Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 306/2017-T
Data da decisão: 2018-03-14  IRC  
Valor do pedido: € 107.692,22
Tema: IRC - Custos fiscais - Liquidações correctivas - Ónus da prova.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros José Baeta de Queiroz (Árbitro Presidente), Sofia Ricardo Borges e Sara Barros, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14.07.2017, decidem como segue:

 

1. Relatório

 

A…, S. A., com sede na Rua …, …, …-… …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … e pessoa coletiva número …, requereu a constituição do Tribunal Arbitral para declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial de actos de liquidação de IRC, consubstanciados pelas liquidações n.ºs 2016… e 2016…, subsequentes a acção inspectiva interna com origem nas OI n.º OI2010… e OI2016… e referentes, respectivamente, aos exercícios de 2013 e 2014.

 

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à AT a 16.05.2017.

 

Foram designados pelo Conselho Deontológico como árbitros deste Tribunal colectivo os árbitros signatários - cfr. artigos 6.º, n.º 2 al. a) e 11.º, n.º 1 al. b) do RJAT. Após aceitação pelos mesmos do encargo, as partes foram devidamente notificadas em 29.06.2016 e não manifestaram vontade de recusar a designação dos mesmos, cfr. artigo 11.º, n.º 1 al.s a) e b) do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído em 14.07.2017 - cfr. artigo 11.º, n.º 1 al. c) do RJAT.

 

A AT, na sua resposta, pugnou pela improcedência do pedido.

 

Por despacho de 02.10.2017 a Requerente foi notificada para indicar os factos que pretendia provar testemunhalmente, o que fez, no prazo indicado para o efeito.

 

Por despacho de 17.10.2017 foi agendada reunião ao abrigo do artigo 18.º do RJAT para o dia 07.11.2017. A AT veio solicitar alteração da data. Por despacho do Tribunal de 23.10.2017 foi agendada nova data para o efeito, a saber 28.11.2017. Veio depois a Requerente, por sua vez, solicitar o reagendamento da reunião e por despacho de 10.11.2017 o Tribunal agendou definitivamente a mesma para 05.12.2017.

 

Na referida data de 05.12.2017, com início pelas 10 horas, teve lugar a reunião para inquirição das testemunhas, todas arroladas pela Requerente, da mesma reunião tendo sido lavrada a acta constante do processo.

 

No final da reunião e a requerimento dos representantes da Requerida AT, o Tribunal notificou as partes para apresentarem alegações escritas em 10 dias, primeiro a Requerente e depois a Requerida. Mais determinou o Tribunal prorrogar o prazo do artigoº 21.º, n.º 1 do RJAT, nos termos do respectivo n.º 2, por dois meses.

 

As partes apresentaram as alegações escritas.

2. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

O processo não enferma de nulidades e não há nulidades, excepções ou questões prévias que importe apreciar antes de decidir de mérito.

 

3. Matéria de Facto

 

3.1. Factos provados:

 

a) A Requerente tem por objecto social “Empreendimentos imobiliários, compra e venda de imóveis, locação e gestão de propriedades ou direitos imobiliários, urbanização e loteamento de terrenos, bem como a construção de prédios urbanos próprios ou alheios.”

 

b) A Requerente foi alvo de acções inspectivas externas (OIs nºs. OI2010… e OI2016… referentes, respectivamente, aos exercícios de 2013 e 2014) as quais tiveram por base uma informação da Área de Justiça Tributária – Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, para averiguação de eventual prática do crime de frustração de créditos pela Requerente em conjunto com a empresa relacionada B…, S.A., nif … .

 

c) As acções inspectivas incidiram sobre os exercícios de 2013 e 2014, tendo âmbito parcial, em IRC e em IVA relativamente a 2013 e em IRC relativamente a 2014.

 

d) Em resultado das acções inspectivas foram efectuadas liquidações correctivas pela AT.

 

e) Em 03.10.2016 a Requerente foi notificada do projeto de relatório com referência aos anos de 2013 e 2014.

