entidades Requeridas na designação do árbitro, dispondo do prazo de cinco dias para a notificar [sic], por via eletrónica, do árbitro nomeado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 4 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com as devidas adaptações”.

 

8. Sobre esta comunicação do Presidente do CAAD, pronunciaram-se a AT e o TP por requerimentos de 31.7.2017.

No seu requerimento, a AT considerou o indicado despacho do Presidente do CAAD como “totalmente desprovido de base legal que o sustente”, para o que invocou o seguinte:

- “A AT, na qualidade de entidade demandada pela “A…”, que opera sob a marca “B…”, e no âmbito de um procedimento arbitral com designação de árbitro pelas partes, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do [RJAT], tem o direito legal (e mesmo constitucional) de designar um árbitro livre e incondicionalmente”;

- “o RJAT apenas prevê a possibilidade de o Conselho Deontológico do CAAD se substituir à entidade Requerida na designação de árbitro numa única situação: a de a Requerida não proceder à designação de árbitro dentro do prazo legalmente previsto para o efeito, nos termos expressamente previstos no artigo 11.º, n.º 4 do RJAT (conjugado com o n.º 3)” e “claramente, não nos encontramos, in casu, perante uma situação de falta de designação de árbitro por parte da AT”;

- outra posição “constituiria uma flagrante violação dos mais elementares direitos legais e constitucionais de defesa da requerida, AT, na medida em que seria coartá-la do seu direito legal de designar árbitro, no âmbito de um processo arbitral com designação de árbitro pelas partes, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT”;

- “Considerando que é a AT a única entidade vinculada à jurisdição arbitral tributária, o douto Despacho consubstanciaria também uma manifesta violação do Princípio da Igualdade das Partes”, porque “A Requerente exerceu o seu direito de designar árbitro, indicando livre e incondicionalmente, o árbitro que entendeu por bem; enquanto a AT, sendo compelida a designar conjuntamente um único árbitro ou a renunciar a essa prerrogativa remetendo tal designação para o Conselho Deontológico do CAAD mais não está do que a ser impedida de exercer o seu direito de designar árbitro, em plena igualdade ou seja, nos mesmos termos em que o fez a Requerente”, o que “se revela ainda mais grave se tivermos em conta que essa compressão do estatuto legal da AT é fruto da interposição do pedido de pronúncia arbitral, por parte da Requerente, em coligação passiva, contra duas entidades diferentes, uma das quais, consabidamente sem qualquer vinculação legal à jurisdição dos tribunais arbitrais tributários que funcionam no CAAD (cfr. artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A, de 22 de março)”;

- “qualquer outra solução, que não a aqui defendida, configuraria uma grave limitação do estatuto legal da AT, única entidade sujeita à jurisdição da arbitragem tributária, pelo que jamais poderá admitir-se que a AT tenha de conciliar a sua vontade na designação de árbitro com qualquer outra entidade, ou entidades, que venham a ser demandadas, em coligação passiva, pelo Requerente, não obstante tais entidades não se encontrarem vinculadas à referida jurisdição (como sucede in casu)”;

- o referido despacho “consubstancia uma violação flagrante e manifesta de vários princípios legais e constitucionais nos termos supra explanados, como o Princípio da Legalidade, o Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva, o Princípio da Igualdade das Partes, comprometendo, desde logo e a final, os Princípios da Boa Decisão da Causa e da Justa Composição do Litígio”.

Em consequência, a AT declarou não renunciar “ao exercício do seu direito de designação de árbitro, como tempestiva e legalmente fez”, mantendo a designação oportunamente efetuada, como árbitro, de João Menezes Leitão.

Pelo seu lado, o Turismo de Portugal, no seu requerimento, expôs o seguinte:

- “O processo arbitral tributário não é um meio de resolução voluntária de litígios, é outrossim um meio alternativo de resolução de litígios em que o acionamento da justiça arbitral depende da vontade dos contribuintes que a escolhem, encontrando-se a Autoridade Tributária vinculada a aceitar, dentro de certos limites, essa escolha”;

- “Estas regras que constam do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não são aplicáveis ao Turismo de Portugal que, por carta dirigida ao CAAD, datada de 26.05.2017 (...) deixou claro que não pretende vincular-se ou de qualquer forma aderir, por via de compromisso arbitral, se tal fosse possível, à jurisdição do CAAD”, circunstância que “deveria ter impedido o CAAD de notificar novamente o Turismo de Portugal como parte para este processo”;

- “Acresce que o CAAD, com a presente notificação, limita ab initio a participação do Turismo de Portugal neste processo, impondo uma restrição inadmissível sobre a escolha do árbitro, que, assim, deixa de ser livre e voluntária” e “coloca ainda mais um crivo” ao referir que “caso as entidades demandadas não alcancem um acordo, o Conselho Deontológico do CAAD se substitui às mesmas”;

- “Este conjunto de restrições operado nos direitos do Turismo de Portugal tem como consequência um desvio fundamental às regras previstas no RJAT que têm em vista a atribuição de um estatuto de igualdade substancial a ambas as partes”, porquanto “ao impor às entidades demandadas a obrigação de designarem conjuntamente um único árbitro e, simultaneamente, advertir as mesmas de que, no caso de não alcançarem uma designação única de árbitro, o Conselho Deontológico iria não só dirimir o conflito entre as entidades demandadas como ainda substituir-se às mesmas na indicação do árbitro, o CAAD está a atuar sem qualquer base legal e a aplicar “com as devidas adaptações” uma norma do RJAT que manifestamente não pode ser aplicada neste caso”, pois “o disposto no artigo 11.º, n.º 4, do RJAT aplica-se aos casos em que a parte notificada para indicar um árbitro no prazo legalmente previsto não o faça, passando, então, essa designação para o Conselho Deontológico do CAAD, que se substitui à administração tributária”, prevendo “uma solução para os casos em que a entidade demandada não designe voluntariamente um árbitro, permitindo que o processo siga os seus termos, sem prejudicar os direitos da entidade demandante”;

- “no caso dos autos, não se está perante um caso de não indicação voluntária de um árbitro”, pois “face à notificação operada pelo CAAD de imposição conjunta de um único árbitro por parte das entidades demandadas, o Turismo de Portugal fica dependente, na designação de um árbitro, da vontade de uma terceira entidade, pelo que o referido normativo, nem com as devidas adaptações, lhe poderia ser aplicável, uma vez que não procede de culpa sua a impossibilidade de indicar um árbitro”;

- “Acresce que não se está manifestamente perante um caso que a lei não prevê e que deva ser regulado segundo a norma aplicável a um caso análogo”, já que o “preâmbulo do RJAT e a sua parte dispositiva revelam ao intérprete que nunca foi intenção do legislador regular a pluralidade de entidades demandadas, precisamente porque o RJAT não as pretende admitir, sendo apenas admissível a cumulação de pedidos e coligação de entidades demandantes”, pelo que “inexistindo qualquer lacuna, não caberá aplicar qualquer norma ao caso concreto” e “mesmo que a lei previsse, que não prevê, pluralidade de entidades demandadas no âmbito do processo arbitral tributário e previsse a necessidade de indicação conjunta de um árbitro por parte das entidades demandadas, sempre teria de o fazer de forma a garantir a igualdade substancial das partes no processo, por forma a não cercear o direito fundamental de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva”;

- “Confrontado com esta ablação dos seus direitos e com a firme intenção manifestada pela entidade demandada Autoridade Tributária em manter o árbitro por si previamente designado, não resta alternativa ao Turismo de Portugal que não seja designar o mesmo árbitro indicado pela Autoridade Tributária ou, então, ver essa designação ser feita pelo Conselho Deontológico”;

- “Seja de uma forma ou de outra, neste momento o Turismo de Portugal não poderá designar voluntariamente um árbitro, ficando condicionado a que o seu árbitro resulte de uma escolha por terceiro”, pelo que o CAAD “permite, assim, que a entidade demandante indique livremente o seu árbitro, mas não permite que o Turismo de Portugal o faça também, no que resulta numa violação do princípio constitucional da igualdade”

após o que anunciou que: “Neste contexto, porque a solução a final será sempre a designação de árbitro por outrem que não pelo Turismo de Portugal, o Turismo de Portugal, apenas por uma questão de celeridade processual, aceita a designação do árbitro indicado pela entidade demandada Autoridade Tributária, e que consta da lista de árbitros do CAAD, João Sérgio Teles de Menezes Correia Leitão”, muito embora “reservando-se o Turismo de Portugal o direito de impugnar todos os atos praticado nesta fase do processo”.

 

9. Os árbitros assim designados pelas partes, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, al. b) e 11.º, n.º 6 do RJAT, com observância do prescrito pelo artigo 3.º, n.º 2, al. b) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, designaram, por acordo, a Conselheira Doutora Fernanda Maçãs como Árbitro-Presidente.

 

10. Conforme comunicação do Senhor Presidente do CAAD, nos termos do preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 29.8.2017.

 

11. Na PI, a Requerente peticionou, a final, o seguinte:

A) Ser anulada a demonstração de liquidação de IEJO n.º …, de 01.04.2017, relativa a dezembro de 2016, no montante total de €729.980,14;

B) Ser anulada a demonstração de liquidação de IEJO n.º …, de 13.01.2017, relativa a janeiro de 2017, no montante total de €5.945.192,04;

C) Ser julgada a inconstitucionalidade das normas versadas nos n.ºs 1, 3 a 8 do artigo 90.º do Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29.04.2015, por violação dos princípios constitucionais da tributação do rendimento real e da capacidade contributiva (artigos 103.º e 104.º), do princípio da igualdade (artigo 13.º), do funcionamento eficiente do mercado (primeira parte da alínea f) do artigo 81.º) e da neutralidade fiscal (artigos 61.º n.º 1, 80.º alínea c) e 86º)”. 


Para fundamentação do assim peticionado, alegou a Requerente que, constituindo o IEJO um imposto sobre as empresas que se posiciona como um imposto especial sobre o rendimento resultante da atividade de exploração do jogo online, a ilegalidade das liquidações impugnadas resulta da manifesta inconstitucionalidade do art. 90.º do RJO, em atenção, em súmula, ao seguinte:

  • o rendimento real da atividade de exploração dos jogos e apostas online tem tradução direta no conceito de receita bruta dos jogos e apostas, isto é, no montante total das apostas deduzido dos prémios devidos aos jogadores, e não no conceito de montante total de apostas, não constituindo os prémios devidos aos jogadores resultantes das apostas vencedoras rendimento disponível da B… (arts. 165 a 169 da PI); “também para efeitos contabilísticos, a noção de lucro ou proveito da atividade de exploração do jogo online coincide com o conceito de receita bruta (e não com o volume total de apostas, que inclui os prémios devidos aos jogadores)” (arts. 171 a 178); “um conceito de rendimento baseado no critério do montante de apostas (ou volume de negócios das entidades exploradoras) permite, no absurdo, que exista tributação em sede de IEJO mesmo nos casos em que não seja apurado qualquer lucro tributável”, pois “ao ignorar por completo os custos ou as margens das entidades exploradoras, o IEJO é devido independentemente do facto de as entidades exploradoras de apostas à cota não cruzadas terem, ou não, efetivo lucro” (arts. 182 a 187 da PI) – deste modo, “a norma do art.º 90 n.º 1 do RJO, na parte em que determina a incidência do IEJO sobre as receitas resultantes do montante das apostas efetuadas, é inconstitucional, por violação direta dos princípios da tributação do rendimento real e da capacidade contributiva (art.º 10[4] da CRP), e da igualdade (art.º 13 da CRP), porquanto inclui, erradamente, os gastos incorridos pelas entidades exploradoras com os prémios devidos aos jogadores com apostas vencedoras, os quais não são parte integrante do conceito de lucro tributável (rendimento real), inexistindo qualquer fundamento racional, nomeadamente ao nível da luta contra a fraude e evasão fiscal, que justifique essa violação dos preceitos constitucionais acima referidos” (art. 192 da PI);
  • “o regime fiscal português de IEJO aplicável às apostas desportivas à cota cria uma discriminação flagrante entre entidades exploradoras de menor dimensão (receitas até €30 milhões), maior dimensão (receitas iguais ou superiores a €60 milhões) e entidades exploradoras que só recebam apostas cruzadas” (arts. 196 a 219 da PI); a taxa progressiva adicional aplicada às entidades exploradoras de apostas desportivas à cota não cruzadas que registem um volume de apostas superior a €30.000.000 aplicada sobre o excedente e calculada de acordo com a fórmula prevista no número 4 do art. 90.º do RJO, até ao limite máximo de 16%, “é apenas calculada e liquidada pelos SRIJ até ao dia 15 do mês de janeiro do ano seguinte àquele a que respeitam, devendo o respetivo pagamento ser efetuado pelas entidades exploradoras até ao dia 31 do mesmo mês”, o que significa “que, na prática, as entidades exploradoras, não só desconhecem (enquanto não for excedido o referido limite de €30 milhões) se estarão ou não sujeitas a esta taxa adicional de imposto” como “também não podem antecipadamente calcular a taxa de imposto que lhes será aplicável em janeiro do ano seguinte (dada a sua aplicação depender de uma fórmula calculada sobre o montante anual de apostas), ficando assim impossibilitadas de refletir (e, idealmente, repercutir) esse valor no ano que antecede” (arts. 226 a  230.º da PI); “a sujeição das empresas de apostas online que registem um volume de apostas superior a €30.000.000 a uma taxa de imposto adicional variável, da qual só tomarão conhecimento – quer da sujeição à mesma, quer do seu valor – no ano seguinte, constitui uma evidente contradição à garantia de equilibrada concorrência” (art. 250 da PI); “o desconhecimento, por parte de algumas empresas, da taxa de imposto a que estarão sujeitas, por oposição às empresas que dela têm conhecimento, impede as primeiras de refletir esses gastos nas apostas do ano anterior ou, em última análise, de os ter em conta nas previsões (mormente contabilístico-fiscais) que fazem, colocando-as numa evidente desigualdade na gestão do seu negócio, concorrendo no mesmo mercado, e com os mesmos potenciais clientes, que as entidades exploradoras com volumes de apostas não superiores a €30.000.000” (art. 265 da PI) – desta forma, “as normas previstas nos números 4, 5 e 6 do artigo 90.º do RJO, que estabelecem uma taxa de imposto adicional, variável em função do volume anual de apostas acima de um determinado montante (€30.000.000), apenas cognoscível em janeiro do ano seguinte, são inconstitucionais, por violação do disposto na primeira parte da alínea f) do artigo 81.º, conjugado com o princípio da igualdade constante do artigo 13.º, ambos da CRP, por colocarem entraves sérios a uma concorrência equilibrada entre as empresas que operam no mesmo mercado” (art. 284 da PI);
  • “a opção do legislador do RJO, nas normas constantes dos n.ºs 1 e 7 do artigo 90.º, de considerar bases de incidência radicalmente diferentes (comissões vs. montante total de apostas) para as apostas, em função destas serem cruzadas ou não, não parece credível nem lógica” (arts. 298 a 303 da PI), sendo que, “do ponto de vista do princípio da neutralidade fiscal, nenhum elemento caraterizador das apostas desportivas à cota online permite uma distinção, no seu tratamento fiscal, entre apostas cruzadas e não cruzadas”, “[p]orquanto não é crível que os jogadores, colocados perante os dois cenários (ambos facilmente concretizáveis, nos mesmos moldes, através da internet), optem por um ou outro tipo de aposta, para os mesmos eventos, em função de critérios que não sejam as cotas oferecidas pelas entidades exploradoras”, pelo que “assume particular relevância a diferenciação na base de incidência do IEJO: para os mesmos valores de apostas, as cotas que as diferentes entidades exploradoras podem oferecer – consoante sejam tributadas nos termos dos n.ºs 1 a 4 (apostas não cruzadas) ou do n.º 7 (apostas cruzadas), todos do artigo 90.º do RJO – são substancialmente diferentes, pendendo, sem sombra de dúvida, para o lado das entidades exploradoras que apenas se dedicam às apostas cruzadas” (arts. 304 a 307 da PI) – donde se conclui que “as normas previstas nos números 1 e 7 do artigo 90.º do RJO, na medida em que estabelecem uma diferenciação, sem fundamento legal, ao nível do tratamento fiscal (em particular, para efeitos do cálculo da base de incidência do IEJO), entre as apostas cruzadas e não cruzadas, são inconstitucionais por violação do princípio constitucional da neutralidade fiscal” (arts. 308 e 309 da PI);
  • “da análise de alguns dos jogos bancados (por ex., black-jack, banca francesa) resulta que nestes, à semelhança das apostas desportivas à cota não cruzadas, os jogadores jogam contra o banqueiro, i.e., contra a entidade exploradora; no entanto, enquanto que aqueles são sujeitos a imposto numa combinação de capital em giro inicial e lucro bruto das bancas, conceitos que remetem, com as devidas alterações, para a noção de receita bruta ou GGR, as apostas desportivas à cota online são sujeitas a IEJO pelo montante total das apostas” pelo que “[n]ão se vislumbra, portanto, que as regras do IEJO resultem da manutenção de uma coerência com o regime de base territorial, não obstante as especificidades dos jogos e apostas online” (arts. 312 a 319 da PI); “enquanto que os jogos (bancados) disponibilizados pelos casinos físicos têm em consideração, para efeitos de base de incidência do imposto, o lucro bruto das bancas (conceito que encontra reflexo na receita bruta dos jogos online), os jogos disponibilizados online são sujeitos a imposto sobre o montante total das apostas dos jogadores, agravando substancialmente a tributação das entidades exploradoras licenciadas ao abrigo do IEJO” (art. 323 da PI); “não se pode comungar desta opção do legislador, a qual ignora a materialidade e a substância da atividade do jogo e faz o tratamento jurídico-fiscal depender da forma que a mesma reveste (física vs. online), atingindo a liberdade de gestão fiscal constitucionalmente reconhecida aos agentes económicos, bem como o princípio da neutralidade fiscal” e “[t]ambém o princípio da capacidade contributiva resulta ferido nesta análise dos enquadramentos legislativos, porquanto o critério ou medida da capacidade contributiva das entidades exploradoras difere consoante estejamos ao abrigo do quadro legislativo dos jogos de fortuna e azar de base territorial ou do RJO (neste caso, como vimos, excluindo gastos contabilístico-fiscais necessários ao desenvolvimento da atividade licenciada)” (arts. 324 a 325 da PI) – constitui-se, assim, “uma ingerência excessiva e injustificada do legislador do RJO face ao enquadramento constitucional da tributação das empresas, em clara violação, uma vez mais, dos princípios da igualdade (artigo 13.º da CRP), capacidade contributiva (artigo 104.º n.º 2 da CRP) e neutralidade constitucionalmente previstos (cfr. artigos 61.º, n.º 1, 80.º, alínea c), 81.º alínea f), e 86.º, todos da CRP) (art. 326 da PI).

