Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 502/2017-T
Data da decisão: 2018-03-05  IRS  
Valor do pedido: € 30.762,03
Tema: IRS - Artigo 2º, alínea b) do nº 4 do CIRS.
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Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

  1. A…, CF[1]…, com residência fiscal na Rua…, nº…, … Dtº, …-… …, área do serviço de finanças de …, apresentou um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a ATA[3], com vista à apreciação da legalidade da nota de liquidação nº 2017… de IRS[4], referente ao exercício de 2013, resultante de procedimento inspetivo, instaurado pela ATA, que corrigiu o rendimento declarado pelo requerente de € 48 506,75 para € 110 478,55.
  2. O pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD[5] em 12/09/2017 e notificado à ATA na mesma data.
  3. Nos termos e para efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 08/11/2017, designado árbitro do tribunal Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.
  4. O tribunal foi constituído em 28/11/2017 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
  5.  Com o seu pedido, visa o requerente, a anulação da liquidação nº 2017… de IRS do ano de 2013, no valor de € 30 762,03, resultante de procedimento inspetivo instaurado pela ATA com o nº O12017… de 11/04/2017, respeitante à tributação de importâncias auferidas, em virtude da cessação do contrato de trabalho e, consequentemente, que a ATA seja condenada no pagamento das custas do processo e dos encargos que teve de suportar com a constituição de garantias para a suspensão da execução.
  6.  Suporta o seu ponto de vista, em síntese, no entendimento de que a contagem de antiguidade para efeitos de IRS, na situação de rescisão do contrato de trabalho, deverá ter em conta todo o seu histórico no setor e não apenas o tempo de serviço prestado á última entidade empregadora, no caso, o Banco B… .
  7. Considera que a jurisprudência tem sido unânime no sentido de assim o considerar, contrariamente ao entendimento da ATA que restringe a antiguidade ao tempo de serviço prestado na entidade devedora.
  8. Que o valor da indeminização recebido de € 87 790,00, pela rescisão do contrato de trabalho corresponde à remuneração média mensal de € 3 645,40 vezes 24 anos de antiguidade, está isento de tributação, nos termos da alínea b) do nº 4 do artigo 2º do CIRS[6].
  9.  Assim, considera não ter havido nenhuma omissão ou inexatidão nas suas declarações apresentadas à ATA, pelo que a liquidação aqui posta em causa deverá ser anulada com as respetivas consequências.
  10.  Na resposta, a requerida, e também em síntese, considera que a liquidação em causa está suportada pelo relatório inspetivo, mediante o qual foram efetuadas as correções técnicas que a originaram.
  11. Tendo em conta o que dispõe o nº 4 do artigo 2º do CIRS, as importâncias auferidas que excedam o valor correspondente à média das remunerações mensais vezes o número de anos ou fração de antiguidade na entidade devedora ficam sujeitas a IRS.
  12.  Nesta perspetiva e tendo em conta que a antiguidade do requerente, na entidade devedora é de apenas de 7,03 anos, as correções efetuadas tiveram isso em conta, pelo que a liquidação em causa não enferma de qualquer vício que ponha em causa a sua legalidade e validade.

 

II - SANEAMENTO

O tribunal foi regularmente constituído, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Face à resposta da requerida, o tribunal proferiu, em 22/01/2018, o seguinte despacho.” Dado que  não está requerida a produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada   nos autos, não existe matérias de exceção sobre as quais as partes careçam de se pronunciar e tendo em conta que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, o tribunal entende desnecessária a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações orais ou escritas pelas partes, pelo que, no mesmo prazo de 10 dias, poderão as partes, pronunciar-se sobre este entendimento”.

Em 23/01/2018 foi admitida a junção de documentos pelo requerente, com notificação à requerente em 26 do mesmo mês e em 16/02/2018 o tribunal considerou reunidas as condições para proferir decisão, fixando o dia 05 de Março para o efeito

Deste modo, não enfermando o processo de nulidades, cumpre decidir.

III- FUNDAMENTAÇÂO

 

  1. – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:

 

  1. Apreciar o conceito de antiguidade utilizado pelas partes na sustentabilidade do ponto de vista de cada uma e, em consequência, declarar se há ou não lugar à anulação do ato de liquidação de IRS 2017…, respeitante ao ano de 2013, no montante de € 30 762.03.
  2. Em caso afirmativo se haverá ou não lugar ao pagamento dos encargos suportados pelo requerente, com vista à suspensão da execução.

