Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 454/2017-T
Data da decisão: 2018-04-02  IVA  
Valor do pedido: € 61.499,78
Tema: IVA – Ginásios - Serviços de nutrição - “Pacotes” de serviços. Recurso de revisão de decisão arbitral. Instância internacional de recurso.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Adelaide Moura e António Pragal Colaço, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 28 de Julho de 2017, A…, UNIP. LDA., NIPC …, com sede na Rua de …, …-… …– …  apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto tributário consubstanciado nas liquidações adicionais de IVA n.ºs 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017… e 2017…, no valor de €59.752,10 e nas demonstrações de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017… e  2017…, no valor de €1.777,68.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

 

  1. vício de falta de fundamentação do relatório de inspecção que conduz à ilegalidade dos actos de liquidação com fundamento no artigo 268º, n.º3 da Constituição da República Portuguesa, artigo 77º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e artigo 153º, n.º1 do CPA ex vi artigo 2º da LGT;
  2. violação do princípio da legalidade, da tipicidade e da taxatividade pelo facto dos fundamentos apresentados no relatório de inspecção fazerem uma interpretação extensiva da lei;
  3. Ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e respectiva liquidação de juros compensatórios, por erro na qualificação dos rendimentos na interpretação do artigo 9º, n.º1 do Código do IVA.

 

  1. No dia 31-07-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 28-09-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 19-10-2017.

 

  1. No dia 23-11-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. No dia 11-12-2017, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente / Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da Requerida.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é, e era em 2015 e 2016, uma sociedade unipessoal por quotas, dedicada à prestação de serviços relacionados com o desporto e registada para o exercício das seguintes actividades: CAE principal – 93139 - atividades de ginásio (fitness) e vários CAE SECUNDÁRIO 93293 – organização de actividades de animação turística, CAE 93192 – outras actividades desportivas, N.E, CAE 93294 – outras actividades de diversão e recreativas, N.E. e CAE 86906 – outras actividades de saúde humana, N.E. (esta última desde 18-01-2017).
  2. A Requerente está, e estava em 2015 e 2016, enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável e no regime normal de IVA com periodicidade trimestral.
  3. A Requerente dedica-se, e dedicava-se em 2015 e 2016, à prestação de serviços relacionados com o desporto, disponibilizando aos seus clientes um espaço para a prática desportiva, composto por várias máquinas cardiovasculares e de musculação, estúdios, uma zona de piscina para a prática da natação e de hidroginástica, uma área com jacuzzi, saunas, banho turco, bem como um espaço dedicado a serviços não desportivos como centro de estética, gabinetes médicos, zonas de relaxamento, solários, bar/restaurante, babysitting e estacionamento privado.
  4. Para frequência do estabelecimento da Requerente, os clientes tornavam-se sócios do mesmo, mediante a assinatura de um contrato de adesão, pagamento de inscrição e suportavam uma mensalidade, paga de forma antecipada, por débito directo em conta ou multibanco, cujo valor dependia do número de frequências semanais, dos serviços adquiridos, e, se possuía, ou não, fidelização.
  5. Os serviços/tarifários praticados pela Requerente em 2015 e 2016 eram os seguintes:
  • CARTÃO … GOLD, valor, €60,00 incluindo os seguintes serviços: Cárdio – Musculação; Aulas Fitness; Hidroginástica; Banho Turco + Sauna +Jacuzzi; Acomp. Nutricional; Avaliação Física + Plano de Treino Contínuos; Toalha + Roupão p/acesso; Cacifo Pessoal; Parque Privado;
  • CARTÃO … VIP, valor €50,00, incluindo os seguintes serviços: Cárdio – Musculação; Aulas Fitness; Hidroginástica; Banho Turco + Sauna + Jacuzzi; Acomp. Nutricional; Avaliação Física + Plano de Treino Contínuos; Toalha p/acesso;
  • CARTÃO … WELLNESS, valor €40,00, incluindo os seguintes serviços: Banhos livres; Hidroginástica; Banho Turco + Sauna + Jacuzzi; Acomp. Nutricional; Anamnesese Contínua; Toalha p/ acesso;
  • CARTÃO A…, valor €35,00 incluindo os seguintes serviços: Cárdio – Musculação; Aulas Fitness; Banho Turco + Sauna + Jacuzzi; Acomp. Nutricional; 1.ª Avaliação Física + Plano de Treino; Toalha p/acesso;
  • CARTÃO OF PEAK, valor €25,00 incluindo os seguintes serviços: Cárdio – Musculação; Aulas Fitness; Banho Turco + Sauna; 1.ª consulta Nutricional; 1.º Avaliação Física + Plano de Treino
  • CARTÃO … OPCIONAL LIVRE, valor €35,00 incluindo os seguintes serviços: Cárdio – Musculação; Aulas Fitness; Hidroginástica; Banho Turco + Sauna + ;1.º consulta Nutricional; 1.ª Avaliação Física + Plano de Treino; Anamnesese; Toalha
  • CARTÃO ... WELLNESS, valor €25,00 incluindo os seguintes serviços: Banhos livres; Hidroginástica; Banho Turco + Sauna + Jacuzzi; 1.ª consulta Nutricional; Anamnesese;
  • CARTÃO OPCIONAL …, valor €25,00 incluindo os seguintes serviços: Cárdio – Musculação; Aulas Fitness; Banho Turco + Sauna; 1.ª consulta Nutricional; 1.º Avaliação Física + Plano de Treino;
  1. Estes valores eram praticados para os sócios que optassem por um contracto de fidelização de 12 meses.
  2. Quando o sócio optava por um contracto de mera adesão, acresciam aos tarifários livres o montante de €10,00 e aos tarifários de duas vezes por semana o montante de €5,00, conforme mostra o quadro seguinte:

 

 

  1. Os clientes que contratualizavam os cartões “…Gold”, “…Vip”, “…Welness” e “…”, beneficiavam da possibilidade de terem acompanhamento nutricional, tendo direito a uma consulta por mês.
  2. A maior parte dos clientes da Requerente – aproximadamente 600, correspondentes a cerca de 60% da sua clientela – subscreveu um dos referidos planos.
  3. Cabia ao cliente, mediante os serviços colocados à sua disposição, decidir que tarifário mais se adequava a si, e se usava todos, ou parte, dos serviços que a Requerente colocava à sua disposição.
  4. O cliente podia usufruir apenas da componente de ginásio, sem a consulta de nutrição.
  5. Do mesmo modo, o cliente podia contractar serviços de nutrição não incluídos na sua subscrição, sendo tais serviços pagos à parte, directamente à Requerente, por um valor de €20,00 ou €25,00 por consulta, consoante o cliente fosse “sócio”, ou não, do estabelecimento da Requerente.
  6. No período ora em causa, foram contratadas à Requerente, pelo menos, 148 consultas de nutrição avulsas.
  7. Nos planos em que não era incluído acompanhamento nutricional, a Requerente oferecia aos seus clientes uma consulta de nutrição gratuita.
  8. Na facturação relativa a esses planos (que não incluíam acompanhamento nutricional), a Requerente não discriminou quaisquer serviços de nutrição, e liquidou IVA sobre a totalidade do valor da mensalidade, incluindo na relativa ao mês em que a consulta foi utilizada.
  9. Nos anos em análise, a Requerente não possuía nos seus quadros, qualquer nutricionista como trabalhadora dependente e, por isso, subcontratou a empresa “B…, Lda.”, mediante a celebração de um contrato de prestação de serviços, em 20-04-2015, pelo qual a “B…, Lda” se comprometeu a assegurar o serviço de nutrição através de consultas individuais e  com profissional especializado, a todos os sócios que tenham no seu plano direito a este serviço.
  10. Nos termos desse contrato, a Requerente obrigou-se a pagar uma avença mensal no montante de €300,00, independentemente do volume de clientes.
  11. Durante os anos de 2015 e 2016, todas as consultas de nutrição foram prestadas pela nutricionista C… que pertencia ao quadro de pessoal da empresa “B…, Lda”.
  12. A referida C…, nos períodos em questão, auferia, ao serviço da sua entidade empregadora, um salário mensal de cerca de €750,00, compreendendo um horário semanal de 40 horas, onde se incluíam as horas em que prestava serviços nas instalações da Requerente.
  13. A referida sociedade “B… Lda”, nos exercícios ora em causa, cobrava um valor de €30.00 por cada consulta de nutrição com C…, nas suas instalações.
  14. O horário disponibilizado pela Requerente para consultas de nutrição, nas suas instalações, aos seus clientes, nos exercícios ora em causa, consistiu em duas tardes por semana, das 14.00 às 21.00 horas, e dois sábados por mês, das 09.00 às 14.00 horas.
  15. Em média, foram realizadas duas consultas em cada hora disponibilizada para o efeito.
  16. Na contabilidade da Requerente, encontram-se reconhecidos pagamentos nos montantes de €2.100 e €3.600 à empresa “B…, Lda”, relativamente ao ano de 2015 e 2016, respectivamente.
  17. As consultas de nutrição eram realizadas presencialmente com o cliente, embora alguns esclarecimentos fossem ocasionalmente dados telefonicamente e os planos de nutrição pudessem ser enviados por e-mail.
  18. As prestações de serviços de nutrição realizadas pela Requerente, foram directamente facturadas ao cliente, discriminando-se as actividades isentas ou não isentas de IVA.
  19. As facturas emitidas e comunicadas pela Requerente à Autoridade Tributária e Aduaneira, ou contêm apenas uma única parcela, esta sujeita à taxa normal de IVA (23%) ou isenta, se se tratar exclusivamente relativa a serviços de acompanhamento nutricional, ou, duas parcelas, sendo uma sujeita à taxa normal de IVA (23%), e outra isenta de IVA, correspondendo esta a serviços de acompanhamento nutricional. 
  20. Nos anos de 2015 e 2016, a Requerente facturou aos clientes pelo acompanhamento nutricional, €79.410,20 e €180.251,00, respectivamente.
  21. Todos os clientes que subscreveram cartões/tarifários que incluíam apoio nutricional, passaram a ter mencionado nas facturas emitidas pela Requerente a partir de 01-04-2015, como consequência do desdobramento da mensalidade, uma parte relativa a Acompanhamento Nutricional, e outra relativa ao serviço do ginásio propriamente dita, sujeita à taxa normal de IVA.
  22. Nos documentos emitidos pela Requerente não existe qualquer discriminação que separe os serviços relacionados com a “nutrição em sentido clínico” com o “controlo de higiene e segurança alimentar”.
  23. A quase totalidade dos gastos da Requerente estão associados ao sector sujeito a IVA, sendo que os gastos afectos ao sector isento de IVA, correspondem apenas aos valores pagos à empresa “B…, Lda”, devidos pelos serviços prestados pela nutricionista.
  24. A Requerente, nos períodos de 2015 e 2016, não se encontrava registada na ERS.
  25. A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção externa, de âmbito parcial, através da Ordem de Serviço nº OI2017… e OI2017…, respectivamente para os anos de 2015 e 2016, que teve por objectivo controlar a situação declarativa do sujeito passivo e o enquadramento das operações por si praticadas em sede de IVA.
  26. A Requerente foi notificada do projecto de Relatório de Inspecção Tributária, proposto pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de … .
  27. No projecto de relatório de inspecção foi proposta a seguinte correcção, para os anos de 2015 e 2016, respectivamente:

 

  1. A Requerente foi, ainda, notificada, nos termos do artigo 60º do RCPITA e artigo 60º da LGT para, querendo, exercer o seu direito de audição, o que fez em 06-04-2017, alegando, em síntese, o seguinte:
  1. Os serviços prestados por dietistas, bem como por nutricionistas, quer sejam prestados directamente ao utente quer sejam prestados a qualquer entidade com a qual contratualizem os seus serviços, são abrangidas pela isenção prevista no artigo 9º, n.º1 do Código do IVA;
  2.  A actividade de nutrição não pode ser vista como uma actividade acessória à do ginásio, uma vez que, é uma actividade que funciona de forma individualizada daquela, sendo que é possível fazer ginásio sem acompanhamento nutricional, como também é possível ter acompanhamento nutricional sem ginásio.
  1. Através do ofício n.º… de, 18-04-2017 os Serviços de Inspecção Tributária notificaram à Requerente o Relatório Final de Inspecção Tributária do qual consta o seguinte:

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. A Requerente foi notificada das liquidações n.º 2017…, n.º 2017…, n.º 2017 …, n.º 2017…, n.º 2017…, n.º 2017…, tendo sido apurado um montante de imposto a pagar no valor global de €59.752.10.
  2. A Requerente foi ainda notificada da liquidação de juros compensatórios n.º 2017…, n.º 2017…, n.º 2017…, n.º 2017…, n.º 2017… e n.º 2017…, no valor global de €1.777,68.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), incluindo-se os factos instrumentais que resultaram da discussão da causa (artigo 5.º/2/a) do CPC).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal, as declarações de parte, e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em especial, os factos dados como provados nos pontos 3,9, 10, 12, 14, 15, 19 a 22 e 24, assentam na prova testemunhal produzida, que demonstrou conhecimento directo dos mesmos e se apresentou coerente e inequívoca, tendo sido especialmente relevado o depoimento de C…, relativamente aos factos que lhe dizem directamente respeito (serviços de acompanhamento nutricional).

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

Não se deram como não provados factos alegados pelas partes, incompatíveis com os factos dados como provados.

 

B. DO DIREITO

A principal questão em causa na presente acção arbitral consiste em decidir se os serviços de nutrição prestados pela Requerente deverão ser considerados uma prestação acessória em relação à prestação principal (ginásio), formando com esta uma “operação complexa única”, e por esse motivo, tributados como uma prestação única à taxa normal de IVA de 23%, como sustenta a AT, ou se se tratam de prestações cindíveis, individualmente tributáveis, conforme entende a Requerente.

 Com efeito, como se refere nas alegações da Requerida, cumpre “esclarecer, se como entende a Requerida, o que está em causa nos autos são prestações de serviços complexas, cuja decomposição revestiria um carácter artificial, ou se pelo contrário, tal como alega a Requerente, tais prestações são perfeitamente autonomizáveis para efeitos de enquadramento em sede de IVA.”.

Ora, antecipando já a conclusão a que se chegará adiante, considera-se que a resposta a dar à questão formulada, deverá ir no segundo dos sentidos indicados, ou seja que a prestação de serviços de nutrição pela Requerente é, no caso, autonomizável das prestações que integram a sua actividade principal.