Alegou, ainda, a Requerente, na sua PI (arts. 328 a 579), que o imposto especial de jogo online nas apostas desportivas à cota, tal como configurado no artigo 90.º do Decreto-Lei n.º 66/2015, constitui um auxílio de Estado ilegal, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 107.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), e incompatível com o mercado comum, por não aplicação dos respetivos n.ºs 2 e 3, e, portanto, ilícito, tendo requerido especificamente que (art. 579 da PI): “seja anulada a decisão recorrida (sic) e ordenada de imediato a recuperação integral dos auxílios estatais ilegais, mediante ordem de recuperação integral de todas as verbas pagas pela ora Impugnante” (sic). Para tanto, invocou e solicitou a Requerente, em síntese, o seguinte:

  • “estamos perante medidas que estabelecem uma taxa de imposto diferenciada para determinadas entidades exploradoras de jogos online, por um lado, em razão do respetivo volume de negócios (n.º s 1 a 5 do artigo 90.º do Decreto-Lei n.º 66/2015 e n.º s 1 a 4 do artigo 90.º do Decreto-Lei n.º 66/2015); e ainda, e por outro lado, entre as entidades exploradoras de apostas desportivas cujas comissões cobradas sejam o único rendimento diretamente resultante da exploração das apostas desportivas à cota em que os apostadores jogam uns contra os outros (n.º 7 artigo 90.º do Decreto-Lei n.º 66/2015) e as cujas comissões cobradas não sejam o único rendimento diretamente resultante da exploração das apostas desportivas à cota em que os apostadores jogam uns contra os outros (n.ºs 1 a 5 e 7 do artigo 90.º do Decreto-Lei n.º 66/2015)”, sendo que “[t]al diferenciação de tratamento consubstancia uma atribuição de benefícios fiscais, sob a forma de redução de impostos, posto que as entidades exploradoras de apostas desportivas com montantes de apostas até €30 milhões e aquelas cujas comissões cobradas sejam o único rendimento diretamente resultante da exploração das apostas desportivas à cota em que os apostadores jogam uns contra os outros, beneficiam de uma redução da taxa do imposto aplicável face às regras vigentes para as restantes entidades exploradoras”, pelo que não subsistem dúvidas que “as medidas em questão, decorrentes da aplicação do disposto no artigo 90.º do RJO se enquadram na noção de “auxílio”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 107.º n.º 1 do TFUE” (arts. 334 a 336 da PI); auxílio este que é concedido pelo Estado ou através de recursos estatais, pois “é diretamente o Estado Português que abdica de receitas fiscais que, doutra forma, receberia, sendo, para este efeito, irrelevante que o faça diretamente ou através de uma outra entidade”, “[u]ma vez que as medidas em causa resultam na cobrança de taxas e montantes de impostos mais baixos para o Estado Português, por comparação com a situação que seria aplicável sem tais medidas (arts. 337 a 349 da PI); que é seletivo, pois “tais normas e respetiva aplicação introduzem uma diferenciação entre operadores económicos, visto que distinguem claramente entre entidades exploradoras que, no que respeita à lógica subjacente das tributações em causa, se encontram numa situação factual e jurídica comparável” já que “quaisquer entidades exploradoras de jogo online de apostas desportivas à cota, independentemente da sua dimensão (leia-se maior ou menor volume de negócios), encontram-se numa situação factual e jurídica comparável, oferecendo ambos o mesmo tipo de atividades e jogos, independentemente da respetiva dimensão em matéria de montantes de apostas que quaisquer apostadores entendam realizar, sendo suscetíveis de gerar receitas para o Estado”, sendo, porém, que “a taxação de entidades exploradoras que tenham montantes de apostas (ou comissões sobre valores de apostas) até €30 milhões anuais é significativamente mais baixa do que a taxação de entidades exploradoras com montantes de apostas (ou comissões sobre valores de apostas) superiores a um tal valor”, assim como “às entidades exploradoras que apenas obtenham rendimentos de apostas cruzadas não é aplicável o regime fiscal previsto para as restantes entidades exploradoras, incidindo, nestes casos, o IEJO a uma taxa de 15% sobre o montante das comissões”, com “claro benefício das entidades exploradoras de apostas cruzadas, que assim acabam por pagar impostos substancialmente inferiores” (arts. 350 a 460 da PI); que é destituído de qualquer justificação pela natureza ou estrutura do sistema fiscal de referência de que faz parte (arts. 461 a 500 da PI); e que implica a afetação da concorrência e das trocas entre Estados-Membros (arts. 501 a 531 da PI);
  • “O regime fiscal português, decorrente das normas constantes dos n.ºs 4 e 5 do referido artigo 90.º do RJO, constitui um verdadeiro “auxílio de Estado”, nos termos e para os efeitos do referido artigo 107.º, n.º 1, do TFUE, consubstanciado nos benefícios fiscais decorrentes do mesmo para os respetivos beneficiários – entidades exploradoras de apostas desportivas à cota com montantes anuais de apostas até €30 milhões e entidades exploradoras de apostas desportivas à cota com apostas exclusivamente cruzadas” (art. 533 da PI), sendo que “as medidas ora em causa, decorrentes da aplicação do artigo 90.º do RJO, são insuscetíveis de prosseguir qualquer dos objetivos previstos nos n.ºs 2 ou 3 do artigo 107.º do TFUE” (arts. 534 a 558 da PI);
  • “se a um tribunal nacional for submetido um pedido no sentido de que extraia as consequências da violação do artigo 108.º, n.º 3, tendo o caso sido ou não paralelamente submetido à Comissão e não tendo esta ainda decidido quanto à questão de saber se as medidas estatais em causa constituem auxílios de Estado compatíveis com o mercado comum, os tribunais nacionais não são (...) obrigados a declarar-se incompetentes nem a suspender a instância até que a Comissão tome posição sobre as medidas em causa”; “tanto quanto é do conhecimento da ora Impugnante, não terá havido até hoje qualquer notificação à Comissão Europeia do regime legal instituído pelo artigo 90.º do RJO, por parte da República Portuguesa, para que aquela se pudesse pronunciar sobre a qualificação do mesmo como regime de “auxílios de Estado” e/ou sobre a sua compatibilidade com as regras do TFUE relativas ao referido regime, mormente do respetivo artigo 107.º, n.ºs 2 e/ou 3”, pelo que “se requer a esse Douto Tribunal que, no âmbito da relação de cooperação entre tribunais nacionais e a Comissão Europeia, nos termos do artigo 29.º n.º 1 do Regulamento (UE) 2015/1589, oficie esta para confirmação da inexistência da referida notificação – caso em que, necessariamente e ope legis, o sistema fiscal português aplicável às apostas desportivas à cota será automaticamente ilegal, por constituir um auxílio de Estado não notificado –, [e], bem assim, para que confirme a existência de qualquer processo aberto, a este respeito, contra a República Portuguesa, oficiosamente ou na sequência de qualquer queixa de um interessado, relativo a auxílios de Estado, [e] para que a Comissão confirme, a final, a não compatibilidade do regime fiscal português de apostas desportivas à cota com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 107.º do TFUE e, portanto, a ilicitude do mesmo face ao disposto no n.º 1 do mesmo artigo 107.º do TFUE”, devendo o Tribunal, “[a] confirmar-se a existência de um auxílio concedido ilegalmente – i.e., que o regime fiscal constante do artigo 90.º do RJO não foi notificado à Comissão Europeia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 108.º n.º 3 do TFUE”, extrair “todas as consequências jurídicas desta ilegalidade ao abrigo da legislação nacional, independentemente da sua compatibilidade com o mercado comum, o que faz parte da obrigação que lhe incumbe, por força do n.º 3 do artigo 108.º do TFUE, de proteger os direitos individuais dos afetados por um auxílio ilegal” (arts. 560 a 579 da PI).

Invocou, por último, a Requerente na sua PI (arts. 580 a 619) que “um imposto cuja base de incidência é o montante das apostas recebidas pelas entidades exploradoras e que impõe a progressividade decorrente dos n.ºs 4 e 5 do artigo 90.º do RJO, infringe as liberdades fundamentais do TFUE, nomeadamente a liberdade de estabelecimento (artigo 49.º do TFUE) e a livre prestação de serviços (artigo 56.º do TFUE)”, porquanto:

  • “um imposto baseado num critério relativo ao volume de negócios, como é o caso do IEJO aplicável às entidades exploradoras de apostas desportivas à cota, apesar de ser aplicável indistintamente a todos os sujeitos passivos do tipo referido” “[a]caba por, de facto, tributar de forma mais evidente e gravosa as entidades exploradoras que têm a sua sede noutros Estados-membros, as quais são, invariavelmente, entidades exploradoras de maior dimensão do que as nacionais”, pelo que “a forma de tributação prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 90.º do RJO é, portanto, suscetível de prejudicar, em especial, os sujeitos passivos que tenham a sua sede noutro Estado-membro”, “[c]onstituindo, portanto, uma discriminação indireta (de facto) em razão da localização das sedes das empresas entidades exploradoras, na aceção dos artigos 49.º do TFUE e 56.º do TFUE” (arts. 580 a 587 da PI);
  • “as entidades exploradoras de maior dimensão têm, em geral, um modelo de negócio assente em volumes elevados de apostas, cujo funcionamento tipicamente requer investimentos iniciais substanciais”; “a taxação progressiva do montante das apostas, tal como consagrada nos n.ºs 4 e 5 do artigo 90.º do RJO, não permite a tais entidades exploradoras amortizar tais investimentos, em virtude de não poderem dispor de margens de lucro suficientes para o efeito”, e “[n]esta medida, uma tal taxação introduz ainda um fator discriminatório indireto adicional, em razão da localização da sede das entidades exploradoras, dado que o operador incumbente Santa Casa da Misericórdia, que já há longos anos explora em Portugal jogos de fortuna e azar, não tem que fazer face a tais custos relacionados com investimentos iniciais”, pelo que “embora não constitua uma discriminação direta mas sim uma medida indistintamente aplicável a entidades exploradoras nacionais e não nacionais, a diferenciação de incidência e taxas de imposto aplicáveis constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços por parte de nacionais de outros Estados-membros, na aceção do disposto nos artigos 49.º e 56.ºdo TFUE”, não existindo “quaisquer potenciais alegadas razões imperativas de interesse geral que, em concreto, pudessem justificar as restrições às referidas liberdades ou que, de todo o modo, sejam adequadas e proporcionais para as prosseguir os objetivos de quaisquer potenciais ou alegadas razões imperativas” (arts. 588 a 608 da PI).

 

12. O Turismo de Portugal apresentou em 3.10.2017, ao abrigo do art. 17.º do RJAT, Resposta, em que se defendeu por exceção e por impugnação, requerendo, a final, ao Tribunal que:

“a) Se declare absolutamente incompetente, em razão da matéria e, em consequência, absolva o R. da instância;

b) Declare o R. parte ilegítima, com a consequente absolvição da instância;

c) Se declare materialmente incompetente para apreciar o pedido na parte relativa aos auxílios de Estado, bem como à sua recuperação;

d) Declare nulo todo o processado posterior à apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, por nulidades cometidas na fase procedimental;

e) Julgue improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolva o R. do pedido”.

Em sustentação do assim requerido, alegou o TP, em resumo, o seguinte:

I. Por exceção: incompetência material (arts. 1.º a 15.º da Resposta)

- “os litígios suscetíveis de serem submetidos à jurisdição do CAAD são apenas e tão-só os atinentes às questões sobre a ilegalidade dos tipos de atos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e que se encontram abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março”, pelo que “estando em causa a apreciação de pretensões relativas à legalidade de atos tributários, há ainda que verificar se a entidade demandada é uma das entidades que se encontram obrigatoriamente vinculadas à jurisdição deste Tribunal, bem como se o tipo e o valor máximo dos litígios respeitam o disposto na Portaria para a qual remete o artigo 4.º do RJAT”;

- a Portaria n.º 112-A/2011, no seu artigo 1.º, reporta-se apenas aos serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC), pelo que “apenas estes, e só estes serviços, se encontram vinculados à jurisdição deste Tribunal”; dado que “nos presentes autos está em causa uma pretensão relativa a um imposto – o imposto especial de jogo online (IEJO) – que não é administrado pelos serviços e organismos mencionados na referida Portaria (cfr. alínea g) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 129/2012, de 22 de junho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril)”, resulta que “nos termos em que a ação é proposta e considerando a forma como a A. estrutura o pedido e os respetivos fundamentos verifica-se uma incompetência absoluta, em razão da matéria, deste Tribunal para apreciar os pedidos de anulação das liquidações do imposto especial de jogo porquanto este imposto, como se referiu, não é administrado por qualquer serviço da Autoridade Tributária (mas pelo R.)”, pelo que “deve este Tribunal declarar-se materialmente incompetente em razão da matéria, com a consequente absolvição do R. da instância, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 278.º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi alínea e) do artigo 29.º do RJAT”.

