Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 410/2017-T
Data da decisão: 2018-03-13  Selo  
Valor do pedido: € 10.089,00
Tema: Imposto do Selo - verba 28.1 da TGIS e terrenos para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Pedro Miguel Bastos Rosado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:  

 

  1. Relatório

 

1. O A…, com o número de identificação fiscal…, representado pela sociedade gestora B…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., com o número de identificação fiscal…, com sede na Avenida …, nº…, …, …-…, Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 6 de julho de 2017, pedido de pronúncia arbitral no qual requer a declaração de ilegalidade do acto, e consequente revogação, de indeferimento da revisão oficiosa n.º …2016…, o qual tem por objecto a apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo n.º 2015…, n.º 2015… e n.º 2015…, referentes ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial…, pertencente à freguesia e concelho de …, distrito de Leiria, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por Requerida ou AT.

 

2. A pretensão do objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo a que correspondeu os documentos de cobrança n.º 2015…, n.º 2015 … e n.º 2015…, referentes ao ano fiscal de 2014, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

3. Pede, ainda, o Requerente a restituição da totalidade do imposto pago acrescido dos juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral da quantia devida calculada sobre o imposto.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado, em 17 de julho de 2017, à AT.

 

5. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.

 

5.1. Em 30 de agosto de 2017, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

5.2. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 14 de setembro de 2017.

 

6. Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

6.1. O prédio urbano, à data dos factos, encontrava-se inscrito na respetiva matriz como terreno para construção.

 

6.2 O prédio urbano inscrito na respetiva matriz como terreno para construção não pode ser subsumível no conceito de "prédio com afetação habitacional" e, por conseguinte, não se encontra incluído no âmbito de incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS.

 

6.3. O prédio urbano em causa no presente pedido não tinha em 2014 uma "edificação, autorizada ou prevista" para "habitação" conforme exigido pela verba 28.1 da TGIS.

 

6.4. Nestes termos, atenta a situação do prédio urbano em causa, não poderia ter sido aplicada in casu a tributação consagrada na verba 28.1 da TGIS, dado não estarem verificados os respetivos pressupostos de aplicação.

 

6.5. Termina o Requerente alegando que devem as liquidações de imposto do selo, objeto mediato do presente pedido, serem declaradas ilegais por violação do disposto na verba 28.1 da TGIS.

 

6.6. A título subsidiário, alegou a inconstitucionalidade da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo quando aplicada a “terrenos para construção”.

 

7. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, e remeteu o “processo administrativo”.

 

7.1. Por exceção, a AT invocou a incompetência absoluta do tribunal arbitral para a apreciação do pedido de declaração da inconstitucionalidade material da verba 28.1 da TGIS.

 

7.2. Por impugnação, a AT invocou, em síntese, o seguinte:

 

7.2.1 Na caderneta predial que está na base da presente liquidação, verifica-se que o terreno para construção está afeto à habitação.

 

7.2.2. Os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afetação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal afetação das respetivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo.

 

7.2.3. Refutou a alegada inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS.

 

8. Na sua Resposta, a AT veio ainda dizer que não via qualquer interesse e utilidade na realização da reunião prevista no artº 18º do RJAT, requereu a sua dispensa caso o Requerente não se opusesse a tal fato, e mais informou que não pretendia produzir quaisquer alegações.

 

9. Notificado da Resposta da AT, desde logo para o exercício do contraditório em atenção à matéria da exceção, o Requerente, em 27 de outubro de 2017, veio informar que também não pretendia produzir alegações e que nada tinha a opor relativamente à dispensa da mencionada reunião.

 

10. Por não ter sido requerida a produção de prova e perante a posição assumida pelas partes, em 27 de dezembro de 2017, foi pelo Tribunal decidido:

a) Dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT;

b) Dispensar a fase de alegações finais;

c) Determinar que a matéria de excepção fosse decidida aquando da prolação da decisão arbitral;

d) Designar o dia 31 de Janeiro de 2018 para prolação da decisão arbitral.

