Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 399/2017-T
Data da decisão: 2018-02-22  IRS  
Valor do pedido: € 10.771,33
Tema: IRS – Tributação de não residentes; rendimentos prediais – deduções.
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

1. O contribuinte A… (doravante designada por “Requerente”), com o n.º de identificação fiscal…, residente nos …, …, Massachusetts, representada por B…, com o número de identificação fiscal…, residente na Avenida …, n.º…, …, …-… Lisboa, na qualidade de Representante Fiscal, apresentou, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, de forma a ser declarado ilegal o indeferimento da Reclamação Graciosa com vista à anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) referente ao exercício de 2015, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 31 de julho de 2017.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 31 de agosto de 2017.

B) História processual

4. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente peticionou a ilegalidade do indeferimento da Reclamação Graciosa com vista à anulação da liquidação de IRS do exercício de 2015, bem como, consequentemente, a anulação da respetiva liquidação n.º 2016/…, e o reembolso do imposto pago no montante de Euro 10.771,33.

5. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o acto tributário em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, fosse mantido na ordem jurídica.

6. Por despacho de 1 de fevereiro de 2018, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

7. Foram ambas as partes notificadas para exercer o direito do contraditório, tendo estas tempestivamente apresentado alegações adicionais, às quais não cabe aqui referência por se limitarem a reforçar as posições respetivamente sufragadas nas peças apostas aquando do pedido de pronúncia arbitral e da respetiva Resposta.

8. Decidiu o presente Tribunal Arbitral, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, e fixou como prazo limite para a decisão arbitral o final do mês de fevereiro de 2018.

9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

10. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

II. Questão a decidir

11. A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a de saber se, no caso em análise, seria admissível a dedução de perdas apuradas em anos anteriores aos rendimentos prediais (categoria F) auferidos por uma não-residente.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

12. Examinada a prova documental produzida, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

I.     Em 2010, a ora Requerente era residente para efeitos fiscais em Portugal, sendo proprietária de imóveis no território nacional.

II.   Na sua qualidade de proprietária, a Requerente gozou, nesse ano, de um reembolso a seu favor de Euro 408,30, e no montante de perdas a reportar de Euro 61.002,63, respeitantes aos encargos suportados com a obtenção de rendimentos prediais.

III.  Comunicou a Requerente à AT, em 2011, que iria alterar a sua residência fiscal para os Estados Unidos da América, residência que se manteve até ao ano relevante para o presente caso (2015).

IV.  Entre os anos de 2011 a 2013, e 2015, a Requerente auferiu rendimentos prediais decorrentes de contratos de arrendamento.

V.   A Requerente procedeu, em 2016, à entrega da Declaração Modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2015, enquanto não residente no território nacional, composta unicamente pelo Anexo F, onde foram declarados rendimentos no montante de Euro 53.902,71.

VI. No exercício de 2015, propugna a Requerente que existiam perdas a reportar no montante de Euro 27.588,68, dos quais o valor de Euro 26.954,19 respeitavam a perdas apuradas no ano de 2012, e o restante (euro 634,49) respeitava ao reporte de perdas apuradas no ano de 2014.

VII.     Notificada da aludida liquidação, e inconformada com a mesma, a Requerente interpôs Reclamação Graciosa na qual propugnava pela anulação da mesma, em virtude de não estar a ser considerada a dedução de perdas declaradas em razão do reporte de perdas de anos anteriores.

VIII.    Sobre esta Reclamação Graciosa veio a Requerida proferir-se pelo seu indeferimento, notificado à Requerente na data de 20 de abril de 2017.

IX. A Requerente optou por pagar o imposto, não obstante considerar o mesmo ser ilegal.

X.   Cumpre ainda referir que, quanto aos anos de 2011 e 2013, apresentou a Requerente um pedido de pronúncia arbitral a solicitar a declaração de ilegalidade das liquidações de IRS entregues quanto a esses exercícios, que desconsideravam igualmente a dedução de perdas de anos anteriores aos rendimentos prediais auferidos;

XI.   Pedido esse que originou a Decisão Arbitral sobre o Processo n.º 96/2015-T, que veio deferir as pretensões da ora Requerente e, por conseguinte, declarar ilegais as liquidações de IRS quanto aos exercícios de 2011 e 2013.