Com efeito, com interesse para a conclusão referida, apura-se nos autos, em suma, que:

  • A Requerente colocou efectivamente à disposição dos seus clientes serviços de acompanhamento nutricional/nutrição, por norma em duas tardes por semana, das 14.00 ás 21.00 horas, e dois sábados por semana, das 09.00 às 14.00 horas;
  • Tais serviços foram essencialmente prestados nas instalações da Requerente;
  • A Requerente tinha tarifários onde incluía uma consulta de acompanhamento nutricional mensal, e outros onde não incluía tal acompanhamento;
  • Neste segundo grupo de tarifários a Requerente oferecia uma consulta gratuita de acompanhamento nutricional aos seus clientes, sendo a factura da mensalidade relativa ao mês onde aquela ocorria idêntica à dos restantes, ou seja, não fazendo qualquer menção a serviços de nutrição e liquidando IVA a 23% sobre a totalidade do valor facturado;
  • A Requerente disponibilizou também consultas de nutrição avulso, com o preço de €20,00 por consulta para “sócios” do seu estabelecimento, e de €25,00 por consulta para não sócios;
  • Na facturação relativa aos tarifários que incluíam uma consulta de acompanhamento nutricional, a Requerente discriminou um valor de €20,00, relativo a serviços de nutrição, sobre o qual não liquidou IVA, e liquidou IVA a 23% sobre o remanescente.

Para além do referido, apurou-se, ainda, que:

  • Para prestação dos serviços de nutrição aos seus clientes, a Requerente subcontratou os serviços de uma nutricionista a uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de cuidados de saúde;
  • Pelos referidos serviços acordou o pagamento de uma quantia fixa mensal de €300,00, à referida sociedade que lhe cedeu os serviços da nutricionista;
  • A referida sociedade cobrava €30,00 por consulta, nas suas instalações, com a mesma nutricionista;
  • A referida nutricionista auferia ao serviço da sua entidade empregadora um salário mensal de cerca de €750,00, correspondente a um horário semanal de 40 horas.

Face aos referidos dados de facto, a primeira conclusão a retirar é a de que, no caso, os serviços de nutrição foram efectivamente prestados, não procedendo, por isso, o considerando plasmado no RIT, segundo o qual as consultas em questão seriam não presenciais, designadamente por email e telefone.

No mais, e como a leitura do RIT evidencia, as correcções sub iudice assentam na conclusão de que a prestação de serviços de nutrição “é uma prestação de serviços acessória, o que não constitui para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador”.

Ora, ressalvado o respeito devido, julga-se que esta conclusão não está devidamente fundada na factualidade apurada em sede de inspecção tributária.

Desde logo, o principal argumento ali expendido, é o de que “O acompanhamento nutricional está inserido numa mensalidade que permite o acesso a um conjunto vasto de serviços oferecidos”.

Esta circunstância, se bem que relevante enquanto indício de que se poderá estar perante uma única contraprestação de carácter complexo, não será de per si, salvo melhor opinião, suficiente para concluir que tal acontece.

Com efeito, dentro das práticas comerciais actuais, não é raro, sendo antes corrente, os operadores económicos diversificarem horizontalmente a sua actividade e aglutinarem prestações de serviços em “pacotes”, cuja subscrição assegura vantagens ao nível do preço para a respectiva clientela, em relação à sua contratação dispersa.

São os casos, por exemplo, dos chamados operadores de telecomunicações (com “pacotes” de comunicações móveis, fixas, e televisão), das entidades bancárias (“pacotes” de serviços bancários mais seguros), dos operadores de transportes (“pacote” de viagens ferroviárias e viatura de aluguer), de turismo (com pacotes para todos os gostos, incluindo viagens, deslocações, actividades desportivas e de lazer, babysitting, seguros, etc.), do sector imobiliário (cedências de espaço com diversos serviços associados), sendo que apenas casuisticamente se poderá determinar se os diversos serviços são, ou não, associáveis, constituindo um prestação única ou várias, autónomas.

Por outro lado, nada indicia que, no caso, a prestação de serviços de acompanhamento nutricional permita beneficiar em melhores condições dos restantes serviços de “ginásio”, indiciando-se antes que a utilização dos restantes serviços em questão no presente caso, se dará de forma idêntica para os subscritores de planos com e sem acompanhamento nutricional, bem como para os utilizadores ad hoc daqueles serviços.

Assim, nada indicia que os utentes dos aparelhos de Cárdio-Musculação de Aulas Fitness, de Hidroginástica de Banho Turco, Sauna e Jacuzzi, fruam de maneira diferente dos correspondentes serviços, em função de frequentarem ou não o acompanhamento nutricional, ao contrário do que acontecerá, por exemplo, com a utilização dos serviços de Avaliação Física e Plano de Treino Contínuos (que se destinam a determinar uma melhor utilização dos equipamentos), ou com a disponibilização de  Toalha e Roupão, de Cacifo Pessoal ou de Parque Privado (que contribuirão para um maior “conforto” na utilização dos serviços).

Eventualmente, o juízo feito pela AT assentará numa pouco precisa determinação da natureza dos serviços de “ginásio”, em geral e prestados pela Requerente, tendo, porventura, as correspondentes prestações de serviços sido tomadas como prestações de resultado (ou seja, como visando assegurar uma melhor forma física, diminuição de peso, etc.).

