DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro presidente), Jaime Carvalho Esteves e Paulo Jorge Nogueira da Costa, acordam o seguinte:
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RELATÓRIO
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A 11 de setembro de 2017, a sociedade A…, S.A., contribuinte n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …, …-… … (“Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral com intervenção do tribunal arbitral coletivo, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Entidade Requerida”).
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou ao Tribunal Arbitral a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico por si interposto, apresentado na sequência da prolação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa às autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) dos exercícios de 2013 e 2014.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite a 11 de setembro de 2017 pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD, tendo em seguida sido promovida a notificação da Entidade Requerida.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os Signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para constituir o presente Tribunal Arbitral coletivo, tendo as respetivas nomeações sido aceites nos termos legalmente previstos.
A 8 de novembro de 2017, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
O Tribunal Arbitral foi constituído a 28 de novembro de 2017, em conformidade com o artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
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A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
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No âmbito de uma revisão interna de procedimentos, a A… concluiu que o montante de imposto apurado por referência ao exercício de 2013 e 2014, apresenta-se incorreto, uma vez que não contempla a dedução do benefício fiscal relativo ao RFAI disponível para utilização (por não ter sido efetivamente utilizado em exercícios anteriores) no montante global de EUR 197.976,33 (que resulta de: EUR 37.300,61 referente ao montante de beneficio não utilizado em 2010, EUR 77.855,66 referente ao montante de beneficio não utilizado em 2011 e EUR 82.819,95 referente ao montante do beneficio não utilizado em 2012);
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Entende a Requerente que os montantes de RFAI que não tenham sido efetivamente utilizados nos exercícios de 2010 a 2012, por insuficiência de coleta (nomeadamente, por força da aplicação do disposto no artigo 92º do Código do IRC), poderão ser deduzidos à coleta dos exercícios de 2013 e de 2014, na medida em que o respetivo prazo de reporte ainda não tinha caducado nestes exercícios;
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A limitação imposta pelo artigo 92º do Código do IRC deverá ser aplicada ao benefício fiscal relativo ao RFAI por referência aos exercícios de 2010 a 2012, deixando de ser aplicada a partir do exercício de 2013;
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O benefício fiscal relativo ao RFAI não utilizado nos exercícios de 2010, 2011 e 2012, em virtude da limitação imposta pelo artigo 92º do Código do IRC, deve ser reportado para os exercícios seguintes, por insuficiência de coleta para a dedução integral do montante disponível naqueles exercícios;
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Esta é o única interpretação lógica e válida de harmonia com a ratio legis daquele normativo, que consente a conjugação de ambos os regimes, complementando-os e permitindo a sua aplicação racional, na medida em que não fere a aplicação do artigo 92º do Código do IRC nos exercícios de 2010, 2011 e 2012, uma vez que garante a taxa de tributação efetiva preconizada, por exemplo, no Relatório do Orçamento do Estado para 2011, mas assegura também o cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do RFAI, ou seja, a possibilidade de reportar este benefício fiscal para os exercícios seguintes, sempre que a coleta se mostre insuficiente para a sua dedução integral;
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Esta é também uma solução que encontra correspondência não só no elemento lógico mas também na letra da lei (vide nº 2 do artigo 9º do Código Civil), na medida em que o artigo 92º do Código do IRC impõe uma limitação à coleta disponível para a utilização de benefícios fiscais, o que se traduz numa verdadeira “insuficiência de coleta” para efeitos da utilização e do reporte do benefício fiscal relativo ao RFAI, conforme nº 3 do artigo 3º do RFAI;
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Esta será ainda a única solução que permite uma utilização efetiva do benefício fiscal por parte do sujeito passivo, presumindo-se, ao abrigo do nº 3 do artigo 9º do Código Civil, que a intenção legislativa do nº 3 do artigo 3º do RFAI é permitir uma utilização efetiva do benefício fiscal, seja no exercício em que o mesmo é apurado seja nos exercícios subsequentes;
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A limitação imposta pelo artigo 92º do Código do IRC, não impede a utilização em exercícios futuros, do montante do RFAI não utilizado em resultado daquela disposição legal, mas penas limita a sua utilização no próprio exercício;
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O entendimento da AT, na medida em que não permite o reporte do benefício fiscal relativo ao RFAI não utilizado por força do mecanismo do artigo 92º do Código do IRC, viola os princípios previstos na CRP, nomeadamente o princípio da segurança jurídica (artigo 2.º), o princípio da igualdade (artigo 13.º) e o princípio da capacidade contributiva (n.º 2 do artigo 104.º).
