DECISÃO ARBITRAL [1]
O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 20 de Dezembro de 2017, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A…, titular do número de identificação fiscal…, residente na Rua …, nº…, …, …-… …, (doravante designado por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 11 de Outubro de 2017, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. O Requerente pretende, no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, “(a) a declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de ISV identificado (…) e consequentemente; (b) a declaração de ilegalidade e anulação das decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que confirmaram o ato liquidatário (…) em crise; (c) a restituição do imposto pago acrescido dos juros indemnizatórios calculados sobre o montante pago indevidamente (…)”.
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 12 de Outubro de 2017 e notificado ao Requerente na mesma data.
1.4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 28 de Outubro de 2017, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.5. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20 de Dezembro de 2017, tendo sido proferido despacho arbitral, em 21 de Dezembro de 2017, no sentido de notificar a Requerida para, “(…) em 30 dias, responder, juntar cópia do processo administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional”
1.7. Em 5 de Fevereiro de 2018, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção e por impugnação e concluído que “(…) deverá: a) ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Autoridade Tributária e Aduaneira, face à verificação da excepção de incompetência do tribunal; ou, caso assim não se entenda, b) ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente”.
1.8. Na mesma data, a Requerida juntou aos autos o processo administrativo.
1.9. Por despacho arbitral de 5 de Fevereiro de 2018, foi o Requerente notificado para no prazo de dez dias, querendo, se pronunciar sobre a matéria de excepção deduzida pela Requerida na Resposta apresentada.
1.10. O Requerente apresentou, em 7 de Fevereiro de 2018, resposta à matéria de excepção deduzida pela Requerida, reiterando que o pedido formulado nos autos é o de peticionar “(a) a declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de ISV identificado (…) e consequentemente; (b) a declaração de ilegalidade e anulação das decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que confirmaram o ato liquidatário (…) em crise; (c) a restituição do imposto pago acrescido dos juros indemnizatórios calculados sobre o montante pago indevidamente (…)”, concluindo “(…) pela improcedência total das questões prévias suscitadas pela AT, quer a relativa à competência deste Tribunal Arbitral, quer ao valor da causa”.
1.11. Por despacho arbitral, datado de 7 de Fevereiro de 2018, foi decidido por este Tribunal Arbitral, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º do RJAT, da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis, previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT:
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Prescindir da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;
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Prosseguir com a apresentação de alegações escritas (facultativas), com um prazo de 10 dias (sucessivo), iniciando-se o prazo para alegações do Requerente com a notificação do presente despacho e o prazo para alegações da Requerida com a notificação da apresentação das alegações do Requerente;
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Designar o dia 21 de Março de 2018 para efeitos de prolação da decisão arbitral.
1.12. Por último, naquele despacho foi ainda o Requerente notificado que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a efectuar em 8 de Março de 2018).
1.13. Em 20 de Fevereiro de 2018, o Requerente apresentou as suas alegações escritas, reiterando a argumentação utilizada no pedido.
1.14. Em 21 de Fevereiro de 2018, o Requerente apresentou requerimento no sentido de juntar aos autos cópia das facturas referentes aos anos lectivos 2015/2016 e de 2016/2017, relativas à frequência, em escolas portuguesas, dos filhos do Requerente, documentos que havia protestado juntar nas suas alegações.
1.15. Por despacho arbitral da mesma data, foi a Requerida notificada para, querendo, se pronunciar sobre o teor dos referidos documentos, dentro do prazo para alegações em curso.
1.16. Em 20 de Fevereiro de 2018 (mas com conhecimento deste Tribunal Arbitral a 28 de Fevereiro de 2018, por motivos que lhe são alheios), o Requerente veio requerer a junção aos autos de cópia da declaração modelo 3 de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS) relativa ao ano de 2016.
1.17. Por despacho arbitral de 1 de Março de 2018, foi a Requerida notificada para, querendo, se pronunciar sobre o teor do documento identificado no ponto anterior, dentro do prazo para alegações em curso.
1.18 Em 3 de Março de 2018, a Requerida apresentou as suas alegações escritas, reiterando “(…) tudo aquilo que expendeu na sua Resposta, no sentido da improcedência do pedido, dando a mesma por reproduzida” e referindo que “os documentos que foram agora apresentados, em sede de processo arbitral, não constituem elementos probatórios adequados e suficientes a corroborar a alegada fixação de residência por parte do Requerente em Portugal (…)”, porquanto entende a Requerida que:
1.18.1. “(…) por um lado, são apresentadas declarações de frequência de estabelecimento escolar durante o ano civil de 2015, que não estão assinadas nem autenticadas, e por outro, algumas facturas dispersas de pagamento de frequência de ensino no início de 2016, sendo que em Portugal o ano escolar decorre normalmente de setembro/outubro de um ano a junho/julho do ano seguinte” pelo que reitera que “(…) tais documentos nada acrescentam relativamente à fixação do Requerente em Portugal, pelo período mínimo de 12 meses, contados a partir da data de 20/04/2015”.
1.18.2. Por outro lado, “(…) a declaração de rendimentos obtidos no estrangeiro, pelo Requerente, no ano civil de 2016 (…), corroborada pelo resultado de uma simples pesquisa no Google ao perfil profissional (…), dão mostras de que o centro de interesses do Requerente não está localizado em Portugal”.
1.19. A Requerida termina as suas alegações defendendo que “não padece o despacho de revogação da isenção de ISV de qualquer vício de ilegalidade, não podendo o mesmo ser anulado, com a consequente manutenção na ordem jurídica do consequente acto de liquidação do ISV, no valor correspondente ao do benefício concedido”, “razões, pelas quais, deve ser mantido o acto de liquidação que ora vem impugnado”.
1.20. O Requerente, através de requerimento apresentado em 6 de Março de 2018:
1.20.1. Veio referir que “(…) entende que fez prova da frequência da escola Portuguesa por parte dos seus filhos, nos anos letivos de 2015/16, 2016/17 e 2017/18”, porquanto anexou “o documento de matrícula, bem como as facturas das mensalidades da escola” e que, sendo estas facturas “(…) emitidas pelo estabelecimento de ensino, cumprem os requisitos legais e (…) constam do e-factura como despesas de educação dos filhos menores e dependentes do Requerente”, pelo que entende que as mesmas “(…) são do conhecimento da Requerida e (…) não são por estas contestadas (…)”;
1.20.2. Veio, adicionalmente, referir que “a AT nas suas alegações coloca em causa os documentos de matrícula (…)” ao afirmar que “são apresentadas declarações de frequência de estabelecimento escolar durante o ano civil de 2015, que não estão assinadas”, afirmação que o Requerente contesta no requerimento apresentado;
1.20.3. Veio solicitar ao Tribunal que, “no caso de ter dúvidas relativamente à residência do Requerente e de sua família em Portugal e da frequência do ensino português pelos seus filhos (…) mande oficiar o estabelecimento de ensino (…) no sentido de confirmar que os filhos do Requerente frequentaram aquele estabelecimento de ensino durante todo o ano letivo de 2015/16 e de 2016/17 e que se encontram atualmente a frequentar o ano letivo de 2017/18”.
1.21. Por despacho arbitral, de 9 de Março de 2018, o Tribunal Arbitral veio referir que “no âmbito dos poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 16º do (…) RJAT”, nomeadamente, da autonomia (…) na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção (…) de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas e da livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias (…)”, era “de admitir a junção aos autos dos referidos documentos, sendo que a sua relevância probatória, para efeitos do presente processo, será avaliada e decidida em sede de Decisão Arbitral, agendada para o dia 21 de Março de 2018”.
2. CAUSA DE PEDIR
O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
2.1. Começa por esclarecer que pretende que “(…) seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação de ISV (…) identificado (…) e que seja o mesmo anulado, com a consequente restituição do imposto pago (…) acrescido de juros indemnizatórios (…)”.
2.2. Esclarece ainda o Requerente que “o ato liquidatário (…) em crise foi emitido na sequência do Ofício nº … da Autoridade Tributaria (…), que formalizou e notificou a revogação da isenção de ISV a favor do Requerente” mas “o ora Requerente, não podendo concordar com o ato de liquidação de ISV (…) identificado, vem suscitar a respetiva ilegalidade junto deste Tribunal e requerer a respetiva anulação” (sublinhado nosso).
2.3. Entende o Requerente que “(…) este Tribunal é expressamente competente para apreciar pretensões atinentes à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”.
2.4. Por outro lado, refere o Requerente que entende que o pedido é “(…) tempestivo” porquanto o Recurso Hierárquico foi “(…) precedido de notificação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (…)”.
2.5. Neste âmbito, esclarece o Requerente que a “a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa veio aduzida com fundamento na intempestividade do pedido (…)”, referindo ainda que “a Direção de Finanças de Lisboa (…) entendeu que o Requerente estava a reclamar contra o Processo de Execução Fiscal n.º …/2016/… e que a forma de processo estaria incorreta” mas o que “(…) o ora Requerente referiu, na sua petição de Reclamação Graciosa [foi] o número do processo executivo por ser o único processo (…) que era do seu conhecimento”.[2]
Da tempestividade do Recurso Hierárquico
2.6. Por não concordar com os motivos do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, o Requerente interpôs Recurso Hierárquico daquela decisão, alegando que este “(…) foi apresentado em 28-10-2016 por e-mail (…) e por correio expedido em 31-10-2016” pelo que entende que “(…) o Recurso Hierárquico deve considerar-se apresentado em 31-10-2016 e, portanto, é tempestivo (…)”.
