Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 328/2017-T
Data da decisão: 2018-03-14  IVA  
Valor do pedido: € 100.952,30
Tema: IVA – envio de mercadorias à consignação.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. Paulo Lourenço e Dr.ª Raquel Franco (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-07-2017, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

No dia 16-05-2017, a sociedade “A…, Lda.”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-05-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários e notificou as partes dessa designação em 06-07-2017.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 21-07-2017, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

 

2. Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

3. Posições das Partes

 

O presente pedido de pronúncia arbitral tem como objeto a impugnação dos atos tributários de liquidação de IVA de 2014 e 2015, decorrentes do procedimento inspetivo da Direção de Finanças de …, realizado ao abrigo das OI 2016…/…, notificado pelo Ofício n.º …/…/2017, de 11.01.2017, com IVA a pagar no montante de € 100.952,30, acrescido de juros compensatórios, no montante de € 7.718,10, ascendendo a um total de € 108.670,40.

A Requerente entende ter demonstrado a ilegalidade da liquidação de IVA, maxime a verificação do envio de mercadorias entre o consignante e o consignatário (operação não tributável), e o subsequente pagamento do imposto devido e exigível aquando do momento em que o consignatário colocou as mercadorias à disposição do adquirente (operação tributável), tudo nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea c), no artigo 7.º, n.º 5, no artigo 36.º, n.º 14 e no artigo 38.º, n.º 2 do CIVA.

A Requerente entende ser manifesta a ilegalidade da liquidação de IVA, referente a 2014 e 2015, respeitante ao enquadramento fiscal, em sede de IVA, do regime da venda de mercadorias à consignação, com fundamento no facto de se encontrarem reunidos os requisitos para a não tributação da operação em apreço, porquanto tal operação não consubstancia uma efetiva transmissão dos bens para o consignatário, uma vez que a verdadeira transmissão jurídica apenas só se verifica no momento da venda de bens, realizada entre o consignante e o terceiro adquirente.

Quanto aos argumentos em sentido contrário da AT, nomeadamente no que se refere à indevida comunicação à AT ou ao alegado preenchimento das faturas, entende que os mesmos não se verificam na medida em que apenas por lapso se considerou que o envio de mercadorias à consignação em apreço se encontrava sujeito a imposto, impondo-se, por conseguinte, a anulação do ato tributário recorrido e procedendo-se à restituição do imposto e dos juros compensatórios pagos indevidamente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios e juros de mora devidos.

Considera ser inequívoco que, da leitura concertada das normas aplicáveis, resulta que a operação consubstanciada no envio de mercadorias, pelo consignante ao consignatário, para consignação, não configura uma transmissão jurídica dos bens e, como tal, não deverá ser tributada em sede de IVA.

No que respeita às respetivas faturas, deverão ser emitidas até ao 5.º dia útil seguinte: “a) do momento do envio das mercadorias à consignação”; e ainda “b) do momento em que, relativamente a tais mercadorias, o imposto é devido e exigível”, devendo a fatura fazer apelo à documentação emitida aquando do momento do envio das mercadorias à consignação, tudo conforme preceitua o artigo 38.º, n.º 1 e n.º 2 do Código do IVA, devendo ser processadas através de sistemas informáticos, sendo que todas as menções obrigatórias, incluindo o nome, a firma ou a denominação social e o número de identificação fiscal do sujeito passivo adquirente, devem ser inseridas pelo respetivo programa ou equipamento informático de faturação, tal como estatuído no artigo 36.º, n.º 14 do Código do IVA.

No caso, ainda que tenha havido um lapso na comunicação à AT do IVA em tal operação, através do sistema informático SAFT, pelo qual a Requerente se penitencia, tal nunca poderá ser relevado, porquanto a verdade jurídica e material subjacente aos autos apenas permite concluir que a operação não se encontra sujeita ao imposto.

Regra geral, considera-se transmissão de bens, para efeitos de incidência objetiva do imposto, a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, sendo que, contudo, existem casos de ficção de transmissão, nomeadamente para fazer prevalecer a substância económica do negócio.

Quanto às operações de transmissão de mercadorias entre consignante e consignatário, as mesmas não consubstanciam uma transmissão jurídica dos bens do comitente para o comissário, pois a efetiva transmissão (da propriedade) dos bens só se verifica no momento da venda dos bens, realizada entre o comitente e o terceiro adquirente, na comissão da venda. Assim, o legislador previu uma ficção, para efeitos de IVA, tendo em conta a interposição do comissário, considerando duas transmissões de bens distintas e autónomas e dois momentos distintos para se emitir faturas, ainda que, materialmente, haja uma única transmissão de bens para o cliente e deva ser apenas nesse momento – em que o comissário coloca os bens à disposição do seu adquirente – que o IVA é devido e exigível e deva ser entregue ao Estado.