 

11. Em nome do princípio da colaboração das partes, em 11 de Janeiro de 2018, o Tribunal decidiu mandar notificar o Requerente para, no prazo de 10 dias, a partir da notificação do referido despacho, juntar aos autos os comprovativos do pagamento das prestações do imposto liquidado.

 

12. Notificado do mencionado despacho arbitral de 11 de Janeiro de 2018, o Requerente nada veio dizer, nem juntou aos autos qualquer documentação.

 

13. Ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), em 31 de Janeiro de 2018, foi pelo Tribunal decidido:

a) Em nome do princípio da colaboração das partes, insistir pela notificação do Requerente para, no prazo de 10 dias, a partir da notificação do despacho, juntar aos autos os comprovativos do pagamento das prestações do imposto liquidado;

b) Em nome do princípio da colaboração das partes, a notificação da AT para, no prazo de 10 dias, a partir da notificação do despacho, informar se o pagamento do imposto foi efetuado pelo Requerente e, em caso afirmativo, as datas do pagamento das prestações do imposto liquidado.

 

14. Não sendo possível proferir a decisão arbitral na data anteriormente comunicada às partes pelos motivos referidos, o Tribunal designou o dia 28 de Fevereiro de 2018 como nova data para prolação da decisão arbitral.

 

15. Notificados do mencionado despacho arbitral de 31 de Janeiro de 2018, nem o Requerente, nem a AT vieram dizer o que quer que fosse, nem juntaram aos autos qualquer documentação.

 

16. Por ainda estar em tempo, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), em 28 de Fevereiro de 2018, foi pelo Tribunal decidido:

a) Em nome do princípio da colaboração das partes, insistir, uma vez mais, pela notificação do Requerente para, no prazo de 5 dias, a partir da notificação do despacho, juntar aos autos os comprovativos do pagamento das prestações do imposto liquidado;

b) Em nome do princípio da colaboração das partes, a notificação da AT para, no prazo de 5 dias, a partir da notificação do despacho, informar se o pagamento do imposto foi efetuado pelo Requerente e, em caso afirmativo, as datas do pagamento das prestações do imposto liquidado;

 

17. Não sendo possível proferir a decisão arbitral na data anteriormente comunicada às partes pelos motivos referidos, o Tribunal designou o dia 14 de Março de 2018 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

 

18. Notificada do despacho arbitral de 28 de Fevereiro de 2018, em 1 de Março de 2018, a AT veio, em síntese, dizer que a lei determina prazos para a junção dos documentos destinados a fazer prova dos factos e que ficou precludida a apresentação ulterior de prova documental por parte do Requerente, pois não há suporte legal para alegação de factos novos nem para concessão de prazo para apresentação de novos documentos. No seu requerimento a AT não prestou a informação solicitada pelo Tribunal. 

 

19. Notificado do despacho arbitral de 28 de Fevereiro de 2018, em 2 de Março de 2018, o Requerente veio, em síntese, justificar não ter conseguido encontrar os documentos comprovativos do respectivo pagamento de imposto, tendo no entanto junto aos autos três impressões (print screens) dos registos das Notas de Cobrança de Imposto do Selo, obtidos através do respectivo Portal das Finanças.

 

2. Saneamento

 

O art. 3.º, n.º 1, do RJAT, dispõe que: “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

Assim, a cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto tem por objeto atos de liquidação do mesmo imposto. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1, do RJAT.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A) Em 31 de dezembro de 2014, o Requerente era dono e legítimo proprietário, na proporção de 3/5, do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial …, pertencente à freguesia e concelho de … (Cfr. Processo Administrativo junto aos autos);

 

B) Em 31 de dezembro de 2014, o prédio urbano descrito em A) estava matricialmente inscrito como “terreno para construção” (Cfr. Caderneta predial junta com o Processo Administrativo junto aos autos);