Dos fundamentos e das questões de facto de direito objecto dos presentes autos
2.7. Nesta matéria, refere o Requerente que “na sequência da fixação da sua residência em Portugal, bem como da sua família (…) apresentou a Declaração Aduaneira do Veículo (…) nos serviços tributários competentes (…)” e “os serviços tributários emitiram a declaração aduaneira do veículo (…) com o n.º 2015/… de 2015/04/20 (…)”.
2.8. Prossegue o Requerente referindo que “a fim de legalizar o seu veículo com matrícula francesa, de uso pessoal, o Requerente apresentou no Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres IP (…) o Pedido de Certificado de Matrícula para o veículo (…), tendo o referido Certificado de Matrícula sido emitido a 20-10-2015 (…)”.
2.9. Contudo, refere o Requerente que por Ofício “com data de expedição de 28-01-2016 (…), os Serviços Alfandegários comunicaram ao Requerente a revogação da isenção e no mesmo deram-lhe conhecimento da liquidação do ISV (…)” já identificada.
2.10. Acrescenta o Requerente que “em 29-4-2016 (…) expediu requerimento à AT a confirmar a sua residência em Portugal (…)” mas em 15 de Junho de 2016, “(…) a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu despacho no qual informava de um controlo de transferência de residência que (…) não foi comprovada (…)”.
2.11. Ainda “em 29/04/2016, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa nos Serviços de Finanças de Lisboa -… (…)”.
2.12. Prossegue o Requerente referindo que “em 08/07/2016 (…) foi notificado do projeto de decisão e para audição prévia (…), que exerceu (…)” e que “em 29/09/2016 o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (…)”.
2.13. Ora, “não se conformando com a decisão da Reclamação, nem com os fundamentos aduzidos, o ora Requerente apresentou Recurso Hierárquico da mesma, o que fez em 02/11/2016 (…)” tendo o Requerente sido notificado “(…) em 18/05/2017 (…) do projeto de decisão do Recurso e para audição prévia que exerceu (…)”.
2.14. Refere ainda o Requerente que “em 10/07/2017 (…) foi notificado por Ofício (…) da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico (…)” e que “nos sucessivos requerimentos apresentados (…), o Requerente sempre referiu que se encontrava a residir em Portugal e apresentou prova dessa residência, incluindo através da frequência do ensino em Portugal por parte dos seus filhos menores (…)”.
2.15. Nestes termos, entende o Requerente que “(…) cumpre os requisitos e condições estabelecidas nos (…) artigos 59º e 60º do CISV” pelo que reitera que “resulta do exposto e dos documentos em anexo que o veículo em causa, propriedade do Requerente, está isento de imposto” e tendo a isenção sido “(…) reconhecida pela AT (…)” assim deverá “(…) ser mantida” (negrito do Requerente).
2.16. Assim, reitera o Requerente que “a liquidação de imposto é ilegal por violação das normas (…) mencionadas de isenção, foi emitida com erro sobre os pressupostos de facto e de direito da tributação e carece de fundamentação, pelo que deve ser anulada”.
2.17. Por outro lado, também conclui o Requerente “(…) pela ilegalidade da decisão da Reclamação Graciosa pelo que a mesma deve ser anulada” e “não se conforma com a decisão do Recurso Hierárquico uma vez que os Serviços da AT ignoram toda a prova feita relativamente aos requisitos de isenção e, concretamente, da sua efetiva e comprovada residência em Portugal (…)”, ignorando “de igual modo (…) os vícios invocados no Recurso Hierárquico e os fundamentos de anulação do acto liquidatário pois aí se refere que (…) o ora Requerente assenta a sua argumentação não em quaisquer vícios ou erros (…) mas sim (…) em contrariar a direito da revogação do benefício e os fundamentos em que a mesma se alicerçou”.
Do reembolso do imposto e dos juros indemnizatórios
2.18. Neste âmbito, “o Requerente requer que, sendo procedente o presente pedido, lhe sejam pagos (…) os respetivos juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária” porquanto entende que se encontram “(…) preenchidos (…) os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante do ISV pago (…)”, “(…) à taxa legal, contados desde a data do pagamento do ISV atá ao seu integral reembolso”.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida respondeu, defendendo-se por excepção e por impugnação, concluindo que deverá “(…) a) ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Autoridade Tributária e Aduaneira, face à verificação da excepção de incompetência do tribunal; ou, caso assim não se entenda, b) ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente”.
Por Excepção
Da Incompetência do Tribunal
3.2. Começa a Requerida por alegar que “(…) o Recorrente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista à anulação da liquidação de Imposto sobre os Veículo (…), formalizado pelo documento nº … (…), emitido na sequência do despacho de revogação de isenção de ISV (…)”.
3.3. Refere ainda a Requerida que “é (…) indicado no art.º 65º do Pedido que “o valor da utilidade económica do pedido é o valor correspondente ao ISV que aqui se impugnam, no montante total de € 5.742,27 (…)”.
3.4. Ora, segundo a Requerida, “o documento nº … (…) identificado pelo Recorrente, corresponde à notificação para pagamento integral voluntário em processo de execução fiscal (…), o qual foi instaurado na sequência do não pagamento voluntário e tempestivo do imposto em ISV que foi regularmente liquidado e notificado ao Requerente”, pelo que “(…) o referido valor de € 5.742,27, corresponde à quantia da dívida exequenda e acrescidos que veio a ser paga pelo Requerente, em 24/11/2016, na sequência de notificação de penhora”.
3.5. Nesta matéria, conclui a Requerida que “(…) o Requerente funda o seu pedido na notificação para pagamento da dívida em sede de processo de execução fiscal, com a identificação da dívida exequenda e acrescidos, em fase de cobrança coerciva”.
3.6. Neste âmbito, segundo a Requerida, “(…) de acordo com a vontade expressa do legislador, no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT fixam-se, com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral” sendo que “(…) o rigor dessa fixação exprime-se através da enunciação taxativa da competência desta jurisdição (…)”, pelo que entende que daí decorre “(…) a incompetência do tribunal arbitral para apreciar o mérito do pedido do Recorrente”.
3.7. Assim, entende a Requerida que “(…) verifica-se a existência de excepção (dilatória) consubstanciada na incompetência material deste tribunal, que obsta ao conhecimento do pedido e determina a absolvição da (…) Requerida da instância (…)”.
Questão prévia – do valor da causa
3.8. A este respeito, refere a Requerida que “no pedido inicial que submeteu ao tribunal arbitral o Requerente indicou como valor da causa o montante de 5.742,24 €” mas “(…) o valor a atribuir à causa deverá corresponder ao valor do montante de Imposto (…) a pagar pela introdução no consumo do veículo automóvel em questão, o que constitui a utilidade económica do pedido correspondente ao benefício económico a obter com a procedência da presente acção”.
3.9. Por outro lado, refere também a Requerida que “(…) o valor atendível para efeitos de custas, quando seja impugnada a liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende”, pelo que entende a Requerida que “(…) tendo em conta que o valor da causa deve corresponder ao montante a anular (…) de 5.248,68 €, deve ser este o valor atendível para atribuir o valor à causa”.
Por impugnação
3.10. Nesta matéria, refere a Requerida que “de acordo com a informação constante da DAV, foi declarado o regime de transferência de residência (…) e, consequentemente, concedida a isenção de Imposto Sobre Veículos (…)” tendo sido “(….) efectuado um controlo a posteriori da isenção de ISV concedida por referência ao veículo (…) identificado (…) para confirmação do requisito da isenção atinente à transferência de residência” mas “neste âmbito constatou-se que o Requerente e sua mulher não eram conhecidos na morada em questão, nela residindo outra pessoa (…), pelo que, por despacho do diretor da Alfândega foi decidido notificar o proprietário do veículo da intenção de revogação da isenção de ISV”.
3.11. Prossegue a Requerida referindo que “pelo ofício n.º…, de 16.11.2015, da mesma alfândega, foi o Requerente notificado da decisão – intenção de revogação – da isenção de ISV, e seus fundamentos, tendo-lhe sido concedido o prazo de 15 dias para informar por escrito, o que se lhe oferecer sobre o assunto informando-se igualmente de que, se nada de relevante viesse a ser acrescentado ao processo, o acto de deferimento da isenção seria revogado e liquidado o imposto em dívida no montante de 5.248,68 € (…)”.
3.12. Ora, esclarece a Requerida que “com data de 13.01.2016, foi enviado ao Requerente o ofício n.º…, através do qual se comunica a revogação da isenção de ISV relativa ao veículo (…), fundamentos do acto, bem como a cobrança a posteriori do montante de ISV supra referido, objecto do registo de liquidação n.º 2015/…, de 28.12.2015, para pagamento, tendo sido indicados os meios de reação, previstos na lei, para o despacho de revogação do benefício e para o acto de liquidação”.
3.13. Mais esclarece a Requerida que “a carta com a notificação veio a ser devolvida, com a indicação de que o destinatário tinha mudado a sua morada (…), pelo que foi novamente notificado através do ofício n.º…, de 28.01.2016 (…)”, sendo que “após a remessa da dívida ao serviço competente para efeitos de execução fiscal, veio o Requerente informar a alfândega (…), de que tinha alterado a sua morada juntando documentos relativos ao invocado”.
