DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11 de Dezembro de 2017, Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Emanuel Vidal Lima (pela A… S.A.), e Américo Brás Carlos (pela AT), acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
A…, S.A., pessoa colectiva número…, com sede na Rua …, …, n.º…, …, …, …-… Aveiro, doravante designada por “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea g) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. Neste âmbito, deduziu os seguintes pedidos:
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Declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e de Juros Compensatórios do ano 2015;
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Indemnização pelos encargos incorridos com garantias; e
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Condenação da Requerida no pagamento da taxa arbitral e demais encargos.
A Requerente, no uso da faculdade prevista no artigo 6.º, número 2, alínea b) do RJAT, designou o árbitro Emanuel Vidal Lima, tendo a AT, observando o disposto no artigo 11.º, n.º 2 do RJAT, designado Américo Brás Carlos. O Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro presidente Alexandra Coelho Martins.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT. Todos os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável. As partes, oportunamente notificadas, não manifestaram vontade de recusar as designações.
O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 11 de Dezembro de 2017, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
A Requerente alega como causa de pedir que os actos tributários padecem de vício material de erro nos pressupostos de direito, inexistindo fundamento para afastar a norma de isenção aplicável às transmissões intracomunitárias de bens prevista no artigo 14.º, alínea a) do RITI, e invoca, ainda, o vício formal de incompetência do autor do acto. Juntou documentos e arrolou testemunhas.
A AT apresentou resposta em que pugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral com a consequente absolvição de todos os pedidos e juntou o processo administrativo.
Subsequentemente, a AT comunicou aos autos que os actos tributários sindicados “foram integralmente revogados pelo Sub-Director Geral da Área do IVA” e suscitou a inutilidade da lide, ancorando-se no disposto no artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.
Notificada para se pronunciar, a Requerente preconizou a “extinção [apenas] parcial da instância”, por entender que os autos devem prosseguir para apreciação dos pedidos relativos ao reconhecimento do seu direito de ser indemnizada por prestação de garantia indevida e à condenação da Requerida ao pagamento da taxa arbitral.
Por despacho de 20 de Fevereiro foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do CAAD, por desnecessária (cf. artigos 16.º, alínea c) e 19.º do RJAT), fixando-se o dia 7 de Março como data limite para prolação da decisão.
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SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas questões prévias.
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FUNDAMENTAÇÃO
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MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
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A A…, S.A., aqui Requerente, é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio por grosso de computadores, equipamentos periféricos e programas informáticos – cf. Relatório de Inspecção Tributária (“RIT”), constante do processo administrativo (“PA”).
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Em 2015 a Requerente realizou transmissões intracomunitárias para Espanha, com destino ao adquirente B…, S.L., sociedade de direito espanhol com sede em Madrid, comunicando essas operações no sistema VIES e aplicando-lhes o regime de isenção de IVA (cf. RIT).
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Na sequência de acção inspectiva interna de âmbito parcial à Requerente, a AT, fundada no argumento de que o adquirente das operações, à data dos factos, não estava registado no VIES em Espanha e, desse modo, não se podia considerar abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens nesse Estado-Membro, não considerou aplicável a isenção do artigo 14.º, alínea a) do RITI e emitiu as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios identificadas no quadro infra:
ACTOS TRIBUTÁRIOS
Liquidação n.º
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Tipo
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Data
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Valor
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2017 …
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IVA
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24.04.2017
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6.964,56
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2017 …
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Juros compensatórios
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24.04.2017
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353,37
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2017 …
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IVA
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24.04.2017
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144.198,59
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2017 …
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Juros compensatórios
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24.04.2017
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6.842,46
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TOTAL
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158.358,98
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As referidas liquidações foram notificadas à Requerente com data de pagamento voluntário até 26 de Junho de 2017 (cf. RIT e documentos 1 a 4 juntos com a p.i.).
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Em 28 de Julho de 2017, na sequência dos processos de execução fiscal instaurados para cobrança das liquidações adicionais em apreço, e tendo em vista a sua sustação, a Requerente apresentou garantia bancária do Banco C… e Hipoteca Voluntária de um imóvel (cf. documento 115 junto com a p.i.).
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Em 11 de Setembro de 2017, a Requerente apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral no sistema informático do CAAD.
