Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 530/2017-T
Data da decisão: 2018-03-22  IRS  
Valor do pedido: € 24.006,74
Tema: IRS - Artigo 28.º CIRS – Opção pela determinação de rendimentos com base em contabilidade organizada - Competência do Tribunal Arbitral.
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Decisão Arbitral

 

RELATÓRIO

A -PARTES

A…, com o NIF … e B…, com o NIF…, residentes na Rua …, n.º…, …-… Porto, doravante designada de Requerente ou sujeito passivo.

Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada por Requerida ou AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, aceite pelo Presidente do CAAD, e desse modo foi o Tribunal Arbitral regularmente constituído, no dia 03-10-2017, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, no dia 03-10-2017, conforme consta da respetiva ata.

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou o Árbitro Paulo Ferreira Alves, cuja nomeação foi aceite nos termos legalmente previstos.

Em 21-11-2017, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico, e não manifestaram vontade de recusar a designação do Árbitro.

Em conformidade, com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular, ficou regularmente constituído, em data de 14-12-2017.

Ambas as partes, concordaram com a dispensa da realização da reunião, prevista no disposto no artigo 18.º do RJAT.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, e é materialmente competente, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

B – PEDIDO

  1. O ora Requerente, peticiona a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação adicional em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2016…, referente ao exercício de 2015, no valor de 24.006,74€ (vinte e quatro mil e seis euros e setenta e quatro cêntimos).

 

C – CAUSA DE PEDIR

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, já descritos no ponto 1 deste Acórdão, em síntese, o seguinte:
    1. O Requerente discorda do despacho de indeferimento do pedido de enquadramento no regime de contabilidade organizada para o IRS/2015.
    2. O Requerente encontra-se inscrito como profissional independente desde 02.01.1983, tendo optado pelo regime da contabilidade organizada em 28.06.2001.
    3. Na declaração de 28.06.2001 o Requerente declarou que, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento - categoria B, optava por ficar enquadrado no regime da contabilidade organizada.
    4. Em maio de 2016, o Requerente submeteu a declaração de rendimentos de IRS, relativa ao ano de 2015, onde se encontrava incluído o Anexo C, contudo o portal da Autoridade Tributaria gerou um erro, não permitindo a submissão do IRS com o Anexo C, uma vez que o sistema Informático da AT havia enquadrado o sujeito passivo no regime simplificado, em virtude de no ano de 2014, o seu rendimento não ter ultrapassado o montante de € 200.000,00.
    5. O Requerente submeteu a respectiva declaração modelo 3 de IRS de 2015, com a declaração dos rendimentos da categoria B apurados com base na contabilidade organizada, mas o sistema informação da AT não validou a mesma. 
    6. Tentou, em última instancia, entregar a declaração modelo 3 de IRS de 2015 em papel, junto do Serviço de Finanças, mas não lhe rececionaram a declaração.
    7. Pelo que o Requerente (para não ser penalizado pela falta de entrega de declaração de IRS) foi forçado a apresentar nova declaração de IRS de 2015 (em 31.05.2016), com a declaração dos rendimentos da categoria B apurados com base no regime simplificado de tributação.
    8. A liquidação aqui colocada em crise foi determinada com o apuramento do rendimento tributável da categoria B do Requerente segundo as regras do regime simplificado de tributação, influenciando o rendimento tributável do Requerente.
    9. O Requerente alega que estando enquadrado no regime de contabilidade organizada por opção, então o Requerente só ficaria enquadrado no regime simplificado se optasse expressamente, o que não ocorreu.
    10. Sustenta o Requerente que não existe assim, qualquer fundamento legal que justifique que o Requerente tivesse sido enquadrado no regime simplificado, pelo que o mesmo deveria continuar enquadrado no regime de contabilidade organizada em 2015.