Pelo que, ainda que, no primeiro momento – em que os bens são entregues ao consignatário, para este depois enviar ao adquirente –, o consignante deva emitir uma fatura, materialmente, não há lugar a uma venda ou transmissão de bens.

Esta primeira fatura deve ser emitida sem qualquer incidência de IVA; portanto, devendo ser referido tratar-se de uma venda à consignação, sendo que, no segundo momento em que a venda ocorre, o consignante deverá emitir nova fatura, fazendo referência à anterior e incluindo agora o IVA que se tornou devido. A própria AT já se pronunciou quanto a este tema, referindo que “a entrega de mercadorias à consignação configura uma transmissão de bens que, no entanto, contém uma particularidade que se prende com o facto da liquidação do imposto ficar suspensa até ao momento em que as mercadorias são vendidas pelo consignatário ao adquirente ou, até ao termo do prazo de um ano desde a respetiva entrega ao consignatário, conforme o que ocorrer em primeiro lugar” – vide informação vinculativa relativa ao proc. n.º 5480, 23.09.2013.

Assim, não compreende a Requerente porque é que, in casu, encontrando-se em discussão precisamente uma situação de envio de mercadorias à consignação e de suspensão da liquidação até ao momento da venda pelo consignatário ao adquirente, a AT se tenha pronunciado em sentido contrário, ou seja, pela tributação, não só no momento da venda das mercadorias, mas também no momento prévio do envio das mesmas, antes da efetiva venda, traduzindo-se numa dupla tributação duma única transmissão dos bens. No caso em apreço, a Requerente enviava as mercadorias à consignação em julho, para que, durante o mês de agosto, mesmo com a empresa encerrada para férias, as mercadorias pudessem ser vendidas aos clientes, os quais eram, portanto, alheios ao encerramento da empresa e recebiam as suas encomendas normalmente. Nesse momento, ainda que a propriedade não fosse transferida para o consignatário – o qual apenas dispunha temporariamente das mercadorias, até as vender ao adquirente –, era emitida fatura por tal transmissão, ainda que sem IVA devido. Assim, entende não poder vingar a tese da AT de que é devido IVA pela operação de envio das mercadorias, porquanto tal é fazer tábua rasa sobre todo o regime da venda de mercadorias à consignação e sobre a concreta materialidade subjacente aos autos. Efetivamente, o único IVA devido pela venda das mercadorias em apreço foi já liquidado e entregue nos cofres do Estado, sendo que, quanto às faturas que titulam a primeira operação – a da mera transmissão dos bens do consignante para o consignatário –, devem ser formalmente emitidas, mas não são referentes a uma operação tributável, não devendo esta ser onerada. Neste sentido, veja-se as cópias das faturas na posse dos destinatários das mesmas, conforme resulta do documento n.º 1 junto em anexo, e nos termos das quais resulta “goods shipped at consignment to…..” e ainda “IVA – Não confere direito à dedução”. Quanto às primeiras faturas, a consignatária declara que não pagou o valor constante das mesmas e também não recuperou qualquer IVA referente às mesmas (cf. o documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral), sendo que tal não foi nunca contestado pela AT. Assim, deverá improceder o entendimento de que, pelo facto de se ter mencionado indevidamente IVA, o imposto será devido, porquanto, conforme resulta de tudo quanto se expos e de toda documentação apresentada, apenas houve uma transmissão de bens e, pela mesma, foi liquidado imposto e entregue o mesmo nos cofres do Estado.

Faz ainda notar que, na fatura emitida ao consignatário relativa à venda dos bens era feita referência à fatura inicial da entrega dos bens à consignação, pelo que o alegado preenchimento indevido das faturas emitidas no primeiro momento do envio das mercadorias à consignação nunca poderia relevar, para efeitos de incidência de IVA, sob pena de violação de todas as normas vindas de referir e ainda do princípio contabilístico que subjaz ao Direito Fiscal da substância sobre a forma. Por fim, alega que exigir novamente o imposto relativamente ao mesmo facto consubstancia uma duplicação de coleta, sendo que tal deverá ser impedido, porque irá significar a repetição da cobrança pelo mesmo tributo, conforme refere Jorge Lopes de Sousa, in “CPPT Anotado”, 3.ª Edição, fls 1035, no sentido de que “a duplicação de colecta por referência a um elemento temporal e estrutural, verifica-se quando, estando paga uma colecta, se liquida e exige outra da mesma natureza, em relação ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo”. No mesmo sentido, resulta, a título exemplificativo, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 0993/14, de 05.02.2015, que define a duplicação de coleta como “… quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo», o que significa que a duplicação de coleta exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: i) o facto tributário ser o mesmo, ii) ser idêntica a natureza do imposto já pago e o que, de novo, se exige, iii) referirem-se ambos os impostos ao mesmo período temporal”.

