Decisão Arbitral
1. Relatório
Em 03-07-2017, A…, contribuinte n.º…, e B…, contribuinte n.º…, com morada fiscal na Rua do …, …, …-… …, doravante designados por Requerentes, submeteram ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista, de forma imediata, à declaração de ilegalidade do ato de deferimento parcial da reclamação graciosa n.º …2016…, e de forma mediata, à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 2012, 2013 e 2014, no valor total de 9.092,94 €.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD em 04-07-2017 e notificado à Requerida na mesma data.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º n.º 2 alínea a) do RJAT, foi designado como árbitro a Sra. Doutora Suzana Fernandes da Costa, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 28-08-2017, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 12-09-2017.
Na mesma data, foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta.
Em 16-10-2017, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo.
Em 20-10-2017, foi proferido despacho no sentido de notificar as partes para, em 10 dias, se pronunciarem sobre a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e sobre a dispensa de alegações. A Requerente juntou aos autos o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente em 10-11-2017.
No dia 22-11-2017, foi proferido despacho a decidir pela dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, tendo em conta a posição das partes, e ao abrigo do disposto nos artigos 16º alínea c) e 19º do RJAT, atendendo ainda aos princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis. No mesmo despacho designou-se o dia 08-03-2018 para a prolação da decisão arbitral. E advertiu-se a Requerente para, até àquela data, juntar ao processo o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.
Em 08-03-2018, foi proferido despacho a prorrogar para 12-03-2018 o prazo para a decisão, atendendo à complexidade da questão a decidir.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).
O pedido arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro e do artigo 102º n.º 1 alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário.
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias, com exceção da cumulação de pedidos, que de seguida se decidirá.
Os Requerentes pedem a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos tributários de liquidação de IRS dos anos de 2012, 2013 e 2014, uma vez que em todos os anos estão em causa as mesmas circunstâncias de facto e a mesma interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
Neste caso a cumulação de pedidos é admissível, nos termos dos artigos 104º do CPPT e 3º do RJAT, pelo que se admite.
2. Causa de pedir
Os Requerentes começam por referir que, não concordando com as liquidações adicionais de IRS dos anos de 2012, 2013 e 2014, apresentaram reclamação graciosa das referidas liquidações, junto do Serviço de Finanças de … … . Dita reclamação foi objeto de decisão de deferimento parcial, tendo os Requerentes sido reembolsados do imposto pago em excesso quanto ao ano de 2014.
Os Requerentes referem que foram objeto de uma ação inspetiva interna, aos anos de 2012, 2013 e 2014, de âmbito parcial (IRS). Em resultado da referida ação de inspeção, os Requerentes foram notificados do relatório de inspeção tributária, do qual constavam correções meramente aritméticas no valor de 13.988,83 € ao ano de 2012, 12.647,01 € ao ano de 2013 e 13.375,76 € ao ano de 2014. Dessas correções resultaria IRS a pagar no valor de 2.308,16 € em 2012, 3.541,16 € em 2013 e 3.745,20 € em 2014. Os Requerentes afirmam que procederam ao pagamento das liquidações de IRS dos três anos referidos.
Os Requerentes alegam que são não residentes e que obtiveram rendimentos relacionados com o arrendamento de dois dos seus imóveis: fração A do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo … e fração D do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo … .
Quanto à reclamação graciosa que foi parcialmente deferida, os Requerentes referem que a AT aceitou parcialmente a dedutibilidade fiscal das despesas que os Requerentes reclamavam nos anos de 2012, 2013 e 2014, com exceção das despesas referentes ao imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo … fração A, de que os Requerentes são usufrutuários, e quanto às despesas com água e de uma fatura emitida em nome de A… relativas ao imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo … fração D, de que os Requerentes são proprietários.
Segundo os Requerentes, a AT não aceitou as referidas despesas por considerar que são despesas correntes e não despesas de manutenção e conservação, e ainda por algumas das despesas estarem relacionadas com o artigo … fração A, de que os Requerentes são usufrutuários.
Os Requerentes referem ainda que a AT manteve a aplicação de um coeficiente de proporcionalidade das despesas tendo por base o número de dias de arrendamento do imóvel.
Os Requerentes alegam que não podem concordar com o facto da AT não aceitar para efeitos fiscais as despesas suportadas e pagas pelos Requerentes relativamente à manutenção e conservação do imóvel de que são usufrutuários, com o argumento de que as faturas não se encontram em nome dos Requerentes, mas sim em nome do proprietário da raiz do imóvel.
Sobre este facto, referem ainda os Requerentes que por questões práticas, muitas das despesas de conservação e manutenção foram emitidas em nome do proprietário da raiz e não do usufrutuário do imóvel. No entanto, dizem os Requerentes, que tais despesas foram por si suportadas e pagas, tal como consta da declaração da administradora do imóvel que juntaram.
Os Requerentes afirmam que, no despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa, a AT refere que “a única exigência que a lei faz é que as despesas de manutenção e conservação, sejam efetivamente suportadas pelo sujeito passivo, ou seja, por quem recebe a renda, e estejam documentalmente provadas”. Para os Requerentes, a AT reconheceu que para que as despesas sejam dedutíveis, a renda relativa ao imóvel tem que ser recebida pelo sujeito passivo, sendo que é o que acontece neste caso.