 

 

D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA

  1. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
    1. Em 2001-06-26, o Requerente exerceu a opção pelo regime da contabilidade organizada para o exercício da sua atividade “CIRS 6010–advogados”, opção esta que vigorou para o exercício do ano de 2001.
    2. Entre 2002 a 2014, atendendo ao rendimento apurado, o Requerente foi automaticamente enquadrado no regime de contabilidade organizada, por imposição legal.
    3. Em 2014, o rendimento apurado ao Requerente foi inferior a € 200.000,00, pelo que, não tendo o mesmo exercido a opção pelo regime da contabilidade organizada, foi o mesmo enquadrado no regime simplificado.
    4. Conforme consta do Processo Administrativo e do anexo 4 junto ao pedido arbitral, o Requerente indicou, com referência ao ano 2014, o rendimento de € 191.860,00, ou seja um montante inferior ao limite do n.º 2 do art. 28.º CIRS, pelo que reuniu os pressupostos de enquadramento no regime simplificado, o qual teve efeitos no período de tributação de 2014.
    5. Resumidamente, se o rendimento bruto da categoria auferido no ano anterior for inferior a € 200.000,00, o sujeito passivo é, por imposição legal, incluído no regime simplificado de determinação do rendimento, mas pode, contudo, observados alguns requisitos legais, optar pelo regime de tributação da contabilidade organizada.
    6. E também não manifestou qualquer opção pelo regime de contabilidade organizada, uma vez que não entregou qualquer declaração de alterações até final de março de 2015, pelo que se manteve enquadrado o regime simplificado.
    7. Desta forma, o enquadramento do Requerente no regime simplificado, decorreu de forma automática, pela verificação dos requisitos legais previstos no n.º 2 do art. 28.º do CIRS.
    8. Conclui a Requerida pela legalidade da atuação da Administração Tributária, mantendo-se integralmente válida e legal a liquidação impugnada e devidamente fundamentada no processo administrativo.

 

E-    FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

  1. Previamente a entrar na apreciação da questão submetida a pronuncia, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, baseada na prova documental e nos factos alegados.
  2. Assim, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, atendendo à prova efetuada por documentos e por não ter sido suscitado pelas partes a elisão da autenticidade ou da força probatória dos documentos juntos, o presente Tribunal, dá os documentos juntos, como verdadeiros, idóneos, e autênticos de acordo com previsto pelo disposto no artigo 75.º n.º 1 da LGT.
  3. Em matéria de facto relevante, dá o presente Tribunal, por assente, os seguintes factos:
    1. Em 2001-06-26, o Requerente exerceu a opção pelo regime da contabilidade organizada para o exercício da sua atividade “CIRS 6010–advogados”.
    2. O Requerente não requereu entre 2001 e 2016 a alteração para o regime simplificado.
    3. Com referência ao ano de 2014, o Requerente indicou o rendimento de € 191.860,00.
    4. O Requerente submeteu a respectiva declaração modelo 3 de IRS de 2015, com a declaração dos rendimentos da categoria B apurados com base na contabilidade organizada, mas o sistema informação da AT não validou a mesma. 
    5. O  Requerente apresentou nova declaração de IRS de 2015, em 31.05.2016, com a declaração dos rendimentos da categoria B apurados com base no regime simplificado de tributação.

F-        FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

G-       QUESTÕES DECIDENDAS

  1. Atenta as posições assumidas pelas partes, constituem questões centrais dirimendas as seguintes, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:
    1. A alegada pelo Requerente:
  1. Declaração de ilegalidade ato tributário de liquidação adicional em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2016…, referente ao exercício de 2015, no valor de 24.006,74€ (vinte e quatro mil e seis euros e setenta e quatro cêntimos).
  2. Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
  1. A alegada pela Requerida, da exceção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria.

 

H – DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL EM RAZÃO DA MATERIA

  1. A questão sobre a determinação da competência dos tribunais, são de conhecimento prioritário e oficioso nos termos do art.º 13º do Código de Processo do Tribunal Administrativo e do art.º 578º do Código de Processo Civil por aplicação subsidiária, prevista no art.º 29º do RJAT, motivo pelo qual de seguida se vai analisar o presente pedido.
  2. A Requerida, veio suscitar a questão da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria, com fundamento no facto de o pedido apresentado pelo Requerente não se subsumir no âmbito de competência dos Tribunais Arbitrais Tributários, prevista no artigo 2.º do RJAT, extravasando, assim, o objeto do pedido de pronúncia arbitral o âmbito de competência do Tribunal Arbitral.
  3. Contudo da leitura atenta da petição inicial e da avaliação dos documentos junto aos autos, resulta o seguinte:
  4. Um pedido de decisão arbitral que determine que o Requerente se encontrava enquadrado no regime de contabilidade organizada, e consequente ser nesse regime que o tratamento fiscal deve ser efetuado. Mais alegam que o ato objeto do litígio não pode ser qualificado como um ato de fixação da matéria tributável que dá origem à liquidação de tributo para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
  5. Com efeito, o Requerente impugnar expressamente o ato de liquidação em sede de IRS referente ao ano de 2015, requerendo, a final, a sua anulação com a consequente restituição do imposto pago, bem assim, como, a condenação da AT, ao pagamento de juros indemnizatórios.
  6. O ato sindicado pelo Requerente, e objeto mediato da presente ação arbitral é o ato de liquidação em sede de IRS n.º 2016 … e, subsidiariamente, a declaração de ilegalidade da decisão que indeferiu a reclamação graciosa (RG) deduzida pelo Requerente.
  7. No presente Processo Arbitral, é suscitado pela Requerida a impropriedade do meio processual e a incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido,
  8. Vejamos, então averiguar se no presente processo, existe a exceção dilatória de incompetência, quer absoluta, quer relativa, do Tribunal Arbitral quanto à capacidade material de apreciação dos atos objeto da pretensão arbitral (art.º 577.º do CPC e art.º 2.º do RJAT).
  9. Importa, pois, face ao exposto, apreciar a presente exceção dilatória, e a ter-se por verificada a referida exceção dilatória, se ficará prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelo Requerente na sua Petição Inicial.
  10. Em conformidade com o atual regime exposto no artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Orçamento do Estado para 2010), ficou autorizado o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, de modo a que o processo arbitral tributário constituísse um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
  11. Dispõe o artº 4º nº 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o qual criou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria, pela redação trazida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, a vinculação da AT à jurisdição arbitral dependente  de regulamentação posteriormente proferida pela Portaria 112-A/2011 de 22 de Março, que dispõe no seu artº 1º, a vinculação da Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam, nos termos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria.
  12. A competência dos Tribunais Arbitrais a funcionarem no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no disposto pelo  art. 2.º, n.º 1, do RJAT. Numa segunda linha, a competência dos Tribunais Arbitrais é também limitada pelos termos em que AT se vinculou àquela jurisdição, nos termos do disposto no artigo 4.º do RJAT que estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”. Que está concretizado pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  13. Em face desta segunda limitação sobre a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos dessa vinculação, já que, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação prevista na dita portaria referida, então estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
  14. Atenda-se pois ao fato de não ter sido esgotado o âmbito da autorização legislativa atribuída pelo artigo 124º da Lei nº 3-B/2010,de 28 de Abril, que previa que o processo arbitrário constituísse não apenas um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, mas também aplicável à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária (nºs 2 e 4, alíneas a) e b) do citado artigo 124º), uma vez que não foi objeto de regulamentação nesta última parte.
  15. Desta forma podemos retirar uma outra restrição ao âmbito de competência dos Tribunais Arbitrais que decorre de o pedido de reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária apenas integrar o círculo de competência dos Tribunais Arbitrais nos casos em que está subjacente uma declaração de ilegalidade de um ato tributário de liquidação ou atos que fixam a matéria ou lucro tributável.
  16. Em matéria de vinculação e respetivo objeto, atento o disposto no artigo 2º da Portaria nº112-A/2011, de 23 de Março, a Direção Geral dos Impostos apenas veio aceitar a jurisdição do Tribunal Arbitral desde que tenha lugar a necessária reclamação graciosa prevista nos artigos 131º a 133º do CPPT como condição prévia da impugnação judicial nos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta, o que se poderá considerar justificado face à aplicação subsidiária das normas de processo e procedimento tributário operada pelo artigo 29º do RJAT bem como a qualificação da arbitragem como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.