 

C) Na respectiva caderneta predial, o prédio urbano inscrito sob o artigo matricial .. surge descrito nos seguintes termos: Descrição do Prédio – Tipo de Prédio: Terreno para Construção (Cfr. Caderneta predial junta com o Processo Administrativo junto aos autos);

 

D) Nos “Dados de Avaliação” da respectiva caderneta predial, o prédio urbano descrito em A) surgem inscritos nos seguintes termos: “Tipo de coeficiente de localização: Habitação” (Cfr. Caderneta predial junta com o Processo Administrativo junto aos autos);

 

E) Em 20 de março de 2015, a AT efetuou a liquidação de Imposto do Selo, no montante total de € 10.089,00, relativamente ao ano de 2014 e referente ao prédio urbano descrito em A), a qual foi devidamente notificada ao Requerente (cfr. Documentos 2, 3 e 4 anexos à P.I. e Processo Administrativo junto aos autos);

 

F) No ano de imposto a que respeitam a referida liquidação (2014), o valor patrimonial tributário do prédio urbano descrito em A) era de € 1.681.500,00 (cfr. Documentos 2, 3 e 4 anexos à P.I. e Processo Administrativo junto aos autos);

 

G) Na sequência da liquidação de Imposto do Selo, o Requerente foi notificado dos documentos de cobrança que seguidamente se discriminam (Cfr. Documentos 2, 3 e 4 anexos à P.I. e Processo Administrativo junto aos autos)

 

I - Ano de Imposto: 2014; Identificação do Documento – 2015 …; Data de Liquidação – 2015-03-20; Referência para pagamento –…; Data limite de pagamento – ABRIL/2015; 1ª Prestação; Valor a pagar - € 3.363,00;

 

II - Ano de Imposto: 2014; Identificação do Documento – 2015…; Data de Liquidação – 2015-03-20; Referência para pagamento –…; Data limite de pagamento – JULHO/2015; 2ª Prestação; Valor a pagar - € 3.363,00;

 

III - Ano de Imposto: 2014; Identificação do Documento – 2015…; Data de Liquidação – 2015-03-20; Referência para pagamento –…; Data limite de pagamento – NOVEMBRO/2015; 3ª Prestação; Valor a pagar - € 3.363,00;

 

H) Em 16 de abril de 2015, o Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral do valor correspondente à 1ª prestação da mencionada liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 3.363,00 (cfr. Impressão/print screen do registo das Notas de Cobrança de Imposto do Selo, obtido através do respectivo Portal das Finanças e junto pelo Requerente no seu requerimento de 2 de Março de 2018);

 

I) Em 7 de julho de 2015, o Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral do valor correspondente à 2ª prestação da mencionada liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 3.363,00 (cfr. Impressão/print screen do registo das Notas de Cobrança de Imposto do Selo, obtido através do respectivo Portal das Finanças e junto pelo Requerente no seu requerimento de 2 de Março de 2018);

 

J) Em 17 de Novembro de 2016, o Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral do valor correspondente à 3ª prestação da mencionada liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 3.363,00 (cfr. Impressão/print screen do registo das Notas de Cobrança de Imposto do Selo, obtido através do respectivo Portal das Finanças e junto pelo Requerente no seu requerimento de 2 de Março de 2018);

 

L) A mencionada liquidação de Imposto do Selo resultou da aplicação da verba 28.1 da TGIS ao prédio urbano descrito em A) (Cfr. Documentos 2, 3 e 4 anexos à P.I. e Processo Administrativo junto aos autos);

 

M) Em 21 de dezembro de 2016, o Requerente apresentou junto da AT pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo, que veio a corresponder ao Procedimento Administrativo de Revisão Oficiosa nº …2016… (Cfr. Documento 1 anexo à P.I. e Processo Administrativo junto aos autos );

 

N) Através do Ofício nº … de 2017-04-04 da AT, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento do pedido formulado de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo (Cfr. Documento 1 anexo à P.I. e fls… do Processo Administrativo junto aos autos).