 

f) A Requerente exerceu direito de audição por defesa escrita que enviou por carta registada de 28.10.2016.

 

g) No âmbito do direito de audição da Requerente foram ouvidas pela AT as testemunhas por si indicadas.

 

h) A 23.11.2016 a Requerente foi notificada do relatório de inspecção (RIT), cuja cópia consta do Processo Administrativo (PA), cujo teor se dá como reproduzido, e do qual (RIT) consta, entre o mais, o seguinte:

 

 

 

 

 

(...)

 

(...)

 

(...)

 

(...)

 

 (...)

 

 

 

 

 

 

 

 

(…)

 

 

(…)

 

 

 

 

 

 

 

(…)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

i) O RIT contém, na parte final, as razões que determinaram a decisão da AT de não alterar o projecto de RIT em face do exercício do direito de audição ocorrido (pp. 76-80 do PA).

 

j) A Requerente foi notificada de duas liquidações adicionais em 06.12.2016, como segue:

- uma liquidação relativa a IRC do ano de 2013 e juros compensatórios, com prazo para pagamento até 01.02.2017, no valor de € 43.971,60 (sendo € 3.919,60 juros compensatórios), e

- uma liquidação relativa a IRC do ano de 2014 e juros compensatórios, com prazo para pagamento até 02.02.2017, no valor de € 63.724,62 (sendo € 3.485,25 juros compensatórios).

 

k) O Administrador da empresa B… é, à presente data, ex-marido da Administradora da Requerente.

 

l) C…, agente comercial têxtil de profissão e amiga da Administradora da Requerente, recebeu um voucher para uma estadia de uma semana em Agosto de 2013 no Algarve, que por sua vez a ofereceu a outra pessoa sua amiga.

 

m) Relativamente à oferta de uma estadia, C… (cujo nome não coincide com o constante do voucher) não contava com a mesma, que foi para si uma surpresa, pois não mantém com a Requerente qualquer vínculo que na sua opinião a justificasse.

 

n) As facturas de Novembro de 2013 contabilizadas pela Requerente como custos fiscais correspondem a despesas com artigos de vestuário e calçado.

 

o) A factura de 31.12.2013 emitida pela D…, Lda. à Requerente, no valor de € 100.000,00 acrescido de IVA, reporta-se a obras na fábrica da … .

 

p) As obras na propriedade da Requerente fábrica da … foram realizadas no final do ano de 2013 e destinaram-se a limpeza, conservação e manutenção.

 

q) Entre a Requerente e a D… foi celebrado um contrato de empreitada no dia 14 de Outubro de 2013, que aqui se dá por reproduzido, nos termos do qual, entre o mais, “(...) a primeira pretende proceder a obras de conservação e manutenção da fábrica da … (…)” e “(...) o prazo de execução dos trabalhos previstos (…) é de 75 dias a contar da data da respectiva outorga.”; Pelos trabalhos que constituem objecto do contrato a 1.ª outorgante pagará à 2.ª outorgante a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), acrescendo o IVA à taxa em vigor.”; “Para efeitos de pagamento dos seus trabalhos a 2.ª outorgante emitirá um auto final de medição dos trabalhos executados, que remeterá à 1.ª para sua validação.”; “(...) o prazo de garantia dos trabalhos executados é de dois anos, a contar da data da recepção pela 1.ª outorgante, do auto de medição a que é feita referência na cláusula anterior.”

 

r) Do auto de medição consta: remete-se para o trecho do RIT supra onde se transcreve o teor do auto (v. pp. 7 -8 desta Decisão), sem quaisquer valores parciais atribuídos.

 

s) O Dono da Obra (a Requerente) não tinha nada quantificado e assim sendo foi atribuído um valor global à mesma.

 

t) Na mesma fábrica da … foram efectuadas novas obras em 2014.

 

u) As obras realizadas na fábrica da … em 2014 foram de maior profundidade, consistiram numa intervenção mais apurada, que as realizadas em 2013.