Em consequência, a Requerente solicitou a restituição dos montantes de EUR 174.922,05 e EUR 32.867,71, respetivamente relativos aos exercícios de 2013 e 2014, acrescidos de juros indemnizatórios e moratórios até efetivo e integral pagamento.
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A Requerida sustenta a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com os fundamentos constantes do parecer e conclusão da Informação n.º I2017…, que acompanha a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, dados por reproduzidos pela Requerida em sede de Resposta, e que de seguida se sintetizam:
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A 16 de janeiro de 2018, a Entidade Requerida apresentou a sua resposta, tendo igualmente junto o processo administrativo.
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Nessa mesma data, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou as Partes para apresentarem alegações escritas.
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A 31 de janeiro e a 15 de fevereiro de 2018, respetivamente, a Requerente e a Entidade Requerida apresentaram as suas alegações escritas.
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SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, do RJAT.
As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades, não foram invocadas exceções, inexistindo obstáculos à apreciação do mérito da causa, impondo-se, por via disso, decidir.
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OBJETO DA PRONÚNCIA ARBITRAL
O thema decidendum objeto de pronúncia arbitral consiste na determinação do sentido e do alcance do disposto no artigo 92.º, n.º 1, do CIRC na sua articulação com o regime previsto nos artigos 3.º, n.os 1 e 3, do RFAI.
Em concreto, importa determinar a que coleta de IRC, se à inicial (antes da aplicação do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC) ou se à disponível (após a aplicação do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC), deve ser deduzido o benefício fiscal relativo ao RFAI e, por via disso, apurar o montante sobrante suscetível de reporte em exercícios subsequentes ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI.
Por outro lado, cumpre verificar se a inscrição na Modelo 22 de IRC da totalidade do benefício fiscal afasta a sua possibilidade de dedução em exercícios posteriores, caso naquele primeiro exercício não tenha havido coleta suficiente.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é um sujeito passivo enquadrado no regime geral de tributação em sede de IRC;
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A 24 de maio de 2011, a Requerente apresentou a sua declaração periódica de rendimento (“Modelo 22 de IRC”) do exercício de 2010 (cfr. documento n.º 9 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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A 11 de maio de 2012, a Requerente apresentou a sua Modelo 22 de IRC do exercício de 2011 (cfr. documento n.º 11 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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A 2 de maio de 2013, a Requerente apresentou a sua Modelo 22 de IRC do exercício de 2012 (cfr. documento n.º 13 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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A 12 de março de 2014, a Requerente apresentou declarações de substituição das Modelos 22 de IRC dos exercícios de 2010 e 2011 (cfr. documentos n.os 10 e 12 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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Estas declarações refletem os seguintes valores:
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Exercício de 2010: EUR 850.519,66, a título de coleta [campo 351/quadro 10]; EUR 212.629,91, a título de RFAI do exercício [campo 355/quadro 10]; EUR 39.926,83, a título de resultado da liquidação [campo 371/quadro 10];
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Exercício de 2011: EUR 463.473,07, a título de coleta [campo 351/quadro 10]; EUR 115.868,27, a título de RFAI do exercício [campo 355/quadro 10]; EUR 80.127,50, a título de resultado da liquidação [campo 371/quadro 10];
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A 4 de abril de 2014, a Requerente apresentou declaração de substituição da Modelo 22 de IRC do exercício de 2012 (cfr. documento n.º 14 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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Esta declaração reflete os seguintes valores:
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Exercício de 2012: EUR 899.624,27, a título de coleta [campo 351/quadro 10]; EUR 162.511,21, a título de RFAI do exercício [campo 355/quadro 10]; EUR 84.331,96, a título de resultado da liquidação [campo 371/quadro 10];