 

O) Em 6 de Julho de 2017, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2. Fundamentação da matéria de facto dada como provada

 

A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa, designadamente nos documentos juntos pelo Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no seu requerimento de 2 de março de 2018 e no processo administrativo.

 

3.3. Factos não provados

 

Com interesse para os autos, não resultou provado que, relativamente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial …, da freguesia e concelho de …, existisse, à data do facto tributário, qualquer alvará de loteamento, alvará de licença de construção, projeto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva do qual resultasse como edificação prevista ou autorizada a habitação.

 

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

3.4. Fundamentação da matéria de facto que não se considera provada

Não se encontra junto aos autos qualquer suporte documental que ateste que os actos em crise foram praticados tendo por objecto um prédio com projectos aprovados para a construção ou quaisquer outros títulos constitutivos do direito de construir para habitação.

 

4. Direito

 

4.1. A questão prévia da invocada preclusão da apresentação ulterior de prova documental por parte do Requerente.

 

Antes de mais, entende o Tribunal dever debruçar-se sobre o requerimento da AT de 1 de Março de 2018, no qual a Requerida veio, em síntese, dizer que a lei determina prazos para a junção dos documentos destinados a fazer prova dos factos e que ficou precludida a apresentação ulterior de prova documental por parte do Requerente, dado que não há suporte legal para alegação de factos novos nem para concessão de prazo para apresentação de novos documentos.

 

Surgiu este requerimento na sequência de despachos do Tribunal em que, ao abrigo ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), foi decidido:

a) Em nome do princípio da colaboração das partes, a notificação do Requerente para juntar aos autos os comprovativos do pagamento das prestações do imposto liquidado;

b) Em nome do princípio da colaboração das partes, a notificação da AT para informar se o pagamento do imposto foi efetuado pelo Requerente e, em caso afirmativo, as datas do pagamento das prestações do imposto liquidado.

 

Com efeito, no artº 12º da sua petição, o Requerente afirmou que procedeu ao pagamento integral e atempado do imposto devido. Tal alegação igualmente surgiu plasmada no pedido de revisão oficiosa.

 

Apesar de o Requerente juntar com a sua petição os documentos 2 a 4, o certo

é que dos mesmos não constava o pagamento do imposto.

 

Na sua resposta, a AT nada refere sobre o referido pagamento, sendo certo que não impugna o mesmo.

 

No “processo administrativo” junto aos autos pela AT, que se limita ao pedido de revisão oficiosa da liquidação e à decisão de indeferimento do mesmo, nada consta sobre o pagamento do imposto. É um processo administrativo no mínimo incompleto. 

 

Entendeu o Tribunal que a boa decisão da causa, em atenção aos pedidos deduzidos pelo Requerente e à verdade material, impunha a verificação ou não do pagamento do imposto e, em caso afirmativo, às datas do mesmo.

 

Assim, em nome do princípio da colaboração das partes as partes foram notificadas diversas vezes para juntar aos autos os comprovativos do pagamento das prestações do imposto liquidado (caso do Requerente) e informar se o pagamento do imposto foi efetuado pelo Requerente e, em caso afirmativo, as datas do pagamento das prestações do imposto liquidado (caso da Requerida).

 

O Tribunal não permitiu a alegação de factos novos, nem concedeu prazo para apresentação de novos documentos a pedido da parte.  

 

Em processo tributário, seja qual for a fase processual, deve o Tribunal oficiosamente realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ou úteis à descoberta da verdade material relativamente ao objecto do processo – de acordo designadamente com o disposto nos artigos 99.º da Lei Geral Tributária (LGT), e 13.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

Com efeito, tendo em vista a concretização dos princípios do inquisitório/investigação e da descoberta da verdade material incumbe ao Tribunal a direcção do processo e a realização de todas as diligências que, de acordo com um critério objectivo, considere úteis ao apuramento da verdade, não decorrendo da conjugação dos artºs. 13º e 114º do CPPT., que o Tribunal esteja obrigado à realização de todas as diligências que sejam requeridas pelas partes, antes de tais preceitos decorrendo o dever de realizar aquelas que o Tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.