II. Por exceção: ilegitimidade passiva (arts. 16.º a 37.º da Resposta)

- “o R. não integra os serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública, atual Ministério das Finanças, elencados no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, [referências que hoje se consideram feitas à Autoridade Tributária e Aduaneira (Autoridade Tributária), por força da reorganização na estrutura do Estado operada pelo Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, que determinou a fusão da duas direções-gerais], únicos que se encontram vinculados à jurisdição deste Tribunal”;

- como se refere no Acórdão proferido no Proc. n.º 547/2015-T, de 17.02.2016, «como é óbvio, há normas legislativas que definem a legitimidade passiva para intervir em processos arbitrais tributários. Com efeito, a legitimidade para intervir em processos arbitrais tributários cabe sempre ao «dirigente máximo do serviço da administração tributária», como resulta dos artigos 11.º, n.º 3, 13.º, n.ºs 1 e 2, 17.º, n.º 1, e 20.º, n.º 2, do RJAT e está em sintonia com o preceituado no artigo 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT. Não há qualquer suporte legal para atribuir legitimidade passiva em processos arbitrais tributários a qualquer outra entidade»;

- “Resulta do que antecede que o R. Turismo de Portugal é parte ilegítima para a presente ação, assim como também é parte ilegítima a Autoridade Tributária - que não foi sequer indicada pela A. como parte -, uma vez que esta só se vinculou a esta jurisdição relativamente aos impostos por si administrados” - A ilegitimidade passiva consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, que dá lugar à absolvição do R. da instância (alínea d) do n.º 1 do artigo 278.º do CPC).

III. Por exceção: intervenção em matéria de auxílios de Estado (arts. 38.º a 48.º da Resposta):

- O Tribunal Arbitral “sempre seria incompetente para ordenar “que seja anulada a decisão recorrida e ordenada de imediato a recuperação integral dos auxílios estatais ilegais, mediante ordem de recuperação integral de todas as verbas pagas pela impugnante» (cfr. artigo 579.º do pedido de constituição de tribunal arbitral)”, porquanto “a verificação da eventual incompatibilidade das medidas previstas no artigo 90.º do RJO com os n.ºs 2 e 3 do artigo 107.º do [TFUE] é matéria da competência da Comissão Europeia”, sendo que “mesmo que o tribunal tivesse competência para analisar o auxílio de Estado no âmbito da apreciação da legalidade das liquidações sub judice, o que (...) não se aceita, o mesmo estaria sempre limitado pelo disposto no artigo 2.º do RJAT e não poderia ir além da declaração de ilegalidade das liquidações de IEJO, com fundamento em violação do artigo 107.º do TFUE”, pelo que o tribunal arbitral deve julgar-se incompetente nesta parte do pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, absolver o R. da instância nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 278.º do CPC;

- “De todo o modo, sempre se dirá que nunca poderia ser ordenada a recuperação de qualquer «auxílio», na medida em que todas as entidades exploradoras licenciadas em Portugal tiveram no ano de 2016 (ano a que se reportam as liquidações em causa nestes autos) montantes de apostas superiores a € 30.000.000,00”.

IV. Por exceção, à cautela e subsidiariamente: nulidades cometidas na fase do procedimento arbitral (arts. 49.º a 75.º da Resposta):

- “considerando o CAAD que o Turismo de Portugal deveria ser entidade demandada nestes autos, por tal decorrer do pedido de constituição do tribunal arbitral e ser a entidade que administra e liquida o IEJO, não podia ter notificado a Autoridade Tributária como requerida, sendo que, ao fazê-lo, o Senhor Presidente da Direção do CAAD atuou sem base legal e excedendo claramente as suas competências e atribuições, no que resultou a prática de um ato nulo”; “em todas as comunicações que o CAAD endereçou ao R., prévias à constituição do Tribunal Arbitral, referiu que eram requeridas neste processo a Autoridade Tributária e o ora R., sendo que, lido o pedido de constituição do Tribunal Arbitral, não se vislumbra onde demanda a A. a Autoridade Tributária”;

- “Esse ato teve consequências, porquanto, a partir desse momento, passaram a constar duas entidades demandadas no presente processo, o que o RJAT não admite”; “Outra consequência foi a de o CAAD limitar ab initio a participação do Turismo de Portugal neste processo, impondo uma restrição inadmissível sobre a escolha do árbitro, que, assim, deixou de ser livre e voluntária”; “Praticando o Senhor Presidente da Direção do CAAD ainda mais uma nulidade quando referiu que, caso as entidades demandadas não alcançassem um acordo, o Conselho Deontológico do CAAD se substituiria às mesmas”;

- “ao impor sobre as entidades demandadas a obrigação de designarem conjuntamente um único árbitro e simultaneamente advertir as mesmas de que, no caso de não alcançassem uma designação única de árbitro, o Conselho Deontológico iria não só dirimir o conflito entre as entidades demandadas como ainda substituir-se às mesmas na indicação do árbitro, o CAAD atuou sem qualquer base legal e abalançou-se a aplicar «com as devidas adaptações» uma norma do RJAT que manifestamente não pode ser aplicada neste caso”;

- “o CAAD permitiu que a entidade demandante indicasse livremente o seu árbitro, mas não permitiu que o R. Turismo de Portugal o fizesse também, no que resultou numa violação do princípio constitucional da igualdade”;

- “Tendo o Senhor Presidente da Direção do CAAD imposto sobre os RR. a obrigação de designar conjuntamente um único árbitro ou remeter tal designação para o Conselho Deontológico do CAAD praticou ato nulo, que influi de forma determinante no desenrolar do processo, requerendo-se, por consequência, ao Tribunal que declare nulo todo o processado posterior à apresentação do pedido de pronúncia arbitral”.

V. Infirmação da violação dos princípios da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva (arts. 86.º a 109.º da Resposta):

- “o IEJO não é um imposto geral sobre o rendimento das empresas, mas um imposto especial com características extrafiscais, não sendo aplicável o princípio da tributação sobre o rendimento real nos moldes em que o é para as empresas em geral”; o IEJO é “aplicável exclusivamente às entidades exploradoras de jogos e apostas online e sobre os rendimentos diretamente resultantes dessa atividade, não tendo o carácter de generalidade de um imposto sobre o rendimento das empresas” e “a sua receita está consignada designadamente ao turismo, à cultura, ao desporto, ao setor equídeo e à prevenção de comportamentos aditivos e dependências, conforme dispõem os artigos 89.º a 91.º do RJO, o que não se passa com os impostos gerais sobre o rendimento, cujas receitas não são consignáveis, em obediência ao princípio da não consignação previsto no artigo 16.º da Lei de Enquadramento Orçamental”; “o IEJO, que incide sobre grandezas brutas, não viola a disposição constitucional do n.º 2 do artigo 104.º da CRP, que apenas refere que a tributação incide «fundamentalmente» sobre o rendimento real das empresas, sendo que a especificidade da tributação não é por si suficiente para dizer que está violado o referido princípio ou o da capacidade contributiva”;

- “o princípio da capacidade contributiva terá um papel delimitador de situações em que não exista qualquer conexão entre a prestação económica e o pressuposto selecionado para objeto do imposto, as quais seriam inconstitucionais”; “Ora, no caso das entidades exploradoras do jogo online, esse elemento de conexão existe, quer quando o imposto incide sobre o montante das apostas recebidas, quer quando incide sobre a receita bruta (montante das apostas recebidas deduzido dos prémios pagos)”; “a capacidade contributiva é personalizável e tem que ser vista em função da força económica da A. e esta não faz qualquer prova nem indica qualquer facto suscetível de evidenciar que o IEJO, tal como previsto no RJO, coloca em causa a sua força económica para pagá-lo”;

- “Conforme a própria A. admite esta opção legislativa de fazer incidir o IEJO sobre o volume de apostas ao invés da receita bruta poderá justificar-se por motivos extrafiscais que a norma pretende atingir, nomeadamente o combate à fraude e evasão fiscais, mas também «garantir a proteção dos menores e das pessoas mais vulneráveis, evitar a fraude e o branqueamento de capitais, prevenir comportamentos criminosos em matéria de jogo online e salvaguardar a integridade do desporto, prevenindo e combatendo a viciação de apostas e de resultados»”.

VI. Infirmação da violação do princípio da neutralidade fiscal (arts. 110.º a 120.º da Resposta):

- “a A., de forma a poder comparar as apostas cruzadas e as não cruzadas e poder defender que se trata da mesma atividade, alega que as entidades exploradoras de apostas cruzadas têm participação na atividade que exploram quando, na realidade, não têm”; “Caso a A. tivesse explicitado corretamente o modo de funcionamento das apostas desportivas à cota cruzadas e das não cruzadas facilmente se concluiria que se está perante realidades que não são suscetíveis de ser comparadas, quer do ponto de vista dos jogadores, quer das próprias entidades exploradoras, pelo que nunca resultaria afetado o princípio constitucional da gestão fiscal e da neutralidade”; “Mas mesmo que se pudesse considerar que esta diferença de incidência poderia afetar o princípio constitucional da gestão fiscal e da neutralidade, o que apenas à cautela e por dever de patrocínio se admite e refere, a mesma não seria inconstitucional se não se mostrar excessiva, desproporcionada ou desrazoável para alcançar os fins prosseguidos com o tributo”.

VII. Infirmação da violação das regras europeias sobre auxílios de Estado (arts. 121.º a 190.º da Resposta):

- “contrariamente ao alegado pela A, no caso sub judice, o sistema de referência não poderá ser a taxa máxima de jogo online nas apostas desportivas à cota aplicável às respetivas entidades exploradoras”; “o RJO veio pela primeira vez regular a atividade do jogo online em Portugal, pelo que o regime nele previsto é o ponto de partida obrigatório para a definição do sistema de referência, não lhe sendo de imputar contrariamente ao alegado uma qualquer discriminação positiva a favor de um determinado grupo de entidades exploradoras”; “A regra que se retira do RJO, que é para estes efeitos o único sistema de referência, é a que resulta de ter o RJO optado por tratar de forma diferente o que é diferente e atendeu, por isso, à diferente natureza de receitas”;

- “o sistema de tributação dos jogos e apostas online não surge como um conjunto de normas avulsas e desgarradas nem sequer de normas subsidiárias relativamente a um regime geral de tributação que se encontre estabelecido no direito português, mas sim como um regime criado ex novo para o jogo online, consubstanciado no RJO, que visa regular este mercado em Portugal, pela primeira vez, e fazê-lo de uma forma geral”; “mesmo no contexto do novo regime criado pelo RJO, não foi definido um regime regra quanto à tributação do jogo e das apostas online – antes foram definidos vários níveis de taxas de imposto e diferentes metodologias de liquidação, em adequação ao tipo de jogo ou apostas e ao modelo de negócio que lhe está subjacente”; “Assim, considerando que a tributação no caso das apostas à cota (não cruzadas) incide sobre o volume de negócios de uma forma progressiva, a verdade é que o  fundamento da mesma se encontra nas especificidades acima referidas, constituindo essa tributação o sistema regra”;

- “existe uma intenção expressa do legislador Português de estabelecer uma taxa normal de IEJO de 8% e não de 16%, como alega a A.”; “Não pode deixar de relevar a letra da lei e a sua interpretação, que permitem concluir, sem margem para dúvidas, que, em momento algum, na previsão da tributação das entidades exploradoras em IEJO houve a intenção de beneficiar algumas entidades em detrimento de outras”; “Por outro lado, no artigo 90.º do RJO não é feita qualquer distinção entre entidades exploradoras, sendo o regime fiscal ali previsto igual para todos aqueles que venham a ser licenciados em Portugal para explorar aquele tipo de apostas”;

- “Não existe, assim, contrariamente ao que é dito no pedido de pronúncia arbitral, qualquer desvio ao sistema de referência da tributação das apostas desportivas à cota não cruzadas, nem é possível identificar ex ante um qualquer grupo definido de entidades exploradoras alegadamente beneficiárias de um auxílio de Estado”; “Pelo contrário, o regime do n.º 4 do artigo 90.º do RJO aplica-se indistintamente a todas as entidades exploradoras que venham a obter uma licença em Portugal para explorar aquele tipo de apostas”;

- “O montante das apostas que cada entidade exploradora for capaz de captar e se ultrapassa, ou não, €30.000.000,00 é o resultado do mercado, com o enquadramento específico que resulta das características próprias do mesmo, não havendo aqui qualquer medida fiscal suscetível de ser vista como uma ajuda a um grupo determinado ou determinável de empresas em desfavor de outras”;

- “verifica-se que entidades exploradoras com maior volume de apostas conseguem, num determinado exercício económico, obter margens superiores e suportar o imposto de jogo sem terem de faz[er] repercutir o imposto na cota, ainda que num ou noutro evento possam ter um lucro inferior ou mesmo um prejuízo”; “Consequentemente, o RJO e particularmente o artigo 90.º do RJO não dá nenhuma vantagem a um grupo determinado de entidades exploradoras relativamente à taxa de imposto “normal” do IEJO, nem prevê qualquer desvio ao sistema de referência nele previsto para qualquer grupo de sujeitos passivos desse imposto”;

- “As taxas progressivas previstas para a tributação da atividade das empresas exploradoras não constituem um auxílio de Estado, na medida em que não trazem uma afetação, ainda que indireta, de recursos do Estado a um determinado grupo de empresas”; “Ainda que as medidas fiscais no caso sub judice pudessem ser consideradas seletivas prima facie, o que por mera hipótese se aventa, as mesmas não poderiam ser consideradas auxílios de Estado, dado que tal seletividade é justificada pela natureza ou estrutura do sistema fiscal de que são parte” e “tais medidas são proporcionais, não excedendo o necessário para atingir os objetivos legítimos prosseguidos, o qual não poderia ser atingido por medidas menos abrangentes”;

- “No que respeita às apostas desportivas à cota em que os apostadores jogam uns contra os outros (apostas cruzadas), previstas no n.º 7 do artigo 90.º do RJO, a tributação das empresas exploradoras não poderá ser entendida como corporizando um auxílio de Estado”, pois “as soluções adotadas no RJO, no que toca à tributação das atividades em causa, assentam no princípio de que as atividades não são comparáveis ou equiparáveis, não procurando com isso atribuir benefícios a categorias de empresas”;

- “As diversas referências e tentativas de aproximação entre as atividades, não permitem ultrapassar a inelutável diferença de modelo de exploração, no qual o operador se limita a disponibilizar uma plataforma para os jogadores jogarem entre si, não participando ativamente nas apostas que são realizadas na sua plataforma, pois são os jogadores que definem as cotas a que querem apostar, sendo que a entidade exploradora tem, por esse facto, como receitas apenas as comissões que cobra aos jogadores”, pelo que não faz “sentido a comparação entre impostos sobre empresas exploradoras de apostas cruzadas e não cruzadas, e muito menos a tentativa de estabelecer uma comparação “competitiva” entre as cotas fixadas pelas entidades exploradoras e as cotas que os jogadores estabelecem entre si nas apostas cruzadas”; “Sendo ainda inaceitável a conclusão que a A. retira nos artigos 459.º e 460.º de que o tratamento fiscal dado às apostas cruzadas permite à entidade exploradora oferecer apostas mais atrativas, já que estas não são sequer oferecidas pelas entidades exploradoras, mas antes escolhidas livremente pelos jogadores”;

- “não é pelo facto de as normas decorrentes do artigo 90.º do RJO serem aplicáveis a todas essas empresas que exploram ou venham a explorar atividades de apostas desportivas à cota em Portugal, que terão que pagar IEJO em Portugal às taxas previstas naquela norma, que daí resulte uma influência na respetiva situação concorrencial e nas trocas comerciais entre os vários Estados-membros”;

- “não pode proceder que o regime fiscal português decorrente das normas constantes dos n.ºs 4 e 5 do artigo 90.º do RJO constitua um verdadeiro auxílio de Estado, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 107.º do TFUE, consubstanciado em benefícios fiscais decorrentes para os beneficiários, que seriam as entidades exploradoras de apostas desportivas à cota com montante de apostas até €30.000.000,00 e as entidades exploradoras de apostas desportivas à cota que só recebe[m] apostas cruzadas”.