 

v) Com referência às obras de 2014 na fábrica da … foi emitida uma factura no valor global de € 175.000,00, acrescidos de IVA, sem descriminação de trabalhos, constando da mesma, para além do preço: “Obras de reparação nas vossas fracções descriminadas no Auto Anexo”, “Trabalhos realizados em Dezembro de 2014” - Factura N.º 15, Data: 2015-03-26 (doc. 11 junto pela Requerente).  Esta factura é relativa a trabalhos realizados em três obras.

 

x) A descrição constante do “Auto Anexo” das obras de 2014 na fábrica … é a  supra já transcrita (v. p. 8 desta Decisão).

 

y) No mesmo “Auto” é atribuído o valor de € 103.000,00 (antes de IVA) à obra de 2014 na fábrica ….

 

z) Nos termos do “Auto anexo” à “Factura N.º 15, Data: 2015-03-26” o valor total de € 175.000,00 (mais IVA) incluía também duas outras intervenções:  em (i) Prédio em …, …, à qual no Auto se atribui o valor de € 60.000,00 (antes de IVA) e (ii)  Fracção N em …,  à qual no Auto se atribui o valor de € 12.000,00 (antes de IVA).

 

aa) Com data de 29.10.2014 foi celebrado entre a Requerente e a D…“Contrato de empreitada para a execução de obras de manutenção e conservação” (doravante “Contrato”), no qual se acordam as condições destas três obras (doc. 12 junto pela Requerente), que tem um anexo intitulado “Trabalhos de reparação e manutenção nas Fracções ...” no qual é feita a descrição já transcrita (v. p. 7-8 desta Decisão), sem atribuição de valores.

 

bb) No “Auto de Medição” a este respeito junto pela Requerente como doc. 32, com data de 31.12.2014 constam, a par da mesma descrição de trabalhos que consta do Anexo ao Contrato, valores atribuídos a cada uma das três intervenções, conforme supra e como também já antes transcrito (v. p. 7 desta Decisão, terceiro parágrafo): …, € 60.000,00, …, € 12.000,00, fábrica de …, € 103.000,00 (valores sem IVA).

 

cc) No âmbito dos trabalhos prestados pela D… ao abrigo do Contrato, e com referência à intervenção no prédio de …-…, foram juntas pela Requerente várias facturas de outros fornecedores.

 

dd) Entre elas, uma factura emitida pela E… Lda. directamente à Requerente, com data de 31.12.2013 e data de vencimento de 01.01.2014, junta pela Requerente como doc.18, no valor de € 7.893,14 (IVA incluído), referente a materiais.

 

ee) Foram emitidas também à Requerente outras facturas pela E… Lda., também todas com data de 31.12.2013 e data de vencimento de 01.01.2014, juntas pela Requerente como doc.s 33, 34 e 37, respectivamente nos valores de € 12.356,08, € 2.526,42 e € 5.206,32 (IVA incluído), referentes a materiais.

 

ff) Relativamente às facturas da E…, a conta corrente deste fornecedor apresentava a 31.12.2014 um saldo credor no montante de € 27.981,96.

 

gg) A E… é fornecedora da B… .

 

hh) O prédio de …, …, é uma moradia que havia sido construída pela B…, com ano de inscrição na matriz 2010, Mod. 1 do IMI apresentado em Julho de 2008, destinada a habitação.

 

ii) O prédio de … é a casa de residência da Administradora da Requerente.

 

jj) A Fracção N, …, é uma fracção propriedade da Requerente, destinada a comércio, com área de 24,55 m2, ano de inscrição na matriz 2004 (doc. 23 junto pela Requerente).

 

kk) As facturas reportadas às obras na fábrica de …, descritas como obras de conservação e manutenção do final de 2013 e do final de 2014, ascendem ao montante total de € 249.690,00 (IVA incluído).

 

ll) No referido montante total de € 249.690,00 (IVA incluído) o valor referente a materiais de construção/equipamentos é proporcionalmente diminuto.

 

mm) À data das acções inspectivas as Facturas emitidas pela D… à Requerente continuavam pendentes de pagamento, mais de dois anos decorridos da respectiva emissão.