Para os Requerentes, o artigo 41º do Código do IRS apenas requer que as despesas sejam suportadas pelo sujeito passivo e que se encontrem em suporte documental, não havendo quaisquer exigências de forma quanto ao nome que deva constar das faturas.
No entender dos Requerentes, deveria ter sido suficiente que todas as faturas juntas pela Requerente e os documentos de suporte que lhes foram anexados dissessem respeito ao imóvel de que os Requerentes são usufrutuários e que tivessem sido estes a suportar tais despesas. E para tal, devia a AT ter em conta o descrito no artigo 11º n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT), que refere que “persistindo dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”. Para os Requerentes, este princípio da substância sob a forma é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência.
Por estas razões, afirmam os Requerentes que não podem concordar com a posição da AT ao não aceitar os encargos por não se encontrarem devidamente enquadrados no artigo 41º do Código do IRS, por não cumprirem a forma exigida.
Os Requerentes fazem alusão ao facto da AT não ter analisado os argumentos apresentados pelos Requerentes em sede de reclamação graciosa, quanto ao imóvel de que são usufrutuários, em violação do dever de fundamentação previstos no artigo 77º da LGT e no artigo 268º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Sobre este dever, os Requerentes referem ainda a acórdãos do Tribunal Central Administrativo e Sul e do Supremo Tribunal Administrativo.
Os Requerentes alegam também que o relatório de inspeção não indica quais são em concreto as despesas que não são dedutíveis pelo facto do descritivo não permitir enquadrar o bem/prestação de serviços suportado, ou pelo facto de se tratarem de despesas correntes ou outras despesas não dedutíveis, em violação do referido dever de fundamentação.
Adicionalmente, referem os Requerentes que a AT se baseia numa alegada proporcionalidade entre as despesas incorridas e os períodos em que os imóveis dos Requerentes geram rendimentos prediais.
Sobre este assunto, a Requerente junta o comprovativo do registo de alojamento local n.º …/09 de 19-06-2009, efetuado junto da Câmara Municipal de … . E afirma que impor-se-lhes o ónus de arrendar os imóveis em todos os dias do ano para que as despesas de manutenção e conservação possam ser dedutíveis de acordo com o artigo 41º do Código do IRS, é uma realidade não controlável pelos Requerentes e é uma interferência supérflua e desadequada na gestão quotidiana da mesma.
Quanto a este aspeto, os Requerentes referem que algumas das despesas de manutenção e conservação só podem ser efetuadas quando o imóvel não está ocupado/arrendado. Quanto às despesas com a água, os Requerentes entendem que não faz sentido efetuar uma proporcionalidade de uma despesa como essa, em que os Requerentes têm obrigatoriamente que incorrer, dado que a qualquer momento podem necessitar de arrendar os seus imóveis.
Os Requerentes entendem que não existe razão para a AT presumir que, ao não conseguir arrendar os imóveis, as despesas de manutenção e conservação subjacentes aos mesmos não sejam dedutíveis para efeitos fiscais.
Em conclusão, os Requerentes alegam que a AT não cumpriu com o dever de fundamentação que lhe cabia quanto à não-aceitação das despesas, aludindo à decisão arbitral do processo n.º 394/2014-T. Mais referem que as liquidações de IRS em causa devem ser consideradas não fundamentadas, ao abrigo do n.º 2 do artigo 153º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável por força da alínea d) do artigo 2º do CPPT.
Por outro lado, referem os Requerentes que as liquidações em causa sofrem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo por isso ser anuladas por serem ilegais.
Quanto ao referido erro, os Requerentes alegam que a AT não aceitou as despesas respeitantes ao imóvel de que os Requerentes são usufrutuários por não se encontrarem em nome destes. Referem ainda que a AT não aceitou como dedutíveis as despesas relacionadas com água e a fatura no valor de 88,56 € emitida em nome de A… .
Os Requerentes mencionam que consta do relatório de inspeção que determinadas despesas não foram consideradas dedutíveis aos rendimentos prediais porque o descritivo não permitiu enquadrar o bem/prestação de serviços suportado.
Quanto à exigência de forma, os Requerentes fazem alusão ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo do processo n.º 028/15, e referem que justificaram de forma concreta e de acordo com os requisitos legais que têm vindo a ser entendidos pela doutrina e pela jurisprudência, todas as despesas que foram desconsideradas pela AT nos anos de 2012, 2013 e 2014.
Os Requerentes fazem, no pedido de pronúncia arbitral, referência ao conceito de despesas de manutenção e conservação. Começam por referir que o legislador nunca definiu o que entende por despesas de manutenção e conservação. Os Requerentes transcrevem a redação do artigo 4º do Código do IRS, em vigor nos anos de 2012, 2013 e 2014, segundo o qual “aos rendimentos brutos referidos no artigo 8º, deduzem-se as despesas de manutenção e conservação (…)”.
Os Requerentes entendem que a interpretação do conceito de despesas de manutenção e conservação deve ser efetuada tendo em conta o disposto no artigo 11º da LGT, e remetem para o anterior Regime do Arrendamento Urbano e para o atual Código Civil.
Segundo os Requerentes, de acordo com o artigo 9º n.º 3 do Código Civil, o facto do Código do IRS não distinguir o tipo de despesas de conservação que deverão ser consideradas para efeitos de dedução específica a que diz respeito o artigo 41º, permite que sejam dedutíveis para efeitos fiscais todo o tipo de despesas de conservação previstas nos vários ramos de Direito, tais como despesas de conservação ordinárias e extraordinárias. Para sustentar esta posição, os Requerentes mencionam a decisão arbitral do processo n.º 435/2014-T.
Já quanto às despesas de manutenção, os Requerentes alegam que a interpretação desse conceito deve ser efetuada nos termos do artigo 9º do Código Civil, e fazem referência novamente à decisão arbitral do processo n.º 435/2014-T. Para os Requerentes, as despesas de manutenção são todas aquelas que sejam necessárias à manutenção dos imóveis e da sua atividade económica.
Assim, para os Requerentes, devem enquadrar-se no conceito de despesas de manutenção todas as despesas que, tendo prova suficiente, tenham uma causalidade direta com o imóvel, na aceção económica do mesmo, ou seja, de produzir rendimento, sob pena de estarmos perante uma violação do princípio da capacidade contributiva. Sobre este princípio, os Requerentes referem os artigos 4º n.º 1 da LGT e 104º n.º 1 da CRP.
No entender dos Requerentes, as despesas que não foram aceites pela AT inserem-se no conceito de despesas de manutenção e conservação e são indispensáveis para a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto, nos termos do artigo 41º do Código do IRS.
Em relação à questão da proporcionalidade das despesas tendo por base o número de dias de arrendamento do imóvel, os Requerentes referem que a AT entende que devia ter sido aplicado um coeficiente de proporcionalidade às despesas dedutíveis tendo por base o número de dias de arrendamento. Os dias em causa pela AT são 45 e 60 em 2012, 67 e 104 em 2013 e 51 e 83 em 2014, nos dois imóveis dos Requerentes.
Os Requerentes alegam que este entendimento da AT incorre em violação do princípio da legalidade previsto no artigo 103º n.º 2 da CRP. E quanto à questão do coeficiente de proporcionalidade, os Requerentes mencionam as decisões arbitrais dos processos n.º 201/2015-T e n.º 294/2015-T.
Para os Requerentes, a aplicação de um coeficiente de proporcionalidade não possui qualquer suporte legal, violando o referido princípio da legalidade.
Os Requerentes pedem, por fim, a anulação das liquidações de IRS assim como a anulação das liquidações de juros compensatórios. Quanto a estas últimas, os Requerentes fundamentam o pedido com acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo.
Os Requerentes pedem ainda a condenação da AT no reembolso do imposto pago indevidamente e no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43º e 100º da LGT.
3. Resposta da Requerida
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta alegando que é evidente a conformidade legal do ato tributário objeto do pedido arbitral.
A AT começa por referir que não tem qualquer sustentação a tese dos Requerentes relativamente à falta de fundamentação do ato tributário.
Para a AT, o ato está devidamente fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a relevar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesividade. E fundamenta a sua posição com jurisprudência e doutrina.
Quanto às despesas dedutíveis, a AT refere que aos rendimentos prediais são dedutíveis as despesas documentadas, necessárias e diretamente ligadas à obtenção desses mesmos rendimentos, desde que suportadas pelo próprio sujeito passivo.
A AT alega que, para efeitos de tributação em sede da categoria F, se atende ao rendimento líquido obtido, isto é, às rendas recebidas deduzidas das despesas suportadas para produzir os rendimentos prediais e para manter na íntegra a respetiva fonte produtora (os prédios objeto de arrendamento). E, por conseguinte, as despesas de conservação e manutenção e o IMI pago relativamente a imóvel arrendado durante alguns meses, devem ser proporcionalmente consideradas como dedutíveis tendo por base o número de meses de arrendamento.
A AT refere que, de acordo com o n.º 1 e o n.º 2 do artigo º do Código do IRS, as despesas que podem ser deduzidas são as seguintes:
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as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o IMI que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento tenha sido englobado;
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e, no caso de fração autónoma de prédio em regime de propriedade horizontal, os encargos de conservação, fruição e outros que, nos termos da lei civil, o condómino deva obrigatoriamente suportar, por ele sejam suportados, e se encontrem documentalmente provados.
A AT faz ainda referência à Lei n.º 66-B/2012 de 31-12, que passou a incluir no n.º 1 do artigo 41º do Código do IRS o Imposto de Selo incidente sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento fosse objeto de tributação no ano fiscal.
Para a AT, consideram-se como despesas de manutenção, nomeadamente, as suportadas com energia e manutenção de elevadores, escadas rolantes e monta-cargas, porteiros, limpeza, energia para iluminação, aquecimento ou climatização central e prémios de seguro do prédio. E despesas de conservação serão as não enquadradas nas anteriores e realizadas com obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação e limpeza. Segundo a AT, são estas as despesas necessárias para produzir os rendimentos prediais objeto de tributação.
A AT alega que quando inexistir rendimento bruto, não pode ser considerado qualquer encargo suportado, e quando existir arrendamento parcial, ou seja, apenas durante parte do ano, apenas podem ser consideradas como elegíveis para efeitos do artigo 41º do Código do IRS, as despesas que proporcionalmente se mostrem imputáveis ao número de meses do arrendamento.