 

13. A AT apresentou em 10.10.2017, ao abrigo do disposto no art. 17.º do RJAT, Resposta, em que se defendeu por exceção, invocando que, como o Imposto Especial de Jogo Online “não é administrado por qualquer serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira, mas pelo Instituto do Turismo de Portugal, I.P” (arts. 9.º, 10.º, 12.º e 15.º da respetiva Resposta), “não restam quaisquer dúvidas de que a relação jurídica fiscal controvertida sobre a qual se pede a intervenção do tribunal arbitral não está abrangida pela delimitação de competência dos tribunais arbitrais tributários realizada pelo RJAT e pela Portaria de vinculação” (art. 13.º da Resposta), pelo que “deve ser julgada procedente a invocada exceção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, devendo este Tribunal declarar-se materialmente incompetente em razão da matéria, com a consequente absolvição da Requerida AT da instância, nos termos do disposto nos artigos 577.º, al. a) e 576.º, n.º 1 e na alínea a) do n.º 1 do artigo 278.º, todos do CPC, ex vi alínea e) do artigo 29.º do RJAT” (petitório final da Resposta).

Quanto à defesa por impugnação, limitou-se a AT a referir que: “não cabendo à Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer competência no âmbito da administração do Imposto Especial de Jogo Online, não só em matéria de liquidação, como de “controlo, inspeção e regulação”, e de “arrecadação e gestão de receitas”, a Requerida AT não tem qualquer conhecimento acerca dos factos alegados pela Requerente no seu pedido de pronuncia arbitral, razão pela qual se verifica uma impossibilidade, de facto e, consequentemente, de direito, de apresentar qualquer defesa por Impugnação”, mas “por mera cautela, remete-se a defesa por impugnação para a Resposta apresentada pelo Instituto do Turismo de Portugal, I.P.” (arts. 19.º e 20.º da Resposta).

 

14. Por despacho do Tribunal Arbitral de 10.10.2017, foi a Requerente notificada para responder em relação à matéria de exceção suscitada pelo Turismo de Portugal e pela AT, o que foi realizado pelo requerimento de resposta de 12.10.2017, no qual se sustentou a improcedência das exceções suscitadas com base no seguinte:

I. Da incompetência material (arts. 4 a 43):

- “A Impugnante não ignora que as liquidações de imposto em análise (i) se referem a IEJO e (ii) foram emitidas pelo Turismo de Portugal e não pela AT”, o que “resulta do facto de o Turismo de Portugal, no que respeita às liquidações de IEJO, assumir a natureza de administração tributária, nos mesmos termos em que a AT, no que respeita aos restantes impostos, assume uma relação jurídico-tributária com os contribuintes” e fá-lo “com a cobertura legal que lhe é conferida, entre outros, pelo n.° 3 do artigo 1.° da LGT, o qual esclarece de forma clara que o conceito de administração tributária não se resume à figura da AT, abrangendo quaisquer entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança de tributos, como é o caso do Turismo de Portugal”;

- “é certo que o n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011 expressamente vincula a AT (à data, DGCI e DGAIEC) à jurisdição dos tribunais arbitrais, não se referindo, aí, outros serviços da administração tributária (e, no que interessa a esta análise, aí não referindo expressamente o Turismo de Portugal)”; “Não obstante, importa realçar que resulta de forma inequívoca do preâmbulo desta Portaria a intenção do Governo, na sequência da introdução, no ordenamento jurídico português, da arbitragem em matéria tributária como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, de expressamente vincular a administração tributária (conceito que, como vimos, não se limita à AT) à jurisdição do CAAD”;

- “O que está em causa não é, portanto, a simples constatação da inexistência de uma referência expressa do Turismo de Portugal no mencionado artigo 1.° da Portaria n.º 112-A/2011 - facto que não merece discussão”, mas importa sim “aferir se a nova situação factual (publicação do RJO, implementação de um novo imposto, atribuição legal de competências de administração tributária ao Turismo de Portugal quanto ao IEJO) comporta a necessidade de se proceder a uma leitura atualista da referida lista de entidades vinculadas, tendo em vista, desde logo, a plena aplicação do princípio da igualdade, em particular na sua vertente da não discriminação”, pois “o facto de o artigo 1.° da Portaria n.° 112-A/2011 ter concretizado, no momento da sua aprovação, o meio de vinculação da DGCI e da DGAIEC, não significa, no entender da Impugnante, que tal formulação tenha ficado (para sempre) cristalizada no tempo”, “[n]em que o legislador tenha pretendido, desta forma, limitar para o futuro a possibilidade de se considerarem submetidas à jurisdição arbitral outros serviços que, por força de atribuição legal de competência para liquidar e cobrar outros impostos, devam, nesse domínio, ser consideradas equiparadas, para todos os efeitos legais, à AT”;

- “o legislador, na sequência da publicação do RJO, poderia, querendo, ter lançado mão dos mecanismos legislativos ao seu dispor, nomeadamente através da publicação de uma portaria de extensão, clarificando, de forma perentória, a sua intenção de incluir o Turismo de Portugal no rol de serviços vinculados à disciplina do CAAD”, mas “tal clarificação, ainda que certamente útil do ponto de vista da certeza jurídica, não se revela necessária no que respeita ao IEJO, pelas razões já aduzidas, nomeadamente pelo facto de resultar claro do preâmbulo da Portaria n.° 112-A/2011 a intenção de vinculação ao CAAD da administração tributária no seu todo (e não apenas de alguns dos seus serviços ou entidades)”;

- “uma interpretação cristalizada no tempo dos artigos 1.° e 2.° da Portaria n.º 112-A/2011 comporta, no caso do IEJO, uma clara violação de vários princípios constitucionais (...) porquanto o IEJO constitui um regime fiscal substitutivo do IRC” e “[c]omo tal, a diferenciação de procedimentos de liquidação do IEJO face ao IRC (aqui consubstanciada na atribuição legal dessa administração ao Turismo de Portugal, ao invés da AT) revela-se manifestamente discriminatória, comportando, em consequência, uma limitação no direito de acesso aos tribunais dos atos tributários em causa”, pois, “todos os impostos cometidos à jurisdição da AT, enquanto administração tributária, são sindicáveis em todas as vertentes de contestação - administrativa, judicial e arbitral - podendo o sujeito passivo livremente escolher entre reclamar graciosamente, impugnar o ato tributário para o tribunal tributário comum ou recorrer para o Tribunal Arbitral (e feita essa escolha, a AT não se pode desvincular de tal jurisdição)” e a “possibilidade de recurso a esta via judicial alternativa é tanto mais profícua e necessária quanto é gritante a diferença temporal entre os dois sistemas judiciais para a obtenção de uma decisão de mérito, estando em causa o próprio direito de acesso à justiça, consagrado no artigo 20.° da CRP, o qual exige uma tutela jurisdicional efetiva e, como tal, atempada, de forma a proporcionar a essa tutela um efeito verdadeiramente útil”;

- “Nada justifica, em suma, no entender da Impugnante, que o ato de liquidação do IEJO não possa ser sujeito aos mesmos meios de defesa dos atos sujeitos ao IRC, sob pena de um esvaziamento injustificado (e injusto) da garantia constitucional de acesso a uma justiça célere, e uma violação grave do princípio da igualdade entre sujeitos passivos sujeitos a IRC e sujeitos passivos sujeitos ao IEJO” o que “significa que no caso de o Tribunal Arbitral entender seguir o invocado pelo Turismo de Portugal e pela AT a este propósito, estará a fazer uma interpretação inconstitucional dos preceitos do artigo 2.° e 4.°, n.º 1, do RJAT e dos artigos 1.° e 2.° da Portaria n.° 112-A/2011, violadora dos artigos 13.° e 20.° da Constituição - o que desde já se deixa expressamente invocado para todos os efeitos legais”.

II. Da ilegitimidade passiva (arts. 44 a 59):

- “não resulta claro o argumento apresentado pelo Turismo de Portugal de que a discussão da ilegitimidade passiva possa ser dissociada da questão da incompetência do Tribunal, porquanto não se entende de que forma este Tribunal poderia ser competente para julgar um processo sem que tal decisão pudesse ter efeitos práticos, por não se entenderem vinculadas as entidades demandadas...”; “também não se aceita que o Turismo de Portugal, enquanto sujeito passivo da relação jurídico-tributária em causa, venha alegar ilegitimidade para intervir num processo judicial tributário que pretende a discussão da legalidade de atos por si praticados” – “concluindo-se pela competência do Tribunal Arbitral para julgar este caso, o Turismo de Portugal, enquanto autor dos atos em discussão, não é, nem nunca poderá ser, parte ilegítima do mesmo”.

III. Da intervenção do tribunal arbitral em matéria de auxílios de Estado (arts. 60 a 76):

- “Não se deve (...) confundir um auxílio de Estado ilegal com um auxílio de Estado ilícito”, que é “aquele que não é passível ser enquadrável nos n.°s 2 ou 3 do artigo 107.° do TFUE, sendo, portanto incompatível com o mercado interno” e relativamente ao qual “só a Comissão Europeia tinha competência para proceder a esta última análise de avaliação de compatibilidade com o mercado interno - e, portanto, a declarar a existência ou não de um auxílio de Estado ilícito”;

- “o que a Impugnante pretende que o douto Tribunal Arbitral declare é simplesmente a existência de um auxílio de Estado ilegal, porque não notificado à Comissão Europeia”, o que “nada tem que ver com a apreciação da ilicitude do auxílio de Estado em questão (i.e., da sua compatibilidade ou não com o disposto nos n.°s 2 ou 3 do artigo 107.° TFUE, que aliás a Impugnante solicitou que fosse contactada a Comissão Europeia para o efeito, nos artigos 573.° a 576.° da PI)”, e que extraia “todas as consequências que decorrem de uma tal declaração de ilegalidade de um auxílio de Estado, nos termos da jurisprudência dos tribunais da UE”;

- “improcede, pois, a exceção invocada pelo Turismo de Portugal (e a AT) quanto à alegada falta de competência deste douto Tribunal Arbitral para declarar a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados e ordenar a recuperação das verbas resultantes dos mesmos e das verbas pagas pela Impugnante, posto que os mesmos constituem atos de execução nacionais de um auxílio de Estado ilegal e que tal declaração e ordens de recuperação são competências decorrentes dos termos e dos efeitos, designadamente, do n.º 1 do artigo 107.° e do n.º 3 do artigo 108.° do TFUE, tal como interpretados e aplicados pelos tribunais europeus”.

IV. Das nulidades cometidas em fase do procedimento arbitral (arts. 77 a 79):

- “A Impugnante não se pronuncia em pormenor sobre estas alegações, porquanto as mesmas não lhe dizem diretamente respeito”, mas “sempre se recordará que as regras processuais e procedimentais constantes do CPPT e do Código de Processo Civil são de aplicação subsidiária à jurisdição arbitral por via da al. a) do n.° 1 do artigo 29.° do RJAT, facultando ao CAAD o enquadramento legal necessário para, entre outros, atuar no caso de pluralidade de entidades demandadas”, não resultando do RJAT que “tal situação não seja possível nem deva ser aceite”.

 

15. Na sequência de despacho do Tribunal Arbitral de 16.10.2017, o TP juntou aos autos em 31.10.2017 o Processo Administrativo (a seguir PA).

 

16. Por despacho do Tribunal Arbitral de 5.11.2017, dada a inexistência de prova a produzir em audiência e a resposta apresentada por escrito pela Requerente à matéria de exceção, foi dispensada a realização da reunião a que se reporta o art. 18.º do RJAT e determinada a produção de alegações escritas sucessivas, o que foi concretizado pela Requerente em 22.11.2017 e pelas Requeridas AT e TP em 12.12.2017, tendo as partes, replicando às posições assumidas pela(s) contraparte(s), renovado e reiterado o que sustentaram nas suas anteriores peças processuais (sendo que o TP, nas suas alegações, considerou ainda autonomamente as alegações de violação do funcionamento eficiente do mercado e da equilibrada concorrência, de falta de coerência com o sistema de jogos de base territorial e de violação das liberdades fundamentais de estabelecimento e de prestação de serviços consagradas pelo TFUE).

 

17. Por último, por despacho de 25.2.2018, o Tribunal Arbitral fixou como data limite para a prolação da decisão arbitral o dia 28.4.2018.

 

II. Saneamento

 

18. O Tribunal Arbitral, em face das ocorrências processuais acima referidas nos n.ºs 8, 9 e 10, mas sem prejuízo da possibilidade da apreciação, se necessário, da questão suscitada “à cautela e subsidiariamente” pelo TP (cfr. art. 49.º da respetiva Resposta) quanto às nulidades cometidas em sede de procedimento arbitral, considera-se regularmente constituído para apreciar o litígio (arts. 5.º, n.ºs 1 e 3, al. b), 6.º, n.º 2, al. b) e 11.º do RJAT).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

As demais matérias atinentes a pressupostos processuais, por contenderem com as exceções invocadas pelas Requeridas, serão apreciadas, de seguida, de modo específico e autónomo, sem prejuízo, no entanto, de a solução conferida a certa matéria poder prejudicar a apreciação das restantes questões suscitadas pelas partes (cfr. art. 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força da al. e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT).

 

III. Questões a decidir

 

19. No quadro do litígio formulado quanto à pretensão de declaração de ilegalidade das liquidações de IEJO n.º …, de 01.04.2017, no montante total de €729.980,14 e n.º …, de 13.01.2017, no montante total de €5.945.192,04, em face das alegações constantes da PI e das exceções deduzidas pelas Requeridas nas respetivas Respostas (cfr. acima n.ºs 11 a 14), as questões sujeitas à cognição do Tribunal Arbitral, as quais são definidas pelos factos alegados e pelas pretensões processualmente formuladas que exijam decisão específica, incluindo as matérias atinentes aos pressupostos processuais suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso, são as seguintes (sem prejuízo de a decisão de certa questão poder prejudicar a apreciação de outras):

a) incompetência em razão da matéria do Tribunal Arbitral;

b) ilegitimidade passiva do Requerido TP e da Requerida AT;

c) incompetência do Tribunal Arbitral para a intervenção peticionada em matéria de auxílios de Estado;

d) nulidades do procedimento arbitral;

e) ilegalidade das liquidações de IEJO sindicadas, dada a inconstitucionalidade, que determina a sua desaplicação, da norma do art. 90.º do RJO, por:

i) violação dos princípios constitucionais da tributação do rendimento real e da capacidade contributiva (art. 104.º, n.º 2 da CRP) e da igualdade (art. 13.º da CRP), porquanto inclui, erradamente, os gastos incorridos pelas entidades exploradoras com os prémios devidos aos jogadores com apostas vencedoras, os quais não são parte integrante do conceito de lucro tributável (rendimento real), inexistindo qualquer fundamento racional, nomeadamente ao nível da luta contra a fraude e evasão fiscal, que justifique essa violação dos preceitos constitucionais referidos;

ii) violação do princípio do funcionamento eficiente do mercado e da equilibrada concorrência entre empresas, consagrado pelo al. f) do art. 81.º da CRP, conjugado com o princípio da igualdade constante do artigo 13.º da CRP, porquanto as normas previstas nos números 4, 5 e 6 do artigo 90.º do RJO, ao preverem uma taxa de imposto adicional progressiva, aplicável (apenas) às entidades exploradoras de apostas desportivas à cota não cruzadas que registem um volume de apostas superior a € 30.000.000 não lhes permitem, diferentemente do que sucede com as restantes entidades exploradoras, em tempo real, conhecer de uma eventual sujeição a essa taxa adicional e, sendo esse o caso, calcular antecipadamente o montante a final devido ao Estado, a fim de o repercutir, total ou parcialmente, nas cotas oferecidas aos jogadores;

iii) violação do princípio da neutralidade fiscal, resultante dos artigos 61.º, n.º 1, 80.º, alínea c), 81.º alínea f), e 86.º, todos da CRP, na medida em que as normas previstas nos números 1 e 7 do artigo 90.º do RJO estabelecem uma diferenciação, sem fundamento legal, ao nível do tratamento fiscal (em particular, para efeitos do cálculo da base de incidência do IEJO), entre as apostas cruzadas e não cruzadas;

iv) violação, por falta de coerência com o sistema dos jogos de base territorial, dado o tratamento jurídico-fiscal depender da forma que reveste a atividade do jogo (física vs. online), dos princípios da igualdade (artigo 13.º da CRP), capacidade contributiva (artigo 104.º n.º 2 da CRP) e neutralidade constitucionalmente previstos (cfr. artigos 61.º, n.º 1, 80.º, alínea c), 81.º alínea f), e 86.º, todos da CRP);

f) violação das regras europeias sobre auxílios de Estado, por o regime fiscal do imposto especial de jogo online nas apostas desportivas à cota, tal como configurado no artigo 90.º do RJO, constituir um auxílio de Estado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 107.º, n.º 1 do TFUE, que se consubstancia nos benefícios fiscais decorrentes para as entidades exploradoras de apostas desportivas à cota com montantes anuais de apostas até €30 milhões e para as entidades exploradoras de apostas desportivas à cota com apostas exclusivamente cruzadas, não sendo compatível com o mercado interno, nos termos dos n.ºs 2 ou 3 do mesmo artigo 107.º do TFUE, e subsequente “ordem de recuperação integral de todas as verbas pagas” pela Requerente;

g) ilegalidade das liquidações de IEJO sindicadas, por o disposto no art. 90.º, nºs 4 e 5, do RJO, ao estabelecer o IEJO como um imposto cuja base de incidência é o montante das apostas recebidas pelas entidades exploradoras e que impõe a progressividade, infringir as liberdades fundamentais de estabelecimento e de prestação de serviços consagradas pelos arts. 49.º e 56.º do TFUE, o que determina a desaplicação daquele art. 90.º, n.ºs 4 e 5.