 

nn) Tendo em conta as dúvidas suscitadas no RIT a Requerente solicitou à D… a entrega de mais elementos que pudessem comprovar que as facturas correspondiam a serviços efectivamente prestados.

 

oo) A D… facultou cópia:

•             Do seu mapa de controlo interno da evolução da obra, do qual consta a obra em causa, as datas e os trabalhos que foram executados nessas datas (Docs. 5, 13, 20, 24, juntos pela Requerente).

a)            Dos seus mapas de Controlo Mensal dos Trabalhadores, dos quais constam a obra em causa, a empresa prestadora dos serviços, os trabalhadores afetos à obra e a correspondente categoria profissional, os dias do mês em causa, a indicação se o trabalhador esteve presente todo o dia ou apenas uma parte do dia, e as assinaturas dos trabalhadores (Doc. 7, 8, 9, 14, 15, 21, 22, 25, 26, juntos pela Requerente).

 

b)           Das Guias de transporte de 2014, relativas a comprovativos de transportes que foram realizados entre o local da obra e o estaleiro da Fabrica da … (Docs. 27 a 31, juntos pela Requerente). São comprovativos do transporte de resíduos (resíduos e mistura de metais), suportes elétricos c/ lâmpadas, chapas de vedação, carrinhos, caixa com diverso material).

 

pp) À presente data a fábrica da … continua na titularidade da Requerente.

 

qq) Para além das guias de transporte mencionadas em oo), inexistem outras guias de transporte dos aludidos materiais.

 

 

3.2. Factos não provados

 

Com relevo para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos.

 

A) A factura de Agosto de 2013 referente a estadia no Algarve constituiu um custo que a Requerente teve que suportar como contrapartida da indicação de imóveis para aquisição.

 

B) As facturas de Novembro de 2013 correspondem a artigos para oferta a Clientes e traduzem custos indispensáveis à obtenção dos proveitos da requerente.

 

C) O material descriminado nas facturas emitidas à Requerente pela E… Lda., datadas de 31.12.2013 e com data de vencimento de 01.01.2014, foi efectivamente adquirido pela Requerente tratando-se de um investimento para utilização futura.

 

D) As facturas emitidas pela Lousaqua à Requerente correspondem a operações reais.

 

E) O valor de € 249.690,00 (IVA incluído) constante das duas facturas referentes a obras na fábrica de …, descritas como obras de conservação e manutenção realizadas em 2013 e 2014,  correspondem à realidade.

 

F) A Requerente tinha necessidade urgente de realizar obras na fábrica da … no fim de 2013 e pretendia proceder à sua venda.

 

G) Os valores constantes da factura nº 15 de 26.03.2015 referentes às obras no Prédio em …, … (€ 73.800,00, IVA incluído) e na Fracção N, …  (€ 14.760,00, IVA incluído) correspondem à realidade.

 

G) É prática nos autos de medição no sector de actividade da Requerente não haver qualquer descriminação de valor por serviço efectuado.

 

 

3.3. Fundamentação da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseou-se nos documentos juntos aos autos, que se dão por reproduzidos, não tendo havido impugnação de qualquer deles por nenhuma das partes, nas declarações das partes nos articulados e na prova testemunhal produzida criticamente apreciada pelo Tribunal.

 

 

4. Matéria de Direito

 

Questões a decidir

Defende a Requerente que os actos impugnados enfermam de violação do direito de audição, vício de falta de fundamentação e violação de lei por erro nos pressupostos de facto, já que os gastos não aceites fiscalmente o deviam ter sido.

Abordaremos em separado cada um destes pontos.

 

 

 

4.1.Violação do direito de audição

 

Alega a Requerente que os factos por si invocados aquando do exercício de audição prévia, após elaboração do projecto de relatório da inspecção a que foi submetida, não foram contraditados, limitando-se a AT a contestá-los, sem que os tenha incluído na análise das questões (…) em causa na inspecção, não reflectindo as conclusões finais a “realidade desses mesmos factos”.