 

  1. – Matéria de Facto

 

  1.  O requerente trabalhou de 29 de Maio de 2006 a 07 de Junho de 2013 no Banco B…, data em que rescindiram o respetivo contrato de trabalho e, em consequência da rescisão, o requerente recebeu indemnização no montante de € 87 790,00.
  2. Anteriormente o requerente exerceu funções no banco C… desde Maio de 1989 a Maio de 2006 e fez prova de ser sindicalizado e estar abrangido pelo ACT[7] dos bancários, desde 01/06/2006 a 07/06/2013 e que a sua última entidade empregadora fazia parte da convenção coletiva de trabalho.
  3. A ATA instaurou em 11 de Abril de 2017 procedimento inspetivo, com vista à apreciação da situação tributária do requerente, relativamente aos rendimentos de IRS do ano de 2013, dela resultando a liquidação adicional de IRS aqui posta em crise.
  4. A referida liquidação adicional está fundamentada no relatório inspetivo no qual se concluiu e decidiu que a antiguidade a considerar para efeitos de cálculo do limite a que alude a alínea b) do nº 4 do artigo 2º do CIRS, é apenas o número de anos ou fração prestados na última entidade patronal, devedora da indemnização.

 

  1. Desta conclusão e decisão resultou que a ATA apenas aceitou a isenção de IRS do valor de € 25 517,80, tributando o excedente da indemnização, daqui resultando a liquidação adicional já referida.
  2. O requerente juntou aos autos o contrato de trabalho celebrado entre ele e o Banco B…, no qual está regulada a questão da antiguidade na sua cláusula 7ª.
  3. Juntou ainda declaração do Sindicato Independente da Banca, na qual se verifica que o B… fez parte da convenção coletiva de trabalho, que o requerente iniciou a sua atividade bancária em 30 de Maio de 1989 e esteve sindicalizado desde 01 de Junho de 2006 a 07 de Junho de 2013.

A prova destes factos resulta dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados pelas partes, bem como do conteúdo do processo administrativo junto e são os que o tribunal considera pertinentes para a decisão. 

 

3- Matéria de Direito

3.1 – Da ilegalidade da liquidação

Com vista a apreciar a legalidade da liquidação temos que resolver a questão jurídica em discussão, que se prende em saber se o multiplicador que a lei estabelece na alínea b) do nº 4 do artigo 2º do CIRS, na redação dada pela Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, será o número de anos de antiguidade na empresa devedora da indemnização, ou se, deverá ser tido em conta o somatório do tempo de serviço prestado em todas as entidades para as quais o requerente trabalhou como bancário.

A ATA considera que esse multiplicador corresponde ao número de anos de antiguidade na empresa devedora e que paga a indemnização, enquanto o requerente considera que esse multiplicador deverá corresponder ao somatório do tempo de serviço prestado em todas as entidades bancárias.

A norma em apreciação alínea b) do nº 4 do artigo 2º do CIRS refere “… número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos…”

A posição da ATA é suportada, essencialmente, pelo relatório da inspeção, considerado integralmente reproduzido na resposta, que se baseia, no parecer do CEF[8] nº 1/2016, sancionado por Despacho de 21/03/2016 da Senhora Diretora Geral, na informação vinculativa – Pº nº 1818/10 e em comentários à norma de fiscalistas (Dr. Manuel Faustino, Dr. Fraústo da Silva e Dra. Cláudia Reis Duarte) que consideramos.

Porém, a interpretação literal que é feita pela ATA, leva-nos, em termos práticos, a que o multiplicador seja sempre o mesmo, quer tendo em conta a antiguidade quer o exercício de funções.

O ponto de vista do requerente que pretende que lhe seja reconhecido todo o tempo de serviço prestado no setor bancário, suporta-se, essencialmente, na interpretação da norma que, sem descurar o elemento literal, lhe dá outra amplitude, elencando ainda, no sentido por si preconizado, diversos Acórdãos do TCA[9] do Sul e decisão do CAAD.