Em síntese, considera a Requerente ter ficado comprovado que: i) As transmissões de bens em apreço respeitam à expedição de mercadorias à consignação; ii) Cada expedição de mercadorias à consignação motivou a emissão de uma fatura com expressa menção a “IVA – não confere direito à dedução”, não sendo, por esse mero envio, devido qualquer imposto; iii) Ocorreu um lapso na comunicação eletrónica à AT destas operações, que deverá ser relevado e em nada altera a exigibilidade do imposto, sob pena de se relevar a forma sobre a substância e deturpar o sistema fiscal e o imposto; iv) Por sua vez, todas estas mercadorias foram, no mês seguinte, vendidas, tendo sido emitida a respetiva fatura, com referência à fatura anterior; v) Por esta operação foi liquidado e pago o respetivo IVA; vi) O entendimento da AT de se exigir o pagamento de imposto pelo primeiro momento incorre numa manifesta duplicação de coleta, não podendo, assim, proceder.

Quanto à AT, respondeu nos seguintes termos:

A Requerente, não logrou explicar a razão pela qual as faturas exibidas aos SIT divergem das ora juntas aos autos.

Por outro lado, entende ser inútil juntar aos autos declaração do consignatário das mercadorias a atestar não ter pago nem deduzido o imposto liquidado nas faturas relativas às mercadorias enviadas à consignação, nas quais não constava a expressão “IVA – não confere o direito à dedução”.

De outra forma, poderia a Requerente ter utilizado documentos de correção das faturas e ter regularizado a seu favor o imposto indevidamente liquidado (e por via disso devido), nos termos do previsto no art.º 78.º do CIVA.

Assim, manifesto é que a liquidação adicional aqui controvertida não resulta de uma comunicação automática do programa de faturação, mas antes e sim, da liquidação indevida de imposto em fatura, imposto este suscetível de conferir o direito à dedução/restituição ao consignatário.

Assim, e porque o imposto liquidado consiste, na prática, num cheque sobre o tesouro, não cabia aos SIT outra atuação que não a liquidação aqui controvertida.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A liquidação controvertida é consequente de uma ação de inspeção tributária que deu cumprimento às OI2016… e OI2016…, ambas com o código de atividade…, emitidas a 2016/03/09 nos termos do artigo 46º do RCPITA.
  2. Os atos de inspeção tiveram início a 2016/03/21 e conclusão em 2016/11/25, com o envio via CTT, notas de diligências n.º NDO2016… e NDO2016…, por não ser possível a notificação pessoal do SP e das pessoas referidas no artigo 40.º da RCPITA.
  3. A Requerente é uma sociedade constituída por escritura pública em 1990/01/22, que possui um capital social representado por uma única quota de valor nominal de € 2.500.000,00, pertencente à B…, NIF… .
  4. Com a publicação da Portaria n.º 157/2013 de 2013/03/15 e do despacho n.º 6999/2013 do Diretor Geral da AT de 2013/05/30 (DR 2.º série, n.º 104), ficou a empresa a estar sujeita à “metodologia do acompanhamento permanente”.
  5. A Requerente encontra-se registada para o exercício da atividade de fabricação de outros fios e cabos elétricos e eletrónicos, a que corresponde o CAE 027320.
  6. À data dos factos sub judice – 2014 e 2015 –, as instalações da Requerente encontravam-se encerradas, para férias;
  7. Mediante a celebração de contratos de consignação relativo a mercadorias, a Requerente entregou a um terceiro, em julho daqueles anos, determinadas mercadorias que foram por ele vendidas em agosto seguinte.
  8. Por essa transmissão dos bens à consignação, em julho de 2014 e de 2015, foi emitida uma primeira fatura;
  9. Relativamente a estas faturas de julho de 2014 e 2015, a Requerente comunicou à AT, por transmissão eletrónica de dados, mediante remessa de ficheiro SAFT, “IVA liquidado”;
  10. Em agosto de 2014 e 2015 foi emitida uma segunda fatura, pela venda das mercadorias.
  11. Este IVA foi liquidado e entregue nos cofres do Estado, depois de aplicadas as correspondentes deduções.
  12. Em termos contabilísticos, o envio das mercadorias para o consignatário foi registado debitando a conta 7129 – movimentos à consignação, por crédito da mesma.
  13. Entre 21.03.2016 e 25.11.2016, a Requerente foi objeto de uma ação inspetiva externa, de âmbito parcial, em sede de IVA, por parte dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de …, credenciada pelos n.ºs OI2016… e OI2016… .
  14. Na sequência da referida ação inspetiva, a AT procedeu a correções de natureza meramente aritmética, tendo considerado existir imposto em falta, referente aos exercícios de 2014 e 2015, no montante de € 53.483,08 e de € 47.469,22, respetivamente.
  15. Com referência aos factos em causa no presente processo, consta do RIT que:

 

 

  1. Face à factualidade identificada, os SIT concluíram o seguinte:

“2. Análise da situação: 2.1. Faturas emitidas pelo SP:

 Conforme se demonstrou no ponto anterior, o SP menciona IVA nas faturas que emite e que titulam o envio das mercadorias à consignação (Anexo II e Anexo III).

Porém, apesar da transferência de mercadorias à consignação integrar o conceito de transmissão de bens [alínea c) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA], a mesma, só por si, não determina a ocorrência de fato gerador do imposto, conforme resulta do n.º 5 do artigo 7.º do CIVA. Nestas situações, o sujeito passivo deverá atuar em conformidade com o disposto no artigo 38º do CIVA que regula a “facturação de mercadorias enviadas à consignação”.

Contudo, da análise efetuada à faturação emitida pelo SP, verifica-se o seguinte:  Aquando do envio das mercadorias à consignação, o SP menciona IVA nas faturas que emite. No entanto, não coloca, como deveria, a menção de "IVA - Não confere direito à dedução", pese embora, coloque a Expressão “Goods Shipped at consignment to” (Anexo II e Anexo III).  Aquando do momento em que, relativamente a tais mercadorias, o imposto é devido e exigível, (normalmente no mês seguinte), o SP emite a respectiva fatura. Porém a referência efetuada à fatura emitida aquando o envio dos bens à consignação, é colocada manualmente, contrariando o n.º 2 do artigo 38.º e nº 14º do artigo 36.º, ambos do CIVA [a titulo de exemplo, Fatura IV20556 de 27/08/2014 (Anexo IV)].

3. Enquadramento fiscal:

Tendo-se comprovado, pelos factos descritos anteriormente, que o SP mencionou IVA nas faturas que titulam envio de mercadorias à consignação e que, adicionalmente, procedeu à comunicação desse IVA à AT, (através das obrigações decorrentes do sistema “e-fatura”), encontra-se preenchido o requisito da incidência subjectiva previsto na norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 2º do CIVA: “1 - São sujeitos passivos do imposto: … “As pessoas singulares ou coletivas que mencionem indevidamente IVA em fatura”… Deste modo, a exigência do IVA mencionado nas faturas torna-se legítima, uma vez que o IVA é receita do Estado, não podendo, em quaisquer circunstâncias, ser objeto de apropriação por parte do SP, mesmo no caso de liquidação indevida. Nesse sentido, decidiram os acórdãos do STA n.º 0555/12 de 2012/09/26 e n.º 0807/15 de 2016/01/27.

Quanto ao facto tributário, ele consubstancia-se nas faturas onde o SP menciona o IVA. Consequentemente, a exigibilidade do imposto ocorre 15 dias a contar da emissão das mesmas.

Efetivamente, uma vez que estamos perante IVA indevidamente mencionado nas faturas, [situação em que se encontra preenchido o requisito da incidência subjectiva previsto na norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 2º do CIVA], o SP deveria ter entregue, nos locais de cobrança legalmente autorizados, o correspondente imposto, nos termos do n° 2 do artigo 27° do CIVA, procedendo assim em conformidade com as instruções emanadas pelo Ofício n.º…/2004 de 6 de fevereiro, da Divisão de Serviços de Cobrança. (…).

  1. No exercício do direito de audição prévia, a Requerente prestou os seguintes esclarecimentos:

“a) As transmissões de bens em análise neste relatório respeitam à expedição de mercadorias à consignação;

b) Cada expedição de mercadorias à consignação motivou a emissão de uma fatura com a expressa menção “IVA – não confere direito à dedução”;

c) Todas as mercadorias foram vendidas, tendo sido emitida a respectiva fatura e liquidado o respectivo IVA;

d) Tal imposto foi liquidado e pago;

e) Incorre o entendimento da AT numa manifesta duplicação da coleta.”