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Em 16 de Fevereiro de 2018, a AT comunicou a anulação das liquidações enumeradas no ponto C (cf. requerimento da AT de 16 de Fevereiro de 2018).
FACTOS NÃO PROVADOS E MOTIVAÇÃO
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa e no que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos que não vem controvertida.
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DIREITO
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Inutilidade superveniente da lide relativamente aos actos de liquidação anulados
Os actos tributários que constituem o objecto principal do litígio foram anulados administrativamente pela Requerida já em momento posterior ao da propositura do presente processo arbitral, como se pode constatar da matéria de facto fixada (alíneas E e F supra).
A Requerida entende que deve ser decretada a extinção da instância com aquele fundamento. Porém, a Requerente sustenta que essa extinção seja apenas parcial, pois continua a ser devida pronúncia sobre os pedidos relativos à indemnização pelos encargos incorridos com a prestação de garantias no processo de execução fiscal e à condenação da Requerida em custas.
Neste âmbito, importa começar por referir que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se verificam quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe de ter objecto, interesse ou utilidade, o que justifica a extinção da instância (cf. o artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Condição que indiscutivelmente ocorre no caso vertente, quanto ao pedido principal de invalidação dos actos tributários de IVA e juros compensatórios, pois estes, por efeito de anulação administrativa pela Requerida, foram eliminados da ordem jurídica.
Subsistem, todavia, dois pedidos cuja satisfação não se extrai da mera anulação das liquidações adicionais. O primeiro prende-se com a prestação de garantia que a Requerente teve de prestar para sustação do processo de execução fiscal conexo, que implicou encargos de que se pretende ressarcir, atento o princípio vigente de reconstituição da situação actual hipotética, ou seja, de reposição da situação que existiria se tais actos não tivessem sido praticados (cf. artigo 100.º da Lei Geral Tributária – “LGT”). O segundo respeita à condenação da Requerida nas custas processuais por ter dado causa ao litígio e lhe ser imputável a inutilidade superveniente da lide.
Concluindo-se ser a extinção da instância apenas devida quanto ao pedido principal, apreciam-se, nos pontos seguintes, os demais pedidos da Requerente.
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Indemnização por prestação de garantia indevida
A Requerente, ancorada no artigo 53.º da LGT, peticiona a indemnização dos encargos incorridos e a incorrer com as garantias – bancária e hipoteca voluntária – prestadas, a liquidar após o respectivo levantamento.
Cabe aqui assinalar que, tratando-se de garantia mantida por período inferior a três anos, o n.º 2 da citada norma faz depender esse direito da imputação de erro aos serviços, pelo que tem de aquilatar-se o preenchimento deste pressuposto.
In casu, a AT procedeu à anulação oficiosa das liquidações adicionais de IVA e juros na pendência de processo contencioso (arbitral) instaurado precisamente para obtenção de uma pronúncia anulatória. Daí que a perda de utilidade da lide derive de se ter atingido o objectivo visado com a acção arbitral [a anulação das liquidações]. Tal circunstancialismo deve ter-se por demonstrativo de erro imputável aos serviços, i.e., “como reconhecimento expresso do erro”, nos termos preconizados pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) em Acórdão proferido acerca de questão similar (pagamento de juros ao abrigo do artigo 43.º da LGT) que depende de idêntico pressuposto (erro imputável aos serviços), no processo n.º 0574/14, de 7 de Janeiro de 2016.
Assim, há que considerar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida.
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Condenação da AT em custas
De acordo com o regime geral em matéria de custas, sendo a impossibilidade ou inutilidade da lide imputável à Requerida, em virtude de a anulação dos actos tributários ter ocorrido já depois da constituição do Tribunal Arbitral, a esta caberiam as custas do processo, solução que se extrai do cotejo dos artigos 4.º, n.º 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 12.º, n.º 2 do RJAT, e 527.º e 536.º, n.º 3 do CPC, neste último caso por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Contudo, a Requerente, não se enquadra na disciplina geral acabada de descrever. Ao ter optado por designar árbitro ao abrigo dos artigos 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 2, alínea g), ambos do RJAT, passa a ser-lhe aplicável o regime especial consagrado nos artigos 12.º, n.º 3 e 22.º, n.º 4 do RJAT e no artigo 5.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“Regulamento de Custas”) e Tabela II anexa, que constituem ius singulare em matéria de custas.