 

IV. Decisão da matéria de facto e sua motivação

 

20. Para além das ocorrências fácticas de natureza procedimental e processual cuja descrição se realizou acima nos n.ºs 4 a 8 do relatório, que aqui se dão por reproduzidas, o Tribunal, em atenção as alegações constantes das peças processuais apresentadas, à prova documental produzida, quer a que foi apresentada com a PI, quer a que resulta do PA junto aos autos pelo TP, julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

I. A Requerente, que opera sob a marca "B…, é uma sociedade com sede em Malta, …, e com sucursal em Portugal, no …, …, …-… …, que detém a licença para a exploração de apostas desportivas à cota n.º…, válida entre 25.05.2016 e 24.05.2019 (cfr. doc. n.º 3 junto à PI).

II. A Requerente foi objeto das liquidações de Imposto Especial sobre o Jogo Online (IEJO) n.º …, de 04.01.2017, relativa a Dezembro de 2016, no montante de €729.980,14, e n.º …, de 13.01.2017, no montante de €5.945.192,04, relativa ao remanescente de IEJO devido no ano de 2017, emitidas pela Diretora do Departamento do Jogo Online do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos do Turismo de Portugal, I.P. (SRIJ), conforme docs. n.ºs 1 e 2 juntos à PI.

III. A notificação da liquidação IEJO n.º …, de 04.01.2017, epigrafada “Imposto Especial de Jogo Online – Liquidação referente a Dezembro/2016 / Licença para exploração de apostas desportivas à cota n.º…”, refere, designadamente, o seguinte (cfr. doc. n.º 1 junto à PI):

Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 88.º e no artigo 90.º do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril, notifica-se V. Exa. para que, até ao dia 15 de janeiro de 2017, proceda ao pagamento do Imposto Especial de Jogo Online devido pela exploração das apostas desportivas à cota no mês de dezembro de 2016, no montante de 729 980,14 euros (setecentos e vinte e nove mil, novecentos e oitenta euros e catorze cêntimos), cuja liquidação abaixo se demonstra:

 

IV. A notificação da liquidação IEJO …, de 13.01.2017, epigrafada “Imposto Especial de Jogo Online – Liquidação referente a 2016 (n.º 6 do artigo 90º do RJO) / Licença para exploração de apostas desportivas à cota n.º…”, refere, designadamente, o seguinte (cfr. doc. n.º 2 junto à PI):

Em cumprimento do disposto nos nºs 4 a 6 do artigo 90.º do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril, notifica-se V. Exa. para que, até ao dia 31 de janeiro de 2017, proceda ao pagamento do Imposto Especial de Jogo Online remanescente, devido pela exploração das apostas desportivas à cota no ano de 2016, no montante de 5 945 192,04 euros (cinco milhões, novecentos e quarenta e cinco mil, cento e noventa e dois euros e quatro cêntimos), cuja liquidação abaixo se demonstra:

 

 

V. As liquidações de IEJO n.º…, de 04.01.2017, no montante de €729.980,14, e n.º…, de 13.01.2017, no montante de €5.945.192,04, acima referidas, foram pagas pela Requerente em 10.01.2017 e 26.01.2017, respetivamente (factualidade admitida por acordo conforme n.º 2, al. e) das alegações da Requerente e n.º I, al. d) das alegações do TP; cfr. ainda comunicação da Requerente ao TP, de 11.01.2017, e comprovante da transferência bancária, constante do PA).

 

21. Não existe factualidade dada como não provada que se considere relevante para a decisão do litígio em apreciação.

 

22. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados nos n.ºs I a V do probatório assentou no exame dos documentos juntos aos autos pela Requerente e dos documentos constantes do PA junto pelo Requerido TP, bem como do reconhecimento de factos efetuado pelas partes, como se especifica em cada um dos pontos do probatório acima enunciado. A matéria de facto não é, aliás, objeto de qualquer dissídio entre as partes.

 

V. Do Direito

 

V. I. Da competência do Tribunal Arbitral

 

a) Considerações de enquadramento

 

23. Conforme resulta do art. 16.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do art. 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT, a questão da incompetência absoluta do Tribunal é de conhecimento oficioso e precede o de qualquer outra matéria.

Assim, a apreciação da questão da competência do Tribunal Arbitral deve ser efetuada em primeiro lugar, antes de qualquer outra questão, pois, já que, com ressalva precisamente da sua própria competência, o Tribunal que seja incompetente está impedido, não apenas de apreciar o mérito da causa, mas todos os demais pressupostos processuais. Como se retira do acórdão do Tribunal de Conflitos de 18.5.2006, proc. n.º 4/05, a questão da competência em razão da matéria “precede logicamente a apreciação jurisdicional pelo tribunal competente” dos “demais pressupostos processuais que deverão estar preenchidos para possibilitar a apreciação do mérito da causa (designadamente o interesse processual e a legitimidade das partes), [e] as condições de procedibilidade do pedido formulado”.

Por força do denominado princípio da competência-competência (Kompetenz-Kompetenz), tem, pois, o Tribunal competência para verificar a sua própria competência, seja qual for o critério de que ela derive, ainda que para concluir pela sua incompetência.

A infração das regras de competência em razão da matéria implica a incompetência absoluta do tribunal (cfr. art. 96.º, al. a) do CPC), o que consubstancia uma exceção dilatória que impede a apreciação do mérito da causa e de todas as demais questões em julgamento e determina a absolvição das entidades Requeridas da instância (arts. 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, n.º 1, al. a) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, al e) do RJAT).

 

24. A competência do Tribunal para julgar a causa perante ele instaurada, enquanto medida da jurisdição necessária para o efeito, deve ser aferida, via de princípio, em razão do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, tendo em conta o modo como surgem formulados na petição inicial, independentemente de qualquer indagação sobre a respetiva procedência. Para citar o clássico MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, p. 91: “deve olhar-se aos termos em que foi posta a ação – seja quanto aos seus elementos objetivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou ato donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjetivos (identidades das partes)”; “É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respetivos fundamentos)”.

A competência apura-se, portanto, de acordo com o quid disputatum ou quid decidendum (por oposição ao que virá a ser o quid decisum), tal como o mesmo é configurado pelo autor, segundo os termos em que surge proposta, na petição inicial, a ação nos seus contornos objetivos (pedido e seus fundamentos) e subjetivos (identidade das partes) – vd., assim, os acórdãos do Tribunal de Conflitos de 18.5.2006, proc. n.º 4/05, de 5.5.2011, proc. n.º 29/10 e de 2.2.2016, proc. n.º 045/15.

 

b) O IEJO e sua administração pelo TP

 

25. Conforme acima referido no n.º 19, encontram-se em apreciação nestes autos, em ordem à verificação da sua (i)legalidade, que fundamenta a pretensão da sua anulação (cfr. n.º 11), as liquidações de IEJO n.º…, de 04.01.2017, relativa a dezembro de 2016, que apurou um valor a pagar de €729.980,14, e n.º…, de 13.01.2017, relativa ao remanescente de IEJO devido no ano de 2016, que apurou um valor a pagar de €5.945.192,04, as quais foram praticadas pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) do Turismo de Portugal (cfr. n.ºs II, III e IV do probatório constante do n.º 20).

 

26. O imposto especial sobre o jogo online (IEJO) foi instituído pelo Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (RJO), aprovado pelo art. 2.º do Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29.4 (com as alterações posteriores), cujo art. 88.º, epigrafado “Imposto especial de jogo online” determina, no que aqui assume direto relevo, o seguinte:

1 - As entidades exploradoras ficam sujeitas ao IEJO.

2 - O IEJO é liquidado mensalmente pela entidade de controlo, inspeção e regulação, sendo remetido o respetivo documento de cobrança até ao dia cinco do mês seguinte àquele a que respeita e pago pelas entidades exploradoras até ao dia 15 do mesmo mês.

3 - As certidões de dívida emitidas pela entidade de controlo, inspeção e regulação relativas ao não pagamento do IEJO constituem títulos executivos e a sua cobrança coerciva é feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

4 - Em tudo o que não estiver especificamente regulado no RJO, aplicam-se ao IEJO, com as devidas adaptações, as regras estabelecidas na Lei Geral Tributária e no CPPT. (...)

O imposto especial de jogo online nas apostas desportivas à cota, em causa no presente processo, é regulado pelo art. 90.º do RJO, cujo teor, à data dos factos (antes, pois, das alterações promovidas pelas Leis n.ºs 101/2017, de 28.08, que modificou o n.º 9, e 114/2017, de 29.12, que modificou o n.º 10 e revogou o n.º 11), era o seguinte:

1 - Nas apostas desportivas à cota, o IEJO incide sobre as receitas resultantes do montante das apostas efetuadas.

2 - Quando a entidade exploradora cobrar uma comissão sobre o valor da aposta, o IEJO incide também sobre esse montante.

3 - A taxa do IEJO nas situações descritas nos números anteriores é de 8/prct..

4 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, quando o montante das apostas efetuadas junto da entidade exploradora for superior a (euro) 30 000 000,00, a matéria coletável é dividida em duas parcelas:

a) Até ao montante de (euro) 30 000 000,00, aplica-se a taxa de 8/prct.;

b) Sobre o excedente, a taxa é determinada com base na seguinte fórmula:

Taxa = [8/prct. x (montante anual das apostas efetuadas/(euro) 30 000 000,00)]

5 - A taxa calculada nos termos da alínea b) do número anterior tem como limite máximo 16/prct..

6 - A diferença entre o montante calculado nos termos do n.º 4 e o montante do imposto liquidado mensalmente nos termos do n.º 3 com referência ao mesmo ano é liquidada até ao dia 15 do mês de janeiro do ano seguinte àquele a que respeita, devendo a respetiva nota de cobrança ser paga até ao dia 31 do mesmo mês.

7 - O disposto nos números anteriores não se aplica quando as comissões cobradas pela entidade exploradora são o único rendimento diretamente resultante da exploração das apostas desportivas à cota em que os apostadores jogam uns contra os outros, caso em que o IEJO incide sobre o montante dessas comissões à taxa de 15/prct..

8 - No caso previsto no número anterior, o imposto é liquidado mensalmente até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeita, devendo a respetiva nota de cobrança ser paga até ao último dia do mesmo mês.

9 - Do montante do IEJO apurado nos termos do presente artigo, 25/prct. constitui receita própria da entidade de controlo, inspeção e regulação e 37,5/prct. constitui receita a atribuir às entidades objeto de aposta a repartir pelos clubes ou pelos praticantes, consoante o caso, e pela federação que organize o evento, incluindo as ligas se as houver, nos termos a fixar por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, do desporto e do turismo.

10 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 88.º, o montante líquido do IEJO, determinado nos termos do número anterior, é aplicado nos seguintes termos:

a) 2,28/prct. para o Estado;

b) 34,52/prct. para o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social;

c) 13,35/prct. para a Presidência do Conselho de Ministros;

d) 16,44/prct. para o Ministério da Saúde, dos quais 1/prct. se destinam ao SICAD;

e) 3,76/prct. para o Ministério da Administração Interna;

f) 1,49/prct. para o Ministério da Educação e Ciência.

11 - O IEJO não repartido nos termos das alíneas do número anterior, correspondente a 28,16/prct. do IEJO líquido, é distribuído nos termos e na proporção prevista nas referidas alíneas”.

Segundo o disposto no art. 45.º deste diploma: “As funções de controlo, inspeção e regulação relativas à exploração e prática dos jogos e apostas online são exercidas pela comissão de jogos do Instituto do Turismo de Portugal, I.P. (comissão de jogos) e pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos do Instituto do Turismo de Portugal, I.P. (Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos), nos termos previstos na lei orgânica deste instituto, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 129/2012, de 22 de junho”.

 

27. Nos termos do indicado Decreto-Lei n.º 129/2012, de 22.06 (com as alterações do DL n.º 66/2015, de 29.04 e da Lei n.º 114/2017, de 29.12), que aprovou a orgânica do Instituto do Turismo de Portugal, I. P., o Turismo de Portugal “é um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio”, que prossegue atribuições do Ministério da Economia, sob superintendência e tutela do respetivo ministro (art. 1.º, n.ºs 1 e 2; cfr. ainda art. 15.º do Decreto-Lei n.º 11/2014, de 22 de janeiro, que aprovou a orgânica do Ministério da Economia).

Estabelece o n.º 3 do art. 3.º deste Decreto-Lei n.º 129/2012 que: “As atribuições do Turismo de Portugal, I.P., em matéria de controlo, inspeção e regulação dos jogos de base territorial e dos jogos e apostas online, são prosseguidas pela comissão de jogos e pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos”.

Pelo seu turno, determina o art. 9.º, n.º 2, als. f) e g) do mesmo diploma que: “O Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos detém natureza inspetiva, é dotado de autonomia técnica e funcional e de poderes de autoridade pública, cabendo-lhe, sem prejuízo das competências conferidas por lei ou que nele sejam delegadas ou subdelegadas, nomeadamente: f) Arrecadar e gerir as receitas destinadas a suportar a prossecução da atividade de controlo, inspeção e regulação dos jogos de base territorial e dos jogos e apostas online; g) Liquidar as contrapartidas, as taxas e os impostos devidos pelo exercício da atividade de exploração de jogos de base territorial e de jogos e apostas online, bem como as multas, as coimas, as custas dos processos e as sanções pecuniárias compulsórias aplicadas neste âmbito”.

A Portaria n.º 384/2015, de 26.10, aprovou (art. 1.º) os estatutos do Instituto do Turismo de Portugal, I. P., cujo art. 9.º, n.º 2, als. f) e g) refere, do mesmo modo, que: “O Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos, abreviadamente designado por SRIJ, detém natureza inspetiva, é dotado de autonomia técnica e funcional e de poderes de autoridade pública, competindo-lhe, sem prejuízo das competências conferidas por lei ou que nele sejam delegadas ou subdelegadas, nomeadamente: f) Arrecadar e gerir as receitas provenientes dos jogos de base territorial e dos jogos e apostas online; g) Liquidar as contrapartidas, as taxas e os impostos devidos pelo exercício da atividade de exploração de jogos de base territorial e de jogos e apostas online, bem como as multas e as coimas aplicáveis neste âmbito”.