XII.     Neste contexto, e tendo em conta o enquadramento factual supra exposto, veio a Requerente solicitar ao presente Tribunal Arbitral que se decida pela ilegalidade do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa supramencionada e, consequentemente, que seja declarada ilegal a liquidação de IRS n.º 2016/… e reembolsado o montante de Euro 10.771,33, correspondente ao valor de imposto pago a titulo da tributação de rendimentos prediais.

13. A convicção do presente tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

14. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

IV. Do Direito

A) Quadro jurídico

15. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interpretem os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.

16. Neste sentido, a atentando à temática do presente caso, cumpre distinguir o tratamento que o legislador optou por conceder aos rendimentos auferidos por residentes fiscais em território português, por contraposição aos auferidos por não residentes.

17. Assim, dispõe o n.º 2 do artigo 15.º, do Código do IRS que “tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”, concretizando, deste modo, o princípio da territorialidade ou da fonte dos rendimentos, por contraposição ao princípio do “worldwide income” aplicável aos residentes.

18. Por sua vez, quanto aos rendimentos auferidos por residentes está prevista a opção (por vezes a obrigação) da sua tributação através do englobamento.

19. O englobamento, cumpre explicitar, consiste na operação pela qual se apura a totalidade dos rendimentos das diversas categorias, com vista ao apuramento do rendimento líquido, depois de efetuadas as deduções e abatimentos previstos nas secções seguintes ao artigo 22.º do Código do IRS.

20. E é sobre este rendimento líquido que irão incidir, no caso dos residentes em território nacional, as taxas progressivas.

21. Pelo contrário, no que concerne aos rendimentos auferidos em território português por não residentes, determina a alínea a) do n.º 3, do artigo 22.º do Código do IRS, que, com exceção dos rendimentos de capitais que possam ser imputáveis a um estabelecimento estável sito em território português, não pode ocorrer o englobamento destes.

22. Destarte, está prevista a tributação dos rendimentos auferidos por não residentes por via da aplicação de taxas com caráter especial ou liberatório, nomeadamente nos termos do artigo 72.º do Código do IRS.

23. Neste sentido, e atendendo ao caso específico dos rendimentos prediais, dispõe o n.º 5 do artigo 72.º do Código do IRS que deverão estes ser tributados à taxa de 28%, sendo de salientar que esta taxa especial não assume caráter liberatório, pressupondo, deste modo, obrigações declarativas a cumprir pelos não residentes que aufiram esta categoria de rendimentos,

24. Tendo as retenções na fonte delas decorrentes a natureza de pagamento por conta.

25. Por sua vez, no que respeita à possibilidade de dedução de perdas, dispõe o n.º 1 do artigo 55.º, do Código do IRS:

Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos.”,

26.  Estabelecendo ainda no seu n.º 2, em relação ao reporte de perdas de anos anteriores relativas aos rendimentos prediais de categoria F em especial, que:

O resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria.”

27. Cabe ainda, para a análise da questão decidenda do presente caso, uma referência ao artigo 26.º da Convenção para Eliminar a Dupla Tributação (“CDT”) celebrada entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, cujo n.º 1 apresenta a seguinte redação:

Não discriminação

“1 - Os nacionais de um Estado Contratante não ficarão sujeitos no outro Estado Contratante a nenhuma tributação ou obrigação com ela conexa diferente ou mais gravosa do que aquelas a que estejam ou possam estar sujeitos os nacionais desse outro Estado que se encontrem na mesma situação. Esta disposição aplicar-se-á também às pessoas que não são residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes. Todavia, para efeitos da tributação dos Estados Unidos, e sem prejuízo do disposto no artigo 25.º, «Eliminação da dupla tributação», um nacional dos Estados Unidos que não seja residente dos Estados Unidos e um nacional de Portugal que não seja residente dos Estados Unidos não se encontram na mesma situação.”