Tendo em conta que a lei fiscal não estabelece qualquer conceito próprio de antiguidade, teremos de nos socorrer de outros ramos de direito onde o termo seja usado, conforme plasmado no nº 2 do artigo 11º da LGT[10], que determina que sempre que a lei fiscal usar conceitos próprios de outros ramos de direito, os mesmos devem ser interpretados no sentido idêntico ao que têm nos respetivos ramos de origem. Sendo a antiguidade um conceito com origem no Direito do Trabalho teremos que fazer a sua interpretação de acordo com o direito laboral. Porém também no âmbito do Código do Trabalho não chegamos a um conceito preciso de antiguidade e teremos que buscá-lo no contrato individual de trabalho ou no ACT do setor bancário (neste sentido veja-se o acórdão do TCA SUL de 21/09/2010, Pº 03748/10 que acompanhamos).

Como já vimos, a interpretação preconizada pela ATA, leva-nos a que o multiplicador fosse sempre o mesmo o que não era a intenção do legislador, ao referir, “… nos demais casos…”, por isso, a norma pretende contemplar outras situações como número de anos ou fração de antiguidade ou números de anos ou fração de exercício de funções na entidade devedora. Esta interpretação que, sem descurar o elemento literal da norma, permite encontrar diferentes multiplicadores, conforme a realidade concreta, ao mesmo tempo que dá conteúdo ao pensamento do legislador ao referir “…nos demais casdos…”

Da verificação das diferentes decisões proferidas, neste âmbito, pelo TCA do Sul, vão todas no sentido de considerar todo o tempo de serviço prestado no setor bancário, sendo certo que estamos em presença de decisões dos anos de 2010,2012 e 2013, sem que até agora o legislador tenha modificado ou corrigido a lei, temos que considerar que a interpretação feita está de acordo com a sua intenção e mostra-se acolhedora e abrangente de diferentes realidades.

Também, a entidade empregadora ao atribuir a indemnização, teve em conta o serviço prestado pelo requerente a outras instituições bancárias, quando lhe seria bem mais favorável ter apenas considerado o tempo que o trabalhador esteve ao seu serviço, e fê-lo, por se considerar vinculada ao ACT bancário em vigor.

Tal procedimento limitou-se a dar cumprimento ao disposto no respetivo ACT para o setor bancário, então em vigor, subscrito pela entidade empregadora devedora da indemnização, que determinava a contagem de tempo, para efeito de antiguidade de todo o tempo de serviço prestado nas instituições de crédito com atividades em território português.

Da análise que fizemos das posições das partes, das decisões do TCA do Sul e da matéria de facto provada, consideramos que a interpretação que devemos dar à norma, respeitando não só a sua letra mas também a “mens legilatóris” é aquela que nos permite obter soluções diferenciadas face a situações de facto e de direito diferentes e não aquela que nos aponta sempre a mesma solução independentemente das situações.

Nesta perspetiva deverá o multiplicador de antiguidade a aplicar ser correspondente ao número de anos de serviço prestado no setor bancário português, no caso concreto 24, procedendo o pedido.

 

3.2 – Do direito ao pagamento de encargos suportados pelo requerente

O requerente pede ainda a condenação da requerida no pagamento dos encargos que teve de suportar com a constituição de garantias, com vista à suspensão da execução, porém, para além de não os quantificar e ser possível a suspensão da execução através de penhora, não cabe a este tribunal pronunciar-se sobre atos praticados no processo executivo, mas sim ao Juiz de execução conforme determina o nº 2 do artigo 103º da LGT, pelo que improcede esta pretensão.

 

IV – DECISÃO

 

Assim o tribunal decide:

 

  1. Declarar o pedido de pronúncia arbitral procedente relativamente ao pedido de anulação da liquidação nº 2017… de IRS do ano de 2013, no montante de € 30 762,03, com todas as consequências legais advindas.
  2.  Declarar improcedente o pedido quanto ao pagamento de encargos suportados com vista à suspensão da execução.
  3. Fixar o valor do processo em € 30 762,03 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[11], artigo 97º-A do CPPT[12], e artigo 3º, nº2, do RCPAT[13].
  4. Fixar as custas, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, no montante de €1 836,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo da requerida ATA.

 

Notifique.

Lisboa, 05 de Março de 2018

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.

O árbitro

 

 Arlindo José Francisco

 

 



[1] Acrónimo de contribuinte fiscal

[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[4] Acrónimo de Imposto sobre o Rendimento de pessoas singulares

[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[6] Acrónimo de Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

[7] Acrónimo de Acordo Coletivo de Trabalho

[8] Acrónimo de Centro de Estudos Fiscais

[9] Acrónimo de Tribunal Central Administrativo

[10] Acrónimo de Lei Geral Tributária

[11] Acrónimo de Código de Processo Civil

[12] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[13] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária