Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 452/2017-T
Data da decisão: 2018-02-09  IRS  
Valor do pedido: € 36.300,69
Tema: IRS - Mais-Valias - Despesas e encargos dedutíveis.
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DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

Em 28 de julho de 2017, A…, com o NIF … e esposa, B…, com o NIF…, residentes na Rua …, n.º…, …, em Aveiro, (doravante designados por Requerentes ou, individualmente, por Requerente), vieram, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 99.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, Singular em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRS n.º 2017…, de 21-03-2017, no valor de € 143 315,04, referente aos rendimentos do ano de 2013, e da liquidação de juros compensatórios n.º 2017…, referente ao mesmo ano, no montante de € 3 803,73, das quais resultou o saldo a pagar de € 36 300,69, valor económico que atribuem ao pedido.

 

Mais pedem os Requerentes a condenação da Requerida na restituição da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à emissão da nota de crédito.

Síntese da posição das Partes

  1. Dos Requerentes:

Como fundamentos do pedido de anulação dos atos de liquidação de IRS do ano de 2013 e de juros compensatórios, invocam os Requerentes, em síntese, o seguinte:

As liquidações de IRS e juros compensatórios que se impugnam resultam da não-aceitação pela AT dos encargos declarados para efeitos do disposto no artigo 51.º, do Código do IRS, o que as torna ilegais, por vício de violação de lei.

Na falta de acordo na partilha dos bens deixados por óbito do Pai do Requerente, viria sua Mãe, cabeça de casal da herança, a requerer inventário judicial que pusesse termo à comunhão hereditária.

No processo de inventário, foi o Requerente representado por Advogado, no âmbito de cujo mandato suportou honorários no valor de € 85 000,00, a que acresceu IVA à taxa de 23%, num total de € 104 550,00.

Em resultado da partilha, foram adjudicados ao Requerente e a sua irmã, em partes iguais, uma quota social no valor nominal de € 15 000,00, diversos bens imóveis sitos no concelho de Alijo e 1/3 indiviso de um prédio urbano sito na freguesia de …, concelho do Porto e, ao Requerente, à irmã e à cabeça de casal, em partes iguais, as verbas 148 e 149 da relação de bens, tendo todos os interessados prescindido das tornas que lhes eram devidas.

O Requerente e sua irmã assumiram o passivo que integrava a verba 207 da relação de bens, constituído por uma dívida à C…, CRL, no valor de € 35 851,59, garantida por hipoteca sobre o prédio que integrava a verba n.º 166, dessa relação de bens.

Por contrato-promessa de compra e venda celebrado em 30-09-2013, o Requerente e sua irmã prometeram vender, livres de quaisquer ónus ou encargos, os imóveis hipotecados, para o que procederam ao distrate da hipoteca voluntária que sobre os mesmos impendia, tendo o Requerente suportado encargos no valor de € 16 265,89.

O contrato definitivo foi celebrado por escritura pública de 02-12-2013, tendo os imóveis prometidos vender sido transmitidos livres de ónus ou encargos.

No anexo G à declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos do ano de 2013, apresentada em 27-06-2014, os Requerentes fizeram constar, para efeitos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, os encargos suportados com os honorários do Advogado, bem como o valor despendido com o distrate da hipoteca sobre o imóvel alienado, despesas inerentes à sua aquisição e alienação.

A capacidade contributiva dos sujeitos passivos deve ser aferida por referência ao seu rendimento líquido; daí que o regime de determinação das mais-valias preveja que os encargos e despesas efetivamente realizados e comprovados devam acrescer ao valor de aquisição, pois só assim será possível apurar o rendimento líquido para efeitos de IRS.

O conceito legal de “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação” constante do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, é manifestamente indeterminado, impondo-se a interpretação de que são “necessárias”, todas as despesas indispensáveis, e “inerentes”, as que são indissociáveis da obtenção do rendimento.

Pode, assim, concluir-se, que têm enquadramento no artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, as despesas necessariamente realizadas com a obtenção do rendimento, desde que conexas com a aquisição ou com a alienação, a fim de determinar o rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva do sujeito passivo.

As despesas incorridas pelo sujeito passivo com os honorários do seu Mandatário judicial são indissociáveis da aquisição do imóvel alienado, resultante da transação celebrada entre os herdeiros no processo de inventário judicial.

O mesmo se diga do distrate da hipoteca que se encontrava registada sobre o prédio em causa, da qual estava dependente a celebração do negócio definitivo e sem o qual o sujeito passivo não teria obtido os rendimentos de mais-valias.

Motivos pelos quais os Requerentes concluem que as liquidações de IRS e juros compensatórios objeto do pedido de pronúncia arbitral padecem de ilegalidade, devendo ser anuladas.