3.14. Ora, refere a Requerida que “face ao teor da comunicação do sujeito passivo, tendo em consideração o facto de o Requerente se declarar como residente não habitual e não declarar rendimentos em Portugal, foi proposta a realização de um controlo na nova morada, tendo sido constatado, neste âmbito, aquando da deslocação à nova morada indicada, que o mesmo Requerente e sua mulher são desconhecidos no local e na zona”, “concluindo-se que, não se conseguindo localizar o interessado, não foi comprovada a transferência de residência, prosseguindo a execução fiscal, notificando-se, o Requerente, em conformidade”.
3.15. Confirma ainda a Requerida que:
3.15.1. “O Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação da dívida que foi analisada pelos serviços da Direção de Finanças de Lisboa (…), tendo-se concluído pelo seu indeferimento porquanto, em suma, o procedimento utilizado não é o próprio por a dívida se encontrar em execução fiscal (…), o órgão reclamado não é o competente, por a competência estar atribuída ao serviço aduaneiro, no caso a alfândega do Jardim do Tabaco, se verifica a intempestividade do pedido porque, ocorrendo a data limite de pagamento do imposto a 27.12.2015, só foi apresentado em 29.04.2016”;
3.15.2. “Posteriormente, em 02.11.2016, o Requerente veio apresentar recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, pugnando pela tempestividade do pedido, pela convolação do processo na forma adequada e pela remessa para o serviço competente e pela verificação dos requisitos da isenção”, tendo este recurso sido “(…) indeferido por despacho de 06.07.2017 do Subdirector-geral da área de gestão tributária-IEC da AT, com os fundamentos descritos nos ofícios n.º…, de 18.05.2017, e n.º…, de 10.07.2017, da Divisão do Imposto sobre os Veículos da Direcção de Serviços dos Impostos Especiais de Consumo e do Imposto sobre os Veículos (…)”.
3.16. Defende a Requerida que “(…) para o enquadramento legal da questão ora submetida à sindicância do tribunal, no que concerne à isenção de ISV aquando da verificação de uma situação de transferência de residência releva, particularmente, o disposto no artigo 58.º do CISV (…)”.
3.17. Adicionalmente, refere ainda a Requerida que para “além do vertido na legislação que ora se alude, aplicável à isenção de ISV por ocasião da transferência de residência para o território nacional, atente-se no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) (…)”, defendendo a Requerida que “quanto ao reconhecimento dos benefícios fiscais, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) dispõe, no artigo 65.º, que o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim (…)”.
3.18. Alega ainda a Requerida que “(…) as isenções previstas no Capítulo VI dependem de reconhecimento da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (…), mediante pedido do interessado e verificação dos respectivos pressupostos”, sendo que “(…) todas as pessoas (…) a quem sejam concedidos benefícios fiscais (…) ficam sujeitas a fiscalização (…) para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respectivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios”.
3.19. E, acrescenta a Requerida que, “embora (…) o acto administrativo que conceda um benefício fiscal não seja revogável, caso haja inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, pode aquele acto ser revogado”, “determinando a revogação de um benefício a reposição automática da tributação-regra no caso do ISV (…)”.
Da improcedência dos argumentos do Requerente
3.20. Neste âmbito, refere a Requerida que “o Requerente vem solicitar a constituição do tribunal arbitral com vista à anulação da liquidação de ISV formalizado no documento n.º … (…)” mas este “(…) trata-se de um Documento Único de Cobrança emitido pelo serviço de finanças de Lisboa-… no âmbito do processo de execução fiscal (Processo …2016…) instaurado, para cobrança coerciva, na sequência do não pagamento da dívida de ISV dentro do prazo legal voluntário previsto para esse efeito”.
3.21. Refere ainda a Requerida que “tal liquidação foi notificada ao Requerente, através do ofício n.º…, de 13/01/2016, da Alfândega do Jardim do Tabaco, comunicando que, por despacho de 14/12/2015 do Director da Alfândega do Jardim do Tabaco, tinha sido revogado o despacho de deferimento do pedido de benefício fiscal requerido para a admissão do veículo, com fundamento na constatação, no âmbito de um controlo a posteriori à concessão de benefícios fiscais, de que não manteve a residência permanente em território nacional por um período mínimo de 12 meses (…)”.[3]
3.22. Nestes termos, não concorda a Requerida com a posição defendida pela Requerente da “(…) pretensa ilegalidade do acto tributário, com base na isenção de ISV (…)” porquanto entende que “(…) os elementos apresentados pelo Requerente não fazem prova suficiente da permanência em território nacional por um período mínimo de 12 meses após a transferência de residência para Portugal, que ocorreu em Abril de 2015”.
3.23. Na verdade, alega a Requerida que com “(…) os documentos que foram juntos ao processo, pelo Requerente (…) onde se refere expressamente que o Requerente reside habitualmente em França (…)” não se “(…) permite concluir, ou determinar, se o Requerente transferiu a sua residência habitual/normal para Portugal (…)” e “quanto às facturas de consumo de electricidade no local do prédio urbano sito em …, Cascais e de Inscrição no pré-escolar, são ambas referentes ao mês de Agosto, o que só pode, eventualmente, comprovar que o Requerente consumiu electricidade em Portugal naquele mês e que os seus filhos estiveram inscritos numa escola num mês em que não há actividades lectivas, o que é consistente com uma estadia de lazer ou férias e não com uma residência permanente”, concluindo a Requerida que “tais elementos de prova, da realização de investimento imobiliário em Portugal e da utilização e pagamento de fornecimentos e serviços em Portugal, indicam a estadia do Recorrente em Portugal, mas não fazem prova suficiente e adequada da sua fixação, e da sua família, de residência no território nacional, nos termos em que é exigido pelo artigo 47.º, n.º 2, do CISV (…)”.[4]
3.24. Assim, entende a Requerida que “não se comprova (…) a condição prevista na alínea a), do n.º 1 do artigo 60.º do CISV, que exige uma transferência de residência normal do interessado para o território nacional”, acrescentando que “o requisito relativo à transferência de residência normal para o território nacional tem sido entendido pela jurisprudência que deverá reportar-se à residência efectiva do interessado, considerando-se como residência habitual o local onde a pessoa tem a sua existência organizada e que como tal lhe serve de base de vida, e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos (…)”.[5]
3.25. Por outro lado, acrescenta ainda a Requerida que, “(…) o que o Requerente faz no seu pedido (…) é sindicar a decisão de revogação do benefício fiscal”, porquanto “(…) toda a fundamentação se reconduz à alegada verificação dos pressupostos legais de reconhecimento do benefício fiscal, afirmando (…) o Requerente que o vício de ilegalidade de que padece o ato liquidatário ora em crise é precisamente o da violação da norma de isenção (…), mais parecendo querer suscitar, junto do tribunal arbitral, pronúncia sobre matéria de reconhecimento de benefício fiscal, que, por se tratar de acto administrativo em matéria tributária se encontra excluído da apreciação da legalidade da liquidação de tributos”.
3.26. Neste termos, conclui a Requerida que “não assiste, pois, razão ao Requerente, não permitindo os elementos apresentados fazer prova do que vem alegado”, “razões, pelas quais, deve ser mantido o acto de liquidação que ora vem impugnado”.
4. QUESTÕES PRÉVIAS
4.1. A Requerida, na Resposta apresentada, veio suscitar a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido apresentado pelo Requerente, bem como a questão prévia do valor da causa.
4.2. De acordo com o disposto no artigo 608º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 22º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica” devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)” (sublinhado nosso).
Excepção da Incompetência do Tribunal Arbitral
4.3. O Requerente submeteu à apreciação deste Tribunal Arbitral os seguintes pedidos:
4.3.1. De declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) identificado, com a consequente anulação do mesmo;
4.3.2. De declaração de ilegalidade das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico apresentadas, com a consequente anulação das mesmas e,
4.3.3. De restituição do imposto pago acrescido dos juros indemnizatórios calculados sobre o montante pago indevidamente.
4.4. Neste âmbito, alega a Requerida que se verifica a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido porquanto entende que “(…) o Recorrente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista à anulação da liquidação de Imposto sobre os Veículo (…), formalizado pelo documento nº … (…), emitido na sequência do despacho de revogação de isenção de ISV (…)”, pelo que entende que “(…) o Requerente funda o seu pedido na notificação para pagamento da dívida em sede de processo de execução fiscal, com a identificação da dívida exequenda e acrescidos, em fase de cobrança coerciva”.
4.5. Ora, entende a Requerida que “(…) de acordo com a vontade expressa do legislador, no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT (…)” ao fixar “(…) quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral”, daí decorre, em consequência, “(…) a incompetência do tribunal arbitral para apreciar o mérito do pedido do Recorrente”.
4.6. Assim, conclui a Requerida que se verifica “(…) a existência de excepção (dilatória) consubstanciada na incompetência material deste tribunal, que obsta ao conhecimento do pedido e determina a absolvição da Entidade Requerida da instância (…)”.
4.7. Notificado para se pronunciar quanto a esta matéria de excepção, o Requerente veio referir que
4.7.1. “(…) o Requerente não submeteu à apreciação do Tribunal qualquer questão relacionada com o processo de execução fiscal relativo à cobrança coerciva do tributo cuja declaração de ilegalidade vem requerer”, porquanto entende que “(…) fez prova (…) de que efectuou o pagamento da liquidação do ISV pelo que, a data da apresentação da presente acção, o processo de execução fiscal já estava extinto pelo pagamento”;
4.7.2. “(…) o tribunal Arbitral tem competência para apreciação e para a declaração de ilegalidade do tributo em crise nestes autos”.