 

28. Em face das regulações transcritas é inquestionável que o IEJO é um imposto cuja administração, designadamente liquidação, controlo, inspeção, cobrança não coerciva, emissão de certidões de dívida, é da competência do Turismo de Portugal, do respetivo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ), não sendo, pois, administrado por qualquer serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Recorde-se, preliminarmente, que as competências para liquidar e cobrar um tributo consubstanciam a respetiva “administração”, pelo que a entidade pública que exerce tais competências é qualificada como “administração tributária” nos termos que resultam do art. 1.º, n.ºs 2 e 3 da LGT, segundo os quais, ainda que para efeitos da própria LGT, “consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e coletivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas” (n.º 2), e “Integram a administração tributária, para efeitos do número anterior, a Direcção-Geral dos Impostos, a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, a Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, as demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos, o Ministro das Finanças ou outro membro do Governo competente, quando exerçam competências administrativas no domínio tributário, e os órgãos igualmente competentes dos Governos Regionais e autarquias locais” (n.º 3) – vd. a este respeito os acórdãos proferidos nos processos n.ºs 82/2012-T e 98/2012-T deste CAAD.

O IEJO é administrado pelo TP, pelo SRIJ, que constitui, assim, nos termos do art. 1.º, n.º 3 da LGT, a entidade pública legalmente incumbida de proceder à liquidação e cobrança (voluntária) do imposto (cfr. alínea g), do n.º 2, do artigo 9.º dos acima citados Decreto-Lei n.º 129/2012 e Estatutos do TP aprovados pela Portaria n.º 384/2015 e art. 88.º, n.º 2 do RJO).

Trata-se aqui, aliás, de asserção expressamente reconhecida pelas partes (vd. acima n.ºs 12, 13 e 14), designadamente pela Requerente que declara na PI que o IEJO é um imposto “cuja liquidação foi atribuída por lei a um Instituto Público, ao invés da AT” (art. 38.º da PI; cfr. igualmente arts. 2.º, 43.º e 47.º da PI) e no seu requerimento de resposta às exceções que “o Turismo de Portugal, no que respeita às liquidações de IEJO, assum[e] a natureza de administração tributária, nos mesmos termos em que a AT, no que respeita aos restantes impostos, assume uma relação jurídico-tributária com os contribuintes” e “fá-lo com a cobertura legal que lhe é conferida, entre outros, pelo n.° 3 do artigo 1.° da LGT, o qual esclarece de forma clara que o conceito de administração tributária não se resume à figura da AT, abrangendo quaisquer entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança de tributos, como é o caso do Turismo de Portugal” (arts. 7 e 8 do referido requerimento).

 

c) A regulação sobre a competência dos tribunais arbitrais tributários do CAAD

 

29. Isto posto, convoque-se agora a normatividade reguladora da competência dos tribunais arbitrários tributários, conforme fixada pelo RJAT e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3.

O âmbito da jurisdição arbitral tributária afere-se, em primeiro lugar, pelos critérios de determinação material da competência que se mostram estabelecidos pelo art. 2.º, n.º 1 do RJAT, segundo o qual:

A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

Seguidamente, de acordo com o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, nos termos do qual: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”, importa atender ao disposto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3, que fixa a vinculação de serviços da administração tributária a tribunais arbitrais que funcionam no CAAD (n.º 2 do art. 4.º do RJAT).

 A referida Portaria n.º 112-A/2011, também conhecida como Portaria de Vinculação, estabelece no seu art. 1.º que: “Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública: a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC)”; no seu art. 2.º que: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira”; e no seu art. 3.º, n.º 1 que: “A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a (euro) 10 000 000”.

 

30. Tendo presente que, como nota MENEZES CORDEIRO, “Da competência-competência arbitral” in RDC, n.º 0 (2015), p. 23, a competência, enquanto “aptidão do tribunal para decidir um ponto considerado”, pode depender de múltiplas coordenadas, designadamente da matéria, do valor, dos sujeitos e de disposições expressas, facilmente se observa, em face das disposições acima citadas, que a competência dos tribunais arbitrais tributários que funcionam no CAAD (art. 4.º, n.º 2 do RJAT) pressupõe, no que aqui mais releva, a verificação de um âmbito objetivo demarcado, de um elemento subjetivo preciso e de um vector quantitativo limitado. Nos seguintes termos:

-  os tribunais arbitrais tributários, em termos de âmbito objetivo da competência ou tipo de litígios abrangidos (art. 4.º, n.º 1 do RJAT), possuem competência material para o julgamento de pretensões respeitantes à declaração de ilegalidade de atos tributários, relativos a impostos, atinentes à liquidação, autoliquidação, retenção na fonte, pagamento por conta, fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação, determinação da matéria coletável e fixação de valores patrimoniais, com exclusão das pretensões enunciadas nas disposições constantes das alíneas a) a d) do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 (arts. 2.º, n.º 1 do RJAT, 4.º, n.º 1 do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011);

- os impostos relativamente aos quais as pretensões de declaração de ilegalidade são suscetíveis de apreciação por tribunais arbitrais tributários, em termos de âmbito subjetivo de competência, são aqueles cuja administração esteja cometida aos serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (art. 4.º, n.º 1 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011), actualmente a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), por força do disposto no Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15.12, cujo art. 12.º estabeleceu que a AT “sucede nas atribuições da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC) e da Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA)” (n.º 1 do art. 12.º) e que, após a respetiva entrada em vigor (fixada pelo art. 16.º em 1.1.2012), as “referências feitas em quaisquer leis ou documentos à DGCI, à DGAIEC e à DGITA, consideram-se como feitas à AT “ e a “AT sucede à DGCI, à DGAIEC e à DGITA, nomeadamente em tudo o que na lei vigente disser respeito a estas Direcções-Gerais, nos contratos vigentes e em todos os procedimentos e processos, designadamente, graciosos e judiciais, seja qual for a sua natureza, sem necessidade de observância de quaisquer outras formalidades” (n.º 2 do art. 12.º);

- os litígios respeitantes às pretensões que se enquadram na indicada delimitação objetiva e subjetiva, para serem suscetíveis de apreciação por tribunais arbitrais que funcionam no CAAD (art. 4.º, n.º 2 do RJAT), apenas podem envolver, como valor máximo (art. 4.º, n.º 1 do RJAT), montante não superior a €10.000.000 (art. 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011).

Desta forma, pedidos que não se enquadrem neste âmbito objetivo, subjetivo e quantitativo são alheios à competência dos tribunais tributários, cabendo a resolução dos correspondentes litígios aos tribunais da jurisdição fiscal estadual.

 

d) Concretização no caso da disciplina jurídica sobre a competência dos tribunais arbitrários tributários

 

31. Conforme acima se analisou (n.ºs 25, 26, 27 e 28), o Turismo de Portugal e, especificamente, o respetivo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ), não constitui, como é óbvio e patente, um serviço da AT, não sendo o IEJO um imposto administrado pela AT.

O IEJO é administrado pelo SRIJ do TP, que é, deste modo, a entidade pública legalmente competente para proceder à liquidação e cobrança (voluntária) do imposto (cfr. as disposições, já citadas, constantes da alínea g) do n.º 2 do artigo 9.º quer do Decreto-Lei n.º 129/2012 quer dos Estatutos do TP aprovados pela Portaria n.º 384/2015, bem como do art. 88.º, n.º 2 do RJO).

Justamente, os atos de liquidação do IEJO objeto do presente processo, acima descritos nos n.ºs II, III e IV do probatório, foram praticados pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos do TP, entidade de controlo, inspeção e regulação relativas à exploração e prática dos jogos e apostas online (citados arts. 45.º do RJO e 3.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 129/2012), a quem compete liquidar os impostos devidos pelo exercício da atividade de exploração de jogos e apostas online, bem como arrecadar e gerir as receitas provenientes dos jogos e apostas online, conforme resulta dos acima citados arts. 88.º, n.º 2 do RJO e das alíneas f) e g) do n.º 2 do artigo 9.º constante do Decreto-Lei n.º 129/2012 e dos Estatutos do TP aprovados pela Portaria n.º 384/2015.

 

32. Ora, só os serviços da AT, por força das disposições normativas, legais e regulamentares, acima citadas do art. 4.º, n.º 1 do RJAT e do art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, se encontram vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais tributários que funcionam no CAAD (art. 4.º, n.º 2 do RJAT), relativamente às pretensões definidas no art. 2.º, n.º 1 do RJAT e delimitadas no art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, as quais têm de respeitar a impostos que pela AT sejam administrados. Trata-se, aliás, aqui de ponto claro bem explicitado pelos acórdãos proferidos nos processos n.ºs 260/2013-T e 232/2017-T deste CAAD: “apenas se encontram subjetivamente vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais, em matéria tributária, a funcionar no CAAD, a Autoridade Tributária e Aduaneira, enquanto sucessora dos seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública: a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC)”.

Precisamente, em relação ao IEJO, não existe previsão legal atributiva de competência à AT quanto à respetiva liquidação e cobrança voluntária, apenas se determinando, uma vez emitidas as certidões de dívida pelo SRIJ, a sua cobrança coerciva pela AT nos termos previstos no CPPT (cfr. n.º 3 do art. 88.º do RJO), o que envolve uma representação processual, que se justifica por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 15.º e na alínea a) do n.º 1 do art. 148.º do CPPT (cfr., aliás, em termos gerais, o disposto no art. 179.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo).

Em suma, a administração do IEJO, que se consubstancia na respetiva liquidação e cobrança voluntária, o que abrange a receção de declarações fiscais, a fiscalização tributária, a cobrança do imposto e a emissão de certidões de dívida por falta de pagamento oportuno, compete estritamente ao TP, pelo respetivo SRIJ, que é assim, efetivamente, a entidade pública legalmente incumbida da liquidação e cobrança de tal tributo (n.º 3 do art. 1.º da LGT).

Dado, então, que, nos termos da referida Portaria n.º 112-A/2011, os serviços da administração tributária (cfr. art. 1.º) que ficaram vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, em ordem à apreciação das pretensões legalmente enunciadas (art. 2.º, n.º 1 do RJAT e art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011) respeitantes a impostos cuja administração lhes esteja cometida, são exclusivamente os serviços da AT, dessa vinculação dependendo a jurisdição dos tribunais arbitrais tributários, é manifesto que, por não estar aqui em apreço uma pretensão relativa a um imposto administrado pela AT, mas sim concernente a um tributo cuja administração compete ao TP, o litígio em causa nos presentes autos, que tem como objeto as identificadas liquidações de IEJO n.ºs … e … praticadas pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos do TP (cfr. n.ºs II, III e IV do probatório constante do n.º 20), não se enquadra na competência material deste Tribunal, seja em atenção ao âmbito material, que respeita ao IEJO, tributo que não é administrado pela AT, mas cuja administração está antes cometido ao TP (cfr. n.º 2 do art. 88.º do RJO e alínea g), do n.º 2, do artigo 9.º dos acima citados Decreto-Lei n.º 129/2012 e Estatutos do TP aprovados pela Portaria n.º 384/2015), seja em atenção à entidade demandada TP, que não se encontra vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

 

33. Em consequência, atento o pedido arbitral (e respetivos fundamentos) aqui em jogo, que respeita à declaração de ilegalidade e correspondente anulação das indicadas liquidações do IEJO administrado pelo TP, cabe reconhecer que o litígio apresentado pela Requerente não incide sobre atos tributários relativos a impostos cuja administração esteja cometida aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que procede a invocada exceção dilatória de incompetência absoluta do presente Tribunal Arbitral, o que implica a absolvição da Requerida AT e do Requerido TP desta instância arbitral (cfr. art. 16.º do CPPT e arts. 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT).

 

34. Esclareça-se que tal conclusão jurídica de incompetência absoluta em razão da matéria deste Tribunal Arbitral para conhecer das liquidações de IEJO sindicadas não é suscetível de ser arredada pela argumentação proposta pela Requerente quanto à interpretação dos arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 (vd. supra n.º 14), dada a sua insubsistência.

Desde logo, não merece acolhimento a asserção, apresentada pela Requerente para reputar o TP vinculado à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, segundo a qual, não obstante o art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 não referir o TP, “resulta de forma inequívoca do preâmbulo desta Portaria a intenção do Governo, na sequência da introdução, no ordenamento jurídico português, da arbitragem em matéria tributária como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, de expressamente vincular a administração tributária (conceito que (...) não se limita à AT) à jurisdição do CAAD”, ou, noutra formulação da Requerente, resulta “claro do preâmbulo da Portaria n.º 112-A/2011 a intenção de vinculação ao CAAD da administração tributária no seu todo (e não apenas de alguns dos seus serviços ou entidades)” (cfr. acima n.º 14).

Sem necessidade de entrar na discussão da questão do valor normativo dos preâmbulos, bastando simplesmente assumir aqui a sua relevância hermenêutica como elemento auxiliar interpretativo da compreensão dos enunciados normativos dos diplomas a que se reportam, facilmente se observa que o que resulta claro do preâmbulo da Portaria de Vinculação, ao aludir à dependência da “vinculação da administração tributária à jurisdição destes tribunais [arbitrais que funcionam no CAAD] de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça” nos “termos e condições aqui [na presente portaria] estabelecidos”, é que ele não possibilita, de modo nenhum, demonstrar, contra o próprio teor dos seus arts. 1.º e 2.º, qualquer “intenção de vinculação ao CAAD da administração tributária no seu todo”, isto é, na totalidade dos serviços, entidades e órgãos reportados no n.º 3 do art. 1.º da LGT, porquanto a “administração tributária” a que se alude nesse preâmbulo são exatamente os “serviços do [então] Ministério das Finanças e da Administração Pública” da DGCI e da DGAIEC (cfr. arts. 1.º, 2.º e 3.º da Portaria), hoje a AT, em consonância, aliás, com o facto de se tratar de uma Portaria dos então Ministros de Estado e das Finanças e da Justiça (cfr. ainda n.º 1 do art. 4.º do RJAT), relativa, por isso, aos serviços integrados no âmbito do Ministério das Finanças (cfr. atualmente art. 4.º, al. f) da Lei Orgânica do Ministério das Finanças aprovada pelo Decreto-Lei n.º 117/2011, de 15.12) e não a organismos que prosseguem atribuições do Ministério da Economia, como sucede com o TP (cfr. art. 5.º, al. b) da Lei Orgânica do Ministério da Economia aprovada pelo Decreto-Lei n.º 11/2014, de 22.1), que é, como se caracteriza no acima citado art. 1.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 129/2012, um instituto público de regime especial, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, que prossegue atribuições do Ministério da Economia, sob superintendência e tutela do respetivo ministro.

Deste modo, a menção preambular à “administração tributária” objeto da vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais tributários do CAAD encontra-se delimitada e precisada pelo facto de os litígios abrangidos respeitarem aos serviços do Ministério das Finanças nos termos e condições estabelecidos por essa portaria conjunta do Ministro da Justiça com o Ministério da Finanças, constituindo este, por assim dizer, o “membro do Governo competente em razão da matéria” (cfr., comparativamente, no que concerne à vinculação do Estado em sede administrativa a centros de arbitragem institucionalizada, o art. 187.º, n.º 2 do CPTA: “A vinculação de cada ministério à jurisdição de centros de arbitragem depende de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça e do membro do Governo competente em razão da matéria, que estabelece o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos, conferindo aos interessados o poder de se dirigirem a esses centros para a resolução de tais litígio”).