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A 8 de maio de 2014, a Requerente apresentou a sua Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2013 (cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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A 15 de janeiro de 2015, a Requerente apresentou declaração de substituição da Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2013 (cfr. documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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A 6 de maio de 2015, a Requerente apresentou a sua Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2014 (cfr. documento n.º 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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A 19 de fevereiro de 2016, a Requerente apresentou declaração de substituição da Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2014 (cfr. documento n.º 4 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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A 15 de março de 2016, a Requerente propôs reclamação graciosa das autoliquidações de IRC dos exercícios de 2013 e 2014 por, entre outros motivos, não ter utilizado, mediante dedução à coleta, o benefício fiscal sobrante relativo ao RFAI dos exercícios de 2010 a 2012 (cfr. documento n.º 5 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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De acordo com os cálculos que efetuou, tal benefício fiscal ascende ao montante global de EUR 197.976,33: sendo EUR 37.300,61 relativos ao exercício de 2010; EUR 77.855,66 relativos ao exercício de 2011; EUR 82.819,95 relativos ao exercício de 2012;
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A 23 de junho de 2016, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. documento n.º 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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A 25 de julho de 2016, a Requerente interpôs recurso hierárquico dessa decisão (cfr. documento n.º 7 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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A 4 de julho de 2017, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico (cfr. documento n.º 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
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A 11 de setembro de 2017, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
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Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.
C) Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido nesta sede, juntos ao pedido de pronúncia arbitral e ao processo administrativo.
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MATÉRIA DE DIREITO
§1. Questão decidenda
No processo sub judice este tribunal é chamado a pronunciar-se sobre a legalidade dos atos tributários de indeferimento expresso do recurso hierárquico n.º …2016… apresentado na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa n.º …2016…contra os atos tributários de autoliquidação de IRC, por referência aos períodos de tributação de 2013 e 2014.
Neste contexto, entende a Requerente que, por força da aplicação do artigo 92.º, n.º 1, do Código do IRC (“CIRC”), a coleta disponível dos exercícios de 2010, 2011 e 2012 mostrou-se insuficiente para a dedução integral do benefício fiscal respeitante ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”).
Não obstante, atento o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do RFAI, a Requerente considera ter direito a deduzir à coleta dos exercícios de 2013 e 2014, mediante reporte, o benefício fiscal sobrante daqueles exercícios relativo ao RFAI.
Discorda a Entidade Requerida desta posição, considerando que o benefício fiscal em causa foi integralmente deduzido pela Requerente à coleta dos exercícios de 2010, 2011 e 2012, atendendo para este efeito à coleta inicial (anterior à aplicação do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC).
A Requerente pretende a anulação das autoliquidações de IRC dos exercícios de 2013 e 2014 por enfermarem de erro resultante da circunstância de não ter sido deduzido à coleta dos exercícios de 2013 e 2014 o benefício fiscal relativo ao RFAI dos exercícios de 2010 a 2012.
Assim, a questão de direito a dirimir consiste na interpretação do sentido e do alcance do disposto no artigo 92.º, n.º 1, do CIRC na sua articulação com o regime previsto nos artigos 3.º, n.ºs 1 e 3, do RFAI.
§2. Aplicação do direito ao caso sub judice
Por referência ao exercício de 2010, o nº 1 do artigo 92.º do CIRC previa o seguinte:
«Para as entidades que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do nº 1 do artigo 90º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do nº 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 75% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais, dos regimes previstos no nº 13 do artigo 43º e do artigo 75º».
Relativamente ao exercício de 2011, a redação do n.º 1 do artigo 92.º do CIRC vigente era a seguinte:
«Para as entidades que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do nº 1 do artigo 90º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do nº 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no nº 13 do artigo 43º e no artigo 75º».