  1. Sobre o regime do IVA nas vendas à consignação, concluíram os SIT, após o exercício do direito de audição prévia pela Requerente, que:

II. Sobre “Do Regime da Venda de Mercadorias à Consignação” 

 Ponto 7º ao 28º

O SP disserta sobre o regime de venda de mercadorias à consignação, matéria que também é abordada no relatório de inspeção. Com efeito, em sede deste relatório de inspeção, a AT pronuncia-se sobre um facto objetivo e concreto, que se traduz na venda de mercadorias à consignação com menção indevida de IVA. Por isso, é de salientar, desde já, que o SP não procedeu conforme ele próprio entende que deveria proceder (ver ponto 16.º), ou seja, “…emitir uma fatura sem qualquer incidência de IVA…”.

 Ponto 29º ao 34º

O SP descreve a forma como releva, contabilisticamente, as vendas à consignação. Tal facto não foi colocado em causa no âmbito deste relatório, pelo que não merece contra alegações.

 Ponto 35º

Conforme se verá mais adiante, as afirmações contidas neste ponto do DA, não invalidam nem travam as consequências da menção indevida de iva nas faturas em questão.

Ponto 36º

Quanto à conclusão constante do ponto 36º, temos a referir que o SP, nas faturas que emitiu aquando do envio das mercadorias à consignação, mencionou e liquidou o respectivo IVA, conforme demonstrado neste relatório. Por isso, a conclusão deduzida não nos merece concordância.

Ponto 37º ao 41º

Caso as facturas relativas ao envio da mercadoria à consignação tivessem sido emitidas de acordo com o artigo 36º e 38º do CIVA, o IVA tornava-se exigível nos termos do nº 5 do artigo 7º do mesmo código.

No entanto, conforme fundamentado neste relatório de inspeção, as faturas em causa (à consignação) não respeitaram tais requisitos nem formalidades. Ou seja, foram emitidas com IVA indevidamente mencionado. Nestes casos, o IVA deve ser entregue ao Estado, nos termos do nº 2 do artigo 27º do CIVA.

Ponto 42º ao 45º

A falta de formalismos (instituídos no código do IVA) na emissão de faturas, não pode ser sanada pelo mero acrescento (nomeadamente manual) dos elementos em falta. Veja-se, a título de exemplo, a falta do NIF do adquirente em determinada fatura, cujo IVA nela mencionado foi objecto de dedução efectuada por este último. À luz da lei, esta dedução é indevida, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 19º, conjugado com o nº 5 do artigo 36º, ambos do CIVA. Mesmo que o adquirente coloque o seu NIF na fatura, a dedução continua sendo indevida. Refere-se, ainda, que o IVA constante em tal fatura foi entregue ao estado pelo emitente da mesma, apesar de jamais, com base nesse documento, poder ser objecto de dedução por parte do adquirente, pelo simples facto de tal documento não cumprir os requisitos legais. Efetivamente, a lei ao estabelecer, determinadas exigências relativas à emissão de faturas, tem por objetivo evitar a fraude e a evasão fiscal e cumprir o princípio da neutralidade fiscal, o qual visa assegurar, que aos operadores económicos, seja permitido recuperar com maior justeza o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços por si efetuadas, sendo certo, que quem suporta o pagamento do IVA, é o consumidor final (sujeito passivo)….”

Ponto 46º ao 48º

Se as faturas à consignação tivessem sido emitidas de forma legal, o facto gerador do imposto ocorreria nos termos do nº 5º do artigo 7º do CIVA. Mas não foi isso que aconteceu. Comprova-se, neste relatório, que o SP não emitiu as faturas nos termos definidos pelo CIVA, nomeadamente conforme o definido nos seus artigos 36º e 38º. E, ao mencionar indevidamente IVA nas faturas, tornou-se, nesse momento, SP de imposto, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 2º do CIVA.

Ponto 49º

O referido pelo SP neste ponto do DA aplica-se, quando a emissão das faturas relativas ao envio de mercadorias à consignação foi corretamente efetuada. Mas não é esse o caso aqui em análise. É precisamente o contrário. Ou seja, as faturas foram incorretamente emitidas (com menção indevida de IVA) e tal imposto foi comunicado como tendo sido liquidado, para a base de dados da AT, através do sistema “e-fatura”.

Ponto 50º

Esta matéria foi devidamente abordada e esclarecida ao longo deste relatório de inspeção, pelo que nos abstemos de voltar a repeti-la.