28. Cumpre agora uma breve exposição dos argumentos apresentados pelas partes quanto à matéria decidenda.

B) Argumentos das partes

29. No presente pedido de pronúncia arbitral vem a Requerente alegar, em suma, que a liquidação de IRS que se pretende agora anular padece dos seguintes vícios:

i) Violação do princípio da tributação do rendimento efetivo e da legalidade tributária, constantes do artigo 103.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP);

ii) Violação do princípio do primado do direito internacional sobre a ordem jurídica interna, disposto no n.º 2 do artigo 8.º, da CRP, por violação do artigo 26.º, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação Internacional entre Portugal e os Estados Unidos da América (CDT);

iii) Violação das normas constantes da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 22.º, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 55.º, e dos n.ºs 8 e 9 do artigo 72.º, todos do Código do IRS; bem como,

iv) Violação do artigo 8.º, da Lei Geral Tributária (LGT);

30. Como fundamentação destas alegações, propugna a Requerente que “a forma de apuramento do rendimento líquido da categoria F e a dedução das perdas é idêntica, quer se trate de sujeitos passivos residentes ou de não residentes” (artigo 36.º do pedido de pronúncia arbitral), e que,

31.  Não existe na legislação interna nenhuma norma que exclua o reporte de prejuízos da categoria F aos rendimentos líquidos da mesma categoria a contribuintes não residentes.

32.  Por sua vez, no que respeita à opção pelo englobamento por não residentes, a Requerente entende que a mesma só pode ser vedada com violação das normas legais referidas, incluindo com violação do princípio da não discriminação previsto no artigo 26.º da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América.

33.  Não obstante, independentemente do entendimento que seja acolhido relativamente à opção pelo englobamento por não residentes, é de concluir que a possibilidade de dedução de perdas da categoria F não depende de englobamento (artigo 44.º do pedido de pronúncia arbitral).

34. Por seu turno, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual, em síntese, e citando os argumentos já apresentados em sede de indeferimento da Reclamação Graciosa, alegou o seguinte:

35. O artigo 22.º do Código do IRS exclui a possibilidade de englobamento dos rendimentos auferidos por não residentes em território nacional.

36. Assumindo que os rendimentos prediais auferidos pela Requerente em 2015 não eram, então, passíveis de englobamento, e atendendo à natureza da própria operação de englobamento,

37. Alega a Requerida que a operação de deduções, mormente a dedução de perdas prevista no artigo 55.º do Código do IRS (que não é uma dedução específica da categoria F), é “um processo prévio, anterior e condicionado pela possibilidade de englobamento” (artigo 35.º da Resposta da Requerida).

38.  Assim, “na falta de previsão normativa que possibilite o englobamento dos rendimentos obtidos em território nacional por não residentes – in casu os rendimentos da Categoria F (prediais) -, por maioria de razão, aquela operação prévia (dedução de perdas) não pode ser realizada, porquanto a mesma sempre estaria condicionada ao prévio englobamento dos rendimentos, só possível para os residentes” (artigo 36.º da Resposta da Requerida).

39. É, no entendimento da Requerida, coerente concluir que o legislador não tivesse a intenção, de aplicar o regime de reporte de perdas previsto no artigo 55.º, do Código do IRS, pois que optou por uma tributação isolada e analítica, através das taxas especiais previstas no artigo 72.º do Código do IRS, dos rendimentos da categoria F auferidos por sujeitos passivos não residentes.

40. No que concerne à alegada violação do artigo 26.º, da CDT celebrada entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, cumpre referir que a taxa especial de tributação dos rendimentos prediais auferidos em território nacional por sujeitos passivos residentes nos Estados Unidos da América, sendo proporcional ao montante dos rendimentos auferidos, é tanto mais benéfica face à taxa aplicável aos mesmos rendimentos auferidos por residentes em Portugal, quanto maior for o valor em causa,

Sendo, ainda, que,

41. O disposto no artigo 26.º da CDT não afasta a possibilidade do Estado Português prever um regime de tributação dos rendimentos auferidos em território nacional por sujeitos passivos residentes nos EUA distinto daquele que é aplicado aos seus residentes.