Até 31 de dezembro de 2010, o n.º 2 do artigo 92.º do CIRC elencava de forma taxativa os benefícios fiscais que deveriam ser considerados para efeitos do cálculo do resultado da liquidação, entre eles o benefício fiscal relativo ao RFAI. A partir do exercício de 2011, passou a considerar-se nesse cálculo todos os benefícios fiscais que não estivessem expressamente excluídos, nos termos da redação do n.º 2 do artigo 92.º do CIRC introduzida pela Lei n.º55-A/2010, de 31 de dezembro.
Relativamente aos exercícios de 2011 e 2012, o benefício fiscal relativo ao RFAI não se encontrava previsto no n.º 2 do artigo 92.º do CIRC, pelo que deveria ser considerado para efeitos do cálculo do resultado da liquidação.
Porém, como afirmado no Acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 693/2014-T, e reafirmado no Acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 311/2016-T, «esta conclusão [de que o benefício fiscal em matéria de IRC previsto no RFAI estava subordinado, nos anos em causa, ao limite global de deduções à coleta então previsto no n.º 1 do artigo 92.º do CIRC] não basta para resolver a questão, pois a possibilidade de reporte do benefício fiscal do RFAI não afeta necessariamente o limite do artigo 92.º, n.º 1. Basta que, no ano em causa, seja utilizado o montante do benefício fiscal que, aditado aos restantes benefícios fiscais e regimes aí previstos, não ultrapasse o limite de 25% [no caso, 10%] da colecta, de forma a permitir que o imposto liquidado não seja inferior a75% [no caso, 90%] do que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º.
Se para atingir os objetivos de garantir que, em cada ano, o imposto cobrado não resulte inferior a determinada percentagem daquele que seria devido se não existissem deduções relativas a benefícios fiscais (excetuados os elencados no n.º 2 do art.º 90) basta que a dedução à coleta não exceda 25% [no caso, 10%] da coleta.
Assim sendo, não advém do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC qualquer obstáculo ao reporte de montantes dedutíveis, desde que, em cada ano, não se exceda o limite mínimo de imposto liquidado que se pretende».
Mas importa ainda considerar o disposto no artigo 3.º do RFAI, cujo n.º 1, na redação em vigor nos exercícios de 2010 a 2012, previa a concessão de um benefício fiscal por «Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25% da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:
i) 20% do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de (euro) 5.000.000;
ii) 10% do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a (euro) 5.000.000».
O nº 2 do artigo 3.º do RFAI previa que a dedução prevista no número precedente deveria ser efetuada no período de tributação em que o benefício fosse apurado. Contudo, o n.º 3 do mesmo artigo dispunha que «[q]uando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes».
Sobre a articulação entre o disposto no artigo 92.º, n.º 1, do CIRC e o regime previsto nos artigos 3.º, n.ºs 1 e 3, do RFAI existe já abundante jurisprudência arbitral, designadamente a proferida no âmbito dos processos n.ºs 693/2014-T, 702/2014-T, 369/2015-T, 370/2015-T, 285/2016-T e 311/2016-T, relativamente à qual este tribunal não vê razões para divergir.
Acolhem-se, assim, os fundamentos expressos no já referido Acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 693/2014-T, e reafirmados no Acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 311/2016-T, quando neles se afirma o seguinte:
«É manifesto que esta norma [contida no n.º 3 do artigo 3.º do RFAI] tem subjacente uma intenção legislativa de que os benefícios fiscais de apoio ao investimento sejam aproveitados pelos contribuintes, numa medida razoável, que serão os quatro anos subsequentes àquele em que ocorre o investimento.
Esta possibilidade de dedução nos quatro períodos subsequentes constitui uma importante garantia para o contribuinte, por aumentar as possibilidades de este usufruir integralmente do benefício fiscal, libertando-o da contingência de não haver colecta suficiente para a dedução integral no ano do investimento, a possibilidade de reporte deve ser considerada como um fator importante ou mesmo decisivo para motivar decisões de investimento.
Presumindo-se que o legislador consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) para atingir o objectivo visado de incentivar o investimento, a referência à possibilidade de reporte em caso de insuficiência de colecta não deverá ser interpretada com o alcance de dificultar aos contribuintes usufruírem do benefício fiscal, pois o objectivo da norma é precisamente o contrário, aumentar as possibilidades de os contribuintes poderem vir efectivamente a usufruir do benefício, que legislativamente se entende ser uma contrapartida justa do investimento.
Assim sendo, numa interpretação teleológica, que permita encontrar na lei forma de assegurar os objetivos visados legislativamente e não prejudicá-los, a possibilidade de dedução deverá existir na generalidade das situações em que a colecta de IRC disponível para usufruir do benefício fiscal não seja suficiente para o seu aproveitamento integral, o que não deixa de ser uma interpretação com correspondência na letra da lei, pois do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC resulta uma diminuição da colecta disponível para usufruir de benefícios fiscais em IRC. E, por isso, quando esta colecta disponível for insuficiência para deduzir a totalidade do benefício fiscal resultante do investimento, estaremos perante uma situação de «insuficiência de colecta» para efeitos do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI.
Assim, conclui-se que a posição defendida pela Requerente encontra na letra da lei, mesmo por interpretação meramente declarativa, correspondência verbal na letra do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI, suficientemente expressa, tal como exigida pelo artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil. Para além disso, mesmo que fosse necessária uma interpretação extensiva, ela seria permitida pelo artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, pois é claro que a intenção legislativa subjacente ao n.º 3 do artigo 3.º do RFAI é permitir ao contribuinte utilizar o benefício fiscal a que tem direito em anos subsequentes, até ao limite de quatro, quando não puder utilizá-lo em anos anteriores.
Por outro lado, esta interpretação é a que assegura congruência valorativa do sistema jurídico, pois não seria coerente admitir no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do RFAI uma dedução à colecta de IRC até 25% e, ao mesmo tempo, restringir definitivamente o benefício por via do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC.
Por isso, se é certo que as preocupações de consolidação das finanças públicas podem justificar que, em cada ano, se sobreponha a obtenção da receita mínima de IRC ao benefício fiscal, aquelas preocupações já não podem explicar que não haja a possibilidade de utilização do benefício fiscal num dos quatro anos subsequentes, se tal utilização em algum deles não afetar aquela consolidação.
Conclui-se, assim, que o benefício fiscal resultante do RFAI em matéria de IRC apenas pode ser utilizado na medida em que não ponha em causa o limite previsto no artigo 92.º, n.º 1, do CIRC, mas não se vislumbra obstáculo legal a que a parte que não seja utilizada no ano do investimento possa ser utilizada para dedução à colecta de IRC nos anos subsequentes, até ao limite previsto no n.º 3 do artigo 3.º do RFAI.
Por isso, no caso em apreço, não permitindo o limite previsto no artigo 92.º, n.º 1, do CIRC a dedução à colecta do montante total do investimento efetuado que beneficia do regime do RFAI, esta não tinha de imputar todo esse investimento a esse ano, ficando sem direito a dedução na parte em que se ultrapassaria esse limite, podendo usar da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 3.º do RFAI».
Relativamente à questão que se prende com determinar a que coleta de IRC, se à inicial (antes da aplicação do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC) ou à disponível (após a aplicação do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC), deve ser deduzido o benefício fiscal relativo ao RFAI, a jurisprudência mencionada supra é unânime em considerar que a coleta relevante é a coleta disponível (após a aplicação do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC), sob pena de o sujeito passivo ver diminuídas as possibilidades de usufruir do benefício fiscal em causa, o que constituiria um desincentivo de sinal contrário à concessão do próprio benefício. Neste contexto, não seria sistemicamente coerente admitir no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do RFAI uma dedução à coleta de IRC até 25% e, ao mesmo tempo, restringir definitivamente este benefício por via da aplicação do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC.