4.8. Nestes termos, cumpre analisar esta questão da eventual incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar e decidir do pedido apresentado pelo Requerente.
4.9. Em termos gerais, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2º, nº 1, do RJAT sendo que, nos termos desta norma, a competência dos tribunais arbitrais compreende “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, bem como “a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais” (sublinhado nosso).
4.10. No caso em concreto, tendo sido também pedida também a declaração de ilegalidade e anulação das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico apresentado relativamente à liquidação de ISV identificada, importa, antes de mais, também esclarecer se a declaração de ilegalidade destes actos de indeferimento se incluem nas competências atribuídas aos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT.
4.11. Na verdade, no já referido artigo 2º do RJAT não é efectuada qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucedia com a autorização legislativa que serviu de base à aprovação do RJAT, quando naquela se referia, nomeadamente, “actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação”.
4.12. Contudo, a fórmula “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a), do nº 1 do artigo 2º do RJAT não restringe (numa mera interpretação declarativa), o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto daquela natureza.
4.13. Com efeito, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
4.14. Assim, a inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau (que são o objecto imediato da pretensão impugnatória), resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais.
4.15. Ora, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade daqueles actos, o qual se o confirma tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de primeiro grau.
4.16. Assim, para além da apreciação directa da legalidade do tipo de actos descritos no ponto 4.9., supra, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as competências para apreciar actos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daquela natureza, designadamente, de actos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos [conforme se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10º, nº 1, alínea a), do RJAT ao nº 2 do artigo 102º do CPPT].
4.17. Por outro lado, tem também sido entendido, em sintonia com jurisprudência do STA que, na sequência da declaração de ilegalidade de actos de liquidação, proferida em processo de impugnação judicial, podem ser proferidas decisões de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, bem como de condenação no pagamento de indemnizações por garantia indevida, por força do disposto no artigo 171º, nº 1, do CPPT.
4.18. Ora, para além das situações acima elencadas, tem sido entendido que não há qualquer suporte legal para permitir que sejam proferidas, pelos tribunais arbitrais, condenações de outra natureza, mesmo que sejam em consequência da declaração de ilegalidade de actos de liquidação.
4.19. Assim, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD encontra-se limitada (como acima vimos nos pontos 4.9. a 4.17.) às matérias indicadas no artigo 2º, nº 1, do RJAT e, numa segunda linha, a referida competência está também limitada pelos termos em que Administração Tributária se encontra vinculada àquela jurisdição, de acordo com o disposto na Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
4.20. Com efeito, o artigo 4º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, (…)”.
4.21. Assim, em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende, essencialmente, dos termos desta vinculação porquanto, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável no acima já referido artigo 2º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação acima identificada, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por um Tribunal Arbitral.
4.22. Ora, no caso em análise, não se está perante nenhuma das situações expressamente excluídas do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
4.23. Com efeito, o Requerente peticiona:
4.23.1. A declaração de ilegalidade do acto de liquidação de ISV identificado, com a consequente anulação do mesmo;
4.23.2. A declaração de ilegalidade das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico apresentadas, com a consequente anulação das mesmas e,
4.23.3. A restituição do imposto pago acrescido dos juros indemnizatórios calculados sobre o montante pago indevidamente.
4.24. Assim, face ao acima exposto, dado que o acto cuja ilegalidade é peticionada não é (nem poderia ser) o que decorre de um processo de execução, entende este Tribunal Arbitral ser competente para apreciar os pedidos apresentados pelo Requerente de declaração de ilegalidade, quer do acto de liquidação de ISV, quer de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado (em consequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada), e desta última decisão, com as consequência daí decorrentes, nomeadamente, no que diz respeito à restituição do imposto pago acrescido dos juros indemnizatórios.
4.25. Em consequência, improcede a excepção, suscitada pela Requerida, da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria.
Questão do valor da causa
4.26. Neste âmbito, refere a Requerida que “no pedido inicial (…) o Requerente indicou como valor da causa o montante de 5.742,24 €” mas “(…) o valor a atribuir à causa deverá corresponder ao valor do montante de Imposto sobre os Veículos a pagar pela introdução no consumo do veículo automóvel em questão, o que constitui a utilidade económica do pedido correspondente ao benefício económico a obter com a procedência da presente acção”, sendo que “(…) o valor atendível para efeitos de custas, quando seja impugnada a liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende”.
4.27. Assim, entende a Requerida que “(…) tendo em conta que o valor da causa deve corresponder ao montante a anular (…) de 5.248,68 €, deve ser este o valor atendível para atribuir o valor à causa” (sublinhado nosso).
4.28. Nesta matéria, o Requerente veio contrapor referindo que “(…) o valor indicado é o valor correto, tendo em consideração que é esse o valor cuja anulação se requer e não outro, por ter sido esse o que foi cobrado e o que foi (indevidamente) pago pelo Requerente”, citando doutrina emanada em decisão arbitral, nos termos da qual “(…) a apreciação da liquidação de actos tributários como os aqui em causa, implicará também a apreciação da legalidade de encargos com juros de mora e custas por processo de execução, suportados em consequência directa da liquidação daqueles actos”.[6]
4.29. Neste âmbito, refira-se que, em termos gerais, entre as competências dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, definidas no artigo 2º, nº 1, do RJAT e na Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março (acima já analisadas), não se incluem competências para apreciar actos praticados em execução fiscal, mas apenas para declarar a ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, para além de actos de fixação da matéria tributável ou colectável e actos de fixação de valores patrimoniais.
4.30. Ora, não sendo os actos de liquidação de juros de mora e custas em processo de execução fiscal nenhuma das categorias indicadas no ponto anterior, entende este Tribunal Arbitral que não é competente para apreciar a sua legalidade, não conhecendo assim desta parte do valor do pedido.[7]
5. SANEADOR
5.1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[8]
5.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
5.3. A cumulação de pedidos aqui efectuada pelo Requerente, é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
5.4. O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente, excepto quanto à questão referido no ponto 4.30. do Capítulo anterior.
5.5. Para além das excepções suscitadas pela Requerida e já analisadas no Capítulo 4. desta Decisão, não existem outras excepções de que cumpra conhecer.
5.6. Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
6. MATÉRIA DE FACTO
Dos factos provados
6.1. Consideram-se como provados os seguintes factos, com base nos documentos anexados pelo Requerente, bem como com base nos documentos que fazem parte do processo administrativo, anexado pela Requerida, e não contestados pelas Partes:
6.1.1. O Requerente apresentou, em 2015, nos serviços tributários competentes, a Declaração Aduaneira do Veículo (DAV), relativa ao veículo ligeiro de passageiros adquirido em França, marca …, modelo …, matrícula … (de 26/05/2010), para efeitos de “Introdução no Consumo” do referido veículo, ao abrigo do regime especial previsto no artigo 58º do Código do ISV (Transferência de residência).
6.1.2. Na sequência do pedido apresentado, foi emitida a DAV nº 2015/ …, de 20/04/2015 e atribuída a matrícula nacional …, em 24/04/2015.
6.1.3. O Requerente apresentou no Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres, IP (IMTT), o respectivo pedido de Certificado de Matrícula para o veículo acima identificado no ponto 6.1.1., tendo este certificado sido emitido em 20/10/2015.
6.1.4. Por despacho de 14-12-2015, do Director da Alfândega do Jardim do Tabaco (notificado através do Ofício nº…, de 28-01-2016), “foi revogado o despacho de deferimento do pedido de benefício fiscal requerido para a admissão do veículo (…) identificado” porquanto, “no âmbito de um controlo a posteriori à concessão de benefícios fiscais, constatou-se que (…)” o Requerente “não manteve a sua residência permanente em território nacional por um período mínimo de 12 meses (…)”, tendo sido “(…) ordenada a cobrança (…) da quantia de EUR 5.248,68 (…)” relativa à liquidação de ISV nº 2015/…, de 28-12-2015.
6.1.5. Do despacho identificado no ponto anterior, consta ainda que “o pagamento da importância (…) referida deve ser efectuado no prazo de 10 dias úteis, contados da presente notificação, podendo ainda, ser efectuado nos 30 dias seguintes, acrescido dos juros de mora que se mostram exigíveis” sendo que “findo este prazo sem que se tenha efectuado o pagamento é extraída certidão de dívida para efeitos de cobrança coerciva”.
6.1.6. Adicionalmente, no referido despacho, era indicado que o Requerente poderia impugnar o mesmo nos termos e prazos aí apresentados.
6.1.7. Em 29-04-2016, o Requerente apresentou Requerimento junto da Requerida, no sentido de confirmar a sua residência em Portugal, na Rua do…, …, em … .
6.1.8. Na mesma data, o Requerente apresentou reclamação graciosa (Processo nº …2016…), no sentido de requerer a anulação do ISV liquidado (titulado pelo documento nº…), em consequência da anulação do benefício fiscal concedido, por entender que cumpria com os requisitos e condições estabelecidos no Código do ISV e que, por isso, o veículo ligeiro em causa não estaria sujeito a este imposto.
