Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof. Doutor Rui Duarte Morais e Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima (árbitros vogais, designados pelo Sujeito Passivo e pela Autoridade Tributária, respectivamente) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-01-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, S.A. NIF …, com sede na Rua …, n.º…, Sala…, …-… Porto (doravante designada por “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos arts. 2º, 5.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista anulação liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (adiante IVA), referentes aos períodos de 2013, 2014 e 2015, consubstanciadas nas liquidações e demonstrações de acerto de contas com os n.ºs 2017…, 2017…., 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017 …, 2017 … 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017… e 2017… .
Subsidiariamente a Requerente pede que seja efetuado reenvio prejudicial para o TJUE.
A Requerente pede ainda a anulação da liquidação de juros compensatórios e indemnização por garantia indevida.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O Requerente designou como Árbitro o Prof. Doutor Rui Duarte Morais, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 17-10-2017.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima.
Os Árbitros designados pelas Partes designaram como Árbitro Presidente o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, que aceitou.
Em 19-12-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 11-01-2018.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 15-02-2018 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes não apresentaram alegações
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não há excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
-
A Requerente entregou, em 04/06/2003, em suporte de papel, a declaração de início de atividade, prevista no art.º 31.º do CIVA, com a indicação de que as actividades que iria exercer eram as seguintes:
- Principal - Serviços médicos e medicina do trabalho (CAE 85120, à data);
- Secundária - Serviços de higiene e segurança no trabalho (CAE 74542, à data);
-
A Requerente assinalou no quadro 11 da declaração referida, relativo ao tipo de operações activas que realizava, os campos:
- campo 1 - operações sujeitas com direito à dedução; e
- campo 2 - operações Isentas sem direito à dedução,
e indicou que iria efetuar a dedução do imposto suportado nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, tendo estimado um pro-rata de 30%;
-
Em 01-03-2004, a Requerente apresentou uma declaração de alteração, em suporte papel, em que assinalou apenas o referido campo 1 do quadro 11 e declarou que efectuava "transmissões de bens e ou prestações de serviços que conferem direito à dedução";
-
Na sequência da entrega desta declaração de alteração, a Requerente passou a estar enquadrada no regime normal de IVA com dedução total;
-
Nos anos de 2013, 2014 e 2015, a Requerente exerceu a sua actividade de medicina de trabalho com a colaboração de uma equipa de médicos, pertencentes ao quadro da empresa ou sub-contratados, promovendo a saúde no trabalho das suas clientes;
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No âmbito da saúde no trabalho, efectua consultas médicas e exames médicos aos colaboradores das suas clientes, exames para atestar a boa saúde de um trabalhador antes da sua admissão, de carácter preventivo, bem como efectua exames periódicos, incluindo análises clínicas, nomeadamente em casos em que são detectados sintomas no trabalhador que revelem alterações e que necessitem de um acompanhamento com maior periodicidade, de promoção da saúde dos trabalhadores, e ainda exames ocasionais em virtude de baixa por doença, acidente de trabalho, mudança de posto de trabalho, doença súbita ou própria iniciativa médica;
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A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs Ol2016…/…/…;
-
Na inspecção referida foi elaborado o projecto de Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia consta do documento n.º 145 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
3.2. Descrição da Atividade Desenvolvida
O sujeito passivo desenvolve a sua atividade em duas áreas distintas: medicina no trabalho e higiene e no trabalho.
A atividade do sujeito passivo é desenvolvida quer nas instalações correspondentes à morada e sede fiscal, quer em unidades móveis de saúde, quer ainda nas instalações dos clientes.
As instalações correspondentes à morada da sede do contribuinte estão divididas em três departamentos independentes: da medicina no trabalho; da higiene e segurança no trabalho e da área comercial.
A área da medicina no trabalho é composta por: sala de atendimento; sala de espera; gabinete do diretor clínico; sala de reuniões; área administrativa, área contabilística e financeira,
Os departamentos da higiene e segurança no trabalho e da área comercial são compostos por salas adstritas aos técnicos e aos respetivos responsáveis.
(...)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS A MATÉRIA COLETÁVEL E AO IMPOSTO EM FALTA
Dedução Indevida de IVA
1. Cadastro e Declarações Entregues pelo Sujeito Passivo
1.1. Declarações de Inicio e de Alterações de Atividade Entregues
O sujeito passivo entregou, em 04/06/2003, em suporte de papel, a declaração de início de atividade, prevista no art.º 31.º do CIVA, com a indicação de que as atividades que iria exercer eram as seguintes:
- Principal - Serviços médicos e medicina do trabalho (CAE 85120, à data);
- Secundária - Serviços de higiene e segurança no trabalho (CAE 74542, à data),
O sujeito passivo assinalou no quadro 11, relativo ao tipo de operações ativas que realizava, os campos:
- campo 1 - operações sujeitas com direito à dedução; e
- campo 2 - operações Isentas sem direito à dedução,
e indicou que iria efetuar a dedução do imposto suportado nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, tendo estimado um pro-rata de 30%.
Porém, através da entrega da declaração de alterações ao início da atividade, prevista no art.º 32.º do CIVA, também em suporte de papel, em 01/03/2004, o contribuinte declarou que efetuava "transmissões de bens e ou prestações de serviços que conferem direito à dedução", tendo para o efeito assinalado apenas o campo 1 do quadro 11 da referida declaração. Face à entrega desta declaração de alterações, o sujeito passivo ficou "indevidamente" enquadrado no regime normal com dedução total.
1.2. Histórico do Cadastro
Em consequência da entrega daquelas declarações de início e de alterações identificadas no ponto anterior, o histórico do enquadramento do sujeito passivo para efeitos do IVA, de acordo com a informação do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC), é o seguinte:
. regime normal de periodicidade mensal, misto com pro-rata de 04/08/2003 a 01/03/2004; e
. regime normal de periodicidade mensal - após 01/03/2004.
2. Caracterização da Atividade Desenvolvida
2.1. Atividade Efetiva
O sujeito passivo desenvolve a sua atividade em duas áreas: medicina no trabalho e higiene e segurança no trabalho.
Ao nível da medicina no trabalho, através de uma equipa de médicos e técnicos qualificados, pertencentes ao quadro da empresa ou subcontratados, o contribuinte promove a saúde no local de trabalho das empresas (clientes) e ajuda-as a cumprir as obrigações legais em vigor. Assim, além de consultas aos trabalhadores o sujeito passivo executa: exames de admissão na contratação de novos trabalhadores, exames periódicos anuais, exames ocasionais a pedido da entidade patronal ou do trabalhador, por iniciativa médica, em situação de baixa por doença e em caso de baixa por acidente de trabalho.
No âmbito da higiene e segurança no trabalho, o sujeito passivo presta serviços às empresas com objetivo da prevenção de riscos profissionais, de doenças laborais e de acidentes de trabalho, bem como no cumprimento da legislação em vigor nesta matéria. Para o efeito o contribuinte disponibiliza aos seus clientes os seguintes serviços:
- realização de auditorias técnicas e respetivos relatórios de observação;
- identificação dó perigos e avaliação de riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores;
- avaliação dos riscos profissionais e proposta de medidas preventivas e de proteção, com vista à sua minimização/eliminação;
- elaboração e distribuição de Informação técnica;
- acompanhamento das empresas na implementação das medidas propostas;
- avaliação laboral (ruído, iluminância, monóxido de carbono, conforto térmico, (...);
- planeamento da prevenção e da atuação no combate aos incêndios;
- manual de segurança;
- outros.
2.2. Modo de Operar e Valores Declarados Relativos à Atividade
O sujeito passivo emite faturas mensais pelos serviços prestados e contratados com os seus clientes. Excecionalmente emite faturas por serviços ocasionais, por valores diferentes das mensalidades.
No período em análise, o sujeito passivo liquidou IVA em todos os serviços prestados, sendo que nas operações relacionadas com a medicina no trabalho aplicou a taxa reduzida e nas operações referentes à higiene e segurança tributou à taxa normal
Para a execução dos serviços o contribuinte tem os seus próprios trabalhadores, mas também recorre a serviços de terceiros (trabalhadores independentes ou mesmo outras sociedades). Nos anos em análise os serviços prestados e os gastos diretos (pessoal + subcontratos + honorários) ascenderam aos valores inscritos no quadro seguinte, de acordo com os elementos da contabilidade e declarados pelo contribuinte:
Face às análises efetuadas, designadamente aos dados constantes da contabilidade, não existem evidências de que a atividade do sujeito passivo tenha sofrido alterações durante o período em análise, bem como até à presente data.
2.3. Instalações e Modo de Funcionamento
Em 10/11/2016, deslocámo-nos à morada da sede do contribuinte, sita na rua…, n.º…, …, no Porto. Desta visita verificou-se que aquelas instalações, situadas no rés-do-chão do edifício, estão divididas em três departamentos independentes; da medicina no trabalho; da higiene a segurança no trabalho e da área comercial.
Á área da medicina no trabalho é composta por: sala de atendimento; diversos gabinetes médicos; sala da espera; gabinete do diretor clínico; sala de reuniões; área administrativa; área contabilística e financeira.
Os departamentos da higiene e segurança no trabalho e da área comercial são compostos por salas adstritas aos técnicos e aos respetivos responsáveis.
Os gabinetes médicos estão todos apetrechados com secretária, cadeiras e uma marquesa, e com um conjunto variável de equipamentos para a realização de exames simples, designadamente, electrocardiograma, cabine e respetivo equipamento de audiograma, e equipamento de rastreio oftalmológico,
De acordo com informação afixada na área de atendimento, confirmada pelos responsáveis, a clínica funciona nos dias úteis das 9 às 13H00 e das 14H00 às 19H00.
Informação constante do sítio da internet da empresa permitiu concluir que a empresa tem, ainda, um estabelecimento sito na Avenida dos Bombeiros Voluntários, 21, 1º S 11, em Paredes. Porém, de acordo com as informações recolhidas junto do contribuinte, aquelas instalações são compostas por sala de vendedores e sala de formação, não constituindo qualquer clínica.
O sujeito passivo dispõe, igualmente, de unidades móveis, dotadas de equipamentos médicos para prestar os serviços junto de qualquer cliente (empresa) em qualquer ponto do país.
2.4. Internamento
2.4.1. Conceito/Definição
Na ausência de conceito de internamento na lei fiscal, valemo-nos das seguintes definições:
Internamento: é o local de permanência dos doentes a quem os cuidados de saúde não podem ser administrados em regime ambulatório (Wikipédia, acedida em 15 de novembro de 2016),
Doente internado - indivíduo admitido num estabelecimento de saúde com internamento, num determinado período, que ocupe cama (ou berço de neonatologia ou pediatria), para diagnóstico ou tratamento, com permanência de, pelo menos, vinte e quatro horas (Portaria n.º 567/2006 de 12 de Junho).
2.4.2. Capacidade de Internamento do Sujeito Passivo
Tendo em atenção as definições de internamento e de doente internado transcritas no ponto anterior, e atentas as caraterísticas das instalações e da atividade efetiva do sujeito passivo (anteriormente descritas), conclui-se que o mesmo não tem condições para proporcionar, quando necessário e a par dos serviços de assistência médica, o serviço de internamento.
3. Enquadramento em Sede do IVA das Atividades Desenvolvidas
3.1. Enquadramento da Atividade de Medicina no Trabalho
3.1.1. Art. 9.º, Nº 1, do CIVA
Nos termos do n.º 1 do artº 9.º do CIVA estão isentas de imposto "As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas".
Refira-se que a isenção prevista no referido n.º 1 do CIVA opera independentemente da natureza jurídica do prestador de serviços, nomeadamente, do facto de se tratar de uma pessoa singular ou colectiva.
3.1.2. Art. 9.º, N.º 2, do CIVA
Nos termos do art.º 9.º, n.º 2, do CIVA, estão isentas «As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares».
O n.º 2 do art.º 9.º do CIVA transpõe para a ordem jurídica interna a alínea b) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, prevendo que estão isentas do imposto as seguintes atividades: “A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”.
Pelo que, se pode concluir que esta isenção abrange as prestações de serviços médicos e sanitários (atos de saúde) que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando doenças ou quaisquer anomalias de saúde e as operações com estas conexas efectuadas pelos estabelecimentos expressos na referida norma e por estabelecimentos similares (hospitalização/internamento).
Por outro lado, considera-se estabelecimentos similares para efeitos da isenção referida os estabelecimentos, públicos ou privados, que diagnostiquem e tratem doenças ou qualquer outra anomalia de saúde, ou seja, estabelecimentos que efectivamente realizem operações que revistam a natureza de serviços de saúde.
3.1.3. Acórdão do TJCE - Âmbitos dos N.ºs 1 e 2 do Art.º 9.º do CIVA
O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no Processo C-141/00, referente ao caso Kügler (n.º 36) evidenciou que as alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 132.º da Directiva do IVA, embora visem regular as isenções que são aplicáveis aos serviços de assistência médica, têm âmbitos distintos.
Enquanto a alínea b) - que corresponde ao n.º 2 do art.º 9.º do CIVA - isenta as prestações de serviços de assistência efetuadas no meio hospitalar, incluindo operações estreitamente conexas, a alínea c) – que corresponde ao n.º 1 do art.º 9.º do CIVA – destina-se a isentar as prestações de serviços de carácter médico e paramédico fornecidas fora desses locais, seja no domicílio privado do prestador, seja no domicílio do paciente, seja em qualquer outro lugar.
3.1.4. informação Vinculativa n.º …
Conforme referido no ponto 2. Capítulo II deste relatório de inspeção tributária, a Informação Vinculativa … produzida para o contribuinte em análise determina que, caso a atividade do sujeito passivo corresponda à prestação de serviços relacionados com a saúde, sujeitos a imposto mas dele isentos, nos termos do art.º 9.º do CIVA e o mesmo “não possa proporcionar, quando necessário e a par dos serviços de assistência médica, a possibilidade de internamento, fica fora do âmbito de aplicação da isenção da alínea 2) do artigo 9.º do CIVA, beneficiando de enquadramento na isenção prevista na alínea 1) do mesmo artigo. O enquadramento nesta isenção não confere direito à renúncia nos termos do artigo 12.º do CIVA, não podendo consequentemente, optar pela aplicação de imposto às operações efectuadas” (...)
3.2. Enquadramento das Atividades Desenvolvidas pelo Sujeito Passivo
3.2.1. Medicina no Trabalho
Pela entrega da declaração de alterações ao início de atividade, o sujeito passivo declarou indevidamente que efetuava apenas prestações de serviços que conferem o direito à dedução, dado que a atividade de medicina no trabalho é isenta nos termos do n.º 1 do artº 9.º do CIVA.
Decorre do exposto nos pontos 3.1.1. a 3.1.4. deste capítulo do relatório que a atividade da medicina no trabalho é considerada isenta de imposto por enquadramento no n.º 1 do artº 9.º do CIVA, e nunca por invocação do n.º 2 do mesmo articulado.
Assim, mesmo que se admitisse que o objetivo do sujeito passivo, com a entrega daquela declaração, fosse renunciar à isenção com referência à atividade de medicina no trabalho, não o poderia fazer, por inexistência de norma legal que o permitisse, porquanto a renúncia à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 12.º do CIVA só se aplica à isenção do n.º 2 do art.º 9.º do CIVA.
3.2.2. Higiene e Segurança no Trabalho
Com referência aos serviços prestados no âmbito da higiene e segurança no trabalho estão sujeitos a Imposto e não existe base legal para a sua isenção, nomeadamente no art.º 9.º do CIVA. Assim, estando esta atividade afastada de qualquer isenção, é objeto de liquidação de imposto, nos termos do artº 4.º do CIVA, taxa normal prevista no art.º 18.º do mesmo diploma.
4. Consequências Fiscais
O sujeito passivo deveria ter-se mantido como sujeito passivo misto, porquanto no exercício da sua atividade efetuava operações que, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, conferem direito a dedução (designadamente as prestações de serviços na área da higiene e segurança no trabalho que se encontram sujeites a IVA à taxa normal) e operações que não conferem esse direito (as prestações de serviços de medicina no trabalho, isentas de IVA nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA).
O n.º 1 do artigo 20,º do CIVA, na sua alínea a) estabelece que só pode deduzir-se o Imposto que tenha Incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações dá serviço sujeitas a Imposto e dele não Isentas,
Por sua vez, relativamente à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista devem ser utilizadas as regras estipuladas no n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, sendo que no ponto I do Ofício-Circulado n.º 30103 foi definido como bens e serviços de utilização mista "os que são utilizados conjuntamente no exercício de uma atividade económica (...) que confere direito à dedução com atividades económicas que não conferem esse direito".
Acresce que o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA prevê que o sujeito passivo pode "(...) efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conterem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito (...)".
Consequentemente, o contribuinte apenas poderia deduzir parte do imposto suportado na aquisição de bens e serviços.
Na falta de discriminação pela contabilidade e na impossibilidade de se identificarem os bens e serviços adquiridos para cada uma das atividades desenvolvidas (sujeita e isenta) entende-se que todos os bens e serviços adquiridos são de utilização mista.
Quanto ao critério de quantificação da parte do IVA suportado, nos bens e serviços adquiridos, que poderia ser deduzido, atento ao plasmado na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA e na falta de apresentação pelo sujeito passivo de outro critério objetivo, conforma previsto no n.º 2 do artigo 23.º do mesmo diploma, vamos considerar que o apuramento do IVA suscetível de dedução corresponderia ao peso das operações sujeitas a IVA e não isentas detém no total das operações desenvolvidas pelo sujeito passivo ("pro-rata").
Assim, o apuramento do montante de imposto suportado que o sujeito passivo poderia deduzir, deverá ser realizado seguindo as regras estipuladas no referido artigo 23.º do CIVA, designadamente a constante da alínea b) do n.º 1 daquele articulado, que indica que" (...) tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização da operações decorrentes do exercido de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.ª parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução".
6. Correções
6.1. Cálculo do "Pro-rata"
O n.º 4 do artigo 23.º do CIVA prevê que "A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, Imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento".
Por seu turno, o n.º 5 do mesmo articulado refere que "No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do ativo imobilizado que tenham sido utilizadas na atividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um caráter acessório em relação à atividade exercida polo sujeito passivo".
Por fim, o n.º 8 estipula que "Para determinação da percentagem de dedução, o quociente da fração é arredondado para a centésima imediatamente superior"'.
Os valores do "Pro-rata" dos anos de 2013 a 2015, determinado nos termos enunciados nos parágrafos anteriores, tendo por base os valores constantes da contabilidade, são os seguintes:
6.2. Imposto Indevidamente Deduzido
Face ao exposto anteriormente, o imposto suportado pelo sujeito passivo seria dedutível apenas nas percentagens correspondentes ao "Pro-rata" de cada ano (30%, em 2013 e 2014, e 40%, em 2015), pelo que o restante IVA deduzido pelo contribuinte deverá de ser considerado como indevidamente deduzido.
Note-se que não releva para a determinação do montante deduzido indevidamente o IVA que foi regularizado a favor do sujeito passivo (campo 40 das declarações periódicas do IVA), dado que respeita a correções ao imposto anteriormente liquidado.
Nas operações passivas, para determinação do valor de IVA que globalmente se mostra em falta, devem ser corrigidos os montantes das regularizações de IVA a favor do Estado, dado que as aquisições de bens ou serviços que lhes deram origem foram contabilizadas e o respetivo IVA deduzido nos anos em análise. Neste caso, como o IVA deduzido pelo sujeito passivo será considerado dedutível apenas na percentagem correspondente ao "Pró Rata" do ano, o valor da respetiva regularização a favor do Estado também terá de ser ajustado por essa percentagem.
Face ao exposto anteriormente, os montantes de IVA em falta, por cada período, são os apurados nos quadros seguintes e ascendem, aos montantes totais de € 52.138,97, € 51.863,53 e € 46,427,32, em 2013, 2014 e 2015, respetivamente:
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Em 22 de Maio de 2017, a Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas aos anos de 2013, 2014 e 2015 bem como demonstrações de acerto de contas com os n.ºs 2017…, 2017…., 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017 …, 2017 … 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017… e 2017…, cujas cópias constam dos documentos n.ºs 1 a 144 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
-
Em 16-10-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não se provou que a Requerente tivesse prestado garantia bancária. A Requerente não apresentou qualquer prova dessa prestação, nem indica qual foi o seu montante, nem as despesas que eventualmente suportou.
Não há outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.
Na falta de qualquer indicação em contrário, partiu-se do pressuposto de que a fundamentação do projecto de Relatório da Inspecção Tributária foi mantida no relatório final.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.
4. Matéria de direito
4.1. Fundamentação das liquidações impugnadas
A fundamentação invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no procedimento inspectivo como fundamento das liquidações é, em suma, a seguinte:
– em 01/03/2004, a Requerente entregou uma declaração de alterações de actividade, em que declarou indevidamente que efetuava apenas prestações de serviços que conferem o direito à dedução, dado que a atividade de medicina no trabalho é isenta nos termos do n.º 1 do artº 9.º do CIVA;
– «mesmo que se admitisse que o objetivo do sujeito passivo, com a entrega daquela declaração, fosse renunciar à isenção com referência à atividade de medicina no trabalho, não o poderia fazer, por inexistência de norma legal que o permitisse, porquanto a renúncia à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 12.º do CIVA só se aplica à isenção do n.º 2 do art.º 9.º do CIVA»;
– esta isenção do n.º 2 do artigo 9.º do CIVA transpõe para a ordem jurídica interna a alínea b) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, abrangendo apenas as prestações de serviços médicos e sanitários (actos de saúde) que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando doenças ou quaisquer anomalias de saúde e as operações com estas conexas efectuadas pelos estabelecimentos expressos na referida norma e por estabelecimentos similares (hospitalização/internamento);
– a Requerente «não tem condições para proporcionar, quando necessário e a par dos serviços de assistência médica, o serviço de internamento»;
– de harmonia com a Informação Vinculativa n.º…, produzida para a Requerente, não podendo «proporcionar, quando necessário e a par dos serviços de assistência médica, a possibilidade de internamento, fica fora do âmbito de aplicação da isenção da alínea 2) do artigo 9.º do CIVA, beneficiando de enquadramento na isenção prevista na alínea 1) do mesmo artigo. O enquadramento nesta isenção não confere direito à renúncia nos termos do artigo 12.º do CIVA, não podendo consequentemente, optar pela aplicação de imposto às operações efectuadas».
4.2. Irrelevância da fundamentação a posteriori e âmbito processo arbitral
O regime de contencioso previsto no RJAT é de mera legalidade, visando-se apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º.
Por isso, tem de se aferir da legalidade dos actos impugnados, tal como foram praticados, com a fundamentação que neles foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.
Consequentemente, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos e deixar de declarar a ilegalidade do concreto acto praticado por, eventualmente, existir a possibilidade abstracta um hipotético acto com conteúdo decisório total ou parcialmente idêntico, com outra fundamentação, que seria legal, mas não foi praticado. ( [1] )
Assim, importa precisar qual a fundamentação das liquidações impugnadas, à face da fundamentação do projecto de Relatório da Inspecção Tributária, já que a Autoridade Tributária e Aduaneira não juntou aos autos o processo administrativo nem qualquer outro documento que demonstre que foi outra a fundamentação das liquidações impugnadas.
4.2.1. A invocação de falta de «opção expressa» de renúncia a isenção
A questão coloca-se, desde logo, quanto à falta de «opção expressa» por renúncia à isenção de IVA, que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca nos artigos 12.ª a 15.º da sua Resposta.
A Requerente apresentou declaração de início de actividade, em 04-08-2013, nas áreas de medicina no trabalho e higiene e segurança no trabalho.
Nessa declaração, a Requerente assinalou no quadro 11, relativo ao tipo de operações activas que realizava, os campos:
- campo 1 - operações sujeitas com direito à dedução; e
- campo 2 - operações Isentas sem direito à dedução.
Nessa declaração, a Requerente indicou que iria efectuar a dedução do imposto suportado nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, tendo estimado um pro-rata de 30%.
Em 01-03-2004, a Requerente apresentou, igualmente em suporte de
papel, uma declaração de alterações de actividade na qual declarou que efectuava
“transmissões de bens e ou prestações de serviços que conferem direito à dedução”, tendo assinalado apenas o campo 1 do quadro 11 da referida declaração.
Em face da desta declaração de alterações, a Requerente passou a ficar enquadrada no regime normal com dedução total.
Numa inspecção que realizou aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que este enquadramento estava incorrecto, porque, em suma:
«Pela entrega da declaração de alterações ao início de atividade, o sujeito passivo declarou indevidamente que efetuava apenas prestações de serviços que conferem o direito à dedução, dado que a atividade de medicina no trabalho é isenta nos termos do n.º 1 do artº 9.º do CIVA.
Decorre do exposto nos pontos 3.1.1. a 3.1.4. deste capítulo do relatório que a atividade da medicina no trabalho é considerada isenta de imposto por enquadramento no n.º 1 do artº 9.º do CIVA, e nunca por invocação do n.º 2 do mesmo articulado.
Assim, mesmo que se admitisse que o objetivo do sujeito passivo, com a entrega daquela declaração, fosse renunciar à isenção com referência à atividade de medicina no trabalho, não o poderia fazer, por inexistência de norma legal que o permitisse, porquanto a renúncia à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 12.º do CIVA só se aplica à isenção do n.º 2 o art.º 9.º do CIVA» (ponto 3.2.1. do Relatório da Inspecção Tributária).
Na sua Resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em primeira linha que:
– «aquando da apresentação da declaração de alterações a ora Requerente veio simplesmente declarar que passava a praticar operações sujeitas com direito à dedução integral do imposto»;
– «tendo em conta que parte das prestações de serviços por ela praticadas se encontravam isentas, isenção esta que lhe coarctava o direito à dedução, para que tal se não verificasse só através da opção expressa do direito de renúncia poderia, eventualmente, ficar abrangida pelo regime normal de tributação»;
– «Só que tal não se verificou. Em momento algum a ora Requerente renunciou à isenção por que está abrangida».
– «logo, ao não ter exercido o referido direito de opção a ora Requerente, nos períodos em questão, teria de comportar-se como sujeito passivo misto, como de resto se havia inscrito aquando da apresentação da declaração de início de actividade».
Constata-se, porém, que a Inspecção Tributária não faz qualquer referência à necessidade de «opção expressa» de renúncia à isenção, antes admite «que o objetivo do sujeito passivo, com a entrega daquela declaração, fosse renunciar à isenção com referência à atividade de medicina no trabalho».
Neste contexto, é de concluir que não foi por falta de «opção expressa» de renúncia que a Autoridade Tributária e Aduaneira decidiu emitir as liquidações impugnadas, mas sim «por inexistência de norma legal que o permitisse, porquanto a renúncia à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 12.º do CIVA só se aplica à isenção do n.º 2 do art.º 9.º do CIVA».
De resto, no circunstancialismo em que foi apresentada a declaração de alteração, sem concomitante indicação de alteração das actividades a que a Requerente se dedicava e incluindo-se entre estas actividades isentas, como sucede com a prestação de «serviços médicos e medicina do trabalho», indicação de que a Requerente passava a efectuar apenas «transmissões de bens e ou prestações de serviços que conferem direito à dedução» " tinha implícita uma opção por renúncia à isenção relativamente às actividades isentas a que continuava a dedicar-se.
Assim, na apreciação da legalidade das liquidações considerar-se-á que não é seu fundamento a falta de opção expressa pela renúncia à isenção, assentando elas apenas na inadmissibilidade legal da renúncia «porquanto a renúncia à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 12.º do CIVA só se aplica à isenção do n.º 2 do art.º 9.º do CIVA».
4.2.2. A invocação do em princípio da neutralidade como possível obstáculo à possibilidade de renúncia a isenção
A Autoridade Tributária e Aduaneira alude nos artigos 43.º a 47.º da sua Resposta a possível obstáculo à possibilidade de renúncia à isenção pela Requerente, derivado das «regras da neutralidade que presidem ao sistema comum do IVA, nomeadamente, entre serviços de saúde prestados por entidades públicas ou por entidades privadas que prestem serviços em “condições sociais análogas”, situação que não chegou a ser apreciada pela Requerida visto que ficou prejudicada face ao enquadramento da actividade da Requerente».
Como a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece expressamente, esta «situação não chegou a ser apreciada» no Relatório da Inspecção Tributária.
Assim, a consideração da hipotética relevância dessas regras como obstáculo à renúncia à isenção traduzir-se-ia em dar relevância a fundamentação a posteriori, pelo que, só relevando a fundamentação contemporânea do acto, não pode ser apreciado esse possível fundamento.
4.3. Apreciação da questão da possibilidade ou não de renúncia à isenção de IVA
Assim, a questão essencial a apreciar é a de saber se a Requerente, por não poder «proporcionar, quando necessário e a par dos serviços de assistência médica, a possibilidade de internamento, fica fora do âmbito de aplicação da isenção da alínea 2) do artigo 9.º do CIVA».
4.3.1. Regime legal aplicável
À data dos factos em análise (anos 2013 a 2015), os artigos 9.º e 12.º do CIVA estabeleciam o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 9.º
Isenções nas operações internas
Estão isentas do imposto:
1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;
2) As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares;
(...)
Artigo 12.º
Renúncia à isenção
1 - Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações:
(...)
b) Os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas;
(...)
2 - O direito de opção é exercido mediante a entrega, em qualquer serviço de finanças ou noutro local legalmente autorizado, da declaração de início ou de alterações, consoante os casos, produzindo efeitos a partir da data da sua apresentação.
3 - Tendo exercido o direito de opção nos termos dos números anteriores, o sujeito passivo é obrigado a permanecer no regime por que optou durante um período de, pelo menos, cinco anos, devendo, findo tal prazo, no caso de desejar voltar ao regime de isenção:
a) Apresentar, durante o mês de Janeiro de um dos anos seguintes àquele em que se tiver completado o prazo do regime de opção, a declaração a que se refere o artigo 32.º, a qual produz efeitos a partir de 1 de Janeiro do ano da sua apresentação;
b) Sujeitar a tributação as existências remanescentes e proceder, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º, à regularização da dedução quanto a bens do activo imobilizado.
Estas isenções estão conexionadas com o artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE, de 28-11-2006, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
1. Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:
(...)
b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa;
4.3.2. Possibilidade de renúncia à isenção
A referida alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA, permite a renúncia à isenção de IVA a «estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas».
O artigo 9.º, n.º 2) do CIVA prevê a isenção das «prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares», pelo que, em face da correspondência textual com a alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º, tem de se concluir que apenas estas entidades enquadráveis no n.º 2) do artigo 9.º podem renunciar à isenção e não também as que beneficiam da isenção ao abrigo do n.º 1) do mesmo artigo.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os campos de aplicação das alíneas b) e c) do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE correspondem aos campos de aplicação dos n.ºs 2) e 1), respectivamente, do artigo 9.º do CIVA.
Com esse pressuposto, na esteira de jurisprudência do TJUE sobre o campo de aplicação da norma das alíneas b) e c) do artigo 13.º- A, n.º 1, da Sexta Directiva [literalmente correspondentes às alíneas b) e c) do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE] (Ponto 36 do acórdão Kügler, de 10-09-2002, proferido no processo n.º C-141/00), a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «enquanto a alínea b) - que corresponde ao n.º 2 do art.º 9.º do CIVA - isenta as prestações de serviços de assistência efetuadas no meio hospitalar, incluindo operações estreitamente conexas, a alínea c) – que corresponde ao n.º 1 do art.º 9.º do CIVA – destina-se a isentar as prestações de serviços de carácter médico e paramédico fornecidas fora desses locais, seja no domicílio privado do prestador, seja no domicílio do paciente, seja em qualquer outro lugar».
No entanto, o TJUE, no acórdão L.u.P. ( [2] ), posterior ao acórdão Kügler, esclareceu o seguinte:
«O artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, (...) deve ser interpretado no sentido de que análises clínicas que tenham por objecto a observação e o exame dos pacientes a título preventivo, que sejam efectuadas, como as que estão em causa no processo principal, por um laboratório de direito privado externo a um estabelecimento de assistência médica sob prescrição de médicos generalistas, são susceptíveis de ser abrangidas pela isenção prevista por essa disposição enquanto cuidados médicos dispensados por outro».
Neste acórdão L.u.P., o TJUE entendeu que «uma vez que as análises clínicas são abrangidas, tendo em conta a sua finalidade terapêutica, pelo conceito de «assistência médica» previsto no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Directiva, um laboratório como o que está em causa no processo principal deve ser considerado um estabelecimento da «mesma natureza» que os «estabelecimentos hospitalares» e os «centros de assistência médica e de diagnóstico» na acepção dessa disposição» (ponto 35).
Em recente acórdão, o TJUE reafirmou «que um laboratório de direito privado que efetua análises clínicas deve ser considerado um estabelecimento «da mesma natureza» que os «estabelecimentos hospitalares» e os «centros de assistência médica e de diagnóstico» na aceção dessa disposição, uma vez que essas análises são abrangidas, tendo em conta a sua finalidade terapêutica, pelo conceito de «assistência médica» previsto na referida disposição (ponto 35 do acórdão De Fruytier, de 02-07-2015, proferido no processo n.º C-334/14, em que se citam os acórdãos L.u.P., C-106/05, pontos 18 e 35 e CopyGene, C-262/08, ponto 60).
Embora esta jurisprudência seja especificamente sobre laboratórios que efectuam análises clínicas, tem de se concluir dela que, na interpretação do TJUE, a isenção prevista na alínea b) do artigo 132.º abrange os serviços médicos prestados fora de meio hospitalar, interpretação que está em sintonia com o texto desta norma, ao fazer referência à isenção das operações estreitamente relacionadas com a hospitalização e a assistência médica asseguradas aos «centros de assistência médica e de diagnóstico».
No que concerne ao artigo 9.º do CIVA, o texto do seu n.º 2), não fornece também suporte explícito para a tese da defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que apenas a actividade exercida em meio hospitalar nele se enquadra e, designadamente, que está fora da sua previsão a prestação de serviços de análises clínicas e de diagnóstico conexos com actividades hospitalares.
Na verdade, neste n.º 2) do artigo 9.º faz-se referência, para além dos estabelecimentos hospitalares, também a «clínicas, dispensários e similares».
A referência a «dispensários» abrange inequivocamente prestação de serviços de saúde fora desse meio hospitalar, pois o significado de «dispensário» é o de «estabelecimento de beneficência, para tratamento de doentes com dificuldades económicas, dando-lhes acesso a consultas e medicamentos gratuitos» ( [3] ), ou «estabelecimento para dar, gratuitamente, cuidados e medicamentos aos doentes pobres que podem ser tratados no domicílio» ( [4] ).
Por outro lado, a referência a «similares», interpretada em consonância com a norma paralela da alínea c) do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE, que faz referência a «centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza», permite concluir que caberão também nesse conceito entidades do tipo da Requerente.
Assim, não tem suporte legal a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que a isenção não é aplicável à Requerente por não poder «proporcionar, quando necessário e a par dos serviços de assistência médica, a possibilidade de internamento».
Pelo exposto, é de concluir que as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Havendo jurisprudência do TJUE que esclarece o alcance da alínea c) do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE, não se justifica o reenvio prejudicial, que a Requerente pede a título subsidiário.
4.4. Juros compensatórios
As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as liquidações de IVA, em que se integram (artigo 35.º, n.º 8 da LGT), pelo que enfermam do mesmo vício, justificando-se também a sua anulação.
4.5. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de anular as liquidações de IVA e juros compensatórios pelo vício de vício de violação, à face da interpretação adequada do regime legal que resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º e do n.º 2) do artigo 9.º do CIVA, fica prejudicado o conhecimento da questão de saber se implicaria violação dos princípios da neutralidade e da proporcionalidade bem como enriquecimento sem causa do Estado a interpretação que fez a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Aliás, a Requerente formula os pedidos das alíneas b), c) e d) a título subsidiário, pelo que são apresentado ao tribunal para serem tomados em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior (artigo 554.º, n.º 1, do CPC).
Por isso, procedendo o pedido de anulação com base no primeiro vício invocado, não há que conhecer dos restantes pedidos de anulação.
5. Indemnização por garantia bancária
A Requerente pede «indemnização pela prestação indevida da garantia bancária, nos termos do n°s. 3 e 4 do artigo 53° da LGT e do artigo 171° do CPPT».
No entanto, não se provou que tivesse prestado garantia, pelo que improcede este pedido, sem prejuízo dos direitos que possam ser exercidos em execução do presente acórdão.
6. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral principal e anular as liquidações de IVA e juros compensatórios, referentes aos períodos de 2013, 2014 e 2015, bem como as demonstrações de acerto de contas, com os n.ºs 2017…, 2017…., 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017 …, 2017 … 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017… e 2017… .
-
Julgar improcedente o pedido de indemnização por garantia bancária, sem prejuízo dos direitos que possam ser exercidos em execução do presente acórdão.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 182.971,33.
8. Custas
A responsabilidade por custas cabe integralmente à Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Lisboa, 12-03-2018
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Rui Duarte Morais)
(Emanuel Augusto Vidal Lima)
[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:
– de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207;
– de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289;
– de 09/10/2002, processo n.º 600/02;
– de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.
Em sentido idêntico, podem ver-se:
– MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;
– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».
[2] De 08-06-2006, proferido no processo n.º C-106/05
[3] Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 5.ª edição, página 483, também disponível em http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/dispensários.