Assim, para a AT, qualquer outra interpretação que não sufrague a posição vertida no relatório de inspeção, viola frontalmente preceitos constitucionais, nomeadamente o princípio da igualdade e o princípio da capacidade contributiva, ao discriminar aqueles que arrendam um imóvel por escassos dias, deduzindo todas e quaisquer despesas previstas no artigo 41º do Código do IRS sem qualquer limite, daqueles que, usando constantemente e durante todo o ano fiscal o imóvel para arrendamento, se vêm na contingência de serem colocados no mesmo patamar de capacidade contributiva (que não é de todo igual) que aqueles outros.
Conclui a Requerida afirmando que não deve ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que não existiu qualquer erro imputável aos serviços.
4. Matéria de facto
4. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida e a posição das partes constante das peças processuais, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
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Os Requerentes são não residentes em Portugal.
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Os Requerentes em 2012-2014 eram proprietários da fração D do artigo urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo … .
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Os Requerentes de 2012 a 2014 eram usufrutuários da fração A do artigo urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo… .
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Os Requerentes foram objeto de uma ação de inspeção tributária interna, relativa aos anos de 2012, 2013 e 2014, de âmbito parcial, respeitante aos procedimentos adotados em sede de apuramento do IRS.
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Os Requerentes foram notificados, em 22-01-2016, do projeto de relatório de inspeção.
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Os Requerentes foram notificados, em 24-02-2016, do relatório de inspeção.
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Nos termos do referido relatório, a AT não aceitou as seguintes despesas relativas aos seguintes imóveis:
- despesas relacionadas com a fração A do artigo …, no valor total de 33.626,31 €, por as faturas não se encontrarem emitidas em nome dos Requerentes;
- despesas relacionadas com a fração D do artigo …, no valor total de 15.300,44 €, com fundamento no facto do descritivo não permitir enquadrar o bem/prestação de serviços suportado ou porque se tratam de despesas correntes e não despesas de manutenção e conservação;
- quanto às despesas dedutíveis, a AT entendeu que as mesmas deveriam ser consideradas proporcionalmente tendo por base o número de dias do arrendamento, ou seja, aceitou apenas como dedutíveis os valores de 178,52 € em 2012, 266,47 € em 2013 e 213,40 € em 2014, quanto à fração A do artigo …, e 128,92 € em 2012, 147,80 € em 2013 e 231,44 € em 2014, quanto à fração D do artigo … .
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Os Requerentes foram notificados dos seguintes documentos:
- liquidação adicional de IRS n.º 2017 … do ano de 2012;
- demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2017 … do ano de 2012;
- liquidação adicional de IRS n.º 2017 … do ano de 2013;
- demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2017 … do ano de 2013;
- liquidação adicional de IRS n.º 2016 … do ano de 2014;
- demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2017 … do ano de 2014;
- demonstração de acerto de contas n.º 2017 … do ano de 2014.
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Os Requerentes apresentaram, em 29-07-2016, reclamação graciosa das liquidações adicionais de IRS, acima referidas, conforme documento 1 junto ao pedido arbitral.
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Os Requerentes foram notificados, em 03-04-2017, da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, conforme documento 2 junto ao pedido arbitral.
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Os Requerentes procederam ao pagamento das liquidações acima referidas.
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Os Requerentes apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral em 03-07-2017.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
4.2. Factos não provados
Não se considera provado que os Requerentes tenham suportado as despesas emitidas em nome de A… .
4.3. Fundamentação da matéria de facto provada:
A convicção do árbitro fundou-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente, nomeadamente as liquidações, a caderneta predial e os comprovativos do pagamento.
5. Matéria de direito:
5.1. Objeto e âmbito do presente processo
As questões essenciais de direito que se colocam neste processo são:
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A de saber se o relatório de inspeção enferma ou não de vício de falta de fundamentação;
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A de concluir se as despesas suportadas pelos Requerentes não são passíveis de dedução porque, no entender da AT, o descritivo não permite enquadrar o bem/prestação de serviço suportado;
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A de questionar se tais despesas podem ser desconsideradas por, no entender da AT, estarem em causa despesas correntes e não despesas de manutenção e conservação;
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A de saber se algumas das despesas não podem ser aceites, de acordo com a posição da AT, por estarem relacionadas com o artigo … fração A de que os Requerentes são usufrutuários;
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A de concluir se deve ser aplicado um coeficiente de proporcionalidade das despesas tendo por base o número de dias de arrendamento do imóvel, como sustenta a Requerida;
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E a de determinar se os juros compensatórios são ou não ilegais.
Sobre estas questões já se pronunciaram, as decisões do CAAD proferidas nos processos número 103/2017-T, 42/2017-T, 434/2016-T, 338/2016-T, 294/2015-T, 201/2015-T e 435/2014-T.
Fixada a matéria de facto, nos termos sobreditos, importa conhecer das questões de direito suscitadas pelas partes, começando pelos vícios de forma invocados pelo Requerente.
