Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 293/2017-T
Data da decisão: 2018-02-28  IRS  
Valor do pedido: € 58.804,82
Tema: IRS - Retenções na fonte – Dissolução - liquidação e partilha de sociedade.
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DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

Em 25 de abril de 2017, A…, com o NIF … e domicílio na Rua …, …, …-… – …, (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto no 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IRS (Retenções na fonte) n.º 2016…, da quantia de € 49 716,86 e de juros compensatórios n.º 2016…, da quantia de € 9 087,96, no valor global de € 58 804,82, referentes ao exercício de 2012, emitidas em nome da sociedade cessada “B…, Ld.ª”, com o NIPC…, que lhe foram notificadas na qualidade de Representante da cessação.

 

Síntese da posição das Partes

  1. Da Requerente:

Como fundamentos do pedido de anulação dos atos de liquidação de IRS (Retenções na fonte) e juros compensatórios identificados no pedido de pronúncia arbitral, invoca a Requerente, em síntese, as seguintes razões de facto e de direito:

  1. A sociedade “B…, Ld.ª” foi alvo de uma ação de inspeção interna relativa ao ano de 2012, que teve por objeto o controlo das operações relacionadas com a sua dissolução e partilha;
  2. Em resultado da referida inspeção, foram emitidas as liquidações impugnadas de que a Requerente apenas teve conhecimento em 5/01/2017, através da comunicação que lhe foi enviada pela AT, nos termos do artigo 233.º, do Código do Processo Civil;
  3. A “B…, Ld.ª” foi uma sociedade familiar por quotas constituída pelo Pai da Requerente, C…, para exploração de um posto de abastecimento, que cessou a atividade em 2012 e cujas instalações se encontravam num terreno de sua propriedade;
  4. Embora a Requerente tivesse aceitado a gerência conjunta com seu Pai, a partir de 2010, na sequência do falecimento da sócia sua irmã, a gestão de facto da sociedade foi sempre exercida exclusivamente pelo Pai da Requerente;
  5. Em 28/12/2012, face às dificuldades financeiras, o Pai da Requerente decidiu proceder à dissolução, encerramento e liquidação imediata da sociedade, assumindo o encargo de praticar todos os atos necessários para o efeito;
  6. Tendo a Requerente ficado na convicção de que, pagas as dívidas sociais, não existiria ativo a partilhar pelos sócios;
  7. Nunca a Requerente foi nomeada liquidatária da sociedade nem praticou qualquer diligência relativa à liquidação da mesma, do que ficou encarregue seu Pai, nomeadamente da transferência para a sociedade do direito de propriedade sobre o terreno onde se situava o posto de abastecimento, para posterior venda e pagamento aos credores sociais;
  8. A Requerente nunca foi nomeada liquidatária ou representante da sociedade, não devendo ter sido notificada de qualquer relatório de inspeção ou liquidação de imposto, na qualidade de “Representante da Cessação”, cargo que nunca aceitou, tendo apenas acedido a ser depositária dos livros da empresa dissolvida;
  9. Apesar de caber a seu Pai, na qualidade de liquidatário, pagar todas as dívidas da sociedade, começando pelas dívidas fiscais, a Requerente procedeu ao pagamento das liquidações impugnadas, do seu próprio bolso;
  10. A dívida de IRS em questão resulta de um fenómeno de substituição tributária (artigos 81.º, do Código do IRC, 5.º, n.º 2, alínea i) e 71.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRS), em que o resultado da partilha era tributável na esfera individual dos sócios, por retenção na fonte definitiva e liberatória, que apenas poderia ter sido efetuada pelo Pai da Requerente, único representante da sociedade, ao qual deveria ter sido feita a notificação para pagamento da liquidação;
  11. Mas a sociedade dissolvida perdeu a personalidade tributária, tornando-se impossível a substituição tributária com retenção na fonte, a título definitivo, deslocando-se a esfera da relação jurídico-tributária, por um lado, para os sócios beneficiários, verdadeiros titulares da capacidade contributiva e, por outro, para a AT como sujeito ativo;
  12. A AT demandou uma sociedade extinta para pagamento da dívida de IRS dos sócios, que poderiam ter sido individualmente demandados, na qualidade de devedores originários e responsáveis subsidiários pelo pagamento do imposto;
  13. A notificação individualizada aos sócios das respetivas liquidações seria a atuação mais consentânea com o disposto no artigo 28.º, da LGT, que autonomiza as duas situações de substituição tributária, de pagamento por conta do imposto devido a final e de retenção a título definitivo, sendo, nesta última situação e na ausência de retenção pelo substituto, o imposto devido pelos substituídos, ou seja, por cada um dos sócios;
  14. A liquidação de IRS impugnada é ilegal, por ter sido notificada da pessoa da Requerente, no âmbito de uma representação da sociedade, que nunca aceitou nem assumiu, já após o decurso do prazo de caducidade;
  15. Assim, até hoje, nem os sócios devedores originários, nem a sociedade “B…, Ld.ª” foram validamente notificados das liquidações cuja legalidade se sindica nos autos;
  16. Sustenta a AT ter realizado uma notificação pessoal com hora certa em 29/12/2016, no domicílio da Requerente, mas que esta desconhecia;
  17. Tanto a Requerente como a sua família passam habitualmente o Natal e o Ano Novo numa propriedade que têm no Algarve, para onde se deslocaram e permaneceram entre 23//122016 e 1/01/2017, não tendo encontrado, no regresso, qualquer notificação afixada na porta de sua casa;
  18. A Requerente apenas tomou conhecimento da demonstração da liquidação e da nota de cobrança através da comunicação da AT, recebida em 5/01/2017, por motivo que não lhe é imputável;
  19. Por outro lado, a liquidação de IRS em causa funda-se numa errónea quantificação da matéria tributável, pois o balanço e demonstração de resultados da dissolução da sociedade “B…, Ld.ª” não refletiam uma dívida social de € 83 111,64, nem a transferência para a sociedade da propriedade do terreno, com o produto de cuja venda se pagou aquela dívida;
  20. O que configura, nos termos do SNC, um erro material de período anterior, a excluir dos resultados do período em que é detetado, diretamente em capitais próprios, implicando uma redução de € 20 777,91 no montante do imposto apurado (rendimentos de capitais) e dos juros compensatórios para € 5 289,87;
  21. Assim, do adequado apuramento do rendimento coletável na esfera da sociedade resultaria a retenção na fonte pelo valor total de € 34 228,71;
  22. Contudo, afastada que está a possibilidade de substituição tributária e a responsabilidade do substituído pelo pagamento do imposto retido, apenas caberia à Requerente pagar, sendo caso disso, a quantia de € 1 446,90.