  17. Como é sabido, a competência do tribunal determina-se pelo pedido do autor e pela causa de pedir em que o mesmo se apoia, expressos na petição inicial, já que ela não depende nem da legitimidade das partes nem da procedência da ação, tal como é entendimento uniforme na doutrina e na jurisprudência (cfr., entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 91; Miguel Teixeira de Sousa, Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, pág. 36; e Acs. do STJ de 12/1/94, 2/7/96 e de 3/2/97, no BMJ, respetivamente, n.ºs 433, pág. 554, 459/444 e 364/591, de 5/2/2002, na CJ – STJ -, ano X, tomo I, pág. 68, de 18/3/2004, no processo n.º 04B873, de 13/5/2004, no processo n.º 04A1213 e de 10/4/2008, no processo n.º 08B845, estes três últimos disponíveis em www.dgsi.pt; do Tribunal de Conflitos, de 20/10/2011, proferido no processo n.º 13/11, disponível no mesmo sítio, e desta Relação de 7/11/2000, CJ, ano XXV, tomo V, pág. 184).
  18. Sobre a competência dos Tribunais Arbitrais diz-nos o Conselheiro Lopes de Sousa: “Embora na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT apenas se faça a referên­cia explícita a competência dos Tribunais Arbitrais para declararem a ilega­lidade de atos de liquidação, atos definidores da quantia a pagar pelo sujeito passivo, essa competência estende-se também a atos de segundo e terceiro graus que apreciem a legalidade desses atos primários, designadamente atos de indeferimento de reclamações graciosas e atos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões destas reclamações. Na verdade, essa conclusão retira-se inequivocamente da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT, que faz referência expressa ao nº 2 do artigo 102º do CPPT (que trata do indeferimento de reclamação graciosa) e a «decisão do recurso hierárquico».” (Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 121).
  19. Mais acrescenta, que: “Limitando-se a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, no que concerne a atos de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, a declaração da sua ilegalidade e suas consequências, apenas se incluirão nessa competência os atos de indefe­rimento de reclamações graciosas ou de recursos hierárquicos ou pedidos de recurso de atos tributários nos casos em que estes atos de segundo grau ou de terceiro grau conheceram efetivamente da legalidade de atos de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte e pagamento e não também quando aqueles atos se abstiveram desse conhecimento, por se ter enten­dido haver algum obstáculo a isso (como, por exemplo, intempestividade ou ilegitimidade, ou incompetência.” (ibidem, p. 123).
  20. Como observa o Conselheiro Lopes de Sousa, a possibilidade de apreciação da legalidade de atos primários através da apreciação da legalidade de atos de segundo grau é confirmada na previsão do artigo 2º do RJAT de apreciação de pretensões relativas a atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta (relativamente aos quais é exigida a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131º a 133º do CPPT), sendo certo que nestes casos, o objeto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, e que, se confirma este, tem de ser anulado, para se obter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação.
  21. Esta limitação explica-se porque “no caso em que o ato de segundo grau ou de terceiro grau conhece da legalidade do ato de liquidação, o indeferimento da reclamação graciosa que confirma o ato faz suas as respetivas ilegalidades, o que significa que da apreciação da ilegalidade do ato de segundo ou terceiro grau decorre a ilegalidade do ato de liquidação. Já esse efeito não se verifica nos casos em que o ato de segundo ou terceiro grau apenas apreciou uma questão prévia cuja solução obstou à apreciação da legalidade do ato primário, pois, neste caso, a eventual ilegalidade do ato de segundo grau ou de terceiro grau apenas tem como corolário que deve ser apreciada a legalidade do ato primário, não implicando a respetiva ilegalidade” (idem, ibidem).
  22. A regra é de que a impugnação de atos administrativos em matéria tributária deve ser efetuada no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou ação administrativa especial (alíneas d) e p) do nº 1 e do nº 2 do artigo 97º do CPPT),  conforme, esses atos, comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de atos administrativos de liquidação. Existem exceções a essa repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial como por exemplo a impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas (norma especial nº 2 do artigo 102º do CPPT).
  23. Mas, quanto aos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD essa exceção será irrelevante, pois resulta da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT que, em relação a atos de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, apenas se inclui nas suas competências a declaração da sua ilegalidade e não a apreciação da legalidade de atos que não comportem essa apreciação.
  24. Não poderão ser apreciadas as decisões de indeferimento de reclamações graciosas em si mesmas, designadamente as que não conheceram do mérito do ato de liquidação que é objeto da reclamação, porque o que se visa através da impugnação da decisão da reclamação graciosa é apreciar a legalidade do subjacente ato de liquidação, e não a decisão de reclamação graciosa que não conheceu do mérito da pretensão do sujeito passivo.
  25. Efetivamente, não resulta do art. 2.º qualquer referência expressa a estes atos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de atos tributários» e «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação».
  26. No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
  27. A formula utilizada na aliena a) do n.º1 do artigo 2.º do RJAT, não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir.