 

E não pode a AT esquecer que constituem princípios do processo arbitral:

I) A autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas;

II) A livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros (cfr. alíneas c) e e) do artigo 16º do RJAT);

III) o princípio da livre condução do processo (nºs 1 e 2 do artigo 19º do RJAT).

 

No caso concreto, o Tribunal cumpriu escrupulosamente a sua função e foi, em última instância, a Requerida quem se furtou à colaboração necessária com o Tribunal.

 

Em conclusão e sem necessidade de considerações suplementares, improcedem as considerações da Requerida no seu requerimento de 1 de Março de 2018 de que, após a dedução do pedido de pronúncia arbitral, ficou precludida, por parte do Requerente, a apresentação ulterior de prova documental a pedido do Tribunal.

 

Os documentos juntos pelo Requerente, a pedido do Tribunal, e como complemento do alegado pagamento (não impugnado pela AT) são elementos de prova relevantes para o apuramento da verdade e ficam nos autos.  

 

4.2. Exceção de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria

 

A AT vem invocar que a competência dos tribunais arbitrais, definida no artigo 2º nº 1 do RJAT, não compreende a apreciação da conformidade constitucional de atos legislativos ou das suas normas.

 

E depois alega a AT ser o tribunal arbitral incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de declaração da inconstitucionalidade material “da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto vertente do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º e 104.º n.º 3 da CRP» (vide artº 9º da Resposta).

 

              Concluindo a AT que a “incompetência absoluta em razão da matéria configura uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT” (vide artº 10º da Resposta).

 

Notificado da Resposta da AT, desde logo para o exercício do contraditório em atenção à matéria da exceção, o Requerente nada disse.

 

A competência do tribunal arbitral encontra-se elencada no artigo 2º nº 1 do RJAT, limitando-se a sua competência à apreciação das matérias aí previstas.

 

Quanto à vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais, dispõe o nº 1 do artigo 4º do citado regime que esta depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.

 

A competência da instância arbitral encontra-se deste modo delimitada pela portaria de vinculação da Administração Tributária à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa (Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Nos termos do disposto no artigo 2.º da indicada Portaria, a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

Não oferece quaisquer dúvidas ao Tribunal que a apreciação da “conformidade constitucional de atos legislativos ou das suas normas” não se inclui na competência do tribunal arbitral.

 

E caso o Requerente houvesse suscitado a intervenção do tribunal arbitral para apreciação da conformidade constitucional da verba 28.1 da TGIS, dúvidas não restariam de que o tribunal arbitral seria incompetente em razão da matéria.

 

No entanto, analisado o pedido formulado pelo Requerente, facilmente se verifica não ter este formulado qualquer pedido de apreciação da constitucionalidade da verba verba 28.1 da TGIS.

 

De facto, quanto a esta matéria, o pedido formulado pelo Requerente, a título subsidiário, é o seguinte:

 “seja desaplicada, no caso concreto, a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio constitucional da igualdade (cf. artigo 204.º da CRP) e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais”. (cfr. alínea d) do ponto VII. Pedido da P.I.)

 

O que permite verificar que o Requerente não formula qualquer pedido de declaração de inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS, mas tão-somente a sua desaplicação ao caso vertente, o que é algo bem diferente.

 

Atente-se que o pedido constitui o concreto meio de tutela jurisdicional pretendido pelo Requerente, não podendo o tribunal substituir-se à parte, condenando em objeto diverso do que se pedir – cfr. artigo 609º do CPC..