 

  1. Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e juntou o processo administrativo, defendendo a legalidade e a manutenção dos atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os fundamentos que, resumidamente, se reproduzem:

  1. As liquidações em apreço foram efetuadas na sequência de um procedimento inspetivo interno, de âmbito parcial, respeitante ao IRC de 2012, ao sujeito passivo B…, Ld.ª, visando o controlo da retenção na fonte de IRS decorrente da liquidação e partilha da sociedade;
  2. Face aos elementos recolhidos, verificou-se que na data da dissolução e partilha, a sociedade atribuiu a cada um dos sócios, em resultado da mesma, um valor superior ao de aquisição das correspondentes partes sociais, tendo o valor partilhado pelos sócios, em resultado da liquidação, sido de € 198 867,43;
  3. Não obstante aquele valor estar sujeito a tributação na esfera individual de cada um dos sócios (alínea a), do n.º 2 do artigo 81.º, do CIRC, conjugado com a alínea i) do n.º 2 do artigo 5.º, do CIRS, mediante retenção na fonte, à taxa liberatória de 25%, conforme a alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º, do CIRS), na data em que foi colocado à disposição (n.º 2 da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º, conjugado com os artigos 98.º e 101.º, todos do CIRS), o sujeito passivo não entregou as guias relativamente à partilha dos ativos da sociedade;
  4. As liquidações de IRS e juros compensatórios impugnadas foram notificadas à Requerente, por notificação com hora certa, em 29/12/2016, pelas 10h 00, na qualidade de sócio e representante da cessação, conforme certidão validada por duas testemunhas, nos termos do artigo 232.º, nº 1 do Código de Processo Civil;
  5. Estatui o artigo 19.º, n.º 6, da LGT, que as pessoas coletivas que cessem a atividade (em IVA e/ou IRC) devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional, cujos atos em matéria tributária, praticados em nome do representado, produzem efeitos na esfera jurídica deste, nos limites dos poderes de representação que lhe forem conferidos por lei ou por mandato (artigo 16.º, n.º 1, da LGT);
  6. Também o artigo 23.º-A do Código do Registo Comercial obriga a que, no momento do registo do encerramento da liquidação ou da cessação de atividade, seja indicado o representante para efeitos tributários, para comunicação obrigatória, e por via eletrónica, aos serviços da administração tributária;
  7. Em cumprimento daquelas disposições legais, a “B…, Ld.ª” nomeou a Requerente como representante perante a AT, durante e depois da cessação da atividade da sociedade, como consta do cadastro tributário daquela sociedade, cujos elementos foram comunicados à AT e têm a força provatória constante dos artigos 54.º, n.º 4 e 76.º da LGT;
  8. Ainda que assim não fosse, tendo sido sócia-gerente da sociedade, sempre representaria a mesma, pelo que a notificação das liquidações de IRS e juros compensatórios foi válida e eficazmente efetuada na sua pessoa;
  9. Nem a Requerente prova o registo e publicação comercial obrigatórios das atas (deliberações) de nomeação e cessação daquele que afirma ter sido o liquidatário, formalidade exigida pelos artigos 151.º, n.º 7, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e 3.º, n.º 1, alíneas s) e t) e n.º 2, alínea h), 14.º, 69.º, nº 1, alínea l) e 70.º, n.º 1, alínea a), do Código de Registo Comercial (CRC), sob pena de não serem oponíveis a terceiros (como é o caso do Estado);
  10. A nomeação do Senhor C… como liquidatário não resulta clara do teor da Ata n.º 29, devendo entender-se que são liquidatários da sociedade todos os seus administradores, segundo a regra geral, prevista no artigo 151.º, n.º 1, do CSC;
  11. Quanto ao alegado erro na quantificação do imposto, a contabilidade foi aprovada, registada e publicada no registo comercial, tendo produzido todos os efeitos em relação a terceiros (onde se inclui a AT) nessa mesma data, como resulta dos normativos legais acima referidos do CSC e do CRC;
  12. Como resulta do Relatório Final de Inspeção, a Requerente foi notificada para, querendo, exercer o direito de audição no prazo de 15 dias sobre o projeto de correções;
  13. A notificação foi recebida em 25/11/2016, sem que a Requerente tivesse posto em causa as correções que agora questiona, ou juntado qualquer documentação, pelo que o projeto de relatório se transformou em relatório final;
  14. A Requerente não pode dizer que a notificação foi uma surpresa para si, pois se achava que não deveria ser feita na sua pessoa e que as correções estavam erradas por incidirem numa contabilidade que a própria aprovou, também ela errada, teve oportunidade de o dizer e nada disse em sede de direito de audição;
  15. Porém, caso o Tribunal entenda que as correções foram efetuadas em montante superior ao devido (em € 24 576,11), pelo facto da dívida à D… não ter sido reconhecida, então as custas processuais, devem ser totalmente pagas pela Requerente, que deu causa ao processo;
  16. Se a Requerente tivesse exercido o seu direito de audiência prévia, pronunciando-se sobre os factos em apreço e juntando a documentação que agora juntou, quiçá, a presente ação não existiria, pelo menos naquela parte;
  17. Quanto aos argumentos aduzidos pela Requerente sustentando que a AT deveria ter notificado o sócio C… ou todos os sócios da sociedade, bem sabe que tal não poderia ser feito nesses termos e que tais notificações seriam inválidas, por ter sido a Requerente indicada pela sociedade como sua representante perante a AT.