Pontos 51º a 59º

De forma simples clarifica-se, mais uma vez, que: a) É demonstrado, neste relatório de inspeção, que o SP, ao mencionar indevidamente IVA em faturas, tornou-se SP de imposto, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 2º do CIVA. b) Foi o próprio SP que informou a AT, através do sistema “e-fatura”, que procedeu à liquidação do IVA em causa.

c) O SP não cumpriu com todos os requisitos na emissão de faturas à consignação (nomeadamente os definidos nos artigos 36º e 38º, ambos do CIVA), tendo colocados alguns dos elementos posteriormente.

Pontos 60º a 69º

Já se referiu, nas contra alegações referentes aos pontos 42º a 45º, que a dedução de IVA referente a uma fatura não passada de forma legal é indevida. E, como decorre da lei, tal IVA teve de ser entregue ao estado pelo emitente da fatura. No entanto, o adquirente jamais poderá deduzir o IVA constante nesse documento em concreto. Daí que a figura do “não existir prejuízo para o estado”, nas questões relacionadas com os formalismos das faturas, em nosso entender, não se aproveita. Ora, no caso em análise neste relatório, verificou-se que o SP tornou-se, através da emissão de determinadas faturas com menção indevida de IVA, num SP de imposto nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 2º do CIVA. Por isso, a questão da “não existência de prejuízo para o Estado” ou a aludida “duplicação da coleta”, não se coloca, pois o que está em causa é um aspeto formal definido na lei que o contribuinte simplesmente não cumpriu aquando a emissão das faturas. Mais, é o próprio SP que, como já se referiu, informa a AT (através do sistema “e-fatura”) que procedeu à liquidação do IVA em causa.

Pontos 70º a 71º

A faturas emitidas pelo SP em análise, referiam-se a bens (mercadorias) enviadas à consignação. No entanto, o mesmo mencionou indevidamente IVA aquando a emissão dos respectivos documentos;

A inscrição de qualquer elemento formal nas faturas que não seja através do programa informático que as emite, viola o artigo 36º do CIVA, bem como, consequentemente, o artigo 38º do mesmo diploma.

Refere-se ainda que o código do IVA distingue, claramente, a exigibilidade do IVA relativa aos bens enviados à consignação (nº 5 do artigo 7º do CIVA), do IVA indevidamente mencionado em fatura (nº 2 do artigo 27º do CIVA).

Por se mostrar oportuno, transcreve-se de seguida o ponto 5 do sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 07111/13, de 04-06-2015: “…5. Do artigo 2.º, nº.1, alínea c), do C.I.V.A., retira-se a conclusão que também é sujeito passivo do imposto quem mencione I.V.A., indevidamente, em factura ou documento equivalente que reúna os requisitos previstos no actual artigo 36.º, nº.5, do C.I.V.A., dando início à cadeia da liquidação e dedução do imposto, assim se tornando, por esse facto, devedor do imposto indevidamente liquidado, pelo que tem de cumprir o determinado pelo artº.27, nº.2, do mesmo diploma. Para que tal não aconteça, deve o emitente do documento contabilístico em causa fazer constar do mesmo a menção de que não confere o direito à dedução do I.V.A. nele mencionado. Assim é, porquanto, cada factura com menção de imposto, constitui um verdadeiro "cheque sobre o tesouro", pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o I.V.A. nela contido. Por isso, a simples menção do I.V.A. em factura (mesmo que porventura descabida, por não haver lugar a imposto naquele caso, por qualquer razão) origine sempre a obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, isto é, seja ele ou não um sujeito passivo. Tornar-se-á, pelo simples facto da menção, um "devedor de imposto". Só assim se consegue que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda sempre uma obrigação de pagar e se assegure o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados em sede de I.V.A…”

Concluindo, e na sequência da análise do DA apresentado pelo SP, bem como das contra alegações aqui apresentadas, entendemos que, no âmbito da análise deste documento, nada de novo foi trazido ao procedimento que nos permita alterar o conteúdo do projeto de relatório oportunamente notificado. 

Consequentemente, são de manter todas as correções propostas no referido projeto de relatório.

  1. Relativamente aos gastos reconhecidos como créditos incobráveis, foram considerados pela Requerente os montantes de € 84.098, 21, no ano de 2012, e € 73.354,83, no ano de 2013.

 

  1. Factos não provados

Alega a Requerente que “Cada expedição de mercadorias à consignação motivou a emissão de uma fatura com a menção “«IVA – não confere direito à dedução»”.

Da comparação entre as faturas exibidas aos SIT e constantes de págs. 34 e ss. do P.A. junto aos autos com as mesmas faturas (números, datas, etc), juntas pela Requerente com o direito de audição (doc. n.º 6) resulta que apenas nas segundas aparece a expressão “IVA – não confere direito à dedução”, no que parece ser uma aposição feita com carimbo.