6.1.9. Em 2 de Maio de 2016, o Requerente apresentou requerimento junto das autoridades competentes a confirmar a sua residência em Portugal.
6.1.10. O Requerente foi notificado do Ofício nº…, de 15 de Junho de 2016, no qual a Alfândega do Jardim do Tabaco informou o Requerente de ter sido efectuada, no domicílio fiscal indicado, uma nova acção de controlo à transferência de residência para Portugal, não se tendo comprovado a mesma.
6.1.11. O Requerente foi notificado de Ofício, datado de 08-07-2016, relativo (i) ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, com base no facto de a Requerida entender que aquela foi apresentada fora de prazo e que “o pedido de isenção deve seguir os trâmites dos artigo 59º a 61º do Código do ISV e não a reclamação graciosa do artigo 68º do CPPT”, bem como relativo (ii) à notificação para exercer, querendo, o respectivo direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia.
6.1.12. O Requerente apresentou, em 27-07-2016, por escrito o seu direito de audição prévia relativo ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada no ponto 6.1.8.
6.1.13. O Requerente foi notificado do Ofício nº…, de 29-09-2016, relativo ao despacho de indeferimento liminar da reclamação graciosa apresentada, com base nos argumentos referidos no ponto 6.1.9. (projecto de decisão), ou seja, inadequação do meio e por intempestividade do pedido.
6.1.14. O Requerente apresentou, em 2-11-2016, recurso hierárquico relativo à decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada, requerendo (i) a revogação da decisão daquela reclamação graciosa, (ii) o reconhecimento do direito à isenção de ISV e (iii) a anulação da liquidação de ISV que deu origem ao processo de execução fiscal e à emissão do DUC.
6.1.15. O Requerente foi notificado do Ofício nº…, de 18-05-2017, relativo (i) ao projecto de indeferimento do recurso hierárquico apresentado, com base no facto de a Requerida entender que “(…) a argumentação (…) reiterada no presente recurso hierárquico está dirigida na sua essência à decisão de revogação do benefício fiscal e não propriamente a erros ou vícios imputados ao acto de liquidação do imposto devido e considerando (…) que no cado (…) está afastada a possibilidade de convolação (…)” entendeu a Requerida que “(…) o recurso hierárquico deverá ser indeferido, sendo de manter a decisão recorrida, com excepção da questão da tempestividade na apresentação da reclamação, reconhecendo-se que nesta parte assiste razão ao recorrente”, bem como relativo (ii) à notificação para exercer, querendo, o respectivo direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia.
6.1.16. O Requerente apresentou, em 20-06-2017, por escrito o seu direito de audição prévia relativo ao projecto de indeferimento do recurso hierárquico acima identificado, referindo que “é de concluir pela procedência do recurso hierárquico, considerando-se que o acto que (…) pretende atacar é a liquidação do ISV por ser este o ato liquidatário impugnado, o qual se pretende anular (…), com os fundamentos em ilegalidade por violação das disposições legais relativas à isenção de imposto (…) mencionadas”.
6.1.17. O Requerente foi notificado do Ofício nº…, de 10-07-2017, relativo ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado, datado de 06-07-2017, proferido com base nos argumentos referidos no ponto 6.1.15. (projecto de decisão).
6.2. Não se provaram quaisquer outros factos relevantes passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.
Dos factos não provados
6.3. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
7. FUNDAMENTOS DE DIREITO
7.1. Nos autos, os pedidos formulados pelo Requerente foram no sentido de obter:
7.1.1. A declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de ISV identificado;
7.1.2. A declaração de ilegalidade e anulação das decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que confirmaram o referido acto tributário e,
7.1.3. A restituição do imposto pago acrescido dos juros indemnizatórios calculados sobre o montante pago indevidamente.
7.2. O Requerente sustenta o seu pedido arbitral no facto de “o ato liquidatário (…) em crise [ter sido] (…) emitido na sequência do Ofício nº… da Autoridade Tributaria (…), que formalizou e notificou a revogação da isenção de ISV a favor do Requerente” mas este “(…), não podendo concordar com o ato de liquidação de ISV (…) identificado, vem suscitar a respetiva ilegalidade junto deste Tribunal e requerer a respetiva anulação”.
7.3. Para efeitos do exposto no ponto anterior, refere o Requerente que “(…) cumpre os requisitos e condições estabelecidas nos (…) artigos 59º e 60º do CISV” pelo que “resulta do exposto e dos documentos em anexo que o veículo em causa, propriedade do Requerente, está isento de imposto” e tendo a isenção sido “(…) reconhecida pela AT (…)” assim deverá “(…) ser mantida” (sublinhado nosso).
7.4. Adicionalmente, entende o Requerente que “a liquidação de imposto é ilegal por violação das normas (…) mencionadas de isenção, foi emitida com erro sobre os pressupostos de facto e de direito da tributação e carece de fundamentação, pelo que deve ser anulada”, concluindo também “(…) pela ilegalidade da decisão da Reclamação Graciosa pelo que a mesma deve ser anulada”, não se conformando “(…) com a decisão do Recurso Hierárquico uma vez que os Serviços da AT ignoram toda a prova feita relativamente aos requisitos de isenção e, concretamente, da sua efetiva e comprovada residência em Portugal para assumir que foram feitas diligências (…) junto à nova morada, o qual veio informar que o Sr. A… ou a Sra B… são desconhecidos naquele local e naquela zona (…)” (sublinhado nosso).
7.5. Para sustentação da sua posição, defende a Requerida que “de acordo com a informação constante da DAV, foi (…) concedida a isenção de Imposto Sobre Veículos (…)” mas, tendo sido “(….) efectuado um controlo a posteriori da isenção de ISV concedida por referência ao veículo (…) identificado (…) para confirmação do requisito da isenção atinente à transferência de residência”, “neste âmbito constatou-se que o Requerente e sua mulher não eram conhecidos na morada em questão (…)”.
7.6. Assim, refere a Requerida que, após notificação de intenção de revogação do referido benefício fiscal em sede de ISV, o Requerente foi notificado do “(…) ofício n.º…, através do qual se comunica a revogação da isenção de ISV relativa ao veículo (…) e para o acto de liquidação”, carta que “(…) veio a ser devolvida, com a indicação de que o destinatário tinha mudado a sua morada (…), pelo que foi novamente notificado através do ofício n.º…, de 28.01.2016 (…)”, sendo que “após a remessa da dívida ao serviço competente para efeitos de execução fiscal, veio o Requerente informar a alfândega (…), de que tinha alterado a sua morada juntando documentos relativos ao invocado”.
7.7. Adicionalmente, refere a Requerida que “face ao teor da comunicação do sujeito passivo (…) foi proposta a realização de um controlo na nova morada, tendo sido constatado (…) aquando da deslocação à nova morada indicada, que o (…) Requerente e sua mulher são desconhecidos no local e na zona”, “concluindo-se que, não se conseguindo localizar o interessado, não foi comprovada a transferência de residência, prosseguindo a execução fiscal (…)” (sublinhado nosso).
7.8. Por outro lado, não concorda a Requerida com a posição defendida pela Requerente da “(…) pretensa ilegalidade do acto tributário (…)” porquanto entende que “(…) os elementos apresentados pelo Requerente não fazem prova suficiente da permanência em território nacional por um período mínimo de 12 meses após a transferência de residência para Portugal, que ocorreu em Abril de 2015” porquanto entende a Requerida que “não se comprova (…) a condição prevista na alínea a), do n.º 1 do artigo 60.º do CISV, que exige uma transferência de residência normal do interessado para o território nacional”, acrescentando que “o requisito relativo à transferência de residência normal para o território nacional tem sido entendido pela jurisprudência que deverá reportar-se à residência efectiva do interessado, considerando-se como residência habitual o local onde a pessoa tem a sua existência organizada e que como tal lhe serve de base de vida, e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos (…)” (sublinhado nosso).
7.9. Em consequência, a Requerida decidiu revogar a isenção de ISV anteriormente concedida e entende que “(…) o que o Requerente faz no seu pedido (…) é sindicar a decisão de revogação do benefício fiscal”, porquanto “(…) toda a fundamentação se reconduz à alegada verificação dos pressupostos legais de reconhecimento do benefício fiscal, afirmando (…) o Requerente que o vício de ilegalidade de que padece o ato liquidatário (…) em crise é precisamente o da violação da norma de isenção (…), mais parecendo querer suscitar, junto do tribunal arbitral, pronúncia sobre matéria de reconhecimento de benefício fiscal, que, por se tratar de acto administrativo em matéria tributária se encontra excluído da apreciação da legalidade da liquidação de tributos” (sublinhado nosso).
7.10. Nestes termos, conclui a Requerida que “não assiste (…) razão ao Requerente, não permitindo os elementos apresentados fazer prova do que vem alegado”, “razões, pelas quais, deve ser mantido o acto de liquidação que ora vem impugnado”.
7.11. Neste âmbito, cumpre ao Tribunal Arbitral analisar o pedido e aferir a qual das Partes assiste razão.
7.12. Em termos gerais, de acordo com o disposto no Código do ISV, em vigor à data dos factos, estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas” [artigo 2º, nº 1, alínea a)], sendo o imposto devido, nomeadamente, pelas “(…) pessoas que, de modo irregular, introduzam no consumo os veículos tributáveis” (artigo 3º, nº 2).