Ora, salvo melhor opinião, aqueles serviços serão na realidade, julga-se, prestações de meios, estando o prestador unicamente obrigado a facultar os meios aptos àqueles resultados, independentemente de os mesmos serem obtidos ou não.

Desligando-se, desta forma, os resultados que, por norma, motivarão subjectivamente, na generalidade, os clientes da Requerente a contratar com ela, do que são as obrigações desta nos contratos que celebra com aqueles, e, em concreto, no que diz respeito aos serviços de “ginásio”, ficará evidenciado, crê-se, que os serviços de nutrição, ou a falta dos mesmos, em nada contendem com a concreta utilização daqueles outros serviços, que, como se referiu, tudo indicia que se dará nos mesmos termos quer haja ou não acompanhamento nutricional.

É certo que a “venda” dos serviços de acompanhamento nutricional procura explorar aquela mesma motivação subjectiva da clientela dos serviços de “ginásio”, e beneficiará, seguramente, da concentração de clientela que valoriza os resultados que poderão resultar quer de um, quer de outro serviço, quer de ambos em conjunto, mas que, nem um, nem outro, nem ambos em conjunto, asseguram ou garantem.

Todavia, tal exploração de clientela “comum” a ambos os serviços, não será, também ela, determinante para concluir pela existência de uma única prestação, sobretudo quando se indicia, como é o caso e vem de se ver, que nenhuma condiciona as condições em que a outra é usufruída.

 

*

No RIT, ponderaram-se ainda as seguintes circunstâncias:

  • Nos inputs as despesas são imputadas, praticamente na sua totalidade, aos sectores sujeitos a IVA, pelo que, nos outputs a formação do preço deve manter este critério;
  • Estão em causa contratos inominados estabelecidos com os clientes, sem discriminação de valores, logo as contraprestações deles emergentes estão sujeitas à taxa normal de IVA;
  • Nos períodos em análise (2015 e 2016) a Requerente não se encontrava registada na ERS.

Antes de mais, cumpre, a este respeito, notar que nenhuma destas circunstâncias corrobora ou infirma o fundamento base das correcções operadas, que é, como se viu, a conclusão de que a prestação de serviços de nutrição “é uma prestação de serviços acessória, o que não constitui para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador”.

Com efeito, nem o volume de inputs, nem a discriminação ou não de preço, nem o registo na ERS, dizem o que quer que seja de relevante quanto ao conteúdo concreto das prestações, em especial no que diz respeito a alguma delas permitir que a outra seja usufruída em melhores condições.

No mais, nota-se que:

  • O entendimento de que a formação do preço deve obedecer a um critério de proporcionalidade face aos inputs para as prestações a que aquele se reporta não tem qualquer fundamento legal, tanto mais que no RIT se refere expressamente que “nos inputs as despesas são imputadas corretamente aos sectores sujeitos a IVA e ao sector isento” e que “no que diz respeito à actividade de nutrição, os inputs (gastos com fatores de produção) que se encontram reconhecidos na contabilidade, são os serviços prestados pela “nutricionista” ao sujeito passivo, operações consideradas isentas de IVA nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º, do CIVA”;
  • Do mesmo modo, carece igualmente de fundamento legal, não sendo, de resto, mencionada qualquer norma que o valide, o entendimento de que quando não haja discriminação de valores nos contratos, as contraprestações deles emergentes estarão sujeitas à taxa normal de IVA, sendo tal discriminação apenas exigível na facturação;
  • O não registo da Requerente na ERS, a ser necessário, não contenderá, por falta de norma legal de onde tal decorra, com a natureza do serviço prestado, e com o respectivo enquadramento em sede de IVA, sendo ainda certo que a própria AT, no RIT, não retira, sequer, qualquer conclusão da referida ausência de registo.

 

*

            Em sede arbitral, e no sentido de obstar à argumentação da Requerente, menciona a Requerida que a maioria das consultas de acompanhamento nutricional contratadas não foram efectivamente prestadas, como se conclui do contraste entre o número de clientes da Requerente com planos que facultam aquele acompanhamento, e o número de horas mensais contratadas para o serviço da nutricionista.

            Ora, como bem nota a Requerente, e foi referido no depoimento de parte, estamos perante um modelo de negócio que, à semelhança, por exemplo, dos operadores de telecomunicações, assenta na “venda” da disponibilização de serviços, independentemente da sua efectiva utilização pelos clientes, sendo tal modelo um factor relevante da respectiva rentabilidade.

            Daí que as obrigações da Requerente se reconduzam a disponibilizar o serviço de nutrição aos clientes que, por qualquer forma, o contratem, o que, no caso, se demonstrou, à saciedade, que ocorreu.

            A própria Requerida, de resto, acaba por conceder que “o facto de as consultas terem ou não sido prestadas não seja relevante para o enquadramento que a Requerida faz da operação” e que “para se aferir tal, é irrelevante conhecer pormenorizadamente os planos que o A… oferece aos seus clientes, as fidelizações e, até, se as consultas foram ou não, de facto prestadas.”, concluindo que “O que cabe aferir é se os clientes ao aderirem aos planos que incluem acompanhamento nutricional (os únicos em causa nos presentes autos), o fazem numa lógica de contratação em conjunto de vários serviços autonomizáveis, ou, pelo contrário, o fazem numa perspectiva de beneficiar da prestação principal nas melhores condições.”, questão esta a que já se deu resposta anteriormente.