Assim teria sido desrespeitado o artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT).

Vejamos:

A audição prévia dos interessados consubstancia uma forma do seu direito de participação nas decisões que lhes digam respeito, direito esse que é outorgado pelo artigo 26.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP), e que foi concretizado pelo legislador ordinário em vários diplomas, entre eles, e além da LGT, o Código de Procedimento Administrativo (CPA) e o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Não se trata de um mero direito formal, que se satisfaça com dar a palavra ao interessado, porém, abstraindo das razões que ele aduza a seu favor.

Mas também não é exigível que a Administração tome cada um dos argumentos e razões, sejam eles de facto ou de direito, alegados pelo interessado, e os rebata ponto por ponto. Nem tal seria exequível, podendo mesmo servir de instrumento paralisador da actividade administrativa, nem desse modo se alargaria a garantia do interessado.

O que importa é que ele seja ouvido e que aquilo que de útil traga aquando do exercício do seu direito de audição seja ponderado, e não ignorado, pela entidade a quem cabe decidir.

Por isso o n.º 7 do citado artigo 60.º da LGT dispõe que “os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.

Ou seja, e a contrario, se, aquando do exercício do direito de audição, não forem carreados elementos novos, a entidade decisora não está obrigada a ter em conta, ao fundamentar a decisão, os elementos “velhos” aduzidos pelo contribuinte, pois tais elementos já estavam antes atendidos.

No caso, fora efectuada uma inspecção à Requerente e a AT retirara dela conclusões fundamentadas, adiantando uma decisão provisória, precisamente porque dependente ainda da participação do contribuinte.

Só se ele viesse com elementos novos a AT teria que se lhes referir na fundamentação da decisão.

Todavia, a Requerente não aponta os elementos novos que levou ao processo inspectivo e que a AT estaria obrigada a atender. Limita-se a dizer, sem concretizar, que alegou “matéria  relevante e importante” que foi afastada só após terem sido retiradas conclusões – o que não poderia deixar de ser pois, como se disse, da natureza do procedimento resulta que já então forçosamente havia conclusões fundamentadoras de uma projectada decisão.

De resto, é a mesma Requerente a conceder, expressamente, que o relatório final da inspecção acrescentou “um ponto relativo ao direito de audição, no qual foram criticados os factos e as alegações da Inspecionada carreados para os autos no exercício do referido direito” (sublinhado nosso).

Por outras palavras, os elementos que a Requerente trouxe ao procedimento não foram ignorados, antes foram ponderados e criticados, ainda que não tenham levado a uma decisão diversa da projectada.

 

 

4.2. Vício de falta de fundamentação

 

Este alegado vício resultaria do facto de a AT, para desconsiderar a relevância fiscal de gastos relativos a deslocações (voucher em nome de F… relativo ao uso de apartamento entre 1 e 8 de Agosto de 2013) ter concluído que se tratava de uma viagem de férias, atendendo ao período e local da estadia e sua beneficiária; e de, ao recusar a aceitação como custo fiscal da aquisição de artigos de vestuário e calçado, ter concluído, atendendo ao tipo de bens em causa, que se não destinaram a ofertas, mas a fruição pelos administradores ou familiares.

Invoca-se que o carácter conclusivo destas asserções e o facto de a inspecção não ter procurado esclarecimentos impedem que a Requerente conheça o raciocínio que levou a AT a agir como agiu.

Acusa a Requerente a violação dos artigos 268.º da CRP, 151.º do CPA e 77.º da LGT.

Sobre as exigências de fundamentação dos actos administrativos são vastas e bem conhecidas a doutrina e a jurisprudência, que não apresentam dissonância significativa. Não se justifica, por isso, que nos alarguemos no tratamento desta questão a partir do texto constitucional e das concretizações da lei ordinária e sua interpretação. Bastará dizer, de forma conclusiva, que a fundamentação é suficiente quando permita a um destinatário normal (o bonus pater familiae) entender as razões que conduzem à prática do acto com um sentido e não com outro, de modo a possibilitar-lhe contrapor as suas razões, opondo-se ao acto ou, aceitando os seus fundamentos, acatá-lo. Visto de outro prisma, haverá falta de fundamentação, insuficiência ou obscuridade, tanto vale, quando não forem externadas de modo atingível as razões que conduziram à decisão.