7.13. De acordo com o disposto no artigo 5º do Código do ISV, “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, sendo que, de acordo com o nº 3 alínea a), “para efeitos do presente código entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional”.
7.14. No caso referido no ponto anterior, de acordo com o disposto no artigo 6º, nº 1, alínea b, “o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada (…) no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares”, sendo que “a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível” (nº 3).[9]
7.15. No que diz respeito à introdução no consumo, estabelece o artigo 17º, nº 1 do referido Código que “a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)”, sendo que nos termos do nº 3, “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…), ainda que excluídos do imposto, ficam sujeitos ao processamento da DAV”.
7.16. De acordo com o disposto no artigo 20º, nº 1 do Código do ISV, “os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV (…)” nos prazos aí previstos, sendo que, nos termos do seu nº 2, se enumeram os documentos que a devem acompanhar.
7.17. Adicionalmente, de acordo com o disposto no artigo 21º do Código do ISV, “as alfândegas devem proceder ao registo numérico da DAV na data da sua apresentação ou, quando tal se revele impossível, no dia útil seguinte”, podendo haver “(…) lugar a anulação da DAV já registada antes de pago ou garantido o imposto, a pedido do interessado, quando se comprove que um veículo foi erradamente declarado para um determinado regime fiscal ou que, na sequência de circunstâncias especiais, deixou de se justificar a sujeição a esse regime”.
7.18. No que diz respeito à liquidação do ISV, de acordo com o disposto no artigo 25º, nº 1 do Código daquele imposto, esta “(…) é realizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) com base na DAV (…), dentro dos (…) prazos (…)” aí previstos.
7.19. De acordo com o nº 4 daquele artigo 25º, “sempre que o veículo tributável tenha beneficiado de isenção de imposto ou de redução de taxa, a liquidação assenta na diferença entre o imposto a pagar e aquele que já tenha sido pago ou que o deveria ser, caso não houvesse lugar à isenção ou taxa reduzida”.
7.20. No que diz respeito à liquidação oficiosa de imposto, determina o artigo 26º do Código do ISV que “na falta ou atraso de liquidação imputável ao sujeito passivo ou no caso de erro, omissão, falta ou qualquer outra irregularidade que prejudique a cobrança do imposto, a Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo liquida-o oficiosamente com base nos elementos de que disponha, notificando o sujeito passivo para, no prazo de 10 dias úteis, proceder ao respetivo pagamento”, sendo que “decorridos 30 dias sobre o vencimento do imposto sem que se tenha efetuado o respetivo pagamento ou declaração de abandono do veículo a favor do Estado, a Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo procede de imediato à respetiva apreensão, promovendo procedimento contraordenacional por introdução irregular no consumo e emitindo certidão de dívida, a remeter ao serviço de finanças do domicílio fiscal do devedor para efeitos de cobrança coerciva” (artigo 27º, nº 2).
7.21. Não obstante o regime regra acima apresentado, existem algumas isenções legalmente previstas, cuja aplicação depende da verificação de determinados requisitos.
7.22. No caso em análise, o Requerente apresentou requerimento no sentido de beneficiar da isenção prevista no artigo 58º, nº 1 do Código do ISV, nos termos da qual “estão isentos de imposto os veículos da propriedade de pessoas, maiores de 18 anos (…), que transfiram a sua residência de um Estado-Membro da União Europeia ou de país terceiro para território nacional, desde que estejam reunidas as condições estabelecidas nos artigos 59.º e 60.º”.
7.23. De acordo com o disposto na lei [artigo 59º, nº 1, alínea a) do Código do ISV], “o reconhecimento da isenção prevista no artigo anterior depende de pedido dirigido à Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, acompanhado de (…) comprovativo da residência noutro Estado-Membro da União Europeia ou em país terceiro por período de 12 meses, seguidos ou interpolados se nesse país vigorarem restrições de estada, e a respetiva transferência para Portugal (…)”.
7.24. Por outro lado, no artigo 60º do Código do ISV, estão também previstas condições relativas ao veículo, sendo que “a isenção de imposto referida no artigo 58.º só é concedida quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições relativas ao veículo:
a) destinar-se a ser introduzido no consumo por ocasião da transferência de residência normal do interessado para território nacional;
b) ter sido adquirido no país de proveniência, ou em país onde anteriormente tenha igualmente residido o proprietário, em condições gerais de tributação e não ter beneficiado na expedição ou exportação de qualquer desagravamento fiscal, presumindo-se tal facto quando o veículo se encontre munido de uma placa de matrícula de série normal, com exclusão de toda e qualquer placa temporária;
c) ter sido propriedade do interessado no país de proveniência, durante pelo menos 12 meses antes da transferência de residência, contados desde a data da emissão do documento que titula a propriedade ou da data em que celebrou o contrato de locação financeira, se for o caso” (sublinhado nosso).
7.25. “Para efeitos do reconhecimento da isenção por transferência de residência, o requerente deve apresentar, juntamente com o pedido (…)” os documentos elencados no artigo 61º do Código do ISV, ou seja:
“a) Declaração aduaneira de veículo;
b) Certificado de matrícula e título de registo de propriedade, se for o caso, comprovativo da propriedade do veículo;
c) Carta de condução válida há pelo menos 12 meses antes da transferência da residência;[10]
d) Certificado de residência oficial, emitido pela entidade administrativa com competência para o controlo de habitantes ou, caso não exista, certificado consular, onde conste a data do início e cessação da residência;
e) Documento da vida quotidiana que ateste a residência no país de proveniência, designadamente, recibos de renda de casa, consumo de água, eletricidade, recibos de vencimento ou provas de desconto para efeitos de saúde e reforma” (sublinhado nosso).
7.26. No caso em análise, o pedido de reconhecimento da isenção de ISV acima referida, oportunamente formalizado pelo Requerente, foi objecto de reconhecimento pelas autoridades competentes.
7.27. Contudo, no âmbito de uma diligência efectuada, posteriormente, pela Requerida no sentido de confirmar a efectiva transferência de residência para Portugal por parte do Requerente, não foi segundo aquela comprovada a mesma, motivo que determinou a revogação da isenção de ISV anteriormente concedida, tendo a Requerida, em consequência, procedido à liquidação de imposto nos termos descritos.
7.28. Assim, aqui chegados terá o Tribunal Arbitral de avaliar se a referida liquidação padece ou não de ilegalidade, devendo em caso afirmativo, mandar-se anular aquele acto tributário, conforme defende o Requerente ou se, pelo contrário, como defende a Requerida, deverá ser mantido o acto de liquidação de ISV que se impugna.
7.29. Ora, neste âmbito, antes de avançarmos com uma conclusão quanto à principal questão a dirimir, atente-se no regime geral dos benefícios fiscais em vigor no ordenamento fiscal nacional, à data a que se reportam os factos.
Do regime dos benefícios fiscais em geral
7.30. Com efeito, o sistema fiscal português dispõe de um conjunto de benefícios fiscais, com vista a promover ou incentivar determinadas operações, setores económicos, actividades, regiões ou agentes económicos, desempenhando, por isso, um papel relevante no desenvolvimento do nosso país, sendo que algumas dessas alternativas constam do EBF (publicado pelo Decreto-Lei nº 215/89 de 1 de Julho, diploma que desde então sofreu já diversas actualizações).
7.31. Assim, no que diz respeito ao regime dos benefícios fiscais propriamente ditos, há desde logo que ter em consideração a definição de benefício fiscal (o qual se traduz num incentivo de natureza económica, social ou cultural), representando todas as vantagens atribuídas aos sujeitos passivos, tendo em vista a realização de um determinado comportamento.
7.32. Na verdade, a concessão de um benefício fiscal opõe-se à aplicação do sistema normativo, porquanto se traduz num facto impeditivo do nascimento da obrigação tributária.
7.33. Por se poder tratar de um incentivo económico, social ou cultural, prosseguindo finalidades diversas das que presidem ao sistema de tributação regra, devem os benefícios fiscais caracterizar-se pela sua natureza excepcional e pelo fundamento extrafiscal:
7.33.1. Pela sua natureza excepcional, porque obstam à tributação normal;
7.33.2. Pelo fundamento extrafiscal, na medida em que, a existir um fundamento fiscal, ele deveria ser incorporado no próprio sistema de tributação regra.
7.34. Ora, constituindo o acto de tributar um acto de interesse público haverá que reconhecer que a criação de um benefício fiscal irá alterar o equilíbrio na distribuição da carga fiscal ao tratar de modo desigual os cidadãos, à luz do critério da capacidade contributiva, inviabilizando a aplicação do princípio da igualdade.[11] [12]
7.35. Nestes termos, poder afirmar-se que os benefícios fiscais encerram três requisitos:[13]
-
Desde logo, constituem uma derrogação às regras gerais de tributação;
-
Em segundo lugar, prosseguem um objectivo social e económico relevante que determina a derrogação da regra geral referida no ponto anterior;
-
E, por último, atribuem, em consequência, uma vantagem aos contribuintes que deles beneficiam.
7.36. De acordo com o disposto no artigo 2º do EBF, “consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”, sendo consideradas como benefícios fiscais, nomeadamente, “(…) as reduções de taxas (…)” (sublinhado nosso).
7.37. Neste sentido, o artigo 2º, nº1 do EBF considera o conceito de benefício fiscal como sendo um facto impeditivo da constituição da relação tributária, pelo que as normas que presidem à sua criação, e que legitimam a sua concessão, são:
7.37.1. Juridicamente especiais e,
7.37.2. Factualmente excepcionais, porquanto encontram-se fundamentadas em interesses públicos, extrafiscais, mas constitucionalmente relevantes.