            A referida resposta não acarreta, julga-se, qualquer violação do princípio da neutralidade, ao contrário do sustentado pela Requerida, na medida em que os concorrentes da Requerente estarão em igualdade de condições com a mesma, desde que exerçam a sua actividade nos mesmo termos que aquela, sendo livres de se organizarem, estruturarem e oferecer serviços da mesma forma que a Requerente, e tendo, nesse caso, direito ao mesmo tratamento fiscal.

Argumenta ainda a Requerida que “a diferença do “cartão …” para o “cartão of peak” (art.º 11.º das alegações da Requerente), é de 10€ (35 para 25) e exclui do 2º os serviços de acompanhamento nutricional, utilização de jacuzzi e toalha p/acesso”, concluindo “daqui, que a Requerente não só está a decompor artificialmente a operação, quanto está a atribuir à consulta de acompanhamento nutricional um valor que não encontra reflexo no seu preçário (20€)”, porquanto “se os serviços de acompanhamento nutricional, utilização de jacuzzi e toalha p/acesso determinam uma diferença de 10€ no preçário, nunca um destes 3 serviços que em conjunto valem 10€ de diferença podia valer o dobro desse valor.”.

Não obstante não se relacionar directamente com a questão fundamental a decidir no presente processo arbitral, e fundamento das correcções operadas, que, como se viu, se reconduz a saber se a prestação de serviços de acompanhamento nutricional se funcionaliza a assegurar melhores condições para a fruição das prestações de serviços de “ginásio”, a consideração referida acaba por aflorar a pedra de toque do tratamento fiscal da situação em apreço, bem como de situações semelhantes, razão pela qual se procederá ao enquadramento da mesma.

Com efeito, aquilo que Requerida acaba por apontar, e que a AT poderia, no caso, legitimamente questionar, relaciona-se com a valoração, ao nível da facturação da Requerente, dos serviços de acompanhamento nutricional que faculta aos seus clientes.

Não está em causa, nesta perspectiva, nem a efectividade da prestação dos serviços (se não tivessem sido prestados, estar-se-ia perante facturação simulada), nem o carácter acessório daquela (não será o valor económico atribuído a uma prestação a revelar se a mesma permite ou se destina a assegurar a fruição em melhores condições de uma outra prestação[1]), mas a eventual indiciação de uma situação de fraude ou evasão fiscal, através da manipulação dos valores económicos das prestações, em ordem a obter vantagens do ponto de vista tributário.

Ora, no caso, isso não acontece, indiciando-se que a valorimetria ao nível da facturação dos serviços de acompanhamento nutricional pela Requerente tem sustentação económica.

Com efeito, verifica-se que a Requerente contratou 16 (cerca de 40%) das 40 horas semanais que a nutricionista que assegurou os serviços em questão estava obrigada a prestar à sua entidade empregadora, obrigando-se a pagar €300,00 mensais a esta entidade, que suportava um salário mensal de cerca €750,00 (correspondendo assim o valor pago pela Requerente a cerca de 40% do salário da nutricionista).

Sendo certo que não se evidencia um ganho líquido na entidade que cedeu a nutricionista à Requerente (não obstante, no caso de não ter capacidade para assegurar a ocupação permanente daquela durante a totalidade do seu horário de trabalho, se verificar um ganho efectivo), menos certo não é que nada indicia qualquer situação fraudulenta, ou que, de qualquer forma, o preço contratado seja desfasado do valor dos serviços disponibilizados.

Por outro lado, verifica-se também que a Requerente praticava preços de €20,00 e €25,00 pelas consultas avulsas, conforme se tratasse de clientes “sócios” ou “não sócios”, quando os mesmos serviços nas instalações da entidade empregadora da nutricionista estavam tabelados em €30,00 por consulta.

Não deixando de ser impressionante o lucro comercial obtido pela Requerente com a contratação e comercialização no contexto do seu estabelecimento dos serviços de acompanhamento nutricional, de que o RIT dá conta, o certo é que não é possível concluir que a Requerente haja procedido a um empolamento artificial do valor dos serviços de acompanhamento nutricional, nem, muito menos, que aquele valor fixado pela Requerente seja desfasado ou não tenha, por qualquer forma, correspondência nos valores de mercado para os serviços em causa.

Daí que, a única questão que se poderia colocar seria a de saber se o valor no quadro promocional dos “pacotes” comercializados pela Requerente é, ou não, aceitável do ponto de vista fiscal, questão esta, suscitada, como se viu, pela Requerida nas suas alegações.

A este respeito, cumpre desde logo notar que, fosse esse o caso, o procedimento que se imporia à AT seria a correcção dos valores para aqueles que, em função das normas fiscais aplicáveis fosse o adequado, e não a sua total desconsideração.