Importa dizer, por último, que o vício atinente à fundamentação tem natureza formal e não substancial, ou seja, irreleva que a fundamentação expressa esteja em desacordo com a situação de facto ou com a lei aplicável – isso acontecendo, está-se perante um vício substancial e não formal, por erro nos pressupostos de facto ou de direito. Haverá nesse caso fundamentação, esclarecedora das razões da prática do acto, mas errónea.

 

Posto isto, logo se vê que, no nosso caso, a AT explicitou claramente as razões por que não considerou custos fiscalmente relevantes os gastos relativos a deslocações - voucher em nome de F… relativo ao uso de apartamento entre 1 e 8 de Agosto de 2013 em Albufeira, no Algarve – foi por entender que, considerando o período temporal, o local, e a beneficiária do voucher, se tratava de uma viagem de férias.

E, ao recusar a aceitação como custo fiscal da aquisição de artigos de vestuário e calçado, a AT fundamentou dizendo que, atendendo ao tipo de bens em causa, não se destinaram a ofertas, mas a fruição pelos administradores ou familiares.

De um ponto de vista legal, a AT indicou como fundamento o artigo 23.º do CIRC.

O facto, pela Requerente invocado, de as afirmações contidas no relatório de inspecção serem conclusivas, e de a AT não ter procurado esclarecimentos, não afasta o que já se afirmou, que existe fundamentação, que ela é clara, congruente, e bastante para ser capaz de transmitir ao destinatário as razões da não consideração dos referidos gastos como custos fiscalmente relevantes.

De resto, é disso evidência o modo como a Requerente alega sobre este vício, demonstrando que bem entendeu a motivação da AT, mas que discorda dela, por entender que a fundamentação expressa se não estriba numa investigação bastante e que os gastos em questão deviam ser fiscalmente atendidos.

 

 

4.3. Violação de lei por erro nos pressupostos de facto

 

Defende a Requerente, em súmula:

- que as facturas emitidas pela D…, constantes da sua contabilidade e relativas a obras na fábrica da …, no prédio em…, e na fracção N em…, correspondem a fornecimentos de bens e serviços efectivamente prestados, não sendo forjadas, ao contrário do entendimento da AT;

- que as facturas emitidas pela E…, constantes da sua contabilidade e relativas a fornecimento de materiais de construção, correspondem a efectivos fornecimentos desses materiais, mantidos em estaleiro e posteriormente usados na modernização da fracção N sita em … e no prédio situado em … e a outro imóvel, não sendo forjadas, ao contrário do entendimento da AT.

A este propósito, importa perceber que o labor dos tribunais nos feitos que lhes são submetidos consiste, em primeiro lugar, no estabelecimento dos factos alegados ou de conhecimento oficioso que, na convicção do tribunal, assente no juízo crítico das provas carreadas pelas partes ou recolhidas por iniciativa do próprio tribunal, nos casos em que a lei o permite, se acham demonstrados.

Num segundo momento o tribunal toma esses factos, identifica o direito que lhes é aplicável, interpreta-o, e aplica-o, extraindo a decisão.

Quando, como aqui, se trata de sindicar a legalidade de um acto praticado pela Administração, o tribunal confere a sua actuação com o seu próprio juízo e declara ou não a ilegalidade do acto, anulando-o ou deixando-o em vigor.

 

Ora, no caso vertente, e naquele primeiro momento, em que se trata de fixar os factos pertinentes, este tribunal emitiu um juízo mediante o qual julgou provados determinados factos, atrás enunciados, e declarou expressamente que não considerava provados outros, também tidos por relevantes.