C) Apreciação do tribunal

42. A título preliminar, refira-se que, aos olhos deste Tribunal Arbitral, a questão decidenda apresenta duas vertentes distintas, não obstantes se encontrarem intimamente ligadas:

i) Se é admissível o englobamento de rendimentos prediais auferidos por não residentes em território nacional, e,

ii) Se o regime da dedução de perdas apuradas em anos anteriores, prevista para a categoria F (rendimentos prediais), é aplicável no caso de não residentes, independentemente da ser possível ou não a opção pelo englobamento.

43. Neste contexto, e não obstante colher o argumento apresentado pela Requerida de que inexiste, em Portugal, “a figura do precedente jurídico” (artigo 63.º da Resposta da Requerida), releva, presentemente, a análise do conteúdo da Decisão Arbitral n.º 96/2015-T, que teve por objeto a mesma questão controvertida de direito, quanto aos factos ocorridos em 2011 e 2013.

44. A este respeito, e após análise cuidada de todos os argumentos expostos, acolhe-se na presente Decisão a doutrina vertida sobre esta matéria, na Decisão Arbitral n.º 96/2015-T, nos termos que exporemos adiante.

  1. Da possibilidade de englobamento dos rendimentos auferidos por não residentes

45. O Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, veio introduzir um novo modelo de tributação do rendimento das pessoas singulares, em obediência ao imperativo constitucional de que “O imposto sobre o rendimento pessoal visará a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”, estabelecido no n.º 1 do artigo 104.º da CRP.

46. Foi neste âmbito que a determinação do rendimento coletável passou a ser feita através do englobamento, ou seja, pelo somatório dos rendimentos líquidos das diversas categorias de rendimentos (com algumas exceções), após efetuadas as deduções específicas de cada uma dessas categorias, bem como a dedução de algumas perdas, encontrando-se, assim, o rendimento global líquido.

47. Para a justificação da criação da figura do englobamento, dispõe o ponto 3 do Preâmbulo do Código do IRS que “só a perspetiva unitária permite a distribuição da carga fiscal segundo um esquema racional de progressividade, em consonância com a capacidade contributiva”.

48. Compreensivelmente, esta perspetiva unitária da tributação do rendimento pessoal só teria aplicação aos sujeitos passivos residentes em território nacional, porquanto os não residentes apenas seriam tributados pelos rendimentos obtidos neste território, sujeitos a taxas liberatórias ou taxas especiais, de natureza proporcional e sem possibilidade de englobamento.

49. Efetivamente, o englobamento tem por fundamental objetivo a tributação do rendimento global dos sujeitos passivos residentes em território nacional, por aplicação de taxas progressivas, tendo em vista a concretização do princípio da capacidade contributiva na tributação do rendimento pessoal.

50. Como já exposto no ponto IV. A) Quadro jurídico supra, dispõem os preceitos normativos relevantes do Código do IRS (cfr. n.º 2 do artigo 22.º e n.º 5 do artigo 72.º), na sua redação em vigor à data em causa (2015), que os rendimentos prediais auferidos por sujeitos passivos não residentes em território nacional relativos a imóveis nele situados são tributados à taxa especial de 28%, sem possibilidade de englobamento.

51. Como já referido, cumpre salientar que a taxa especial prevista no artigo 72.º não é uma taxa liberatória, pelo que estava a Requerente obrigada a cumprir com as suas obrigações declarativas, como o fez com a apresentação da Declaração Modelo 3 onde apresentou o Anexo F devidamente preenchido.

52. Neste contexto, e de modo a justificar a pretensa ilegalidade da vedação da opção pelo englobamento aos não-residentes, vem a Requerente invocar o princípio da não discriminação consagrado no artigo 26.º da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América.

53. Cumpre, a este respeito, uma breve introdução ao princípio da não discriminação.

54. Tal como propugnado pela Decisão Arbitral n.º 96/2015-T, à qual cabe referência neste ponto, o princípio da não discriminação é corolário geral do princípio da igualdade, no que respeita ao critério da nacionalidade.