 

Desta forma, tendo o Requerente deduzido apenas um pedido, aliás subsidiário, de desaplicação da verba 28.1. da TGIS por inconstitucionalidade, não pode o tribunal ou a parte contrária substituir-se ao Requerente, defendendo que o pedido formulado é outro, designadamente o de declaração de inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, para deste modo concluir pela incompetência material do tribunal arbitral para conhecimento desse pedido, e, diga-se, de tudo o mais!

 

Atente-se que mesmo que o Requerente houvesse formulado pedido de declaração de inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, o que, como vimos, não sucedeu, ainda assim tal pedido teria sido formulado apenas a título subsidiário, pelo que nenhum impedimento existia a que o tribunal conhecesse dos demais pedidos, como pretende a Requerida.

 

Pelo que, ainda assim, impunha-se ao tribunal apreciar o pedido principal e, apenas no caso de este não proceder, poderia declarar-se incompetente para apreciar o pedido subsidiário formulado.

 

Não tem por isso cabimento a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do tribunal arbitral.

 

Nestes termos,  o Tribunal julga improcedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral suscitada pela Requerida.

 

4.3. Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral

Ante tudo o que ficou exposto, a Requerente impugna a liquidação de Imposto do Selo, em análise, com base nos seguintes fundamentos:

- Ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito;

- Inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, com a redação dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro, se interpretada no sentido de o facto tributário relevante assentar numa expectativa de afetação à habitação, por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da igualdade tributária.

A Administração encontra-se subordinada à Constituição, como qualquer poder ou órgão do Estado, mas o que a caracteriza é a subordinação imediata à lei, não podendo haver Administração sem mediação legal. O princípio da legalidade, entendido num sentido amplo (da juridicidade da administração), constitui pressuposto e fundamento de toda a atividade administrativa, sendo que só excecionalmente pode haver atividade administrativa diretamente vinculada à Constituição.

Nesta conformidade, impõe-se, antes de mais, averiguar se os atos tributários de liquidação objeto do presente Pedido arbitral estão, ou não, em conformidade com o parâmetro imediato a que está subordinada a Administração Tributária, no caso dos autos: a verba 28.1 da TGIS, segundo a redação dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro.

Como vimos, alega o Requerente, em síntese, que as liquidações de Imposto do Selo em causa são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Cumpre apreciar.

Para a resolução da questão acima identificada, importa ter presente, antes do mais, a evolução e o enquadramento da referida verba 28, quer antes, quer depois da alteração que foi determinada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro (que é, como se disse, a redação aplicável ao presente caso).

Nesse sentido, torna-se útil a referência ao Acórdão do STA de 9 de abril de 2014 (proc. n.º 1870/13), que, tal como outros arestos do STA – e.g.: Acórdão de 9 de abril de 2014 (proc. n.º 48/14), Acórdãos de 23 de abril de 2014
(proc. n.os 270/14, 271/14 e 272/14), Acórdão de 25 de novembro de 2015
(proc. 1338/15) – faz uma análise histórica e cronológica detalhada da evolução e enquadramento da verba 28, ora em análise:

“O conceito de «prédio (urbano) com afetação habitacional» não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete, a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objetiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redação àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objetiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respetivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros)”. (Fim de citação.)

Antes da alteração legislativa que passou, de forma inovadora, a incluir os referidos terrenos para construção, mostrava-se necessário averiguar, fazendo uso dos diversos elementos interpretativos, se, na ausência daquela referência literal, tais terrenos poderiam, ainda assim, ser incluídos no âmbito de incidência objetiva da verba 28.

É por essa razão que se compreende que o referido aresto tenha prosseguido, dizendo:

“[Nada] esclarecendo [o legislador] em relação às situações pretéritas [i.e., liquidações anteriores a 2014], como a que está em causa nos presentes autos, não parece poder perfilhar-se [quanto a estas] a interpretação do recorrente, porquanto não resulta inequivocamente, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objetiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

E do seu «espírito», apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21 de setembro de 2012, p. 44 [...]) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza «mais poupadas» no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de «prédios (urbanos) com afetação habitacional», porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido – como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros» (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, «os prédios (urbanos) habitacionais», em linguagem corrente «as casas», e não outras realidades.