Assim, o que parece resultar desta factualidade é que a aposição dessa expressão terá ocorrido em momento posterior aos SIT terem feito as cópias juntas aos autos com o P.A., e que, portanto, a mesma não constava das faturas quando as mesmas foram emitidas.

Assim, não pode este tribunal considerar provado o alegado pela Requerente quanto a este aspeto, ou seja, que as faturas emitidas com cada expedição de mercadorias à consignação continham a expressão em apreço.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, no processo administrativo e em factos enunciados pelas Partes nas respetivas peças processuais relativamente aos quais não existe controvérsia.

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que for alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).

Os factos são selecionados de acordo com a respetiva pertinência jurídica, a qual é determinada em função das várias soluções possíveis para a causa (cf. o anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, atual 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima enunciados, não se considerando provado, pelos motivos indicados, o facto constante da subsecção anterior.

 

3. Matéria de direito

 

As correcções que deram origem às liquidações, fundam-se, em suma, no facto das faturas não obedecerem ao regime constante dos artigos 36º e 38º, ambos do Código do IVA, já que deveriam ter sido emitidas até ao 5.º dia útil seguinte ao do momento do envio das mercadorias à consignação e ainda do momento em que, relativamente a tais mercadorias, o imposto é devido e exigível. Por outro lado, devem fazer apelo à documentação emitida aquando do momento do envio das mercadorias à consignação, em conformidade com o estatuído no artigo 38.º, n.º 1 e n.º 2 do Código do IVA, devendo ser processadas através de sistemas informáticos, sendo que todas as menções obrigatórias, incluindo o nome, a firma ou a denominação social e o número de identificação fiscal do sujeito passivo adquirente, devem ser inseridas pelo respetivo programa ou equipamento informático de faturação, tal como estatuído no artigo 36.º, n.º 14 do Código do IVA.

 

Vejamos então.

*

Entendeu a AT, em suma que “a consequência das facturas não preencherem todos os requisitos legais previstos nos artigos 36.º e 38º do CIVA é não serem suporte válido para evitar a obrigatoriedade de liquidação do imposto nas transmissões, ainda que à consignação, dos bens em causa, já que, pela forma como foram emitidas, criam no adquirente a convicção de que é legítimo o exercício do direito à dedução do imposto, de harmonia com o n.º 2 do art.º 19.º do mesmo diploma”.

Deste modo, para se avaliar o direito à dedução, deve-se verificar o cumprimento da condição formal prevista no n.º 2 do art.º 19.º do CIVA, que determina que só pode ser deduzido imposto mencionado em faturas passadas na forma legal, isto é, passadas em conformidade com o art.º 36.º do CIVA (n.º 6 do art.º 19.º do CIVA).

            O entendimento sustentado no RIT assenta em jurisprudência, datada[1], do STA, que em acórdão citado naquele[2], chegou mesmo a afirmar que:

“I – A factura ou documento equivalente passado em forma legal exigida pelo artigo 19.º, n.º 2 do CIVA para a dedução do imposto é a que respeite todas as exigências do artigo 35.º, n.º 5 do mesmo Código.

II – A exigência desse formalismo constitui um verdadeiro requisito substancial do direito à dedução do imposto, apesar de o sujeito passivo estar isento de IVA.”.

            Este entendimento, que considera que a factura é uma formalidade ad substanciam do direito à dedução do IVA, deve considerar-se actualmente ultrapassada, face ao que tem sido a jurisprudência do TJUE na matéria, que entende “que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais.[3].

            Como refere o TJUE, no mesmo acórdão, “a finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA. É, portanto, à luz desta finalidade que importa analisar se as faturas (...) respeitam as exigências do artigo 226.°, n.° 6, da Diretiva 2006/112.”.

            Prosseguindo, aponta-se que “a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.

A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitarse ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. Esta constatação é confirmada pelo artigo 219.° da Diretiva 2006/112 que equipara a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.”.

            Lembra, ainda o TJUE que “que os EstadosMembros são competentes para prever sanções em caso de violação dos requisitos formais relativos ao exercício do direito a dedução do IVA. Nos termos do artigo 273.° da Diretiva 2006/112, os EstadosMembros têm a faculdade de adotar medidas para assegurar a cobrança exata do imposto e evitar a fraude, desde que tais medidas não vão além do que é necessário para atingir tais objetivos nem ponham em causa a neutralidade do IVA (...).