  28. Nos casos em que o ato de segundo grau ou de terceiro grau conhece da legalidade do ato de liquidação, o indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico que confirme aquele ato faz a suas respetivas ilegalidade, pelo que da apreciação da ilegalidade do ato de segundo ou terceiro grau decorre ilegalidade do ato de liquidação.
  29. O meio próprio para impugnar os atos, que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação e que também não são atos de fixação da matéria tributável ou da matéria coletável não é a impugnação judicial mas sim a ação administrativa especial, em conformidade com a alínea p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT e artigo 46º e seguintes do CPTA.
  30. Em face ao que se estabelece no artigo 24.º do RJAT, sobre os efeitos da decisão arbitral favorável ao sujeito passivo, constata-se que as decisões arbitrais têm na pratica um efeito constitutivo, pois à declaração de ilegalidade dos atos estão associados obrigações de execução idênticas aas previstas para as decisões judiciais anulatórias, inclusive de pratica de ato devido em substituição do que foi declarado ilegal e reconstituição da situação que existiria se esse ato não tivesse sido praticado (…), impõem à AT que elimine da ordem jurídica aquele ato, anulando-o.[1]
  31. Não são previstas decisões condenatórias ou outras que explicitamente imponham à administração tributaria à adoção de condutas, com a exceção na condenação do pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização tributaria.
  32. Conforme se escreveu no processo Arbitral 17/2012-T, a liquidação, em sentido estrito, é a última fase do procedimento administrativo de liquidação tributária, regulado nos artigos 59.º a 64.º do CPPT, constituído por uma série de atos destinados a obter um resultado jurídico final, o montante de imposto a entregar nos cofres do Estado[2]. Portanto, a liquidação hoc sensu é a fase que se traduz na aplicação da taxa de imposto à matéria coletável já determinada, não sendo os atos preparatórios autonomamente impugnáveis, podendo sim ser postos em causa quando da impugnação do ato definitivo, final, em obediência ao princípio da impugnação unitária expresso no artigo 54.º do CPPT[3]
  33. Assim sendo e de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, os Tribunais Arbitrais têm competência para declarar a “(…) ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.”, motivo pelo qual o Tribunal tem competência para apreciar a legalidade do ato de liquidação sindicado.
  34. Quanto ao ato interlocutório (enquadramento cadastral) que ocorreu em data prévia à liquidação, do princípio da impugnação unitária consagrado no artigo 54.º do CPPT, aplicável ex vi, artigo 29.º do RJAT, resulta que qualquer ilegalidade cometida em data anterior à liquidação pode, e deve ser invocada aquando da impugnação da liquidação.
  35. O ato interlocutório não é passível de impugnação autónoma, até porque ele, em si mesmo, não é lesivo, por não ser suscetível de provocar, por si, efeitos jurídicos negativos imediatos na esfera jurídica da impugnante.
  36. No caso em apreço, o Requerente impugnou o ato de liquidação, o qual teve por base, entre outros pressupostos, o enquadramento do Requerente no regime simplificado do IRS. E fá-lo atacando precisamente a legalidade desse ato de enquadramento. A petição do Requerente está, portanto de acordo com o princípio da impugnação unitária do ato tributário, previsto no artigo 54º do CPPT e aplicável ao presente processo por força do disposto na al. a) do n. 1 do art.º 29º do RJAT.
  37. Este entendimento é acolhido, entre outros, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 13-11-2013, proferido no âmbito do processo n.º 0897/13 “(…)O artigo 54.º do CPPT consagra o denominado princípio da impugnação unitária, segundo o qual só é possível, em princípio, impugnar o acto final do procedimento, e não já os actos interlocutórios ou procedimentais, porquanto só o acto final atinge ou lesa, imediatamente, a esfera jurídica do sujeito passivo, fixando a posição da administração tributária perante este e definido os seus direitos e obrigações. E dele resulta, ainda, que no contencioso tributário, ao contrário do que acontece actualmente no contencioso administrativo, o critério da impugnabilidade dos actos é o da sua lesividade imediata e actual (e não meramente potencial), ou, por outras palavras, depende da produção de efeitos negativos imediatos na esfera jurídica do sujeito passivo, pela violação dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Deste modo, os actos interlocutórios do procedimento tributário, sendo meramente instrumentais ou preparatórios da decisão final, ainda que ilegais, não são, em princípio, imediatamente lesivos dos interesses do sujeito passivo, pois a sua situação tributária não fica com eles definida ou resolvida. Na verdade, sendo o procedimento de liquidação tributária constituído por uma série de actos interligados e dirigidos à concretização de um resultado jurídico final, ou seja, à liquidação do montante do imposto que o sujeito passivo tem de entregar nos cofres do Estado, compreende-se que só o acto final (liquidação em sentido estrito) seja susceptível de afectar, de forma objectiva e imediata, a esfera jurídica do sujeito passivo, sendo esse, por conseguinte, o acto lesivo e contenciosamente impugnável.
  38. Neste mesmo sentido já foi decidido em sede de jurisdição arbitral nos processos 266/2013-T, 253/2013-T, 114/2017-T e 295/2017-T.
  39. Nestes termos, resulta evidente que a ilegalidade do enquadramento pode ser sindicada judicialmente em sede de impugnação judicial ou ação arbitral, na qual foi requerida a apreciação da legalidade da liquidação em sede de IRS, razão pela qual o Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT. Pelo que improcede o pedido da Requerida de exceção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria.