7.38. Assim, a quebra do núcleo essencial da tributação passa, primordialmente, por uma derrogação ao princípio da capacidade contributiva ([14]) porquanto, de acordo com este princípio, a tributação seria praticada de acordo com a situação subjectiva da cada contribuinte, ou seja, o imposto justo é aquele que garante a igualdade material na repartição dos encargos tributários.
7.39. Com efeito, a capacidade contributiva, tal como foi definida, reclama não só a personalização da tributação mas também que o legislador dirija o imposto às três manifestações de riqueza relevantes que indiciem a capacidade económica do contribuinte e que constituem a base tributável, ou seja, a riqueza que angaria (o rendimento), a riqueza que possui (o património) e a riqueza que despende (o consumo).[15]
7.40. Embora o princípio da capacidade contributiva não consuma o princípio da igualdade fiscal constitui, todavia, umas das suas expressões ou manifestações mais fortes, bem como a de um elemento conformador da ideia de Estado de Direito Material.
7.41. Nestes termos, o princípio da capacidade contributiva compreende duas dimensões, que são a de pressuposto e a de limite da tributação: como pressuposto ou fonte da tributação, o princípio da capacidade contributiva baseia-se na força económica do contribuinte expressa na titularidade ou utilização da riqueza; já como limite ou medida valor do imposto, veda que o legislador adopte elementos de ordenação incidentes sobre os elementos constitutivos do imposto, contrários às exigências de justiça fiscal enunciadas pelo mesmo princípio.[16]
7.42. Por outro lado, os benefícios fiscais podem ser distinguidos como benefícios condicionados, benefícios temporários e benefícios permanentes.
7.43. Os benefícios fiscais condicionados são aqueles cuja eficácia fica dependente da verificação de certos pressupostos acessórios secundários (que são a sua “conditio juris”), distinguindo-se deste modo, dos benefícios ditos puros cuja eficácia não está dependente da verificação de nenhum pressuposto acessório.[17]
7.44. Nos benefícios condicionados, a condição pode revestir uma de duas formas, ou suspensiva ou resolutiva:
7.44.1. A condição diz-se suspensiva quando o benefício é concedido depois de verificados determinados pressupostos acessórios e,
7.44.2. Considera-se resolutiva quando o benefício é concedido mas a sua eficácia fica dependente da verificação dos pressupostos do benefício, cuja não verificação determina a caducidade do mesmo.
7.45. Relativamente aos benefícios temporários, como o nome indica, são concedidos por um período limitado fixado na lei, por contraposição aos benefícios permanentes concedidos para o futuro sem pré determinação da respectiva duração.[18]
7.46. Sendo os benefícios temporários criados com o objectivo de produzirem certos resultados de interesse público relevante, os benefícios de carácter permanente, dada a sua longa duração, têm por inconveniente, a possibilidade de ultrapassado o interesse público prosseguido com a sua concessão, se virem a transformar em favores ou privilégios fiscais.
7.47. Ainda neste âmbito, importa também proceder à distinção pela qual os benefícios fiscais podem ser considerados estáticos ou dinâmicos, sendo que os primeiros são norteados para situações que já se verificaram (ou que ainda não se verificando totalmente), visando tão só beneficiar e, pelo contrário, os incentivos dinâmicos visam incentivar ou estimular determinadas actividades, procedendo ao estabelecimento de uma relação entre as vantagens atribuídas e as actividades estimuladas em termos de causa-efeito.
7.48. Assim, enquanto nos benefícios fiscais estáticos a causa do benefício é a situação ou actividade em si mesma, nos benefícios fiscais dinâmicos a causa prende-se com a adopção futura do comportamento beneficiado ou exercício futuro da actividade que se pretende fomentar.
7.49. Conforme estabelece o artigo 12º do EBF, “o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento (…)” (sublinhado nosso).
7.50. Depreende-se, desta transcrição, que, por via de regra, o direito aos benefícios fiscais se constitui com a verificação dos respectivos pressupostos.
7.51. Contudo, tal como a obrigação tributária não se vence no exacto momento em que se verifica, é compreensível que se um benefício fiscal não for devida e atempadamente requerido, não produza os seus efeitos no exacto momento da verificação dos factos.[19]
7.52. Nesta matéria, de acordo com o disposto no artigo 5º do EBF, os benefícios fiscais podem ser “automáticos e dependentes de reconhecimento”, sendo que “os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento” (sublinhado nosso).
7.53. Na verdade, no que diz respeito à concessão dos benefícios fiscais, a lei distingue dois tipos de reconhecimento:
7.53.1. Nos benefícios fiscais automáticos, o reconhecimento resulta directa e imediatamente da lei, operando pela simples verificação dos respectivos pressupostos de facto, não carecendo de qualquer acto da administração tributária;
7.53.2. Nos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, este pode ser efectuado por acto administrativo (caso em que temos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento unilateral, como é o caso da isenção de ISV subjacente na situação em análise) ou através de contrato (caso em que temos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento bilateral).
7.54. Para efeitos do acima descrito, dispõe o artigo 65º do CPPT que “o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei” (sublinhado nosso).[20]
7.55. De acordo com o disposto no artigo 7º do EBF, “todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira (…) para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios” (sublinhado nosso).[21]
7.56. Quanto à forma de extinção dos benefícios fiscais, em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 14º do EBF, a mesma pode ser provocada pela caducidade, pela alienação de bens para fins diferentes daqueles para que foi concedido o benefício, pela revogação do acto administrativo de concessão e pela renúncia aos benefícios, sendo que, em qualquer dos casos, de acordo com o disposto naquele artigo, “a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação regra” (sublinhado nosso).[22]
7.57. Por último, refira-se que, nos termos do disposto no artigo 15º do EBF, “o direito aos benefícios fiscais (…) é intransmissível inter vivos, sendo, porém, transmissível mortis causa se se verificarem no transmissário os pressupostos do benefício, salvo se este for de natureza estritamente pessoal”, sendo que esta regra da intransmissibilidade comporta duas excepções, previstas no artigo 15º, nº 2 e nº 3 do EBF, a primeira de aplicação automática e a segunda dependente de autorização do Ministro das Finanças.
7.58. Assim, conforme referido no ponto 7.56., supra, de acordo com o previsto no artigo 14º do EBF, “a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra”.
7.59. No caso em análise, por despacho de 14 de Dezembro de 2015, emitido pelo Director da Alfândega do Jardim do Tabaco, notificado ao Requerente através do Ofício nº…, de 26 de Janeiro de 2016, nos termos do qual:
7.59.1. Foi revogado o despacho de deferimento do pedido de benefício fiscal requerido para a admissão do veículo identificado nos autos porquanto, no âmbito de um controlo efectuado em momento posterior ao da concessão do benefício fiscal, constataram as autoridades competentes (Alfândega do Jardim do Tabaco) que o Requerente “(…) não manteve a sua residência permanente em território nacional por um período mínimo de 12 meses”;
7.59.2. Em consequência desta revogação do benefício fiscal em sede de ISV, foi ordenada a cobrança da quantia de EUR 5.248,68 relativa à liquidação de imposto nº 2015/…, de 28/12/15;
7.59.3. O pagamento do imposto deveria ser efectuado no prazo de 10 dias úteis, contados da data da referida notificação, podendo ainda ser efectuado nos 30 dias seguintes, acrescido dos juros de mora exigíveis;
7.59.4. Findo o prazo previsto no ponto anterior, sem que tivesse sido efectuado o pagamento, seria extraída certidão de dívida para efeitos de cobrança coerciva;
7.59.5. O Requerente poderia impugnar o despacho acima identificado, nos termos e prazos apresentados, distinguindo-se os mecanismos de reacção a utilizar contra o despacho de revogação do benefício fiscal e os mecanismos de reacção a utilizar contra a liquidação do ISV entretanto liquidado.
7.60. Ora, não estando em causa no pedido arbitral, como aliás defende e reitera o Requerente (quer no próprio pedido, quer na resposta às excepções deduzidas pela Requerida e ainda nas alegações apresentadas), a impugnação do despacho de revogação do benefício fiscal, previsto no artigo 58º do Código do ISV [porquanto aquela revogação trata-se de um acto administrativo que não é sindicável em sede arbitral, face ao elenco de competências dos Tribunais Arbitrais (já evidenciado e analisado nesta decisão)], analisadas que foram as consequências decorrentes daquele acto de revogação do referido benefício (e não podendo este Tribunal analisar se há ou não fundamentos para a sua revogação, face à limitação das suas competências, independentemente da prova apresentada pelo Requerente no sentido de demonstrar que cumpriu com o requisito de residência indispensável à concessão da isenção de imposto),[23] só resta a este Tribunal Arbitral entender que não há qualquer ilegalidade no acto de liquidação de ISV, praticado pela Alfândega do Jardim do Tabaco (objecto do presente pedido de pronúncia arbitral), porquanto o acto de revogação do benefício fiscal subjacente teve como consequência a reposição do regime-regra, ou seja, a sujeição a ISV da introdução no consumo da viatura identificada nos autos.[24]
7.61. Assim, entende este Tribunal Arbitral que será de manter o acto tributário de ISV objecto do pedido porquanto o mesmo não padece de qualquer ilegalidade, sendo que também não se verifica, assim, qualquer ilegalidade no despacho de indeferimento do recurso hierárquico e da reclamação graciosa previamente apresentados.