55. Efetivamente a própria CDT dispõe, no seu artigo 26.º, que o elemento objetivo do preceito é impedir que estrangeiros (não nacionais de um dos Estados) fiquem sujeitos, num dado Estado, a qualquer tributação ou obrigação correspondente diferente ou mais gravosa do que aquelas a que estiverem sujeitos, ou poderem estar sujeitos, os nacionais desse Estado que se encontrem na mesma situação.

56. Caindo, por conseguinte, a tónica do princípio da não discriminação na sua fundação na nacionalidade de um dado contribuinte, em vez de na sua residência fiscal, que é considerada critério legítimo de tratamento fiscal diferenciado.

57. Releva ainda mencionar que nada existe nos autos que permita determinar a nacionalidade da Requerente.

58. Invoca ainda a Requerente a decisão proferida no processo arbitral n.º 127/2012-T.

Contudo,

59. A questão aí decidida reporta-se à “tributação de mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por sujeito passivo residente noutro Estado membro da União Europeia”, situação que não é, manifestamente, nem objetiva nem subjetivamente equiparável à dos presentes autos.

60. Conclui-se, então que a liquidação não viola o princípio da não discriminação previsto na CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América, e, consequentemente,

61. Não enferma de inconstitucionalidade por violação do artigo 8.º da CRP, que estabelece o primado do direito internacional sobre a ordem interna, sendo aplicáveis à situação concreta da Requerente as normas constantes no Código do IRS, que passaremos a interpretar.

Assim,

62. Pelos motivos que antecedem e, pese embora a obrigação declarativa que impende sobre os sujeitos passivos não residentes que obtenham rendimentos da categoria F em Portugal, não é possível o englobamento de tais rendimentos auferidos por um residente nos Estados Unidos da América.

Pelo que,

63. Concorda o presente Tribunal, nesta questão em particular, com a argumentação aposta pela Requerida, no sentido de obviar à opção pelo englobamento dos rendimentos prediais auferidos em Portugal pela ora Requerente.

64. Releva agora, contudo, a tomada de posição sobre se o artigo 55.º do Código do IRS exige, ou não, a possibilidade de englobamento como critério para o acesso ao regime de dedução de perdas de anos anteriores.

  1. Deduções de perdas aos rendimentos prediais auferidos por não residentes

65. Sustenta a Requerida que, não sendo possível o englobamento dos rendimentos prediais auferidos por não residentes, daí, “(…) resulta inexoravelmente que a operação de deduções, mormente a dedução de perdas para o que ora nos interessa (que não é uma dedução especifica da Cat. F), e abatimento é um processo prévio, anterior e condicionado pela possibilidade de englobamento”,

66. “Concluindo-se que pela falta de previsão normativa que impossibilita os não residentes de englobarem os rendimentos obtidos por si obtidos em território nacional - in casu, os rendimentos da Cat. F (prediais) -, por maioria de razão, aquela operação prévia (dedução de perdas) não é passível de ser realizada, porquanto a mesma sempre estaria condicionada ao prévio englobamento dos rendimentos (só possível para os residentes.)”.

Ora vejamos,

67. Citando a Decisão Arbitral n.º 96/2015-T quanto a esta questão, é ponto assente que “o legislador histórico do IRS (…) não pretendeu a tributação de todo e qualquer acréscimo, mas tão só do acréscimo líquido”.

68. Contudo, e ainda seguindo a linha de pensamento propugnada por esta Decisão, a determinação dos rendimentos líquidos não se satisfaz apenas com a contemplação de deduções específicas a cada categoria de rendimentos (assumindo relevância, no caso presente, a referência ao artigo 41.º do Código do IRS que refere a possibilidade de deduções específicas aos rendimentos prediais em cada ano),

69. Uma vez que os encargos suportados com a obtenção do rendimento de um dado ano podem ser superiores ao próprio rendimento desse mesmo ano.

70. Neste sentido, surge a necessidade de, sob pena de, com a tributação, se atingir a fonte produtora do rendimento, ser ainda permitida a dedução de perdas de anos anteriores que, afinal, “mais não são do que o excesso sobre a dedução específica a considerar no ano em que os encargos são suportados(cfr. Decisão Arbitral n.º 96/2015-T, sublinhado nosso).