Com efeito, a limitação imposta pelo artigo 92.º, n.º 1, do CIRC conduz à diminuição da coleta disponível do exercício, restringindo, por conseguinte, as deduções a realizar nesse exercício. Deste modo, por força do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI, o sujeito passivo deverá poder deduzir à coleta dos quatro exercícios subsequentes o benefício fiscal relativo ao RFAI que não pôde deduzir por força da referida diminuição de coleta.
Uma outra questão é a que se prende com saber se a inscrição na declaração Modelo 22 de IRC da totalidade do benefício fiscal afasta a sua possibilidade de dedução em exercícios posteriores caso naquele primeiro exercício não haja coleta suficiente.
É entendimento deste tribunal que a inscrição na declaração Modelo 22 de IRC, no campo das deduções à coleta, da totalidade do benefício fiscal relativo ao RFAI, não deve ter por efeito impedir a utilização do benefício em exercícios subsequentes se naquele exercício inexistir coleta suficiente para a dedução pretendida.
Aquando do preenchimento da sua declaração Modelo 22 de IRC, o sujeito passivo apenas manifesta a sua intenção de deduzir o referido benefício à coleta. Se, porventura, naquele exercício, se verifica uma impossibilidade prática de dedução (resultante da falta de coleta), tal não pode ser impeditivo do seu uso subsequente. Admitir de outro modo seria não ter em conta a inserção coerente do instituto no sistema tributário e conferir primazia a uma questão meramente formal face à questão material.
Esta interpretação, no sentido da admissão do reporte do benefício fiscal relativo ao RFAI, apresenta-se também como a mais conforme com a Constituição, designadamente com os princípios da proteção da confiança e da igualdade.
Conclui-se assim, com os fundamentos expostos, pela procedência do pedido de declaração da ilegalidade e anulação da decisão final referente à reclamação graciosa n.º …2016…, na parte em que esta indefere o pedido de consideração do reporte do benefício fiscal relativo ao RFAI nos exercícios de 2013 e 2014.
Daqui resulta o direito da Requerente ao reembolso do imposto indevidamente pago, por força dos artigos 24.º, n.º1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, em ordem ao restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.
Para além do referido reembolso, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT prevê que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Tendo ficado demonstrado, no caso sub judice, que o ato de indeferimento parcial da reclamação graciosa enferma de erro sobre os pressupostos de direito imputável à Requerida conclui-se que são devidos juros indemnizatórios, contabilizados desde a data do indeferimento parcial da reclamação graciosa até ao momento do pagamento integral dos montantes legalmente devidos.
Por outro lado, conclui-se não serem devidos juros de mora, uma vez que estes, a serem devidos, sê-lo-ão apenas nos termos do artigo 43.º, n.º 5, da LGT, o que manifestamente extrapola o âmbito dos autos em apreço, sendo matéria a dirimir em sede de execução de sentença.
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DECISÃO
Termos em que acorda o presente Tribunal em:
i) Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade dos atos tributários de indeferimento expresso do recurso hierárquico n.º …2016…, apresentado na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa n.º …2016…, deduzida contra os atos de autoliquidação de IRC, na parte em que indefere o pedido de consideração do reporte do benefício fiscal relativo ao RFAI nos exercícios de 2013 e 2014, com todas as consequências legais;
ii) Julgar ilegal o mencionado ato de indeferimento expresso do recurso hierárquico e, nesta sequência, os atos tributários de autoliquidação de IRC relativo aos exercícios de 2013 e 2014;
iii) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, contabilizados desde a data do indeferimento parcial da reclamação graciosa até ao momento do pagamento integral dos montantes legalmente devidos;
iii) Absolver a Requerida do pedido de condenação em juros de mora.
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VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 207.789,76.
VIII. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 02 de março de 2018
Fernanda Maçãs (Árbitro-Presidente)
Jaime Esteves (Árbitro Vogal)
Paulo Nogueira da Costa (Árbitro Vogal)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.