Por outro lado, e em todo o caso, não se julga que a actuação da Requerente em questão seja abusiva, ou por qualquer outra forma fiscalmente censurável. Com efeito, sendo certo que a Requerente poderia, no quadro promocional dos “pacotes” que comercializa proceder a uma distribuição de preços distinta, não se pode deixar de considerar que aquela que efectivou se situa ainda dentro da sua margem de liberdade de actuação comercial.

Nas alegações da Requerida, menciona-se ainda, com relevo para a questão em discussão, a verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA, referente a “Prestações de serviços de alimentação e bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias”, na redacção dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que dispõe que:

“Quando o serviço incorpore elementos sujeitos a taxas distintas para o qual é fixado um preço único, o valor tributável deve ser repartido pelas várias taxas, tendo por base a relação proporcional entre o preço de cada elemento da operação e o preço total que seria aplicado de acordo com a tabela de preços ou proporcionalmente ao valor normal dos serviços que compõem a operação. Não sendo efetuada aquela repartição, é aplicável a taxa mais elevada à totalidade do serviço”.

            Na perspectiva da Requerida “a verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA teve uma alteração legislativa que veio, justamente, permitir essa decomposição no caso dos menus, porquanto antes desta alteração legislativa, tal decomposição não era permitida, pelos motivos já expostos.”.

            Ora, ressalvado o respeito devido, julga-se não assistir razão à Requerida na asserção transcrita.

            Com efeito, o serviço de bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias, no quadro de um menu alimentar é efectivamente parte de uma prestação unitária complexa, sendo, notoriamente, diferente, a fruição da prestação principal acompanhada, por exemplo, de água ou de vinho, pelo que, aqui sim, se pode afirmar que o serviço das referidas bebidas se destina a proporcionar melhores (na perspectiva de quem as consome) condições na fruição da prestação base, que é a refeição servida.

            Assim, o serviço principal nesses casos, é não aquele referente ao serviço de bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias, mas o serviço da refeição em geral, serviço esse que é tributado à taxa intermédia.

            Daí que, não fora a previsão da referida verba 3.1, a prestação global seria tributada pela taxa correspondente à prestação principal ou fundamental, conforme entendimento vertido no RIT, ou seja, pela taxa intermédia, ao contrário do sustentado pela Requerida nas suas alegações e do que veio a ser consagrado naquela verba 3.1.

            Na situação em causa na presente acção arbitral, não estamos perante um caso análogo ao dos menus, referido pela Requerida e a que se reporta a norma em causa, já que, não só o serviço “principal” identificado pela AT é tributado à taxa mais alta (ao contrário dos menus, portanto), como, conforme se viu atrás, nada indicia que o acompanhamento nutricional condicione, de qualquer forma, a fruição dos serviços de “ginásio”, processando-se esta da mesma forma quer haja, ou não, aquele acompanhamento.

            Ora, não estando em causa, assim, prestações meramente acessórias, na ausência da norma como a da referida verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA, por força do princípio da neutralidade do IVA, a decomposição dos preços impõe-se, vigorando, à falta de previsão legal noutro sentido, a liberdade económica dos operadores dentro do que sejam os preços aceitáveis de mercado, sendo que, a falta de, ou a incorrecta, decomposição, não acarretará a aplicação da “taxa mais elevada à totalidade do serviço”, justamente por não estar em causa uma única prestação complexa e por inexistir previsão legal nesse sentido, mas a obrigação da AT liquidar, por métodos directos ou indirectos, o imposto de acordo com a taxa aplicável a cada serviço.

*

            Assim, e face ao exposto, enfermando de erro de facto, e consequente erro de direito, deverão as liquidações objecto da presente acção arbitral ser anuladas, procedendo o pedido arbitral formulado, e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pela Requerente.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular as liquidações adicionais de IVA n.ºs 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017… e 2017 …, no valor de €59.752,10 e de juros compensatórios n.ºs 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017 … e 2017…, no valor de €1.777,68;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 61.499,78, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa 02 de Abril de 2018

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Adelaide Moura)

 

O Árbitro Vogal

(António Pragal Colaço)

 



[1] Ou seja, não será logicamente coerente, e consequentemente válido, o raciocínio segundo o qual se a Requerente tivesse valorado, por exemplo, em €5,00/mensais o serviço de acompanhamento nutricional, este não seria acessório, mas valorando-o a €20,00/mensais, já será acessório...

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de revisão da decisão arbitral proferida no presente processo, ao abrigo do artigo 696.º, alínea f) do CPC, para que remete o artigo 293.º, n.º 1, do CPPT, que estabelece que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando «seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português».

Neste caso, a decisão que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como fundamento do recurso de revisão é uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferida em processo de reenvio prejudicial, no processo n.º C-581/19, junta aos autos.

Não estando prevista no CPPT a tramitação dos recursos de revisão, na fase anterior à sua admissão, será aplicável subsidiariamente o regime do processo civil, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Por isso, nos termos do artigo 699.º n.º 1, do CPC, há que proferir uma decisão liminar sobre a admissibilidade do recurso: «o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão».