 

J -MATÉRIA DE DIREITO

  1. Atendendo às posições assumidas pelas partes nos articulados apresentados, o pedido de pronúncia arbitral a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar a legalidade do ato liquidação adicional em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2016…, referente ao exercício de 2015, no valor de 24.006,74€.
  2. A pretensão do Requerente, em síntese, subsume-se à declaração de ilegalidade da alteração oficiosa efetuada pela AT ao seu regime de determinação dos rendimentos da Categoria B, o qual foi alterado passando de regime de contabilidade organizada para o regime simplificado, sem que tenha existido opção expressa pelo Requerente.
  3. A Requerida, sinteticamente, contra-argumenta, invocando que o Requerente se encontrava por imposição legal enquadrado no regime de contabilidade organizada e que apurado em 2014 o rendimento do Requerente em valor inferior a € 200.000,00, e não tendo o mesmo exercido a opção pelo regime da contabilidade organizada, foi o mesmo enquadrado pela AT no regime simplificado.
  4. Face às posições das partes, elabora-se o seguinte resumo dos fatos mais relevantes:
    1. O Requerente em 2001-06-26, exerceu a opção pelo regime da contabilidade organizada para o exercício da sua atividade “CIRS 6010–advogados”.
    2. O Requerente no ano de 2014 declarou o rendimento de € 191.860,00.
    3. A AT alterou unilateralmente e oficiosamente o regime do Requerido para o regime simplificado, para o ano de 2015.
  5. Perante o exposto cabe ao presente Tribunal analisar, com base na matéria de direito e de fato, se à AT lhe é permitido alterar oficiosamente o regime de tributação, em sede de IRS, do sujeito passivo que já se encontrava enquadrado em ano anterior por sua escolha no regime de contabilidade organizada.
  6. À data dos factos em análise, rendimentos auferidos no ano de 2015, o artigo 28.º do CIRS, na parte em que nos interessa, tinha a seguinte redação:

Artigo 28.º  - Formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais

1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se:

a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;

b) Com base na contabilidade.

2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000. (Redacção dada pela  Lei n.º 83-C/2013 - 31/12)

3 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade. (Redacção do DL 211/2005-07/12) 

4 - A opção a que se refere o número anterior deve ser formulada pelos sujeitos passivos: (Redacção da Lei 53-A/2006-29/12)

a) Na declaração de início de actividade;

b) Até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.(Redacção da Lei 53-A/2006-29/12)

5 - O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido. (Redacção da Lei 53-A/2006-29/12)

  1. Importa igualmente transcrever o diploma em vigor à data da comunicação pelo Requerente da opção pelo regime de contabilidade organizada, respetivamente no ano de 2001, em vigor a Lei 30G/2000, que no dispunha no seu artigo 31.º, o seguinte:

Artigo 31.º 

Formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais 
1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais faz-se: 

a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado; 
b) Com base na contabilidade.

2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo optado pelo regime de contabilidade organizada no período de tributação imediatamente anterior, não tenham atingido valor superior a qualquer dos seguintes limites:

a) Volume de vendas: 30000000$00; 

b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: 20000000$00.