Nomeadamente, o direito da União não impede os EstadosMembros de aplicarem, sendo caso disso, uma multa ou uma sanção pecuniária proporcionada à gravidade da infração, a fim de punir a violação das exigências formais

Ou seja, e desde logo, ao contrário do que se entendeu no RIT, a consequência das facturas não preencherem todos os requisitos legais previstos no art.º 36.º do CIVA não é não serem suporte válido para a dedução de imposto, sendo o TJUE taxativo no sentido de que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a factura não preencher os requisitos.

A referida consequência apenas será legítima, portanto, se a AT não dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos, em termos de não lhe permitir a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA, não se devendo a AT limitar ao exame da própria factura, mas devendo igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo.

De igual modo, não é pelo facto de se ter procedido incorretamente à liquidação do IVA que existe a obrigatoriedade de proceder à respetiva entrega nos cofres do Estado, já que ao sujeito passivo há-se ser dada a possibilidade de demonstrar que o imposto liquidado indevidamente não foi objeto de dedução.

Acresce que, também neste caso, a Administração Fiscal tem sempre a possibilidade de saber se o adquirente exerceu ou não o direito à dedução do imposto mencionado indevidamente em factura.

É, portanto, à luz destes critérios que cumpre aferir a legalidade das correcções efectuadas.

 

*

Tendo em conta o quanto se expôs, considera-se que as deficiências formais detectadas pela AT não são, em concreto, idóneas a, de per si, implicarem a obrigatoriedade de proceder à entrega do imposto liquidado indevidamente, uma vez que a AT dispõe de todos os dados para verificar que não foi exercido o direito à dedução desse imposto e que as transmissões que ocorreram posteriormente foram objeto de liquidação de imposto.

Por outro lado, o processo contém elementos suficientes para se poder concluir que as mercadorias foram inicialmente enviadas à consignação, não havendo, por essa razão, que sujeitar tais transmissões a imposto no momento do respetivo envio.

Deste modo, e sem prejuízo das eventuais sanções que possam caber ao caso, pela violação dos normativos que regem o formalismo das facturas, está a AT na posse da informação necessária a assegurar o controle da verificação dos requisitos substanciais inerentes às operações levadas a efeito, não lhe sendo lícito, por isso, sujeitar a imposto uma operação que, nos termos do Código do IVA, fica em regime de suspensão da liquidação.

Acresce que a Autoridade Tributária tem conhecimento que o adquirente das mercadorias enviadas à consignação não deduziu o imposto na aquisição, o que significa que o fundamento que justifica a obrigatoriedade de proceder à entrega, nos cofres do Estado, do IVA liquidado indevidamente, não se verifica no caso concreto em apreço. Na verdade, o legislador estabeleceu tal obrigatoriedade para fazer face aos casos em que o IVA liquidado indevidamente foi objeto de dedução por parte dos adquirentes dos bens ou serviços.

Nesta conformidade, obrigar o sujeito passivo a entregar nos cofres do Estado o imposto que não foi objeto de dedução por parte do adquirente das mercadorias enviadas à consignação, configuraria uma cumulação de imposto contrária à neutralidade, que é a característica principal do Imposto sobre o Valor Acrescentado, tanto mais que ficou devidamente comprovado que a transmissão subsequente foi sujeita a IVA, o qual, por via da declaração periódica, foi entregue nos cofres do Estado.

 

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, os erros que afectam a liquidação, e que acima se indicaram, são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou o acto de liquidação por sua iniciativa.

Tem, pois, direito a ser reembolsado a Requerente da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pela Requerida, pelo pagamento indevido, através de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento do imposto até integral reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

5. Decisão

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em conceder provimento ao pedido de pronúncia e, em consequência, determinar a anulação das liquidações adicionais do IVA referentes aos anos de 2014 e 2015.

6. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 100.952,30, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

7. Custas

 

Fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Lisboa, 14 de março de 2018

 

Os Árbitros

 

 

(José Poças Falcão)

 

 

 

 

(Paulo Lourenço)

 

 

 

(Raquel Franco)

 

 



[1] O próprio STA tem, já de algum tempo a esta parte, enveredado por entendimento diferente, afirmando, por exemplo, no Ac. de 22-04-2015, proferido no processo 0879/14, que “o facto de não terem sido estritamente cumpridos os formalismos legalmente previstos para a resolução da questão em discussão nos autos, na perspectiva da AT, isso não a autoriza a manter uma liquidação e a proceder à cobrança coerciva de um imposto que se sabe não ser devido”.

[2] Acórdão do STA de 15-04-2009, proferido no processo 0951/08.