No caso em apreço, «não há motivo para a revisão», pois é manifesto que o acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira não é proferido por «uma instância internacional de recurso».

Na verdade, desde logo, não há qualquer recurso que possa ser interposto para o TJUE de decisões judiciais portuguesas, pelo que não pode ser considerada uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa, que é que está em causa aplicar.

Por outro lado, mesmo que se entenda que possam ser fundamento de recurso de revisão decisões proferidas pelo TJUE em acções de incumprimento instauradas pela Comissão Europeia contra

 

Portugal ao abrigo do art. 258.º do TFUE (como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 02-07-2014, processo n.º 0360/13), no caso de acórdãos do TJUE proferidos em reenvio não se está perante uma acção desse tipo, pelo que não há razão para aplicar essa jurisprudência.

O TJUE nos processos de reenvio prejudicial não é uma instância de recurso, pois a sua decisão é anterior à decisão final do processo nacional e nenhuma das partes no processo tem a possibilidade de apelar para o TJUE.

Aliás, para além de ser evidente, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que as intervenções do TJUE em processo de reenvio não são assumidas na veste de instância de recurso, mas sim de colaboração entre juízes, como tem afirmado, inclusivamente, o próprio TJUE:

– 28  Note-se, a este respeito, que o artigo 234.° CE1 não constitui uma via de recurso para   as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234.° CE 2

– 9 Com efeito, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (acórdãos do TJUE Kempter, de 12-02-2008, processo C-2/06, , n.° 41; Cartesio, C-210/06, n.° 90; e VB Pénzügyi Lízing Zrt., de 09-11-2010, processo C-137/08);

             “The relationship between national courts and the CJEU is reference-based. It is not an appeal system. No individual has a right of appeal to the CJEU. It is for the national court to make the decision to refer. The CJEU will rule on the issues referred to it, and the case will then be sent back to the national courts, which will apply the Union law to the case at hand” ( 3 );

– «De acordo com o número 3 do artigo 4.º do mesmo Tratado, cabe aos Estados-Membros assegurar a execução das obrigações decorrentes dos Tratados e  facilitar o cumprimento da missão da União Europeia. Desta dicotomia resulta uma necessidade de diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus, razão pela qual se viria a prever o instituto jurídico do reenvio prejudicial, não como uma via de recurso, mas sim como um processo

 

1 Actual art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

2 Acórdão do TJUE de 10-01-2006, processo n.º C-344/04.

3 Paul Craig e Gráinne de Búrca, EU Law, Text, Cases and Material, 6th ed., Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 464

 

especial de cooperação direta, capaz de garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da UE através de todo o seu território» ( 4 );

             «1 - Um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial;

2             - A decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais;

3             - Tal pretensão não tem como função afrontar qualquer interpretação alegadamente errónea de normas internas ou aferir da violação de normas constitucionais dos diversos Estados-Membros;

4             - Uma questão prejudicial corresponde a uma pergunta/pedido de solução orientada para a obtenção de uma resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra dirimir;

5             - O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde à interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito;

6             - No seio de um pedido de reenvio, o órgão jurisdicional nacional pede ao Tribunal de Justiça da União Europeia que formule a adequada leitura de uma norma jurídica do Direito dessa União cuja interpretação seja relevante para a solução do litígio que lhe cumpra concretizar» ( 5 )

De resto, a Autoridade Tributária e Aduaneira no requerimento que apresentou nem sequer explica qual a razão ou fundamento legal para que o TJUE possa ser considerado uma instância de recurso.

Os fundamentos de revisão de sentença previstos no artigo 696.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 293.º, n.º 1, do CPPT e 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT são taxativos, como resulta do teor expresso do corpo daquele artigo 696.º: «a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando ...».

Tratando-se de normas excepcionais que permitem eliminar a força do caso julgado e a obrigatoriedade geral que dela decorre (artigo 205.º, n.º 2, da CRP), elas não podem ser aplicáveis analogicamente a situações nelas não previstas (artigo 11.º do Código Civil), designadamente, a decisões de instâncias internacionais que não sejam, à face da legislação nacional, «instâncias de recurso».

 

4 Luísa Lourenço, em O REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJUE E OS PARECERES CONSULTIVOS DO TRIBUNAL EFTA, publicado em revista Julgar n.º 35, página 189.

5 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-07-2019, processo n.º 18321/16.9T8LSB.L2-6.             

 

Pelo exposto, indefere-se o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de recurso.

Sendo de indeferir o recurso com este fundamento fica prejudicada, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º2, do CPC ), a apreciação de outros requisitos do recurso de revisão ao abrigo da alínea f) do artigo 696.º do CPC, designadamente as questões de saber se a decisão do TJUE proferida no processo no processo n.º C-581/19 é inconciliável com a decisão arbitral preferida no presente processo e se deve considerar-se vinculativa para o Estado Português para efeitos daquela norma.

 

Lisboa, 14-07-2021

 

Os Árbitros

 

(José Pedro Carvalho)

(Adelaide Moura)

(António Pragal Colaço)