5.2. Da suposta falta de fundamentação
A Requerente alega que se verifica o vício de falta de fundamentação, uma vez que o relatório de inspeção se abstém de indicar quais são em concreto as despesas que não são dedutíveis quando o descritivo não permite enquadrar o bem/prestação de serviços suportado, e aquelas que não são dedutíveis por se tratarem de despesas correntes.
Para a Requerente, a fundamentação é obscura e insuficiente, porque o seu conteúdo não é bastante para explicar as verdadeiras razões por que foram praticados os atos supra referidos.
A AT refere que não tem qualquer sustentação a tese dos Requerentes relativamente à falta de fundamentação do ato tributário. Para a AT, o ato está devidamente fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a relevar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesividade. E fundamenta a sua posição com jurisprudência e doutrina.
O artigo 286º n.º 3 da CRP impõe que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
O mesmo dever de fundamentação está previsto nos artigos 152º e 153º do Código do Procedimento Administrativo para a generalidade dos atos administrativos, e no artigo 77º da Lei Geral Tributária para os atos administrativos tributários.
Nesse sentido, veja-se o que refere Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Volume II; Almedina, páginas 352 e seguintes: “a fundamentação de um acto administrativo consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo”.
Quanto ao nº 2 do artigo 77º da LGT, o mesmo impõe que “a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
Por outro lado, e como corolário da obrigatoriedade da fundamentação dos actos administrativos colocar-se-á o exercício do contraditório que, em última instância terá como virtualidade que o administrado possa afrontar os argumentos contra si produzidos.
Segundo a doutrina e na jurisprudência, a fundamentação legalmente exigível tem de reunir as seguintes características:
- oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido,
- contemporaneidade; deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas oi a pedido,
- clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos,
- plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada, sendo que esta característica se desdobra no dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e no dever de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração)
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a fundamentação do ato administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão do STA de 10/09/2014, do processo 01226/13, que afirma que: “I- A Administração Tributária tem o dever de fundamentar os actos de liquidação oficiosa de tributos de harmonia com o princípio plasmado no art.268º da CRP e acolhido nos arts. 125º do CPA, e 77 da LGT. II. O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bónus pater familiae de que fala o art. 487º, nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a optar, de forma esclarecida, por aceitar ou não o acto.”
Em relação do procedimento de inspeção tributária, decorre do artigo 63º nº 1 do RCPIT que os atos tributários ou em matéria tributária poderão fundamentar-se as suas conclusões “através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório”.
No presente caso, os Requerentes tiveram conhecimento do projeto do relatório de inspeção tributária e foram notificados do relatório de inspeção tributária.
Os fundamentos das correções constantes do relatório de inspeção tributária suportam as liquidações do imposto em causa.
Assim, entendemos que os Requerentes tomaram conhecimento do iter cognoscitivo que conduziu à emissão das liquidações em causa nos presentes autos.
Com efeito, considerando o contexto concreto em que foram produzidos os atos de liquidação aqui em apreciação, serão percetíveis para um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, os fundamentos constantes do relatório final de inspeção tributária que os antecederam.
Assim, a fundamentação em causa permitiu aos Requerentes agir através de reclamação graciosa e de pedido de pronúncia arbitral, não se evidenciando que os seus direitos de defesa tenham sido colocados em causa ou que a mesma não permitisse perceber o raciocínio adotado pela AT que conduziu às liquidações adicionais dos anos de 2012, 2013 e 2014.
Deste modo, entendemos que está cumprido o dever de fundamentação dos atos tributários de liquidação objeto do presente processo arbitral.
5.3. Despesas de manutenção e conservação passíveis de dedução aos rendimentos prediais
Quanto às despesas, a AT alega que, em relação à fração A do artigo … em que os Requerentes são usufrutuários, só são aceites as despesas que estão emitidas em seu nome. E quanto às restantes despesas, a AT refere, no relatório de inspeção, que não são dedutíveis, quer porque o descritivo não permite enquadrar o bem/prestação de serviço suportado, quer porque se trata de despesas correntes e não despesas de manutenção.
Em sede de reclamação graciosa, a Requerida aceitou como dedutíveis, todas as despesas de 2012, 2013 e 2014, em relação à fração D do artigo…, com exceção das despesas com a água, com o fundamento que se trata de uma despesa corrente, e a despesa constante da fatura n.º 6594 de 30-11-2014, no valor de 88,56 €, por não se encontrar em nome dos Reclamantes.
Quanto à questão respeitante às descrições dos serviços prestados e bens vendidos aos Requerentes, ficou resolvida com a aceitação das despesas em sede de reclamação graciosa.
Pelo que relativamente a esta fração cumpre apenas apreciar a legalidade da não aceitação das despesas com água no valor de 1.563,84 €.
Antes de decidir, importa examinar o que se entende por rendimentos prediais e as deduções permitidas pelo artigo 41º do Código do IRS.
O artigo 8º n.º 1 do Código do IRS diz-nos que:
“1. Consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares (…)”.
E o n.º 2 alínea a) do mesmo artigo refere que:
“2. São havidas como rendas:
-
As importâncias relativas à cedência do uso de prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência”.
Quanto ao artigo 41º do Código IRS, que estipula quais as despesas dedutíveis na categoria F, tinha a seguinte redação no ano de 2012:
“1 - Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento tenha sido englobado.