3 - Ficam excluídos do regime simplificado: 

a) Os sujeitos passivos que, por exigência legal, se encontrem obrigados a possuir contabilidade organizada; 

b) Os sócios ou membros das entidades abrangidas pelo disposto no artigo 5.º do Código do IRC. 

4 - A opção a que se refere o n.º 2 deve ser formalizada pelos sujeitos passivos: 
a) Na declaração de início de actividade; 

b) Até ao fim do mês de Março do ano em que pretende utilizar a contabilidade organizada como forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de uma declaração de alterações.

5 - O período mínimo de permanência no regime simplificado é de cinco anos, prorrogável automaticamente por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a opção pela aplicação do regime de contabilidade organizada. 

  1. Ambas as disposições legais supra descritas, preveem expressamente, a opção pelo sujeito passivo pelo regime de contabilidade organizada, afasta a aplicação do regime simplificado.
  2. Inclusive, o artigo 28.º do CIRS para o ano 2015 não distingue se tal período de permanência tem aplicação apenas nas situações em que o sujeito passivo manifesta vontade de ser tributado segundo o regime de contabilidade organizada, nem tão pouco prevê qualquer regime de caducidade nas situações em que, não tendo tal enquadramento resultado da vontade do sujeito passivo, se deixam de verificar os pressupostos que levaram ao seu enquadramento no mesmo.
  3. Conforme se pode colher da fundamentação de fato, o Requerente optou expressamente no ano de 2001 pela aplicação do regime de contabilidade organizada.
  4. Nestes termos, resulta claro, que tendo o sujeito passivo optado expressamente pelo regime de contabilidade organizada, é este o regime que lhe deve ser aplicado até indicação expressa em contrário pelo sujeito passivo, afastando-se assim a aplicação do disposto no artigo 28.º n.º 2.
  5. Aliás, não resulta da lei qualquer imposição sobre o Sujeito passivo - que aufira rendimentos de valor inferior ao estabelecido no artigo 28.º n.º 2 do CIRS - de manifestar a sua vontade no sentido de se manter no regime da contabilidade organizada, tal como pretende a AT.
  6. Neste mesmo sentido, foi decidido em sede de jurisdição arbitral nos processos 266/2013-T, 253/2013-T, 114/2017-T e 295/2017-T.
  7. Sobre a interpretação a conferir ao artigo 28.º, remetemos para a decisão arbitral 295/2017-T:

Aliás, é a própria lei que, de modo explícito, no n.º 4 do artigo 28.º do CIRS, dispõe que a opção do sujeito passivo pelo regime de contabilidade organizada deve ser efectuado em duas circunstâncias:

Na declaração de início de actividade;

Até ao fim do mês de março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento.

Não há, pois, qualquer correspondência na letra da lei para a interpretação defendida pela AT, segundo a qual, uma vez excedido o volume de vendas previsto no n.º 2 do artigo 28.º CIRS, caduca a sua tributação de acordo com o regime da contabilidade organizada.

Sendo certo que, na interpretação das normas se deve presumir que o legislador se soube exprimir o seu pensamento e consagrou a solução mais acertada, conforme decorre do disposto no artigo 9.º, n.º 2 do CC, ex vi artigo n.º 1 do artigo 11 e artigo 2.º da LGT.

Ademais, não contendo o artigo 28.º n.º 2 qualquer distinção sobre a manutenção em determinado enquadramento, não pode a AT fazer tal distinção, tal como resulta do brocardo “bi lex non distinguir, nec... nos distinguere debemus”, ou seja, onde a lei não distingue, ao intérprete não é dado fazê-lo.

Não tendo o legislador previsto qualquer situação que faça cessar o regime da contabilidade organizada durante o ciclo de três anos, deve o intérprete concluir, de acordo com as regras da interpretação, que a sua inexistência é a mais acertada.

E ainda que se entendesse existir uma lacuna, o que não se concede, ela não seria susceptível de integração analógica, por tal estar expressamente vedado pelo artigo 11.º, n.º 4 da LGT.

Pelo que, não tendo o Requerente marido comunicado qualquer alteração ao seu regime de tributação, fez uma opção clara e inequívoca pela manutenção do regime de tributação em que estava enquadrado, não podendo a AT proceder à sua alteração, oficiosamente, quando o Sujeito passivo não atinja rendimentos em montante superior ao previsto no artigo 28.º do CIRS.”