 

35. Depois, também não pode ser acolhida a ideia, invocada no requerimento de resposta às exceções da Requerente, de que “a nova situação factual (publicação do RJO, implementação de um novo imposto, atribuição legal de competências de administração tributária ao Turismo de Portugal quanto ao IEJO) comporta a necessidade de se proceder a uma leitura atualista da referida lista de entidades vinculadas” (vd., novamente, acima n.º 14), ideia essa que se encontra igualmente na PI, em cujo art. 71.º se consigna que “o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, conjugado com a Portaria n.º 112-A/2011, pretendia concretizar, no momento da sua aprovação, o meio de vinculação da AT, através dos seus serviços, a DGCI e a DGAIEC, e que eram as entidades que administravam, à data, a totalidade dos impostos existentes em Portugal, não se pretendendo limitar por esta via, para o futuro, a possibilidade de se considerarem submetidas à jurisdição arbitral outras realidades que, por força da sua natureza e características, devessem ser consideradas equiparadas, para todos os efeitos legais, por força do facto de lhes ser entretanto atribuída por lei a competência para liquidar e cobrar impostos”, concluindo-se nos artigos 73.º, 74.º e 75 deste articulado que, “através de uma interpretação atualista”, “deve entender-se que, prevendo uma qualquer lei posterior que uma determinada entidade da administração pública fique incumbida da administração e cobrança de um determinado imposto se deva considerar que essa entidade passa a estar abrangida no conceito de Autoridade Tributária, para efeito do disposto no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011.”.

Esta ideia não possui valia, antes de mais porque, como a própria Requerente, afinal, reconhece no art. 43.º da PI, para além do IEJO aqui em causa, também o imposto sobre o jogo não é liquidado pela AT, não estando, assim, igualmente este imposto especial sobre o jogo abrangido na arbitragem tributária. É, portanto, pertinente a observação do TP (art. 31.º da resposta) de que a própria asserção factual, referida no artigo 71.º do pedido de pronúncia arbitral, de que, à data da aprovação dos referidos diplomas, a totalidade dos impostos em Portugal eram administrados pelos serviços que estiveram na génese da Autoridade Tributária e que consubstanciaria as alegadas circunstâncias do tempo da aprovação da lei, é contrariada no artigo 43.º do pedido de pronúncia arbitral, em que se revela conhecer a existência de um outro imposto em Portugal, o imposto especial de jogo (IEJ), que não é liquidado pela Autoridade Tributária e que antecede, em mais de meio século, o RJAT e a referida Portaria de Vinculação.

Lembre-se, na verdade, que o imposto especial de jogo, atualmente regulado pelo Decreto-Lei n.º 422/89, de 2.12 (com as alterações posteriores), que incide sobre as empresas concessionárias de jogos de fortuna ou de azar, nos termos que resultam dos arts. 84.º e seguintes deste diploma, foi criado no ano de 1927, constituindo um “tributo especial, de natureza complexa, não suscetível de enquadramento nas qualificações tradicionais acolhidas pela nossa doutrina fiscal, antes cabendo na categoria residual de “outros impostos””, “imposto especial sobre a atividade de exploração de jogos de fortuna e azar desenvolvida pelas empresas concessionárias e exercida dentro dos imóveis afetos à respetiva concessão, substituindo, relativamente aos rendimentos provenientes dessa atividade, qualquer outra tributação, designadamente a tributação em IRC”, por o legislador ter entendido que “resultando já do exercício desta atividade diversos benefícios para o Estado e encargos e riscos para as entidades concessionárias, a incidência do IEJ deveria excluir a incidência de quaisquer outros tributos” (cita-se ISCTE – GIES, Contributos para uma regulação das apostas desportivas online em Portugal, por PEDRO DIONÍSIO, ANTÓNIO CARLOS SANTOS, CARMO LEAL, LUÍS GRAÇA, MARTA LOUSADA, Dezembro 2010, pp. 25 e segs.).

Precisamente, este imposto especial de jogo previsto no art. 84.º do referido Decreto-Lei n.º 422/89, nos termos do qual: “As empresas concessionárias ficam obrigadas ao pagamento de um imposto especial pelo exercício da atividade do jogo, o qual será liquidado e cobrado nos termos das disposições seguintes” (n.º 1) e “Não será exigível qualquer outra tributação, geral ou local, relativa ao exercício da atividade referida no número anterior ou de quaisquer outras a que as empresas concessionárias estejam obrigadas nos termos dos contratos de concessão e pelo período em que estes se mantenham em vigor” (n.º 2 do mesmo art. 84.º; cfr. ainda art. 7.º do CIRC: “Não estão sujeitos a IRC os rendimentos diretamente resultantes do exercício de atividade sujeita ao imposto especial de jogo”), não era nem é administrado pela AT, dado que o art. 88.º do mesmo diploma estabelece que: “O imposto especial do jogo é pago, em relação a cada mês, até ao dia 15 do mês seguinte na tesouraria da Fazenda Pública do município respetivo, mediante guia emitida pela Inspeção-Geral de Jogos, a enviar à repartição de finanças competente”; e o art. 90.º determina que: “É atribuída à Inspeção-Geral de Jogos a competência para fiscalizar o imposto especial de jogo (...)” (cfr. ainda art. 96.º, n.º 1, al f) que estabelece que: “As funções de inspeção da Inspeção-Geral de Jogos compreendem a fiscalização de: f) O cumprimento das obrigações tributárias”), declarando-se ainda no Preâmbulo deste Decreto-Lei n.º 422/89, de 2.12, que se mantém “na mesma Inspeção-Geral, quanto ao imposto especial de jogo (...), a competência que assiste à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos no que respeita aos restantes impostos”.

Falece, pois, ab ovo a pretensão de atribuir à Portaria n.º 112-A/2011 uma virtualidade expansiva capaz de abarcar a totalidade dos impostos existentes em Portugal e a totalidade das entidades e organismos públicos que os administram.

 

36. Mas, sobretudo e decisivamente, tal ideia nunca poderia ser acolhida porque ela defronta o requisito hermenêutico elementar, componente entre nós da ordem do discurso jurídico e da concretização dos enunciados normativos, de que a letra da lei constitui, no seu uso ou usos linguísticos, limite da atividade interpretativa, como decorre do art. 9.º, n.º 2 do Código Civil, que prescreve que: “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (cfr. ainda n.º 1 do art. 11.º da LGT).

Sem necessidade de particulares desenvolvimentos, é suficiente referir que a enunciação especificada e delimitada dos serviços tributários, actualmente da AT, vinculados à jurisdição dos tribunais tributários do CAAD – que configuram, note-se, elementos estritamente descritivos e objetivos da previsão normativa, porquanto se trata da indicação nominativa dos serviços tributários em causa – não admite, sem violação do mínimo de correspondência verbal, mesmo que imperfeita, com o texto regulamentar, operar, em relação à Portaria de Vinculação, o adicionamento de outros serviços ou entidades que integram a administração tributária (cfr. n.º 3 do art. 1.º da LGT) para além daqueles serviços, hoje a AT, que são expressamente enumerados.

Para além da letra, o próprio fim da Portaria n.º 112-A/2011 a isso obstaria, dado que o que justifica a emissão desse regulamento complementar ou de execução, nos termos do n.º 1 do art. 4.º do RJAT, é precisamente manifestar, sob a forma específica dessa portaria conjunta, a vinculação de certos organismos à jurisdição dos tribunais arbitrais tributários do CAAD. Por isso, a Portaria de Vinculação consubstanciou o ato regulamentar pelo qual o Estado, em relação a certos e determinados serviços tributários (a saber, precisamente a Autoridade Tributária e Aduaneira), exteriorizou a sua decisão específica de, em relação aos organismos indicados (e não a outros ou a todos), submeter os litígios que definiu a resolução por tribunais arbitrais, prescindindo da intervenção dos tribunais estaduais.

É, pois, inteiramente correta a formulação constante da decisão proferida no processo n.º 89/2012-T: “os termos da definição dos serviços que ficam vinculados à competência dos tribunais arbitrais tributários têm uma natureza taxativa, dependendo sempre de uma decisão expressa e explícita a esse respeito”, uma vez que a competência é de ordem pública.

Bem se compreende, por tudo isto, que pela doutrina, em face do disposto no art. 4.º do RJAT e do teor da referida Portaria de Vinculação, tenham sido elaboradas as seguintes proposições interpretativas:

- “O facto de se fazer depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais de portaria conjunta do Ministro da Justiça e do Ministro das Finanças conduz à conclusão de que se limitou a possibilidade de utilização dos tribunais arbitrais aos litígios relativos a tributos administrados por aqueles ministérios./ A ser assim, ficarão fora da jurisdição dos tribunais arbitrais os litígios emergentes de atos praticados por outra entidades da Administração Tributária estadual não integradas naqueles ministérios (...), bem como das regiões autónomas, autarquias locais e institutos públicos” (JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária  in Guia da Arbitragem Tributária, 3.ª ed.,  Coimbra, 2017, p. 149);

- “Em face desta redação [do art. 2.º da Portaria de Vinculação] são duas as consequências que se  podem retirar: – o âmbito material da arbitragem resume-se à análise de questões relativas a impostos, não sendo portanto suscetíveis de recurso à arbitragem, porquanto fogem aos termos da vinculação da administração tributária, questões relativas a taxas e contribuições; e – o âmbito material da arbitragem resume-se à análise de questões relativas a impostos que sejam administrados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ficando então de fora os impostos administrados pela Região Autónoma da Madeira ou administrados por outras entidades que não a Autoridade Tributária e Aduaneira (CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Coimbra, 2016, p. 78);

- “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a AT se vinculou àquela jurisdição, através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março”; “A Portaria prevê, essencialmente, uma delimitação negativa da vinculação da AT à arbitragem tributária, restringindo-a, desde logo, aos “impostos cuja administração lhes esteja cometida”. Assim, em face do disposto no corpo do artigo 2.º da Portaria, ficam, desde logo, de fora do âmbito da vinculação todos os tributos distintos dos impostos, e destes todos aqueles cuja administração não esteja cometida à AT” (NUNO VILLA-LOBOS/TÂNIA CARVALHAIS PEREIRA, “A natureza especial dos tribunais arbitrais tributários” in RIAC, n.º 7 (2014), p. 100).

Nesta sequência, não se pode senão afirmar – tendo devidamente presente que, como lembra PEDRO COSTA GONÇALVES, “Administração Pública e arbitragem – em especial, o princípio legal da irrecorribilidade de sentenças arbitrais” in Estudos em Homenagem a António Barbosa de Melo, Coimbra, Almedina, 2013, p. 784, nota 21: “Ao contrário do que sucede com os particulares, a Administração não dispõe de um poder próprio de se submeter a tribunais arbitrais. Este poder há de resultar, direta ou indiretamente, da lei” – que a atribuição de competência a um tribunal arbitral do CAAD não se pode ter como auto-realizável pelo próprio tribunal e pelas partes, o que consubstanciaria uma verdadeira usurpação de poderes, mas depende de modo rigoroso da exata aplicação das regras legais e regulamentares que balizam a vinculação administrativa à jurisdição arbitral. Ultrapassar o âmbito objetivo e subjetivo da arbitragem tributária, desprezando os dizeres do RJAT e da Portaria de Vinculação, significaria impor à administração tributária (no amplo sentido do n.º 3 do art. 1.º da LGT) uma resolução de litígios por particulares que a lei, direta ou indiretamente, não autorizou e para que o Estado não se vinculou mediante indispensável afirmação ou tomada de posição expressa.

 

   37. Em face de tudo o exposto, impõe-se concluir que, se é certo que o TP, e o seu SRIJ, constitui, relativamente à liquidação e cobrança do IEJO, administração tributária para os efeitos do art. 1.º, n.º 3 da LGT, estabelecendo as pertinentes relações jurídico-tributárias com os sujeitos passivos do imposto nos termos do art. 1.º, n.º 2 da LGT, não se verifica a sua vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não sendo, assim, estes tribunais arbitrais competentes, por força do disposto nos arts. 2.º e 4.º, n.º 1 do RJAT e dos arts. 1.º e 2.º da Portaria 112-A/2011 para o julgamento de pretensões relativas à liquidação de IEJO, como sucede com o pedido que se encontra em jogo nestes autos.

 

e) Do compromisso arbitral

 

38. Invoca, no entanto, ainda, a Requerente, que mesmo que se entenda que, por força dos dispositivos acima considerados – como este Tribunal efetivamente entende em atenção à devida interpretação e concretização do Direito aplicável –, o TP não se encontra vinculado à jurisdição do CAAD, “tal não impede, no entanto, a sua vinculação voluntária ao presente pleito”, pois “a inexistência de uma portaria específica de vinculação do Turismo de Portugal à jurisdição do CAAD não constitui impedimento à sua vinculação por outra via, em particular por compromisso arbitral” (arts. 81 e 82 da PI).

Esta via alternativa pela qual a Requerente pretende, no presente caso, que o Turismo de Portugal fique vinculado à “jurisdição do CAAD”, rectius, à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não possui sustentáculo.

 

39. Mencione-se, a título preliminar, que o compromisso arbitral (cfr. art. 1.º, n.º 3, 1.ª parte, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12 e art. 280.º, n.º 1 do CPC) envolve a submissão à decisão de árbitros de um litígio atual nos termos de convenção das partes nesse sentido (a qual, evidentemente, tem que ser válida em atenção ao seu objeto e à qualidade das partes – cfr., analogicamente, o referido art. 280.º, n.º 2 do CPC – o que implica, relativamente a litígios de direito público, ter sempre em conta o disposto no n.º 5 do art. 1.º da LAV pelo qual “o Estado e outras pessoas coletivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei”).

Assinale-se, então, que, nas circunstâncias do caso, falece inteiramente a ocorrência do acordo das partes consubstanciador de tal convenção de arbitragem (compromisso arbitral), pelo que, também nesta base, não é, à partida, possível configurar, em termos materiais, a subtração do presente litígio aos órgãos jurisdicionais estaduais competentes.

É que, quanto à possibilidade de um compromisso arbitral, o TP foi taxativo em declarar, não apenas que “não se encontrava vinculado à jurisdição arbitral”, mas igualmente que não “pretendia vincular-se ou de qualquer forma aderir, por via de compromisso arbitral, a essa jurisdição”: assim, o TP, primeiro pela sua comunicação ao CAAD de 26.5.2017 (vd. supra n.º 6) consignou expressamente que: “Para que não subsistam quaisquer dúvidas e ainda que se entenda não ser legalmente possível, o Instituto do Turismo de Portugal, I.P. expressamente declara que não pretende vincular-se ou de qualquer forma aderir, por via de compromisso arbitral, à jurisdição do CAAD”; depois, por requerimento ao CAAD de 31.7.2017 (vd. supra n.º 8), lembrou que “deixou claro que não pretende vincular-se ou de qualquer forma aderir, por via de compromisso arbitral, se tal fosse possível, à jurisdição do CAAD”;  por fim, na sua resposta (vd. supra n.º 12), reiterou que “não se encontra vinculado à jurisdição arbitral, nem pretendia vincular-se ou de qualquer forma aderir, por via de compromisso arbitral, a essa jurisdição” (art. 2.º da resposta).

Inexiste, pois, qualquer vinculação voluntária do TP à jurisdição de Tribunal Arbitral do CAAD para resolução do litígio aqui em presença.

 

40. De qualquer modo, para além deste elemento material do consentimento do TP a um tal compromisso arbitral, sempre seria necessário previamente, sob pena de invalidade de tal compromisso, a presença de competente previsão legal que, direta ou indiretamente, relativamente à administração do IEJO, legitimasse o TP (ou do Ministério da tutela), mediante atribuição de competência para o efeito, a incorrer, por convenção de arbitragem ou por outra forma, na vinculação à jurisdição – ad hoc ou institucionalizada – de tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Precisamente, não se descortina presentemente essa previsão legal, não existindo norma que fundamente, por qualquer modo, o recurso à arbitragem tributária em relação ao IEJO administrado pelo TP.

No estado atual do ordenamento jurídico, em relação às questões fiscais, portanto, às questões “cuja apreciação e resolução exige a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, inscritas no domínio da atividade tributária da administração” (cfr. os acórdãos do STA de 7.2.2018, proc. n.º 0836/16, de 17.2.2016, proc. n.º 0787/15 e de 3.2.2016, proc. n.º 0862/15) ou, noutra formulação, mais restrita, às questões “que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objetivamente conexas” (cfr. os acórdãos do Tribunal de Conflitos de 18.5.2006, proc. n.º 4/05, de 26.09.2006, proc. n.º 14/06 e de 9.11.2010, proc. n.º 17/10), a admissibilidade da arbitragem está limitada ao enquadramento jurídico-normativo sobre tribunais arbitrais tributários que funcionam neste CAAD nos termos definidos pelo RJAT e pela Portaria de Vinculação.