A modalidade de designação de árbitros pelas partes suscita, desde logo, um agravamento das taxas de arbitragem que são substancialmente mais elevadas, conforme se ressalta da comparação das Tabelas I e II anexas ao Regulamento de Custas. A título de exemplo, pode referir-se o valor mínimo da taxa de arbitragem, que na Tabela I do regime geral é de 360,00 euros e na Tabela II, aqui aplicável, é de 6.000,00 euros.
Por outro lado, enquanto no regime geral a taxa de arbitragem inicial devida no momento de envio do pedido de constituição do tribunal arbitral é somente parcial, correspondente a 50% do montante total (cf. artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, artigo 4.º do Regulamento de Custas e Tabela I anexa ao mesmo), no caso de designação dos árbitros pelas partes, a taxa de arbitragem tem de ser paga na totalidade com o envio do pedido de constituição do tribunal (cf. artigo 12.º, n.º 3 do RJAT, artigo 5.º do Regulamento de Custas e Tabela II anexa ao mesmo).
Contudo, a diferença mais relevante encontra-se no modelo de fixação e repartição das custas. No regime geral as custas são fixadas e repartidas definitivamente a final tendo em conta a sucumbência (com eventual devolução à parte vencedora, quando aplicável), ao passo que no regime especial de designação de árbitros pelas partes essa fixação ocorre no momento inicial, constituindo encargo total e definitivo a suportar pela Requerente e não são reembolsáveis, excepto se não se chegar a constituir o tribunal arbitral (cf. artigo 3.º-A, alínea b) do Regulamento de Custas).
Esta solução consta do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, que rege a fixação e repartição de custas na decisão arbitral, segundo o qual esta [fixação e repartição] apenas tem lugar com referência aos casos em que os árbitros tenham sido designados pelo Conselho Deontológico do CAAD. Com efeito, dispõe a norma em análise que:
“Da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral, quando o tribunal tenha sido constituído nos termos previstos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º”.
A previsão normativa não contempla, pois, o caso de designação dos árbitros pelas partes, que está regulado na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, pelo que se entende ser inaplicável a estatuição daquela norma (artigo 22.º, n.º 4 do RJAT).
No mesmo sentido, o artigo 4.º do Regulamento de Custas, conformador do regime da taxa de arbitragem em caso de designação de árbitro pelo Conselho Deontológico do CAAD, determina que a fixação do montante das custas finais do processo arbitral e a eventual repartição pelas partes é efectuada na decisão arbitral (cf. n.º 5, anterior n.º 4), ao passo que o artigo 5.º, respeitante à taxa de arbitragem em caso de designação de árbitro pelo sujeito passivo, não só não contém norma semelhante como, no seu n.º 2, preceitua que “[a] taxa de arbitragem é integralmente suportada pelo sujeito passivo e paga, na sua totalidade, por transferência bancária para a conta do CAAD antes de formulado o pedido de constituição do tribunal arbitral nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem.”.
Em conclusão, quando o tribunal tenha sido constituído no uso da faculdade prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, como sucede no caso dos autos, as custas arbitrais são integralmente suportadas pelo sujeito passivo [Requerente] e pagas, na sua totalidade, antes do pedido de constituição do tribunal arbitral, não tendo o tribunal que fixar e repartir custas na decisão arbitral (nem o devendo fazer).
De salientar, por fim, que a opção pelo exercício da prerrogativa jurídica de designação de árbitro se encontra na esfera da Requerente e não na da Requerida, pelo que projectar nesta última (nomeadamente imputando-lhe) os efeitos de um regime de taxa de arbitragem consideravelmente gravoso que não decorre de escolha sua, seria uma solução pouco equilibrada.
Improcede, nestes termos o pedido de condenação da Requerida no pagamento “da taxa arbitral e demais encargos”.
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DECISÃO
Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
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Julgar extinta a instância na parte referente ao pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios relativos a 2015;
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Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida, condenando a AT a pagar-lhe a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão, relativa às despesas com as garantias (bancária e hipoteca legal) prestadas;
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Julgar improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento da taxa arbitral e demais encargos eventuais.
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Fixa-se o valor do processo em € 158.358,98, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Lisboa, 2 de Março de 2018
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT. A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990]
Os Árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Emanuel Vidal Lima
Américo Brás Carlos