 

Relembra-se agora o que se considerou não provado:

- que a factura referente a estadia no Algarve constituiu um custo que a Requerente teve que suportar como contrapartida da indicação de imóveis para aquisição;

- que as facturas de Novembro de 2013 correspondem a artigos para oferta a clientes e traduzem custos indispensáveis à obtenção dos proveitos da requerente;

- que o material descriminado nas facturas emitidas à Requerente pela E… Lda., datadas de 31.12.2013 e com data de vencimento de 01.01.2014, foi efectivamente adquirido pela Requerente tratando-se de um investimento para utilização futura;

- que as facturas emitidas pela E… à Requerente correspondem a operações reais;

- que os valores constantes das facturas referentes a obras na fábrica de … correspondem à realidade;

- que a Requerente tinha necessidade urgente de realizar obras na fábrica da … no fim de 2013 e pretendia proceder à sua venda.

- que é prática nos autos de medição no sector de actividade da Requerente não haver qualquer descriminação de valor por serviço efectuado.

 

Perante este juízo sobre a matéria de facto, e da conjugação criteriosa entre factos provados e não provados, fácil é concluir pela impossibilidade de o tribunal aderir ao entendimento da Requerente, que pretende que as facturas emitidas em seu nome correspondem a operações reais, realizadas no âmbito da sua actividade ou em prol dela.

 

Diga-se, por último, que tendo a AT alicerçado a sua actuação em pressupostos fácticos válidos, apontando, por um lado, as razões por que não considera custos fiscais os aludidos gastos e, por outro, afastando a presunção de veracidade constante do art.º 75.º, n.º 1 da LGT alegando e provando factos demonstrativos ou fortemente indiciadores de que a contabilidade e ou as declarações do sujeito passivo não são merecedoras daquela presunção, incumbia à Requerente demonstrar que, ao invés, os gastos efectuados com as aquisições de uma estadia de férias, vestuário e calçado, em 2013 - indiciária e claramente fora do escopo social, alheios aos evidentemente necessários para suportar a actividade de empreendimentos imobiliários, compra e venda de imóveis, locação e gestão de propriedades ou direitos imobiliários, urbanização e loteamento de terrenos, bem como a construção de prédios urbanos próprios ou alheios - tinham sido incorridos no âmbito da sua actividade, feitos no interesse da empresa, sendo indispensáveis para obter os seus rendimentos sociais ou para a manutenção da sua fonte produtora.

E que os gastos contabilizados respeitantes a aquisição de materiais de construção e obras em imóveis haviam sido, realmente, feitos, correspondendo a obras efectuadas em imóveis da sociedade e a materiais nelas aplicados ou mantidos em stock para futuras intervenções.

 

Ora, enquanto que a AT satisfez o ónus probatório que lhe incumbia, já o mesmo não aconteceu com a Requerente, que não provou, nem a indispensabilidade dos custos questionados, nem a realidade das operações que foi fundamentadamente posta em causa. Ou seja, quanto aos factos que o tribunal deu como não provados, ainda que não tenha dado como provados os de sinal contrário, a incerteza prejudica quem estava onerado pelo ónus da prova, ou seja, a Requerente, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.

 

Assim, analisados todos os fundamentos da impugnação da Requerente, e não constatada a existência de nenhum dos vícios que imputa ao acto de liquidação questionado, não há que anular esse acto, improcedendo o pedido.

 

5. Decisão

 

Nos termos e pelas razões expostas, não se reconhecendo nos actos impugnados qualquer dos vícios formais ou substanciais que a Requerente lhes assaca, julga-se improcedente o seu pedido, mantendo-se os referidos actos.

 

6. Valor do processo

 

Nos termos do disposto nos artigos 3º nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) e 97º-A do CPPT fixa-se o valor do processo em € 107.692,22

 

7. Custas

 

As custas computam-se em € 3.060,00, de acordo com o artigo 4º nºs. 1 e 4 do RCPAT, e serão suportadas pela Requerente, face ao seu total decaimento.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 14 de Março de 2018

Os Árbitros

 

 

José Baeta de Queiroz

 

 

Sofia Ricardo Borges

 

 

Sara Barros