7.62. Em consequência da conclusão referida no ponto anterior, julga-se improcedente o pedido arbitral, incluindo o direito a juros indemnizatórios peticionado.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
7.63. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
7.64. Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito sendo que, neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
7.65. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas ao Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
8.DECISÃO
8.1. Tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:
8.1.1. Julgar improcedente a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, no que diz respeito ao pedido arbitral apresentado pelo Requerente;
8.1.2. Julgar procedente a questão prévia do valor do processo, no que diz respeito à incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade do montante de EUR 493,56, referente a juros de mora e custas pagas pelo Requerente, em sede de execução fiscal, não conhecendo o Tribunal desta parte do pedido;
8.1.3. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente, no que diz respeito à liquidação de ISV identificada, mantendo-se na ordem jurídica o referido acto de liquidação objecto do pedido, bem como se mantendo o despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico (e, consequentemente, o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa), por não enfermar de ilegalidade, face às conclusões apresentadas no Capítulo 7. desta Decisão, com as consequências daí decorrentes;
8.1.4 Em consequência, julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios;
8.1.5. Condenar o Requerente no pagamento das custas do presente processo.
*****
Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 5.248,68.
Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo do Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
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Notifique-se.
Lisboa, 21 de Março de 2018
O Árbitro
Sílvia Oliveira
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.
[2] A este respeito, acrescenta ainda o Requerente que “(…) no caso de a Direção de Finanças de Lisboa se considerar incompetente, deveria ter reconhecida oficiosamente a sua incompetência e enviar as peças do procedimento para o Órgão da Administração Tributária competente (…)” mas que, “em qualquer caso, o requerimento de Reclamação Graciosa deve ser considerado como apresentado na data do primeiro registo do processo que (…) foi o dia 29-04-2016 (…)”.
[3] Refere a Requerida que “aquela notificação, feita por carta registada, veio a ser devolvida com a referência mudou-se, pelo que a notificação foi efectuada por nova carta registada (…) que veio também a ser devolvida com a indicação Objecto não reclamado”.
Neste âmbito, entende a Requerida que “no caso de notificações efectuadas por carta registada (…), e caso a mesma venha devolvida e não se comprove que, entretanto, o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, deve ocorrer a perfeição da notificação (…), presumindo-se a notificação, se a segunda carta registada vier devolvida, no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil”.
Ora, segundo a Requerida, “no presente caso, presume-se que ocorreu a notificação com a devolução da segunda carta registada (…), em 11/02/2016 e que o Requerente foi notificado no 3º dia útil posterior ao daquela menção, ou seja, em 15/02/2016”, pelo que “a partir dessa data, de 15/02/2016, o Requerente tinha 10 dias para pagar o ISV liquidado e regularmente notificado”.
[4] O que, segundo alega a Requerida, “(…) é corroborado pela própria declaração do Requerente, junto dos serviços de finanças, no qual se declarou como Não Residente habitual (…),no qual França consta como país de residência”.
[5] Cita a Requerida, neste âmbito, os Acórdãos de 12.12.2006 do STA (Proc. 0585/06) e de 12.11.2012 do TCA (Proc. 05810/12).
[6] Vide decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 313/2014-T, de 29 de Janeiro de 2015.
[7] Neste sentido, vide Decisão Arbitral nº 525/2016-T, de 8 de Fevereiro de 2017.
[8] Neste âmbito, dado que no pedido de pronúncia arbitral está incluído o pedido de sindicância da decisão de indeferimento do recurso hierárquico (apresentado contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa, interposta relativamente ao acto de liquidação de ISV identificado, como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade desse acto de liquidação de ISV objecto do pedido), decisão que foi notificada ao Requerente em 10 de Julho de 2017 [e que comporta, a apreciação da legalidade do acto de liquidação de ISV], entende este Tribunal que está o pedido abrangido na previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 102º do CPPT. Assim, tendo em consideração o disposto no referido artigo [de que o prazo de dedução da impugnação judicial é de três meses contados dos factos enumerados naquele artigo, nomeadamente, “da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código”], bem como o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT [que estabelece que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (...)”] e tendo em conta a data da interposição do pedido de pronúncia arbitral (11 de Outubro de 2017), o referido pedido é tempestivo.
[9] Para este efeito, de acordo com o disposto no artigo 16º do Código do ISV, entende-se por particular “(…) todo o sujeito passivo que proceda à admissão ou importação de veículos tributáveis, em estado novo ou usado, com a finalidade principal de satisfazer as suas necessidades próprias de transporte”.
[10] Disposição entretanto revogada pela Lei nº 114/2017, de 29 de Dezembro.
[11] De acordo com Costa A., Rainha J. e Pereira M. [in “Benefícios Fiscais em Portugal: Objetivos económico-sociais - sistematização por atividades, legislação”, Coimbra, Livraria Almedina (1977)], os benefícios fiscais são instrumentos de política que visam certos objetivos económicos e sociais, sendo referido que o benefício fiscal existe sempre que uma entidade ou actividade abrangida pela incidência dum imposto fica em situação mais favorável relativamente às que se encontram sujeitas ao regime fiscal geral.
[12] O princípio da capacidade contributiva é caracterizado consensualmente pela doutrina e pela jurisprudência do Tribunal Constitucional como um princípio estruturante do sistema fiscal que exprime e concretiza o princípio da igualdade tributária e que tem assento implícito na “Constituição Fiscal”, por força da conjugação do disposto nos artigos nº 103° e 104° da CRP.
[13] Neste sentido, Freitas, M. [in “Os incentivos fiscais e o financiamento do investimento privado, influência da fiscalidade na forma de financiamento das empresas”, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, (1980)], reconhece que existem três requisitos nos benefícios fiscais: (i) serem uma derrogação às regras de tributação, (ii) constituírem uma vantagem para os contribuintes e (iii) terem um objetivo económico ou social relevante.
[14] De acordo com Azevedo, R. (in “Estatuto dos Benefícios Fiscais, III Curso de Pós-Graduação em Direito Fiscal”, Faculdade de Direito da Universidade do Porto), está implícito no conceito de benefício fiscal uma natureza excepcional, sendo que essa excepção constitui, porém, uma vantagem (ou desagravamento) em favor de certa entidade, actividade ou situação.
[15] Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal Constitucional proferido no âmbito do Processo nº 1067/06, de 29 de Dezembro.
[16] Nesta matéria, vide Acórdão referido na nota de rodapé anterior.
[17] Citando Alberto Xavier (in “Direito Fiscal, Manuais da FDL”, Lisboa, 1974), “(…) os benefícios condicionados traduzem-se em subordinar o direito ao benefício a contrapartidas de interesse público na forma de deveres ou ónus impostos aos beneficiários (…)”.
[18] Neste sentido, como afirma Nuno Sá Gomes (in “Teoria Geral dos Benefícios Fiscais”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 165, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, 1991, pág. 145) “os benefícios fiscais dizem-se permanentes quando são estabelecidos para o futuro, sem predeterminação da respectiva duração; dizem-se temporários quando a lei fixa um limite temporal à duração do benefício”.
[19] Com efeito, o processo de reconhecimento dos benefícios fiscais depende da análise conexa e contínua de vários parâmetros, entre eles, o tipo de procedimento envolvido, a averiguação das causas que levaram ao impedimento de reconhecimento do benefício, as vicissitudes resultantes da atribuição do benefício fiscal e a verificação da extinção do direito ao benefício.
[20] Com efeito, de acordo com Acórdão do TCAS de 11 de Dezembro de 2012 (processo nº 05810/12), “de acordo com o regime consagrado (…), a isenção de imposto automóvel em causa nos (…) autos depende da verificação dos (…) requisitos (…)” sendo que “é ao interessado que incumbe o ónus da prova dos requisitos mencionados, atento o disposto no artº. 74, nº 1, da LGT”.
[21] Redacção dada pela Lei nº 64/2015, de 1 de Julho (na redacção anterior, a referência para a “Autoridade Tributária e Aduaneira” era efectuada para a “Direcção-Geral dos Impostos”).
[22] Assim, nos termos do disposto no artigo 9º do EBF, “as pessoas titulares do direito aos benefícios fiscais são obrigadas a declarar, no prazo de 30 dias, que cessou a situação de facto ou de direito em que se baseava o benefício, salvo quando essa cessação for de conhecimento oficioso” (sublinhado nosso).
[23] Por esta razão, não se analisou em detalhe a documentação apresentada pelo Requerente, que poderia sustentar a eventual transferência de residência deste para Portugal, porquanto esta questão não era essencial para a apreciação do mérito deste pedido arbitral, pelos motivos já referidos.
[24] Nesta matéria, como ensina Jorge Lopes de Sousa, in “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, Guia da Arbitragem Tributária, Editora Almedina, 2013, pp. pág. 105, quanto ao âmbito da competência dos tribunais arbitrais tributários “a competência destes tribunais arbitrais restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, bem como dos atos de agravamento à coleta, de apreensão e de adoção de providências cautelares pela Administração Tributária, a que se reportam o mesmo artigo 97.º, n.º 1, na sua alínea e) e os artigos 143.º e 144.º do mesmo Código” (sublinhado nosso).