  1. Também de acordo com o entendimento proferido em termos de jurisprudência, resulta claro, que não tendo o sujeito passivo comunicado a sua intenção de alteração do regime de contabilidade organizada, não pode a AT oficiosamente alterar o mesmo.
  2. Aliás, resulta do entendimento da AT divulgado através da Circular n.º 2/2016, de 6 de Maio, que os sujeitos passivos que exercem a opção pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade nas condições previstas no n.º 4 do artigo 28.º do Código do IRS, permanecem nesse regime até manifestação em contrário, não sendo relevantes as variações do montante anual ilíquido do rendimento da categoria B que vierem a ocorrer.” [sublinhado nosso]. Pelo que, até pelo entendimento exposto na dita circular, deveria a AT ter decidido de outra forma no ora caso em apreço.
  3. Ora, no caso sub judice, o Requerente foi oficiosamente enquadrado no regime simplificado com efeitos a partir de 2015, ao abrigo do n.º 2 do artigo 28.º do Código do IRS, por ter sido apurado, no ano de 2014, um rendimento da categoria B de € 191.860,00, ou seja, inferior aos € 200.000,00.
  4. Por firmeza do referido n.º 5 do artigo 28.º do Código do IRS, o regime da contabilidade organizada relativo à tributação dos rendimentos da categoria B no qual o Requerente se manteve enquadrado desde 2001 (aquando do início de atividade) mantém-se em vigor até que o sujeito passivo proceda à entrega de declaração de alterações.
  5. Destarte, não tendo o Requerente submetido qualquer declaração de alteração do enquadramento até ao final do mês de Março de 2015, o regime em vigor – regime de contabilidade organizada – manter-se-ia aplicável.
  6. Face a tudo quanto acima fica expendido, carece de suporte legal a interpretação que a Requerida faz do n.º 1, do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 28.º do CIRS, a qual visa impor sobre o sujeito passivo um ónus, relativo a uma obrigação tributária acessória, que a lei não prevê, e que é mesmo contrária ao seu sentido literal, violadora do princípio da legalidade tributária, consagrado no artigo 103.º n.ºs 2 e 3 da CRP e no artigo 8.º, n.ºs 1 e 2 da LGT.
  7. Pelo exposto, entende-se que a liquidação em sede de IRS n.º 2016…, referente ao ano de 2015, e a decisão de indeferimento proferida no âmbito da Reclamação Graciosa deduzida contra a mesma, enfermam de vício por violação de lei, por errada interpretação do artigo 28.º do CIRS e, em consequência, devem tais atos ser anulados.
  8. E, deste modo, procede, a pretensão do Requerente.

I - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

  1. Peticiona, ainda, o Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.
  2. Perante o exposto, a liquidação do IS, na parte abrangida pela anulação, que se decretará, resultam de erros de facto e de direito imputáveis exclusivamente à administração fiscal, na medida em que a Requerente cumpriu o seu dever de declaração e foram por aquela cometidos e não poderia a mesma desconhecer entendimentos diferentes.
  3. Na verdade, estando demonstrado que o Requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido, por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem o Requerente direito aos juros indemnizatórios devidos, juros esses a serem contados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.
  4. Dá-se provimento ao pedido do Requerente.

 

L- DECISÃO

Termos em que acorda o presente Tribunal em:

Julgar procedentes o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação adicional em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2016…, referente ao exercício de 2015, no valor de 24.006,74€ (vinte e quatro mil e seis euros e setenta e quatro cêntimos).

Condena a Requerida, a restituir à Requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos relativos ao período desde o pagamento do imposto nos termos dos n.ºs 2.º a 5.º do art.º 61.º do CPPT e à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT e vincendos até integral reembolso.

Fixa-se o valor do processo em 24.006,74€ atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnada, e em conformidade fixa-se as custas, no respetivo montante em 1.530,00€ (mil quinhentos e trinta euros), a cargo da Requerida de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último,  n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

 

 

Notifique-se.

Lisboa, 22 de Março de 2018

 

O Árbitro

Paulo Ferreira Alves

 



[1]Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013.

[2]Neste sentido o Acórdão do STA, n.º 0188/09, de 9 de Setembro de 2009

[3] Este princípio comporta algumas exceções, podendos atos de determinação da matéria tributável ser autonomamente impugnáveis. Cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 140 a 191.