2 - No caso de fração autónoma de prédio em regime de propriedade horizontal, deduzem-se também os encargos de conservação, fruição e outros que, nos termos da lei civil, o condómino deva obrigatoriamente suportar, por ele sejam suportados, e se encontrem documentalmente provados.
3 - Na sublocação, a diferença entre a renda recebida pelo sublocador e a renda paga por este não beneficia de qualquer dedução.”
A Lei n.º 66-B/2012 de 31-12 veio dar nova redação ao n.º 1 do artigo 41º do Código do IRS, passando esse número a ter a seguinte redação, nos anos de 2013 e 2014:
“1 - Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal.”
Resultam assim deste n.º 1 duas categorias de despesas dedutíveis: a primeira refere-se às despesas de manutenção e conservação e a segunda refere-se ao IMI e ao Imposto de Selo suportados.
Tal como se refere em AAVV: IRS – códigos anotados e comentados, Lexit, edição outubro 2013, página 134, “este artigo trata das deduções específicas relativas à categoria F (rendimentos prediais), ou seja, do conjunto de despesas e encargos objetivamente conexos com a obtenção daqueles rendimentos e, nessa medida, cuja dedução ao rendimento bruto desta categoria se afigura como adequada, atento o princípio da capacidade contributiva, tendo em vista o apuramento do correspondente líquido”.
Vejamos que despesas que podem ser incluídas despesas de conservação e quais podem ser integradas nas despesas de manutenção.
Diga-se, desde já, que o legislador nunca definiu o que se entende por despesas de manutenção e conservação. Assim, a interpretação daquele conceito deverá ser efetuada tendo por referência o disposto no artigo 11º da LGT. E nos termos do n.º 2 do artigo 11º da LGT “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”.
Para interpretar daquele conceito, devemos ainda atender ao anterior Regime do Arrendamento Urbano e ao Código Civil.
O artigo 9º n.º 3 do Código Civil refere que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Tendo em conta esta disposição, o facto do Código do IRS não distinguir o tipo de despesas de conservação que deverão ser dedutíveis, permite-se que todo o tipo de despesas de conservação previstas nos vários ramos de Direito, tais como as despesas de conservação ordinárias e extraordinárias sejam dedutíveis para efeitos fiscais.
Quanto ao Regime do Arrendamento Urbano, o seu artigo 11º dispunha que “nos prédios urbanos e, para efeitos do presente diploma, podem ter lugar obras de conservação ordinária, obras de conservação extraordinária (…); (ii) são obras de conservação ordinária: a) a reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências; b) as obras impostas pela Administração Pública, nos termos da lei geral ou local aplicável, e que visem conferir ao prédio as caraterísticas apresentadas aquando da concessão da licença de utilização; c) em geral as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração. (iii) são obras de conservação extraordinárias ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior e, em geral, as que não sendo imputadas a ações ou omissões ilícitas perpetuadas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano (…)”.
Em AAVV: IRS – códigos anotados e comentados, Lexit, edição outubro 2013, página 135, refere-se que “este código não faculta qualquer definição de despesas de conservação, pelo que importa atender, além do mais, ao disposto no art. 11.º do regime do arrendamento urbano (RAU), ainda que entretanto revogado. Nesse sentido, consideram-se despesas de conservação:
-
A reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências;
-
As obras impostas pela Administração Pública, nos termos da lei geral ou local aplicável, e que visem conferir ao prédio as características apresentadas aquando da concessão da licença de utilização;
-
Em geral, as intervenções destinadas a manter ou a repor o prédio em bom estado de preservação e nas condições de habitabilidade requeridas pelo fim do contrato de arrendamento e idênticas às existentes à data da sua celebração; e
d) As obras ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito (imprevisível) ou de força maior (inevitável) e, em geral, as que não sendo imputáveis a ações ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem 2/3 do rendimento líquido do ano em que se tornem necessárias”.
A decisão arbitral do processo n.º 435/2014-T concluiu que as despesas de conservação “são aquelas que dizem respeito ao estado e funcionamento do edifício em si, e que não se incluem no conceito de despesas de manutenção, como obras de reparação, gerais, periódicas, e, incluindo aquelas que mantenham ou aumentem o valor do edifício, e acrescentem novas mais valias, tais como piscinas, ginásios, elevadores, entre outras, e em especial as que confiram um nível de habitabilidade idêntico ao existente à data da celebração do contrato de arrendamento”.
A decisão arbitral referida do processo n.º 435/2014-T defendeu que “as despesas de manutenção são aquelas que digam respeito ao dia a dia do edifício, tais como, a título exemplificativo, as da energia, água, manutenção de elevadores, limpeza, porteiros, e todas as despesas de administração corrente”.
Chegamos a este ponto, cumpre dizer que as únicas despesas que não são aceites pela AT como dedutíveis aos rendimentos da categoria F, nos anos de 2012, 2013 e 2014, quanto à fração D do artigo … são as despesas com água e uma despesa que não se encontra titulada em nome de nenhum dos Requerentes.
Em relação a esta última, apreciaremos a sua dedutibilidade no próximo capítulo.