[...]. [...] referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com «afetação habitacional», sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos «habitacionais» e «terrenos para construção», não podem estes ser considerados como «prédios com afetação habitacional» para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redação originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro.” (Fim de citação.)

Em síntese, depreende-se da jurisprudência do Venerando STA que, com a nova redação da verba 28.1 da TGIS, dada pelo art. 194.º da Lei
n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro (e aplicável aos presentes autos), foi alargado, de forma inovadora, o âmbito de incidência objetiva da norma, ao incluir-se, de uma forma explícita, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista edificação para habitação.

Feito o imprescindível enquadramento histórico-legal, importa, agora, num segundo momento, analisar os termos do referido alargamento do âmbito de incidência objetiva da norma em causa e aferir da legalidade da sua aplicação ao caso dos presentes autos.

Diz a nova redação da verba 28.1 da TGIS (dada, como se disse, pelo art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro) o seguinte: “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” - 1%”.

Atenta a letra da lei, verifica-se que a norma de incidência em causa restringe o facto gerador aos terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação.

 

Excluindo-se os terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para outros fins, como o comércio ou os serviços.

 

Na ausência de definição de “terreno para construção” no Código do Imposto do Selo, importa aferir do conceito de “terreno para construção” conforme o disposto no n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI.

 

Assim, consideram-se terrenos para construção “(…) os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”.

 

De facto, o conceito de “terreno para construção” para efeitos fiscais não deverá entender-se como um conceito de natureza formal, mas antes como um conceito de natureza material, especialmente traduzido na destinação potencial à construção.

 

A questão essencial que, neste contexto, se coloca, é a saber se existe ou não uma previsão ou expectativa de «edificação para habitação» relativamente aos terrenos para construção em análise e se se poderá aceitar a aplicação do imposto do selo, nos termos efetuados pela AT.

Para responder à referida questão, afigura-se como particularmente útil a ponderação do seguinte: “no que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.” [vd. ANTÓNIO SANTOS ROCHA / EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44].

Por conseguinte, embora o prédio aqui em causa esteja matricialmente inscrito como sendo “terreno para construção”, tal não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS, uma vez que, como parece resultar óbvio, a mera inscrição matricial não constitui, por si só, demonstração de que um prédio tem uma edificação para habitação prevista.

E também não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS a atribuição pela AT de uma afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal afectação, sem mais, das respectivas matrizes. O legislador não atribuiu à utilização daquele coeficiente qualquer relevo na qualificação do prédio, mas tão só na respetiva avaliação.

Ora, no âmbito da aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, a jurisprudência tem sido pacifica ao considerar que “(…) só os prédios que estejam efectivamente afectos à habitação se inserem no âmbito de incidência (…), interpretação esta que assentou no elemento literal “afectação”, que pressupõe uma concreta e efectiva utilização para  habitação, e na “ratio legis”, resultante da restrição do campo de aplicação da norma aos

prédios com afectação habitacional, às circunstâncias em que a lei foi elaborada.”.

(Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 0419/14, disponível em http://www.dgsi.pt.)

 

A actual redacção da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, alargou, de forma inovadora, o âmbito de incidência objectiva da norma, ao incluir, de uma forma explícita, os “terrenos para construção” para os quais tenha sido autorizada ou prevista edificação para habitação.

 

Todavia, a actual redacção da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, tendo passado a incluir os “terrenos para construção”, manteve o condicionalismo relativo à inclusão da edificação, autorizada ou prevista, ser para habitação.

 

Na prática, continua a restringir-se o âmbito de incidência, no caso dos “terrenos para construção”, à edificação autorizada ou prevista que seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.