71. Efetivamente, a dedução de perdas da categoria F constava, em 2015, do n.º 2 do artigo 55.º do Código do IRS (tendo mantido a sua redação atualmente) e dispunha o seguinte: “O resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria”.

72. Ora, tendo em conta que as perdas a reportar mais não são do que a acumulação de deduções específicas que, em cada ano, apenas podem ser abatidas à matéria tributável desse mesmo ano, até à sua concorrência, podendo ser abatidas à matéria tributável positiva de anos posteriores, dentro do limite temporal legalmente estabelecido, não se vê como o referido princípio da tributação dos rendimentos líquidos possa ser satisfeito sem que sejam tidas em consideração as perdas a reportar de anos anteriores.

73. Por outro lado, e tal como propugnado pela ora Requerente, não existe norma que exclua a possibilidade de dedução de perdas, por parte de sujeitos passivos não residentes.

74. Atendendo aos argumentos da Requerida, se é certo que o englobamento opera numa fase posterior à da subtração das “deduções e abatimentos previstos nas secções seguintes” (cfr. n.º 1 do artigo 22.º, do Código do IRS), daí não se seguirá, necessariamente, que, caso não seja possível o englobamento, deixe de ser possível beneficiar destas deduções.

75. Efetivamente, a única exceção deste tipo é a que se refere à dedução de perdas da categoria G (relativas a certas mais valias mobiliárias), por residentes em território nacional, nos termos do n.º 6 do artigo 55.º, do Código do IRS, na redação em vigor no ano em análise, segundo a qual “O saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os dois anos seguintes, aos rendimentos com a mesma natureza, quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.” (sublinhado nosso).

76. Contrariando a posição transmitida pela Requerida sobre a possibilidade de dedução de perdas sem prévio englobamento, já a doutrina se pronunciou a propósito da tributação dos rendimentos da categoria F auferidos por residentes, por taxas proporcionais (embora estes possam optar pelo englobamento), instituída no n.º 7 do artigo 72.º do Código do IRS.

77. Citando-se nesta matéria Rui Duarte Morais, “Note-se que, estando em causa uma taxa especial (e não uma taxa liberatória), esta se aplica a rendimentos determinados nos termos gerais, ou seja, a rendimentos líquidos, o mesmo é dizer que o sujeito passivo continua a ser admitido a fazer as deduções específicas que a lei prevê. Como manterá, também, o direito ao reporte de prejuízos que tenha tido, nesta categoria, em anos anteriores.”[1] (sublinhado nosso).

Pelo que,

78. Aplicando as pertinentes disposições do Código do IRS em vigor à data dos factos, incluindo as relativas a deduções específicas da categoria F e a dedução de perdas,

79. E atendendo ao facto de não existir regra que expressamente afaste a sua aplicação aos rendimentos auferidos por não residentes, nem dependerem do englobamento dos rendimentos a tributar, não parece a este Tribunal que se possa interpretar a vontade do legislador no sentido de afastar esta dedução,

80. Pelo que se conclui pela possibilidade da ora Requerente efetuar as deduções de perdas apuradas no ano de 2012 e 2014 aos rendimentos prediais auferidos em 2015, apesar de não ser possível o englobamento destes rendimentos.

V. Decisão

81. Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa com vista à anulação da liquidação de IRS n.º 2016/…, por referência a 2015, do qual resultou imposto a pagar no montante de € 10.771,33; e, consequentemente,

B) Determinar o reembolso da quantia paga pela Requerente a título de IRS;

C) Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre a quantia paga de € 10.771,33, desde o dia em que foi paga a liquidação mencionada supra e até o integral reembolso do montante referido; e,

D) Condenar a Requerida nas custas do processo.

VI. Valor do processo

82. Fixa-se o valor do processo em € 10.771,33, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

VII. Custas

83. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 22 de fevereiro de 2018

 

O Árbitro

 

(Sérgio Santos Pereira)

 



[1] Cfr. MORAIS, Rui Duarte de, “Sobre o IRS”, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 115 ss.