Deste modo, para lá do que já se explicitou acima quanto à interpretação das disposições sobre a arbitragem tributária que funciona no CAAD, consagradas no RJAT e na Portaria de Vinculação, tendo presente a repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais fiscais que tem como critério a natureza da relação jurídica administrativa ou tributária de onde emergem, respetivamente, as questões administrativas ou fiscais submetidas à apreciação dos tribunais administrativos ou dos tribunais tributários (cfr. art. 212.º, n.º 3 da CRP, art. 4.º, n.º 1 e art. 49.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF; cfr. igualmente quanto à caracterização da relação tributária os arts. 1.º, n.º 2 e 30.º da LGT), não se pode senão excluir qualquer pretensão de transposição para este domínio tributário das soluções sobre arbitragem administrativa contidas no CPTA (arts. 180.º e seguintes), não tendo, pois, neste âmbito, aplicação a remissão, como legislação subsidiária, para o regime previsto no CPTA constante da alínea c) do art. 2.º do CPPT. Senão veja-se.

Que a arbitragem tributária assenta apenas na disciplina consagrada pelo RJAT, objeto da vinculação da AT nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, é proposição que é afirmada ab initio no próprio pórtico de entrada do RJAT, já que, de modo simultaneamente integral e excludente, se estabelece no respetivo art. 1.º que: “O presente decreto-lei disciplina a arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária” – ao RJAT coube, pois, instituir a arbitragem em matéria tributária no ordenamento jurídica nacional e ao RJAT, com a regulamentação dada pela Portaria n.º 112-A/2011, cabe, pelo menos atualmente, fornecer a disciplina específica e exclusiva aplicável à arbitragem em matéria tributária. Nem outra coisa sequenciava a autorização legislativa prevista no artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28.4 (Orçamento do Estado para 2010), que autorizou o Governo “a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”.

Para além disto, os arts. 180.º e segs do CPTA não constituem base legal para quaisquer decisões sobre constituição de tribunais arbitrais no âmbito tributário, já que aqueles preceitos estão centrados apenas em questões administrativas (cfr. art. 180.º do CPTA), não compreendendo as questões fiscais. Como observa, fundadamente, JOSÉ CASALTA NABAIS, “Reflexões sobre a introdução da arbitragem tributária” in Por um Estado Fiscal suportável, Estudos de Direito Fiscal, vol. IV, Coimbra, 2015, p. 24: “constituindo a introdução da arbitragem tributária no nosso sistema jurídico uma matéria tão importante e manifestamente inovadora, parece evidente que a mesma não pode resultar da disciplina da arbitragem administrativa que veio a encontrar acolhimento nos arts. 180.º a 187.º do CPTA. Tanto mais que, do longo processo que conduziu a aprovação e entrada em vigor desse Código, nada se deduz nesse sentido. Antes bem pelo contrário, em todo esse processo o que se teve em vista foi sempre e apenas a disciplina do processo nos tribunais administrativos nos moldes verdadeiramente revolucionários que acabou por prevalecer. De resto, perante a autonomia do processo tributário, fundada aliás em longa tradição e materializada presentemente no CPPT, não deixaria de ser estranho, para não dizer anómalo, que a arbitragem tributária viesse a fazer a sua aparição através da porta alheia, como é, indiscutivelmente, o CPTA. Muito diferente, por certo, já teria sido se a arbitragem tivesse sido objeto de colhimento no ETAF, em virtude deste conter a disciplina geral do direito judiciário, administrativo e fiscal. O que, tudo somado, leva a concluir que a arbitragem tributária continuou sem suporte legal até à recente aprovação do seu regime legal pelo Decreto-Lei n.º 10/2011”.

Deste modo, o disposto nos arts. 180.º e seguintes do CPTA e a possibilidade prevista no art. 182.º de exigir a outorga de compromisso arbitral (seja lá como se deva entender tal situação jurídica e sejam quais foram os pressupostos da sua concretização nos termos do art. 184.º do CPTA, atenta a consabida falta de clareza desses dispositivos e a sua dependência, dado o disposto no art. 182.º do CPTA, de lei (futura) que preveja os casos e termos de tal direito à outorga do compromisso arbitral), não tem aplicação senão aos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, valendo para as relações jurídicas fiscais e para os litígios delas resultantes exclusivamente a disciplina jurídica de arbitragem institucionalizada atribuída ao CAAD, que foi estabelecida pelo RJAT, até pela exigência, manifestada logo no n.º 3 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28.4, de a arbitragem tributária se desenrolar como uma “arbitragem unilateral” em que “uma das partes tenha, previamente, o direito potestativo de, por si, remeter uma questão litigiosa para arbitragem” (a terminologia pertence a MENEZES CORDEIRO, Tratado da Arbitragem, Coimbra, 2015, p. 93), a implicar que a arbitragem tributária não possa ser dirigida à litis iam nata mas sim necessariamente à litis nodum nata.

Acresce que mesmo no âmbito do CPTA o direito à outorga de compromisso arbitral não resulta diretamente do respetivo artigo 182.º, “com força de um verdadeiro direito potestativo”, uma vez que aquele preceito “remete para a própria lei a definição das condições  concretas de que deverá depender o exercício desse direito”, em especial as condições de exercício do direito à outorga de compromisso arbitral, sendo que o legislador ainda não emitiu qualquer normativo nesse sentido (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/ CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos,  3.ª edição, 2010,  p. 1155). 

Conclui-se, por conseguinte, que não pode ser acolhida a tese, exposta no art. 83 da PI, de que a “omissão no CPPT de regras de vinculação voluntária de entidades públicas à jurisdição arbitral remete-nos para o quadro legal do CPTA – aqui aplicável supletivamente, nos termos da alínea c) do artigo 2.º do CPPT –, o qual prevê um direito à outorga de compromisso arbitral (artigo 182.º e seguintes), esclarecendo que o interessado que pretenda recorrer à arbitragem pode exigir da Administração a celebração de um compromisso arbitral”.

 

41. Insista-se, em qualquer caso, que hic et nunc é clara a inexistência material de qualquer consentimento do TP a um compromisso arbitral (ainda que inválido).

Como tal, é patente que, por tal via, igualmente não ocorre qualquer atribuição de competência a este Tribunal Arbitral que lhe permita o conhecimento do objeto desta lide.

 

f) Sobre a alegada inconstitucionalidade da rejeição da atribuição in casu de competência aos tribunais arbitrais tributários

 

42. A solução de incompetência ratione materiae deste Tribunal Arbitral para julgar o presente litígio atinente à legalidade das liquidações de IEJO aqui sindicadas, em razão da interpretação dos arts. 2.º e 4.º do RJAT e 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é antecipadamente crismada de inconstitucional pela Requerente por, segundo alega, a inadmissibilidade de recurso aos tribunais arbitrais tributários quanto a tais atos tributários respeitantes ao IEJO constituir uma restrição discriminatória no direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva e atempada consagrada no art. 20.º da CRP, já que, como escreve nos arts. 64 a 69 da PI (cfr. igualmente o transcrito supra n.º 14) a “possibilidade de recurso a esta via judicial alternativa é tanto mais profícua e necessária quanto é gritante a diferença temporal entre os dois sistemas judiciais para a obtenção de uma decisão de mérito – alguns anos no caso dos tribunais tributários comuns vs. 6 meses (após a constituição do tribunal arbitral) no caso do recurso ao CAAD” e “o ato de liquidação do IEJO não pode ser sujeito a um tratamento fiscal, em sede de defesa dos direitos dos sujeitos passivos, diferente dos atos sujeitos ao IRC” pois “inexistem diferenças significativas nos dois impostos sobre o rendimento (recorde-se que o IEJO atua como um regime fiscal substitutivo face ao IRC) que justifiquem uma diferenciação (desigualdade) entre os sujeitos passivos de um e de outro e, consequentemente, fundamentem um decréscimo dos direitos das entidades exploradoras a ele (IEJO) sujeitas”. Esta mesma argumentação sobre o acesso efetivo e pleno a uma justiça célere e útil e às exigências do princípio da igualdade é renovada, nos arts. 84.º a 89.º da PI, para invocar que o TP deve vincular-se à jurisdição do CAAD por via de compromisso arbitral “a fim de permitir uma defesa completa (e igualitária) dos direitos dos sujeitos passivos do IEJO, em particular o acesso efetivo e pleno a uma justiça célere e útil”.

Não se julga que se defronte, com a solução de incompetência absoluta deste Tribunal, a disposição do art. 20.º da CRP, sobre acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e a que a causa seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil.

Isto pressupondo, claro está, o que é controvertido, que o art. 20.º da CRP, ao consagrar a garantia do direito de acesso aos tribunais não respeita unicamente ao direito de acesso a tribunais estaduais. Tanto mais que a Constituição da República Portuguesa se limita a dizer no artigo 209.º, n.º 2, que podem existir tribunais arbitrais, nada adiantando quanto ao seu âmbito e a natureza dos litígios que lhes cabe dirimir. Além da existência facultativa de tais tribunais, o legislador ordinário goza de lata margem de liberdade constitutiva na modelação concreta do âmbito e termos da justiça arbitral.  

 

43. Assim sendo, não cerceia o acesso à tutela jurisdicional efetiva porquanto a Requerente tem sempre ao seu dispor a jurisdição fiscal estadual, atribuída aos tribunais estaduais que são “órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” (art. 202.º, n.º 1 da CRP), não se podendo deixar de lembrar, não obstante a sua evidência, que, como ainda recentemente se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.1.2018, proc. n.º 0651/17, a propósito do art. 280.º, n.º 5 do CPPT, os tribunais arbitrais constituídos no seio do CAAD não são tribunais de igual grau nem, muito menos, de hierarquia superior aos tribunais estaduais da jurisdição administrativa e fiscal, cuja autonomia é constitucionalmente garantida no art. 212.º da CRP para “o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (n.º 3 do art. 212.º) e que têm o Supremo Tribunal Administrativo como “órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais” (n.º 1 do art. 212.º da CRP).

Como tal, a delimitação do âmbito da competência de tribunais não estaduais, como são os tribunais arbitrais (cfr. art. 209.º, n.º 2 da CRP), não afeta à partida a garantia do acesso ao direito e aos tribunais pelos particulares (pelo menos, nos casos de arbitragem que não seja necessária pela sua parte), porquanto podem sempre, para o exercício e defesa dos seus direitos e interesses, recorrer à jurisdição estadual.

Depois, como se concluiu do n.º 2 do art. 209.º da CRP, os termos do reconhecimento dos tribunais arbitrais estão sob uma ampla margem de conformação do legislador ordinário quanto ao seu âmbito e regime. Por isso, à partida, nada obsta ao modo como, nos termos dos arts. 2.º e 4.º do RJAT e dos arts. 1.º e 2.º da Portaria de Vinculação, o legislador admitiu a arbitragem tributária e possibilitou que organismos da Administração Tributária a ela se vinculassem. Refira-se que o Tribunal Constitucional entendeu, nos acórdãos n.ºs 230/13 e 781/13, que “a criação de tribunais arbitrais não pode deixar de se encontrar preordenada a outros princípios constitucionais e, de entre estes, à garantia de acesso aos tribunais e à garantia de reserva de jurisdição e que a submissão de litígios a uma jurisdição arbitral, como prevê o n.º 2 do artigo 209.º da CRP, não significa que o recurso a um tribunal estadual não seja ainda a principal via de acesso ao direito e que não possam ser estabelecidos, com base nessa reserva de jurisdição, certos limites à constituição de tribunais arbitrais”.

E, na verdade, é ao legislador, democraticamente legitimado, que cabe decidir do campo da intervenção dos tribunais arbitrais, tendo presente que estes, não obstante ainda e sempre tribunais (cfr., por exemplo, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 230/86 e 181/2007), “não são contudo tribunais iguais aos do Estado: não estão integrados na organização estadual (antes formam um sistema paralelo ou alternativo), o Estado não é responsável pelo seu funcionamento, os seus juízes não são juízes de carreira, nem estão sujeitos ao estatuto constitucional destes, além de não serem nomeados pelo Estado” (PEDRO COSTA GONÇALVES, “Administração Pública e arbitragem – em especial, o princípio legal da irrecorribilidade de sentenças arbitrais” cit., p. 780).

Por outro lado, no que concerne aos meios processuais disponíveis, recorde-se que, como escreve JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, “Jurisdição arbitral tributária e Kompetenz-kompetenz jurisdicional” in CJT, n.º 6 (Out/Dez 2014, p. 31): “prescreve este preceito [art. 268.º da Constituição], no seu n.º 4, que “[é] garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequada”, o que suscita a questão de saber se o contencioso jurisdicional tributário deve preencher tais exigências e, em caso afirmativo, se as preenche efetivamente, retirando-se, em caso negativo, as devidas consequências em termos de juízo de inconstitucionalidade. Desde já se adianta que nos parece que a resposta à primeira interrogação será negativa, o que logo prejudica a apreciação crítica da segunda. Com efeito, o legislador constituinte limita-se a ordenar que os administrados contribuintes disponham de um contencioso pleno, abrangente ou completo, em termos de beneficiarem de (i) meios impugnatórios de atos lesivos, (ii) meios de reconhecimento de posições jurídicas subjetivas ativas, (iii) meios que obriguem a administração a agir e (iv) um contencioso cautelar adequado. Mas não diz por que meios tal há de ser efetivado, e muito menos impõe que a jurisdição arbitral tributária o faça. Importa é que, no conjunto do arsenal processual ao seu dispor (convencional e arbitral), tais garantias sejam previstas e materializadas. O que acontece”.

Em suma, é manifesta a possibilidade de acesso pela Requerente à impugnação contenciosa dos atos sindicados, dispondo para tanto dos meios processuais apropriados e satisfatórios.

 

44. Julga-se, em consequência, que a disciplina jurídica da arbitragem tributária, ao não prever a sujeição aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos atos de liquidação do IEJO administrados pelo TP, não configura, por qualquer modo legitimamente atendível, um obstáculo ao acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, como previsto nos arts. 20.º e 268.º da CRP, não afetando os seus corolários do direito de ação, do direito ao processo perante os tribunais, do direito à decisão da causa pelos tribunais e do direito à execução da decisão dos tribunais. Nem tão pouco implica qualquer discriminação ou violação do princípio da igualdade, nos termos colocados pela Requerente.  

 

g) Conclusão

 

45. Por todos estes motivos, em atenção ao disposto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º do RJAT e nos arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, verifica-se a incompetência, em razão da matéria, deste Tribunal Arbitral, o que implica uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento dos demais pressupostos processuais e do mérito da causa e determina a absolvição da instância das Requeridas, conforme disposto no art. 16.º do CPPT, aplicável ex vi al. c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT e nos arts. 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT. 

 

VI. Decisão

 

Termos em que se decide, em conformidade com o disposto no art. 16.º do CPPT e dos arts. 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, em declarar a incompetência absoluta deste Tribunal em razão da matéria e, em consequência, em absolver desta instância arbitral as entidades Requeridas Autoridade Tributária e Aduaneira e Instituto de Turismo de Portugal, IP.

 

VII. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, aplicáveis por força das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de €6.675.172,18 (seis milhões, seiscentos e setenta e cinco mil cento e setenta e dois euros e dezoito cêntimos).

 

VIII. Custas

 

Custas a cargo da Requerente, nos termos do artigo 5.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, não cabendo proceder, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, à fixação do respetivo montante.

 

 

 Notifique-se.

 

 

Lisboa, 10 de abril de 2018.

 

Os Árbitros

 

 

Fernanda Maçãs

(Presidente)

 

 

 

 

Clotilde Celorico Palma

 

 

 

 

João Menezes Leitão

(Relator)

 

 

 



[1] Adota-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, a grafia constante das citações efetuadas.