 

Nesta medida, a sujeição à Verba n.º 28.1 da Tabela Geral depende do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos (para além da propriedade do prédio):

  • o valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, ser igual ou superior a € 1.000.000,00;
  • tratar-se de um terreno para construção; e
  • a edificação autorizada e prevista para o terreno para construção ser para habitação, nos termos do Código do IMI.

 

Assim sendo, importa verificar no caso em apreço, o preenchimento dos mesmos.

 

Quanto ao primeiro requisito, o prédio urbano, considerados como um todo, tem um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00, pelo que o mesmo se encontra verificado.

 

Quanto ao segundo requisito, não existem dúvidas sobre a qualificação do prédio como “terreno para construção”, nem sobre a sua inclusão na definição constante do n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI, pelo que o mesmo se encontra também verificado.

 

Finalmente, cumpre analisar se o terceiro requisito se encontra também verificado: se a edificação, autorizada e prevista, é para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.

 

A resposta não pode deixar de ser negativa.

 

Com efeito, e como se disse em sede de prova, não foi junto aos presentes autos qualquer suporte documental que ateste que os actos em crise foram praticados tendo por objecto prédios com projectos aprovados para a construção (ainda sem ou já com as referidas licenças e autorizações de construção), ou prédios que se localizem em zona onde esteja prevista a construção para a habitação (com as mencionadas comunicações prévias ou informações prévias favoráveis à realização de operações de loteamento ou de construção).

 

Não tendo sido feita essa demonstração, não se poderá considerar que os terrenos ora em causa têm edificação, autorizada ou prevista, para habitação, nos termos do CIMI. 

 

Assim, o terceiro requisito constante da norma de incidência do imposto não se encontra verificado, porquanto o “terreno para construção” não tem uma edificação, autorizada ou prevista, afecta a habitação.

 

Atento o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que sobre o prédio urbano em apreço – terreno para construção – não incide o Imposto do Selo previsto na norma de incidência tributária constante da Verba 28.1 da TGIS.

 

Consequentemente, quer o indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa nº …2016…, quer as liquidações de Imposto do Selo controvertidas, padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciada na errada interpretação e aplicação da Verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação, o que se decidirá a final.

 

Mostrando-se procedente o entendimento do Requerente quanto à questão referida, fica prejudicado, em face do disposto no artº. 124.º do CPPT, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o conhecimento de demais alegações do Requerente, designadamente a invocada inconstitucionalidade (não havendo, em face desta decisão, qualquer prejuízo para a mais estável ou eficaz tutela dos interesses da mesma).

 

 

 

4.4. Juros indemnizatórios e reembolso da quantia paga

 À luz do disposto no n.º 5 do art. 24.º do RJAT – na parte em que se diz que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, tem-se entendido que tal norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais.

Justifica-se assim, pelo exposto, a análise do pedido de pagamento de juros indemnizatórios ao ora Requerente.   

            São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT).

É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vejam-se, por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30 de maio de 2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10 de abril de 2013, proc. 1215/12).

Ora, tendo havido, como decorre do que foi dito no ponto 4.3. da presente decisão arbitral, erro imputável aos serviços – o qual conduz à anulação dos atos tributários em causa e à consequente devolução dos montantes pagos pelo Requerente, nos termos do disposto no art. 173.º, n.º 1, do CPTA, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT –, conclui-se, sem necessidade de mais considerações, pela procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente.

 

  1. Decisão

 

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material deste tribunal arbitral
  2. Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a decisão de indeferimento expresso da revisão oficiosa e, nesta sequência,
  3. Anular as liquidações de Imposto do Selo em causa, com a consequente restituição do imposto pago;
  4. Julgar procedente o pedido na parte relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor do Requerente, em virtude do imposto indevidamente pago, nos termos legais.

 

III. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 10.089,00.

 

 

IV. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 918,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

 

 

Lisboa, 13 de Março de 2018

 

O árbitro,

 

 

Pedro Miguel Bastos Rosado