Quanto às despesas com a água, e conforme acima referido, designadamente a decisão arbitral do processo n.º 435/2014-T, dúvidas não existem que estas despesas têm que ser consideradas como despesas de manutenção, já que estamos perante despesas que dizem respeito ao dia a dia do funcionamento do edifício. Facilmente se compreende que a água é essencial para que os imóveis possam estar em pleno funcionamento, e possam proporcionar rendimentos prediais sujeitos a tributação.
Assim, os gastos incorridos com água pelos Requerentes no valor de 781,92 € em 2013 e 781,92 € em 2014, eram necessários para a obtenção dos rendimentos prediais, tratando-se de despesas de manutenção que estão documentalmente provadas e que, como tais, são passíveis de dedução à luz do disposto no artigo 41º do Código do IRS.
5.4. Das despesas que não se encontram tituladas em nome dos Requerentes
A AT não aceita como dedutíveis a despesa relativa à fatura n.º 6594 de 30-11-2014, no valor de 88,56 €, quanto à fração D do artigo …, por a mesma não se encontrar emitida em nome dos Requerentes.
Já quanto à fração A do artigo urbano …, a AT não aceitou qualquer despesa relacionada com este imóvel, com fundamento que os Requerentes não são proprietários da raiz do imóvel, mas sim usufrutuários, e que as despesas apresentadas se encontram emitidas em nome dos proprietários da raiz.
Relembremos a disposição legal constante do artigo 41º n.º 1 do Código do IRS:
1 - Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal.”
Com efeito, o artigo exige, na parte que nos interessa, que as despesas dedutíveis incumbam ao sujeito passivo e sejam por ele suportadas.
Ora, nos presentes autos, temos faturas de despesas de seguros, manutenção de floreiras e vasos, renovação de extintor, água, pintura, entre outras, que se encontram emitidas em nome de A…, e não em nome de nenhum dos Requerentes.
O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-09-2015, do processo n.º 028/15 refere que “tem sido a jurisprudência maioritária dos Tribunais Superiores, bem como da doutrina que se debruça sobre estas matérias, que o mero documento interno desacompanhado de provas adicionais que permitam concluir pela sua veracidade, não é idóneo à comprovação dos custos por parte do contribuinte que deles se pretende valer”.
TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, pág. 167, refere ainda que “com efeito, nos custos documentados presume-se a veracidade da despesa. Ao invés, nos gastos sem documento compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou tal despesa, não obstante a omissão ou insuficiência formal”.
Ora, se é certo que os Requerentes provaram, com as faturas e declarações juntas, o tipo de serviço/bem adquirido, também é certo que os Requerentes não comprovaram que lhe incumbiam as despesas em causa e que as mesmas foram por eles suportadas, como se exige no artigo 41º n.º 1 do Código do IRS. Desde logo, não se pode extrair dos documentos juntos que as faturas emitidas em nome de A… foram pagas pelos Requerentes.
Por um lado, o Código do IVA (artigos 29º e 36º) impunha já à data dos factos que as faturas, ou recibos e as faturas-recibo fossem emitidas aos “clientes” ou aos “adquirentes”. E as entidades que faturaram a A… são sociedades comerciais, obrigadas, portanto, a proceder à emissão de fatura por cada transação/prestação de serviço.
No caso do adquirente/cliente não ser o destinatário dos bens/serviços, seria sempre possível a emissão de uma fatura daquele ao destinatário final de forma a que este tivesse documento válido que lhe permitisse deduzir as despesas por si suportadas.
Os Requerentes, para prova das despesas por eles efetuadas, deveriam ter exigido do terceiro, A…, uma fatura relativa às despesas que suportaram. E o terceiro poderia ter emitido essa fatura, que poderia ter sido um ato isolado caso o mesmo não estivesse coletado para efeitos de IRS. Em alternativa deveriam ter solicitado faturas com os seus dados de identificação.
Veja-se que o artigo 115º n.º 1 do Código do IRS impõe que os titulares de rendimentos da categoria B são obrigados a passar fatura, recibo ou fatura-recibo, em modelo oficial, de todas as importâncias recebidas dos seus clientes. E o n.º 5 refere que os titulares de rendimentos da categoria F são obrigados a passar recibo de quitação, em modelo oficial, de todas as importâncias recebidas dos seus inquilinos, pelo pagamento das rendas referidas nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo 8º, ainda que a título de caução, adiantamento ou reembolso de despesas.
Assim, entendemos que andou bem a AT ao não considerar como dedutíveis as despesas relacionadas com a fatura n.º 6594 de 30-11-2014, no valor de 88,56 €, quanto à fração D do artigo…, assim como as despesas relativas à fração A do artigo urbano … no valor de 33.626,31 €, todas emitidas em nome de terceiros, por não cumprirem os requisitos legais constantes do artigo 41º n.º 1 do Código do IRS.
5.5. Da proporcionalidade das despesas tendo por base o número de dias de arrendamento dos imóveis, quanto às despesas aceites como dedutíveis
A Requerida entende que devia ter sido aplicado um coeficiente de proporcionalidade às despesas dedutíveis (da fração D do artigo …), tendo por base o número de dias de arrendamento.
Assim, tendo em conta os dias em que o imóvel em causa esteve ocupado/arrendado, a AT aplicou às despesas totais aceites a percentagem de 16,39 % em 2012, 18,36 % em 2013 e 22,74 % em 2014, obter o valor das despesas aceites como dedutíveis aos rendimentos prediais.