*

            No dia 23/11/2017, pelas 11 horas, teve lugar nas instalações do CAAD, a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, na qual foram inquiridas duas das testemunhas arroladas pela Requerente, que prescindiu da audição da terceira testemunha indicada.

            A testemunha, Senhor E…, que se identificou como marido da Requerente, residente na mesma morada desta, prestou o seguinte depoimento:

            - É casado com a Requerente há cerca de 30 anos e a sociedade “B…, Ld.ª” existiu durante vinte e tal anos, gerida pelo sogro (Senhor C…), que era quem “punha e dispunha” (2.40) e que a Requerente era só “filha do dono da sociedade”;

            - A Requerente foi nomeada gerente após o falecimento da sua irmã (3.45), porque poderia ser necessária a prática de algum ato urgente, o que aconteceu muito poucas vezes, porque era o sogro quem “tomava conta da atividade”;

            - Não tinham qualquer conhecimento dessa nomeação [da Requerente como representante da sociedade], por isso foi com surpresa que viram aparecer na sua morada pessoal uma notificação de uma empresa que é do sogro e com a qual nada tinham a ver (6.34);

- Não teve conhecimento de que a Requerente tivesse aceitado a representação da sociedade, em 28/03/2012, como consta do cadastro da AT (9.47);

- Desde que a sogra faleceu, há cerca de três ou quatro anos, toda a família passa o Natal e o Ano Novo no Algarve, numa propriedade que ali têm (a família é reduzida, pois nem a Requerente nem o marido têm irmãos e os pais da testemunha também já faleceram): o sogro e os filhos também vão; saem antes do Natal e só regressam depois do Ano Novo, como aconteceu em 2016; costumam convidar amigos, como também aconteceu na passagem de ano de 2016 para 2017; os amigos regressaram no dia 1 e a família da Requerente apenas no dia 2/01/2017 (11.20);

- Na época natalícia de 2016, deslocaram-se para o Algarve de carro conduzido pela testemunha, por autoestrada (16.37);

- Não tiraram fotografias (17.20);

- No regresso, não encontraram nenhuma notificação afixada na porta de sua casa; a porta de entrada fica junta à via pública (18.14).

 

A testemunha, Senhor F…, afirmou ser há muitos anos amigo da Requerente e do marido, na companhia de quem esteve na passagem do ano de 2016 para 2017, na casa que estes possuem no Algarve, na zona dos Salgados (24.38), para onde se deslocou de automóvel, por autoestrada, acompanhado pela mulher e filhos, no dia 26/12/2016 (26.44); que a Requerente, o marido, os filhos do casal e o Senhor C… (Pai da Requerente) passaram lá o Natal, donde apenas regressaram no dia 2/01/2017 (27.09).

A testemunha disse ter regressado a casa no dia 1/01/2017. Disse não terem tirado fotografias, mas que provavelmente os filhos o terão feito (27.35).

 

Na sequência da inquirição da primeira testemunha, foram ditados para a AT dois requerimentos, ao abrigo dos princípios da verdade material e da colaboração entre as Partes:

- A AT requereu que fosse junta aos autos prova documental da ida e regresso da Requerente e família para e do Algarve nas datas indicadas no ponto 97, da P. I., ou seja, da ida no dia 23/12/2016 e do regresso no dia 02/01/2017, bem como de outras provas documentais, nomeadamente fotográficas, da permanência do Algarve;

- A Requerente pediu que a AT juntasse aos autos documento comprovativo da sua aceitação expressa da qualidade de representante da cessação da sociedade “B…, Ld.ª”.

Por acordo entre as Partes, foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas, pelo prazo de trinta dias, com início na Requerente, o que motivou a prorrogação do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 21.º, do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, tendo-se fixado o dia 2/03/2018 para prolação da decisão arbitral e advertido a Requerente de que, até àquela data, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral remanescente.

A Requerente apresentou as suas Alegações escritas no dia 5/01/2018, nas quais reiterou os argumentos aduzidos no pedido de pronúncia arbitral, sem produzir a prova documental adicional solicitada pela Requerida.

A AT não contra-alegou.

 

II. SANEAMENTO

  1. O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 4/07/2017, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
  4. Não foram invocadas exceções que o tribunal deva apreciar e decidir.

 

III.      FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 607.º, n.º 3 do Código do Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Assim, a matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta à P. I., dos factos alegados e não contestados, da prova testemunhal produzida e do processo administrativo (P. A.) junto aos autos, fixa-se como segue:

A – Factos provados

  1. A sociedade “B…, Ld.ª” foi uma sociedade por quotas constituída em 22/09/1992, com sede na Rua…, n.º…, …-…, …, cuja dissolução e encerramento da liquidação foi registada na Conservatória do Registo Comercial de … pela Inscrição …, AP 6/…, com cancelamento da respetiva matrícula pela Inscrição ..:, OF. … da AP. 6/…– cfr. certidão permanente e publicação no site do Portal da Justiça, com cópias juntas ao PA;
  2. Da Inscrição referente à dissolução e encerramento da liquidação não consta a identificação de qualquer liquidatário, figurando a Requerente, sócia-gerente designada em 4/08/2010 (cfr. ata 25, da mesma data – Doc. 5 junto à P. I., com registo pela Inscrição n.º…, AP… /…), como depositária das contas aprovadas em 28/03/2012 – cfr. os Docs. indicados no ponto precedente;
  3. A dissolução, encerramento e liquidação da sociedade com efeitos imediatos foi deliberada pela respetiva Assembleia Geral (cfr. a Ata 29, de 28/03/2012, junta à P. I. – Doc. 6), com fundamento em dívidas a fornecedores, nomeadamente à D… . No sentido de amortizar a referida dívida, foi deliberado que o sócio C…, mandatado para junto das entidades competentes proceder em conformidade com o decidido, transferisse para a sociedade o direito de propriedade sobre o terreno onde estava situada a sede operacional da empresa;
  4. Do cadastro da sociedade no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT, à data de 17/03/2012, consta a cessação da atividade para efeitos de IVA, em 29/02/2012 e, como representante da cessação, C…, com o NIF…; à data de 28/03/2012, a partir da mesma data, foi registada a cessação para efeitos de IR, motivada pelo encerramento da liquidação, figurando a Requerente como representante da mesma cessação – Doc. 6, junto à P. I.;
  5. Em 6/09/2012, por escritura pública de compra e venda celebrada no cartório a cargo da Notária G…, ali registada a fls.  … a …  v.º, do Livro …-J, C… e mulher, H…, venderam à sociedade “D…, SA”, pelo preço de € 83 111,64, o seu direito de propriedade sobre o solo do prédio urbano composto por um posto de abastecimento de combustíveis líquidos para veículos automóveis, inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de Palmela, sob o artigo …– Doc. 7, junto à P. I.;
  6. O pagamento do preço foi efetuado na mesma data anterior, através do cheque n.º…, do Banco I…, sobre a conta da D…, SA e foi endossado em branco pelos vendedores – Doc. 7, junto à P. I.;
  7.  Na mesma data da venda, os vendedores emitiram uma declaração, cujas assinaturas foram notarialmente reconhecidas, na qual declaram ter vendido à D…, SA o prédio urbano identificado em 5, ter recebido a quantia de € 83 111,64, titulada pelo cheque n.º…, do Banco I…, o qual, ato simultâneo, endossaram à D… para pagamento da dívida da firma “B…, Ld.ª”, “resultante de fornecimento de combustíveis e outros produtos entregues pela D… ao estabelecimento comercial (posto de abastecimento) explorado por aquela B…, Ld.ª”. Os representantes da D… declararam ter recebido e concordado com o texto da declaração. – Doc. 8, junto à P. I.;
  8. A “Prestação de Contas Individual” da sociedade, apresentada em 17/09/2012, reportada à data da dissolução, não reflete qualquer passivo – Doc. 9, junto à P. I.;
  9. A sociedade B…, Ld.ª foi objeto de um procedimento de inspeção tributária promovido pela Direção de Finanças de …, de cujo Relatório de Inspeção Tributária, adiante, RIT, junto como Doc. 1 à P. I. e ao P. A., consta o seguinte:
    1. Trata-se de um procedimento interno determinado pela ordem de serviço n.º OI2016…, de 01/02/2016, de âmbito parcial, relativo ao ano de 2012, que teve por objeto “o controlo das operações relacionadas com a liquidação e partilha da sociedade (…), assim como, se foi efetuada a respetiva retenção na fonte em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), nos termos do disposto na alínea i) do n.º 2 do artigo 5.º, na sequência do previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º, conjugado com o artigo 101.º, todos do CIRS” – pág. 5 do RIT;
    2. De acordo com a declaração de início de atividade (…), bem como da certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial (Anexo 1) (…) era uma sociedade por quotas, com o capital de € 24 939,90, integralmente realizado (…)” – pág. 5 do RIT e Anexo 1;
    3. À data da dissolução e encerramento da liquidação, o capital social encontrava-se distribuído por quatro quotas: de € 11 222,95, € 11 222,95, € 1 247,00 e € 1 247,00, esta última pertencente à Requerente – pág. 5 do RIT e Anexo 1;
    4. Relativamente ao período em análise, o sujeito passivo apresentou a declaração de rendimentos Modelo 22, no prazo estipulado na lei”; (…) “apresentou a declaração anual de informação contabilística e fiscal – IES (…)”; (…) “não entregou as guias de retenção na fonte, relativamente à partilha dos ativos da sociedade, conforme o previsto no artigo 71.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS)” – pág. 7 do RIT;
    5. No início da ação de inspeção, foi efetuado contacto telefónico com a Requerente, a fim de localizar a contabilidade da sociedade, tendo esta informado que estava na posse da Contabilista – pág. 7 do RIT;
    6. (…) “foram solicitados (…) diversos elementos à Contabilista Certificada, nomeadamente o balancete analítico anterior e posterior ao apuramento de resultados à data de 2012-03-28, o Diário de movimentos relativos às operações de dissolução e liquidação da sociedade (Anexo 2) e as atas relativas ao encerramento” – pág. 7 do RIT;
    7. (…) “a sociedade na data da dissolução e encerramento da liquidação atribuiu a cada um dos sócios, um valor superior ao de aquisição das correspondentes partes sociais” – pág. 8 do RIT;
    8.  (…) “Esse valor está sujeito a tributação na esfera individual de cada um dos sócios, conforme disposto no n.º 1 e 2 do artigo 81.º do CIRC, na redação de 2012 (…) ficam sujeitos a tributação no momento em que são colocados à disposição dos sócios (…) esse momento ocorreu em 2012-03-28, sendo o valor da retenção apurado, de acordo com o balancete e a IES do ano de 2012 (Anexo 3), o que consta do quadro seguinte (págs. 8/9 do RIT):

” ;

  1. O sujeito passivo foi notificado em 25/11/2016 para, querendo, exercer o direito de audição sobre o projeto do RIT, direito que não exerceu, tendo sido elaborado RIT final, nos termos do artigo 62.º, do RCPITA;
  2. A versão final do RIT foi notificada à Requerente, na qualidade de Representante da Cessação da sociedade “B…, Ld.ª”, através do ofício n.º … da Direção de Finanças de …, de 15/12/2016, remetido para a sua morada a coberto de carta registada com aviso de receção (registo dos CTT n.º RF…PT), onde foi recebido em 27/12/2016;
  3. Da referida notificação consta a seguinte informação: “(…) A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar. Da presente notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação.”;
  4. Na sequência do procedimento de inspeção, a AT emitiu as liquidações de “IRS – Capitais – Outros rendimentos”, n.º 2016… e de juros compensatórios n.º 2016…, referentes ao ano de 2012, pelas quantias de € 49 716,86 e de € € 9 087,96, respetivamente, a que corresponde a nota de cobrança n.º 2016…, no valor global de € 58 804,82, com data limite de pagamento em 25/01/2017 – Doc. junto ao PA e Docs. 2 e 3 juntos à P. I.;
  5. Em 27/12/2016, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de … emitiram mandado para notificação pessoal da nota de cobrança relativa às liquidações de IRS e juros compensatórios do ano de 2012, na pessoa da Requerente, na qualidade de sócia e representante da cessação da sociedade “B…, Ld.ª” – Doc. junto ao PA;
  6. Em 28/12/2016, deslocaram-se dois funcionários da Direção de Finanças de … a casa da Requerente, servindo um deles de testemunha, a fim de proceder à sua notificação pessoal das liquidações mencionadas e, não a tendo encontrado, deixaram indicação de hora certa, nos termos do n.º 1 do artigo 232.º, do CPC, para 29/12/2016, pelas 10 h – Doc. 4, junto à P. I. e PA;
  7. Em 29/12/2016, pelas 10 h, não se encontrando a Requerente nem qualquer outra pessoa em sua casa, os funcionários que ali se deslocaram, efetivaram, na presença de duas testemunhas, a notificação das liquidações de IRS (retenções na fonte) e juros compensatórios de 2012, por afixação de nota de notificação pessoal – Doc. 4, junto à P. I. e PA;
  8. Através do ofício n.º … da Direção de Finanças de …, de 30/12/2016, remetido a coberto do registo dos CTT n.º RF … PT, foram expedidos à Requerente os elementos da notificação – Doc. 4, junto à P. I. e PA;
  9. A Requerente procedeu ao pagamento da nota de cobrança das liquidações de IRS e juros compensatórios do ano de 2012 (facto não contestado).

B – Factos não provados

Não se provou que a Requerente tivesse deixado de receber a notificação pessoal das liquidações de IRS e juros compensatórios de 2012, por facto que lhe não foi imputável.

C) Fundamentação da fixação da matéria de facto

A fixação da matéria de facto fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, da prova testemunhal e dos factos alegados e não contestados pelas Partes.

 

III.2 DO DIREITO

  1. As questões decidendas

As questões a decidir nos presentes autos, colocadas pela Requerente, são as de saber (i) se houve irregularidade na notificação das liquidações de IRS e juros compensatórios do ano de 2012 na sua pessoa, por não ser a representante da cessação da sociedade “B…, Ld.ª”; (ii) se, encontrando-se a sociedade extinta à data da emissão das liquidações, deveriam os sócios ter sido notificados individualmente da parte do imposto e juros correspondentes aos rendimentos que lhes foram atribuídos em resultado da partilha, por impossibilidade da substituição tributária; (iii) se, sendo a sociedade extinta a responsável pela retenção na fonte e entrega do imposto devido, a notificação das liquidações de IRS e juros compensatórios emitidas pela AT lhe foram validamente notificadas dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação; (iv) se, a existência à data do encerramento da liquidação, de uma dívida social não refletida na contabilidade da empresa, é suscetível de influenciar o resultado da liquidação e partilha do respetivo saldo e, consequentemente a determinação da matéria tributável e o quantitativo da prestação tributária a liquidar e, finalmente, (v) a questão colocada pela Requerida, relativa à repartição das custas processuais, em caso de anulação parcial das liquidações impugnadas.

  1. Ordem de apreciação dos vícios

De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, não sendo imputados às liquidações impugnadas vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada entre eles uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que segundo o prudente critério do julgador, assegure mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

No caso em apreço, crê-se que a apreciação das questões colocadas pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral deva seguir a ordem acima indicada.

(i) Da irregularidade da notificação das liquidações de IRS (retenções na fonte) e juros compensatórios do ano de 2012 impugnadas nos autos:

Alega a Requerente que nunca foi nomeada liquidatária ou representante da sociedade, não podendo ser considerada “Representante da Cessação”, cargo que nunca aceitou, tendo apenas acedido a ser depositária dos livros da empresa dissolvida.

Ora, de acordo com a Certidão Permanente da sociedade no Registo Comercial, a dissolução e encerramento da liquidação foram simultâneas, com imediata partilha do saldo disponível, conforme as contas aprovadas à data de 28/03/2012, o que corresponde à previsão do artigo 147.º, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e que só é possível se não houver dívidas sociais.

Nesta situação, tratando-se de uma forma simplificada de liquidação, parte da doutrina considera que parece estar pressuposta a ausência de liquidatários (embora as operações de partilha possam exigir as funções de um liquidatário)[1], não obstando à partilha a existência de dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução (como seria o caso das retenções na fonte de IRS, exigíveis a partir do dia 20 do mês seguinte àquele em que deveriam ter sido efetuadas – cfr. o artigo 98.º, n.º 3, do CIRS), pelas quais ficam “ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios” (n.º 2 do artigo 147.º, do CSC).

Ainda que assim se não entendesse, o certo é que não tendo havido designação expressa de liquidatário, de inscrição obrigatória no registo comercial, nem tido sido registada deliberação em contrário, opera a regra geral contida no n.º 1 do artigo 151.º, do CSC, de acordo com a qual “os membros da administração da sociedade passam a ser liquidatários desta a partir do momento em que se considere dissolvida”.

E, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º, da LGT, os liquidatários ficam pessoal e solidariamente responsáveis pelas dívidas fiscais da sociedade liquidada.

Defende a Requerente que, não tendo havido aceitação expressa nem da qualidade de liquidatário nem da de representante da cessação, não poderia ter sido notificada das liquidações de IRS (retenções na fonte) e juros compensatórios do ano de 2012 emitidas em nome da sociedade.

No entanto, como refere Carolina Cunha[2], caso não tenha sido afastada a regra geral do n.º 1 do artigo 151.º (como parece ser o caso presente), um dos problemas que se coloca é o de saber se é necessária a aceitação expressa dos sujeitos indicados ou nomeados, parecendo “curial o entendimento de que ninguém pode ser forçado, contra sua vontade, a exercer a função de liquidatário. Por isso, além da possibilidade de renúncia (que supõe já ter ocorrido investidura de funções) é de admitir a hipótese de os sujeitos em causa simplesmente não aceitarem a nomeação ou designação (…) a manifestação de não-aceitação deverá ter lugar tempestivamente (i. e. até ao momento da dissolução), sob pena de entrarem em funções (a que poderão, naturalmente, renunciar).

Carece, pois, de razão a Reclamante ao fundar a irregularidade da notificação das liquidações impugnadas na não-aceitação expressa do cargo de liquidatário da sociedade extinta, admitindo que, mesmo com partilha imediata, subsiste a dita função.

O mesmo se diga, mutatis mutandis, no que respeita à representação da sociedade, para efeitos fiscais: é que, nos termos do artigo 23.º - A, do Código do Registo Comercial (CRC), deve ser obrigatoriamente indicado o representante para efeitos tributários, nos termos do n.º 4 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (LGT) para comunicação obrigatória aos serviços da administração tributária.

Muito embora o Senhor C… surja, em 17/03/2012, no cadastro da sociedade junto da AT, como representante da cessação para efeitos de IVA, a Requerente não nega, antes afirma, ter aceitado ser depositária dos livros de contabilidade da empresa, como, aliás, consta da Certidão Permanente do Registo Comercial, situação refletida no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes a partir de 28/03/2012.

As sociedades comerciais que exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direção efetiva em território português, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada, devendo os livros, registos contabilísticos e respetivos documentos de suporte devem ser conservados em boa ordem durante o prazo de 10 anos (cfr. o n.º 4 do artigo 123.º, do Código do IRC, na redação em vigor em 2012), a fim de permitir a fiscalização, por parte da AT, do cumprimento das suas obrigações tributárias.

Sendo a responsabilidade dos administradores solidária (e dos sócios, na situação prevista no artigo 147.º, do CSC), poderá a AT exigir o cumprimento da obrigação tributária a qualquer um deles; no entanto, o sócio-gerente da sociedade extinta que, para além do mais, seja depositário dos respetivos elementos contabilísticos, não pode deixar de ser havido como um interlocutor privilegiado junto da AT, no que às relações jurídico-tributárias da sociedade extinta respeita.

Pelos motivos expostos, deverá concluir-se pela regularidade da notificação da sociedade B…, Ld.ª” na pessoa da Requerente, na qualidade de sócia-gerente e representante da respetiva cessação.

(ii) Da alegada impossibilidade da substituição tributária pela sociedade extinta; a responsabilidade individual dos sócios pelo pagamento do imposto não retido:

            A substituição tributária opera, em regra, por retenção na fonte (artigo 20.º, n.º 2, da LGT), havendo a distinguir as situações de substituição tributária em sentido próprio ou a título definitivo, daquelas em sentido impróprio ou por conta.

            Em qualquer das suas modalidades, ocorre substituição tributária com retenção na fonte sempre que, por imposição legal, a prestação tributária é exigida a pessoa diversa do contribuinte, relativamente ao qual ocorre o facto tributário. O substituto fica, assim, adstrito a dois deveres: o dever de retenção e o dever de entrega ao Estado do imposto retido e, a infração de qualquer um destes deveres, dá origem à responsabilidade do substituto, cujo alcance difere consoante se trate de retenção por conta ou de retenção a título definitivo, nos termos do artigo 28.º, da LGT (redação em vigor em 2012):

Artigo 28.º - Responsabilidade em caso de substituição tributária

1 - Em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2 - Quando a retenção for efetuada meramente a título de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior.

3 - Nos restantes casos, o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efetivamente o foram.

            A situação dos autos, em que não houve nem retenção nem entrega do imposto devido pela partilha do saldo da liquidação da sociedade (cfr. os artigos 81.º, do CIRC, 5.º, n.º 2, alínea i), 71.º, n.º 1, alínea c) e 101.º, n.º 2, alínea a), do CIRS, todos na redação em vigor à data dos factos), enquadra-se na previsão do n.º 3 do artigo 28.º, da LGT, conforme esclarecem Diogo Leite de Campos e Outros: “O número 3 contém uma norma de recolha em que o substituído também é só subsidiariamente responsável, nos termos dos artigos 22.º e 23.º”.[3]

            O que se justifica, segundo Ana Paula Dourado, que, “No caso de retenção com carácter definitivo, se o tributo não tiver sido retido, (…) cabe ao substituto a responsabilidade solidária pelo pagamento do tributo não retido e respetivos juros compensatórios.

            A responsabilidade é solidária, porque no caso de retenção definitiva, é mais difícil a autoridade tributária recuperar o montante devido junto do substituído (…).

            Se o substituído for residente, ele não tem que englobar os rendimentos retidos a título definitivo, não tem que incluí-los na declaração anual de imposto, o que significa que pode ser difícil ao fisco obter a receita devida executando o património do substituído. Por outras palavras, existe um risco de dissipação do património por parte do substituído, no caso da (falta de) retenção definitiva. Daí se justificar a responsabilidade solidária, cabendo ao fisco escolher entre a execução do património do substituído ou do substituto, ponderando quais as melhores probabilidades de recuperação da dívida devida.”[4].

            Poderá então questionar-se se, no caso concreto, em que o substituto é uma sociedade extinta, cujo património foi partilhado, a opção da AT em notificar a Requerente das liquidações de IRS (retenções na fonte) e juros compensatórios de 2012 por aquela devidas terá sido a solução mais consentânea com a satisfação do crédito tributário.

Naturalmente que a AT poderia notificar individualmente cada sócio da liquidação do imposto incidente sobre a parte que lhe coube na partilha do património social. Mas nada lhe impunha fazê-lo, dada a responsabilidade solidária entre substituído e substituto, por um lado, e a responsabilidade solidária dos sócios da sociedade dissolvida, liquidada e cujo património foi partilhado pelas dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução, para cujo pagamento os sócios poderiam ter reservado, por qualquer forma, as importâncias necessárias para o efeito (cfr. o segmento final do n.º 2 do artigo 147.º, do CSC).

Conclui-se, pois, nada haver a censurar à AT na notificação das liquidações impugnadas, na pessoa da Requerente.

(iii) Da caducidade do direito à liquidação:

A caducidade do direito à liquidação é uma das causas de extinção de extinção da relação jurídico-tributária e configura-se como uma garantia dos contribuintes[5], cuja justificação “decorre dos princípios gerais do Direito, destinados a assegurar que as situações de incumprimento de obrigações não fiquem eternamente pendentes. A segurança e a paz jurídicas recomendam harmonização de prazos de caducidade e que estes não sejam demasiado longos.[6].

No nosso ordenamento tributário, o direito de liquidar tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo regra de quatro anos, quando a lei não fixar outro, constituindo a caducidade do direito a liquidar ilegalidade enquadrável no artigo 99.º, do CPPT, como fundamento da impugnação judicial e do pedido de constituição do tribunal arbitral (artigo 10.º, n.º 2, alínea c), do RJAT).

Tratando os autos de uma situação de retenção na fonte a título definitivo, a contagem do prazo de caducidade iniciou-se em 1/01/2013 e teve o seu termo final em 31/12/2016 (cfr. o n.º 4 do artigo 45.º, da LGT), data até à qual o sujeito passivo deveria ter sido notificado das liquidações objeto do pedido de pronúncia arbitral.

Porém, alega a Requerente que tal notificação não ocorreu dentro do prazo legal por, tendo sido feita por notificação com hora certa, nos termos dos artigos 232.º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), não se encontrar na sua residência, da qual esteve ausente entre 23/12/2016 e 1/01/2017, apenas tendo conhecimento da liquidação em 05/01/2017, através da comunicação que lhe foi expedida pela AT nos termos do artigo 233.º, do CPC, após o decurso do prazo de caducidade.

 

O n.º 3 do artigo 268.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP) garante o direito dos contribuintes à notificação dos atos tributários, “na forma prevista na lei”. Assim, os atos em matéria tributária que afetem os seus direitos e interesses legítimos só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (artigo 36.º, n.º 1, do CPPT).

As notificações dos atos tributários são postais (artigo 38.º, n.ºs 1 a 4, do CPPT) ou pessoais, quando a lei assim o determine ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário (artigo 38.º, n.º 5, do CPPT), seguindo, neste caso, as regras sobre a citação pessoal (n.º 38.º, n.º 6, do CPPT) 

Por seu turno, dispõe o n.º 6 do artigo 190.º, do CPPT, que “ocorre falta de citação quando o respetivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do ato por motivo que lhe não foi imputável”, cabendo ao notificado a prova da falta de notificação, por facto que lhe não foi imputável.

A ausência da Requerente da sua morada habitual entre os dias 23/12/2016 e 1/01/2017 foi dada como facto não provado: não porque a Requerente não tivesse produzido a prova documental adicional daquela ausência, tal como requerido pela AT na reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT; mas porque a invocada ausência colide com um outro facto afirmado pela própria Requerente e documentalmente provado nos autos – o de que foi notificada do relatório da inspeção, remetido para a sua morada por carta regista com aviso de receção (ofício n.º … da Direção de Finanças de …, de 15/12/2016, a coberto registo dos CTT n.º RF … PT) e ali rececionado em 27/12/2016 – cfr. supra, os pontos 10 e 11 do probatório.

 

            Ora, se a Requerente afirma ter recebido na sua residência habitual a notificação do RIT, no dia 27/12/2016 e dela se encontrava ausente no dia 28/12/2016, quando ali se deslocaram os funcionários da AT, para proceder à sua notificação pessoal e, não a tendo encontrado, lhe deixaram nota de notificação com hora certa para 29/12/2016, pelas 10 h e, em 29/12/2016, à hora indicada, se certificou na presença de duas testemunhas que, como nem o notificando nem qualquer outra pessoa se encontrava presente, foi afixada à sua porta a nota de notificação pessoal a que se refere o n.º 4 do artigo 232.º, do CPC, posteriormente complementada com o envio dos elementos da notificação pelo ofício n.º … da Direção de Finanças de …, de 30/12/2016, notificação com hora certa cuja regularidade a Requerente não contesta, não pode invocar não ter tido conhecimento da notificação das liquidações impugnadas, por facto que lhe não tivesse sido imputável, pois bem sabia que, de acordo com o ofício de notificação do RIT, a breve prazo, os serviços da AT iriam proceder à notificação da liquidação respetiva[7].

            Considera-se, deste modo, que a notificação das liquidações impugnadas ocorreu com a afixação da respetiva nota, em 29/11/2016, sem que se mostrasse transcorrido o prazo de caducidade.

(iv) Do erro na determinação da matéria tributável

As liquidações de IRS (retenções na fonte) e juros compensatórios do ano de 2012, cuja legalidade vem sindicada nos autos, foram efetuadas na sequência de um procedimento de inspeção interna e tiveram por base a contabilidade da sociedade “B…, Ld.ª”.

Vem agora a Requerente invocar um erro nessa contabilidade, na qual se não encontra refletida uma dívida social da quantia de € 83 111,64, e de cuja correção resultaria uma diminuição do capital próprio, do saldo da liquidação e, consequentemente, do resultado da partilha. Donde resultaria uma liquidação de imposto, no valor de € 28 938,84 e de juros compensatórios, de € 5 289,87, num total a pagar de € 34 228,71.

Para o efeito, junta a Requerente os documentos indicados nos pontos 3 e 5 a 7 do probatório, que atestam a venda de um bem próprio dos sócios para pagamento daquela dívida social, de € 83 111,64, documentos cuja veracidade a Requerida não contesta.

E, em sede de Resposta, vem a AT dizer que, caso a Requerente “tivesse exercido o seu direito de audiência prévia, pronunciando-se sobre os factos em apreço e juntando a documentação que agora juntou, quiçá, a presente ação não existiria, pelo menos naquela parte”.

De acordo com a Estrutura Concetual (EC) do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), as Demonstrações Financeiras são preparadas com o propósito de proporcionar informação útil às necessidades comuns da maior parte dos utentes, entre os quais o Governo e os seus departamentos, como é o caso da AT.

Devem por isso ser fiáveis e representar de forma fidedigna “as transações e outros acontecimentos de que resultem ativos, passivos e capital próprio da entidade na data do relato que satisfaçam os critérios de reconhecimento”, de molde a permitir a “comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários”, um dos fins do procedimento de inspeção tributária (artigo 12.º, n.º 1, alínea a), do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira – RCPITA).

Por outro lado, nos termos do artigo 75.º, da LGT, as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, beneficiam da presunção de veracidade, presunção que cede, nomeadamente, quando revelarem omissões, erros ou inexatidões.

Porém, um dos princípios que norteiam o procedimento tributário é o princípio da justiça (artigo 55.º, da LGT), de consagração constitucional, que impõe à Administração Pública “a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, para o que devem os seus órgão e agentes “atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé” (artigo 266.º, n.ºs 1 e 2 da CRP).

A concretização do princípio da justiça leva a que, como escrevem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa[8], “A atividade da administração tributária não po[ssa]de limitar-se a uma aplicação mecânica das leis às situações de facto, tendo de ter sempre presente o objetivo que a justifica, que é a prossecução do interesse público (arts. 266.º, n.º 1 CRP e 5.º e 55.º da LGT).

Por isso a administração fiscal deverá abster-se de atuar em situações em que, embora se preencham formalmente os pressupostos legais abstratos da sua atuação, esta não seja relevante para a prossecução do interesse público”.

 

No caso em apreço, é certo que a sociedade dissolvida não reconheceu na sua contabilidade uma dívida social da quantia de € 83 111,64, que agora vem provar documentalmente e que, a ter sido corretamente contabilizada, determinaria uma redução do imposto e juros compensatórios a pagar.

Não sendo posta em dúvida a veracidade daquela dívida social, impõe-se a correção da matéria tributável em que assentou a liquidação de IRS (retenções na fonte) impugnada, do que não resultará qualquer prejuízo para a administração fiscal, pois se não tivesse sido o erro do contribuinte, não teria sido liquidado imposto na medida em que o foi.

Antecipando a decisão, dir-se-á que o princípio da justiça determina a anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2016…, bem como da liquidação de juros compensatórios n.º 2016… a ela associada, devendo o imposto ser liquidado sobre a matéria tributável corrigida, de € 115 755,79 (€ 198 867,43 - € 83 111,64), à taxa de 25% em vigor à data dos factos (artigo 72.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRS), acrescido dos juros compensatórios a liquidar nos termos do artigo 35.º, da LGT.

 

(v) Da repartição das custas processuais:

O montante e repartição das custas devem ser fixados na decisão arbitral, nos termos do n.º 4 do artigo 22.º, do RJAT, encontrando-se a regra geral em matéria de custas regulada pelo artigo 527.º, do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Nos termos do referido preceito, é condenada em custas a parte que a elas houver dado causa, devendo entender-se como dando causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

No entanto, considera a Requerida na sua Resposta (artigo 76.º) que, ainda que o tribunal arbitral decida pela anulação parcial das liquidações de IRS e juros compensatórios, deve a Requerente ser condenada no pagamento da taxa de arbitragem, pela totalidade, pois “caso tivesse exercido o seu direito de audiência prévia, pronunciando-se sobre os factos em apreço e juntando a documentação que agora juntou, quiçá, a presente ação não existiria, pelo menos naquela parte”.

O direito de audiência prévia é uma garantia dos contribuintes, visando a sua participação nos atos ou procedimentos que lhes digam respeito, e que “procura assegurar a co-responsabilização das decisões” (…), pois “procura afirmar a possibilidade de influenciar, de motivar, e de ajudar o órgão competente a tomar a decisão correcta.”.[9]

            No caso concreto dos autos, as correções efetuadas pela inspeção tributária, que não tiveram em consideração a dívida social da “B…, Ld.ª”, tiveram por base um erro contabilístico daquela sociedade, para cujo esclarecimento a Requerente poderia ter contribuído no exercício do direito de audição prévia sobre o projeto do RIT que lhe foi notificado para o efeito.

            Não tendo exercido aquele direito, faltou ao princípio da colaboração a que se refere o n.º 4 do artigo 59.º, da LGT, não se podendo dizer que, quanto a essa parcela da correção efetuada, tenha sido a AT a dar causa ao processo.

            Bem se sabe que a Requerida poderia ter procedido à revogação parcial dos atos impugnados, dentro do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT; porém, tal acarretaria da sua parte uma atividade suplementar, contrária aos princípios da celeridade, eficácia e eficiência do procedimento administrativo, para que tende o direito de participação dos contribuintes nas decisões que lhes dizem respeito.

            Deste modo, tendo sido a Requerente a dar causa à ação, na sua totalidade, deverá ser sua a responsabilidade integral pelo pagamento das custas processuais.

 

  1. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em julgando parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinar:

  1. A anulação parcial das liquidações de IRS (retenções na fonte) e juros compensatórios do ano de 2012, na parte da matéria tributável respeitante à dívida social de € 83 111,64;
  2. A condenação da Requerida a restituir à Requerente o valor do imposto e dos juros compensatórios pagos em excesso, a apurar em execução da presente decisão arbitral;
  3. A condenação da Requerente no pagamento da totalidade da taxa arbitral.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 58 804,82 (cinquenta e oito mil, oitocentos e quatro euros e oitenta e dois cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2 142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros).

Notifique-se.

Lisboa, 28 de fevereiro de 2018.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro. A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] - Cfr. Carolina Cunha, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Volume II, 2.ª Edição, Jorge M. Coutinho de Abreu (Coord.), IDET, Almedina, 2015, pág. 697.

[2] Idem, ibidem, pág. 723.

[3] - Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, 2012, pág. 262.

[4] - Ana Paula Dourado, “Direito Fiscal – Lições”, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 85.

[5] - Assim, José Casalta Nabais, “Direito Fiscal”, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 340.

[6] - Ana Paula Dourado, Op. Cit., pág. 117

[7] Cfr., em sentido semelhante, o Acórdão do Pleno da Secção do CT do Supremo Tribunal Administrativo, de 22/01/2014 – Processo n.º 01429/13, disponível em www.dgsi.pt, na parte relativa ao recurso do Acórdão do TCA Sul, de 24/04/2012, Processo n.º 04760/11, com fundamento no Acórdão do STA no Processo n.º 0491/11, de 28/03/2012.

[8] - Obra citada, pág. 452.

[9] Assim, Joaquim Freitas da Rocha, “Lições de Procedimento e Processo Tributário”, 5.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 125 e 126.