A Requerida aceitou a natureza das despesas com o referido imóvel. Mas entende que apenas são dedutíveis na proporção da ocupação/arrendamento do imóvel.
Ora, este coeficiente de ocupação não pode ser aceite, desde logo, porque não tem qualquer suporte legal no Código do IRS.
Tal procedimento também não pode ser aceite, porquanto todas as despesas realizadas terão sempre que ser suportadas, independentemente da taxa de ocupação.
O IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos provenientes de determinadas categorias, depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos (artigo 1º n.º 1 do Código do IRS). Assim, a tributação em sede de IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos e este apura-se relativamente a cada ano fiscal, que coincide com o ano civil (artigos 1 n.º 1, 22 n.º 1 e 143 do Código do IRS).
Como a operação elementar do cálculo do imposto consiste em determinar o rendimento tributável, através das deduções e abatimentos ao rendimento bruto, não se vê razão para que estas componentes negativas não tenham afinal o mesmo período de referência que tem o rendimento bruto.
Também a regra das obrigações declarativas disciplina no sentido de dever ser apresentada uma única declaração para todo o período anual (artigo 57 n.º 1 do Código do IRS). No entanto, estas regras da anualidade do IRS comportam especialidades, como por exemplo, na limitação ao período de quatro anos da imputação dos rendimentos das categorias A e H (artigo 74 n.º 1 do Código do IRS), na imputação ao ano do trânsito em julgado da decisão de ação sobre rendimentos litigiosos, mesmo que se reportem a vários anos anteriores (artigo 62 do Código do IRS) ou na possibilidade de dedução de perdas de anos anteriores (artigo 55 n.º 2 e 3 do Código do IRS).
No entanto, o artigo 41º do Código do IRS, ou qualquer outro, não contempla qualquer exceção relativamente à citada regra geral da anualidade do IRS. Com efeito, este dispositivo mais não faz do que afirmar a regra geral: aos rendimentos brutos deduzem-se as despesas. O artigo nada refere quanto ao período a considerar, uma vez que ele já consta no vertido no artigo 1º do Código do IRS: período anual.
Temos então que concluir que não há que fazer qualquer outra correspondência temporal entre o rendimento bruto e as despesas a deduzir. Há apenas que assegurar que as deduções dizem respeito ao ano civil em que foram pagos ou colocados à disposição os rendimentos prediais.
Estas mesmas conclusões constam da jurisprudência já citada, nomeadamente das decisões arbitrais dos processos n.º 201/2015-T, 294/2015-T e n.º 434/2016-T.
Em conclusão, devem ser aceites na totalidade como dedutíveis aos rendimentos prediais as despesas relacionadas com a fração D do artigo urbano …, devendo as liquidações de IRS de 2012, 2013 e 2014 respetivas ser parcialmente anuladas, assim como as demonstrações de liquidação de juros compensatórios e as demonstrações de acerto de contas na parte proporcional.
6. Juros indemnizatórios
Os Requerentes pedem ainda que seja condenada a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até o termo do prazo previsto para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.
Já nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” mais não é do que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
O artigo 43.º n.º 1 da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, o erro que afeta as liquidações de IRS, na parte que resulta da desconsideração como dedutíveis aos rendimentos da categoria F das despesas relacionadas com a fração D do artigo urbano …, com exceção da despesa relacionada com a fatura n.º 6594 de 30-11-2014, no valor de 88,56 €, é imputável à AT que praticou os atos de liquidação por sua iniciativa, pelo que os Requerentes têm direito a receber juros indemnizatórios desde a data do pagamento de cada uma das quantias até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
7. Decisão
Em face do exposto, determina-se:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido formulado pelos Requerentes, determinando a anulação parcial das liquidações de IRS dos anos de 2012, 2013 e 2014, que devem ser reformuladas, nos seguintes termos:
- aceitação como dedutíveis das despesas com água no valor total de 1.563,84 €, relativas à fração D do artigo urbano …;
- não aceitação como dedutível da despesa relativa à fatura n.º 6594 de 30-11-2014, no valor de 88,56 €, emitida em nome de terceiro e referente à fração D do artigo urbano …;
- aceitação como dedutíveis da totalidade das despesas declaradas em relação à fração D do artigo urbano …, no valor de 17.803,20 €;
- não aceitação como dedutíveis das despesas relativas à fração A do artigo urbano … no valor de 33.626,31 €, emitidas em nome de terceiros.
-
Condenar a Requerida a reembolsar aos Requerentes o valor do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios a calcular sobre o IRS indevidamente pago, nos termos do artigo 43º da LGT na proporção do imposto anulado e desde a data em que esse imposto foi indevidamente pago, até à data em que o sujeito passivo for ressarcido desse imposto, à taxa legalmente devida.
-
condenar os Requerentes e a Requerida no pagamento das custas do presente processo, na proporção do respetivo decaimento.
8. Valor do processo:
De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 9.712,58 €.
9. Custas:
Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, a cargo da Requerente (63,08%) e da Requerida (36,92%), de acordo com o artigo 22º n.º 4 do RJAT.
Notifique.
Lisboa, 12 de março de 2018.
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.
O árbitro singular
Suzana Fernandes da Costa