 

  1. Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar processo administrativo, defendendo a legalidade dos atos de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

            A liquidação impugnada foi efetuada com base nos documentos apresentados pelo Requerente e na reanálise da declaração modelo 3, referente ao IRS do ano de 2013, na qual foram detetadas incorreções nas despesas, entre outras, as respeitantes a serviços de advocacia e ao pagamento e cancelamento da hipoteca voluntária que recaía sobre o prédio alienado, não enquadráveis no artigo 51.º, do Código do IRS.

            Defendem os Requerentes que as despesas com os honorários do Mandatário no âmbito dos processos judiciais e no Processo de Inventário que pôs termo à comunhão hereditária resultante do óbito de D… e as relativas ao distrate da hipoteca que onerava o prédio alienado são indissociáveis da obtenção do rendimento que resultou da alienação ocorrida em 02-12-2013.

Contudo, não têm os Requerentes razão nos argumentos que aduzem.

Estamos perante rendimentos de mais-valias a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, constituídos pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, nos termos do n.º 4, do mesmo artigo.

Para efeitos de determinação das mais-valias resultantes da alienação de um imóvel adquirido a título gratuito, estabelece o artigo 45.º, do Código do IRS, que o valor de aquisição a considerar, corresponde ao valor considerado para efeitos de liquidação de imposto de selo, ou não tendo havido liquidação desse imposto, o que lhe serviria de base se a mesma ocorresse.

  Na liquidação impugnada, considerou a AT que as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, foram as incorridas com a empresa mediadora da venda, os encargos notariais e de registo predial; não as incorridas com o Mandatário em resultado dos processos judiciais que antecederam a venda, ainda que conexas com a alienação e aquisição do imóvel, ou as relativas ao pagamento e cancelamento da hipoteca que recaía sobre o prédio alienado.

As despesas enquadráveis no artigo 51.º, do CIRS hão de ser impostas legalmente e serem necessárias e inerentes, ou seja, sem as quais a aquisição ou alienação não são possíveis.

Contrariamente ao defendido pelos Requerentes, a liquidação visada nos presentes autos não padece das ilegalidades invocadas, nem de quaisquer outras, pois a AT fez uma correta interpretação e aplicação do artigo 51.º, n.º1, alínea a), do CIRS, tendo em consequência efetuado correções ao valor das despesas declaradas no quadro 4 do anexo G da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2013.

Por não se verificar qualquer erro por parte dos serviços na aplicação da lei aos factos em causa, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

Impugna a AT, por infundado, todo o alegado no Pedido de Pronúncia Arbitral que contrarie o exposto, devendo ser considerada como improcedente a pretensão dos Requerentes e a Requerida absolvida de todos os pedidos.

*

            Não tendo sido invocadas exceções nem requerida a produção de prova adicional e, estando em causa apenas matéria de direito, foi, pelo despacho arbitral de 27 de novembro de 2017, dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, convidadas as Partes à produção de alegações escritas sucessivas e fixada a data de 9 de fevereiro de 2018 para prolação da decisão final.

           

Nas suas alegações escritas, vieram as Partes reiterar as posições assumidas mas peças processuais iniciais.

II. SANEAMENTO

  1. O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 19 de outubro de 2017, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
  4. Não foram invocadas exceções que o tribunal deva apreciar e decidir.

 

III.    FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

A – Factos Provados

  Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 607.º, n.º 3 do Código do Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental e do processo administrativo (PA) juntos aos autos, fixa-se como segue:

  1. Os Requerentes apresentaram, em 27-06-2014, a declaração modelo 3 de IRS n.º …-… -…, referente aos rendimentos do ano de 2013, nela figurando como sujeito passivo A o Requerente e, como sujeito passivo B, sua mulher (Doc. 15, junto à P. I. e PA);
  2. No anexo G à referida declaração, quadro 4, foi declarada a alienação, pelo valor de € 650 000,00, do direito de propriedade sobre diversos prédios urbanos e rústicos, sitos na Freguesia de … (…) e na União de Freguesias de …, … e … (…), concelho de Alijó, bem como despesas e encargos, da quantia de € 168 015,88;
  3.  Os referidos prédios, que no seu conjunto integram o prédio misto denominado “…”, foram adquiridos pelo Requerente, por herança de seu Pai, aberta em 10-06-2000, adjudicados em comum e partes iguais com sua irmã, no âmbito do processo de inventário (herança), que correu termos sob o n.º…/2002, inicialmente no … Juízo, 3ª Secção, dos Juízos Cíveis da Comarca do Porto, tendo posteriormente passado a correr termos no 1º Juízo Cível dos Juízos Cíveis do Porto sob o nº …/11… TJPRT (Doc. 5, junto à P. I.);
  4. Por transação entre os interessados, de 21-05-2012, foi decidida a composição dos quinhões hereditários, tendo todos os herdeiros prescindido de tornas e o Requerente e sua irmã assumido o passivo constante da verba 207 da relação de bens, constituída por uma dívida à C…, CRL – balcão de …, no valor de 35 851,59 (Doc. 5, junto à P. I. e PA);
  5.  Nas despesas e encargos inscritos no quadro 4 da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2013, no total de € 168 015,88, incluem-se o valor dos honorários do G… Mandatário do Requerente no processo de inventário identificado e respetivos apensos, da quantia de € 104 550,00 (Docs. 11 a 14, juntos à P. I. e PA) e €16.265,89 correspondentes ao valor pago à “C…, CRL”, para efeitos do distrate da hipoteca que impendia sobre os imóveis alienados (Doc. 18, junto à P. I. e PA);
  6. Em 30-06-2014, foi expedido ao Requerente o ofício GIC2/…, da Direção de Serviços do IRS, para que no prazo de 15 dias a contar da notificação, apresentasse no Serviço de Finanças da área do seu domicílio fiscal o duplicado da declaração de rendimentos J…/9 e todos os documentos comprovativos da sua situação pessoal e familiar, bem como dos elementos referentes à comprovação dos valores inscritos no anexo G (Doc. 16, junto à P. I. e PA);
  7. Em 22-07-2014, no Serviço de Finanças de Aveiro…, “Esteve presente o TOC dos SPs, para documentar as despesas relativas ao Código de análise, tendo apresentado vários documentos (…) e, em 23-07-2014, foi o procedimento dado como “Findo sem Correcções” – Pág. 1 do PA;
  8. Em 26-06-2014, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2014…, no valor global de € 107 014,35, paga pelos Requerentes em 27-08-2014 (Doc. 23, junto à P. I.);
  9. Por ofício do Serviço de Finanças de Aveiro…, de 21-10-2016, foi o Requerente notificado para ali comparecer “a fim de exibir todos os documentos que serviram de suporte ao preenchimento da declaração de IRS do exercício de 2013” (Doc. 24, junto à P. I.);
  10. O Requerente deslocou-se ao Serviço de Finanças de Aveiro…, onde entregou todos os documentos solicitados: mapa detalhado do cálculo das mais-valias; cópia da escritura de venda dos imóveis que tinha sido celebrada em 02/12/2013; certidão extraída dos autos processo de inventário nº …/11… TJPRT (o qual, anteriormente, tinha corrido termos no … Juízo, 3ª Secção, dos Juízos Cíveis da Comarca do Porto, sob o …/2002); certidão emitida pelo … Serviço de Finanças em 14/11/2002; e declarações subscritas pelo Requerente marido referentes às despesas inerentes à aquisição e alienação dos imóveis e respetivos documentos comprovativos (artigo 28.º, da P. I., não contestado e Docs. 17 a 22, juntos à mesma);
  11. Pelo ofício n.º … do Serviço de Finanças de Aveiro …, de 25/01/2017 (Doc. 25. Junto à P. I.), foi o Requerente notificado para o exercício do direito de audição prévia sobre o projeto de correção ao valor das despesas declaradas no anexo 4 do anexo G da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2013, no sentido de o seu valor total passar a ser de € 46 487,50, dada a existência das seguintes incorreções:
    1. “As despesas relativas a serviços de advocacia e o pagamento à E… não são enquadráveis no artigo 51.º do Código do IRS (CIRS)”;
    2. “Não foi apresentada qualquer fatura relacionada com as despesas identificadas como sendo relativas a pagamento de «certidões prediais e direitos de preferência à Direção Geral de Cultura do Norte» - IGESPAR”;
    3. “A fatura relativa a despesas na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo ter sido considerada na totalidade, quando deve ser considerada em 50%, visto serem dois alienantes.”;
  12. Na sequência das correções efetuadas à declaração modelo 3 de IRS apresentada pelos Requerentes, foram emitidas, em 21-03-2017, a liquidação adicional de IRS n.º 2017…, no valor de € 143 315,04, a demonstração de liquidação de juros, no valor de € 3 803,73 e a demonstração de acerto de contas, de que resultou o saldo a pagar da quantia de € 36 300,69, com data limite de pagamento voluntário em 02-05-2017 (Docs. 1 a 3, juntos à P. I.);
  13. Os Requerentes procederam ao pagamento do saldo apurado na liquidação adicional de IRS do ano de 2013, em 05-04-2017 (Doc. 26, junto à P. I.).

B) Factos não provados

Não existem factos com relevância para a decisão da causa que devam ser considerados não provados.

C) Fundamentação da fixação da matéria de facto

A fixação da matéria de facto fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e dos factos alegados e não contestados pelas Partes.

 

III.2 DO DIREITO

  1. A questão decidenda

A questão que cumpre ao tribunal arbitral decidir respeita à atendibilidade, para efeitos da determinação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos pelos Requerentes no ano de 2013, das despesas por si incorridas com os honorários do G… Mandatário no âmbito do processo judicial de inventário (herança) e respetivos apensos, no âmbito do qual se fixou o quinhão hereditário do Requerente na herança de seu Pai, composto pelos prédios alienados naquele exercício fiscal, bem como com o distrate de uma hipoteca voluntária que sobre os mesmos impendia, a fim de que pudessem ser vendidos livres de ónus ou encargos.

Em suma, prende-se a questão decidenda com a interpretação do segmento final do artigo 51.º, alínea a), do Código do IRS, na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, ou seja, com a determinação do sentido e alcance da expressão “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º”.

  1. A tributação das mais-valias imobiliárias

Constitui rendimento de mais-valias a diferença positiva entre dois valores, o da aquisição e o da alienação de um bem, ou seja, o ganho que, não provindo de uma atividade empresarial ou profissional e que não deva ser havido como rendimento de capitais ou prediais, representa o acréscimo patrimonial na esfera do sujeito passivo, decorrente, nomeadamente, da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS).

A tributação das mais-valias imobiliárias (à exceção das que incidiam sobre terrenos para construção) foi introduzida pela reforma fiscal de 1989, tendo o legislador reconhecido que “Tratando-se de rendimentos excecionais, foi ponderado o regime tributário adequado em face da excessiva gravosidade que a tributação englobada poderia gerar, prevendo-se, para esta categoria, um específico regime de tributação, envolvendo uma substancial dedução à matéria colectável”. (Cfr. o ponto 12 do preâmbulo do Código do IRS).

Nessa medida, o ganho a tributar corresponde “à diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1” (n.º 4 do artigo 10.º, do Código do IRS), considerado em apenas 50% do valor do respetivo saldo anual (artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS), a determinar nos termos dos artigos 44.º e seguintes do mesmo Código.

Assim, o valor de realização corresponde, em regra, à contraprestação recebida pela alienação, prevalecendo, se superiores e quando se trate de direitos reais sobre bens imóveis, “os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.” (artigo 44.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2).

O valor da aquisição gratuita, como é o caso dos autos, corresponde ao que tiver sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo nas transmissões gratuitas, que sucedeu ao extinto imposto sobre as sucessões e doações, ou o que lhe serviria de base, caso o mesmo fosse devido (artigo 45.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do IRS).

Na determinação do rendimento de mais-valias, tendo em vista a tributação do rendimento real e não meramente nominal, há ainda a considerar a correção do valor de aquisição pela aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda, a que se refere o artigo 50.º, do Código do IRS, e, com base no princípio da tributação do rendimento líquido, as despesas e encargos a que se refere, no que respeita às mais-valias imobiliárias, a alínea a) do artigo 51.º, do Código citado (na redação em vigor à data dos factos), ou seja, “Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação (…)”

O preenchimento do conceito de “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação” de bens imóveis, por ser relativamente aberto e indeterminado, tem suscitado dúvidas que têm vindo a ser paulatinamente objeto de interpretação pela jurisprudência e pela doutrina.

Ao nível jurisprudencial, citamos, exemplificativamente, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo 06824/13, em 14-04-2015, a propósito do distrate de uma hipoteca que incidia sobre o imóvel alienado, adquirido no âmbito de partilha por divórcio, no qual se decidiu que “No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes. Tal critério contém uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável. A despesa há-de ser integrante da própria alienação. Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”; Não basta, pois, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento, é necessário que elas dele sejam indissociáveis”.

Na doutrina, considera Rui Duarte Morais como despesas inerentes à alienação o caso “da comissão paga ao agente imobiliário que intermediou a venda” e como despesas necessárias efetivamente praticadas inerentes à aquisição, as relativas aos registos[1].

E nem se diga que esta interpretação que tem vindo de explanar-se e que aqui se acolhe é uma interpretação restritiva, que não tem em conta a tributação do rendimento líquido, corolário do princípio da capacidade contributiva.

Efetivamente, tal questão já foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 18-11-2009, no processo 0585/09, numa situação em que as despesas se reportavam à amortização de contas garantidas pelas quotas sociais alienadas (artigo 51.º, alínea b), do Código do IRS), mas cuja jurisprudência se adequa às situações previstas na alínea a) do mesmo artigo, quanto às despesas dedutíveis na alienação de bens imóveis).

No mencionado aresto, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que,

I - Nos termos do disposto no artº 51º, al. b) do CIRS, para efeitos de tributação da mais-valia respectiva, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes.

II - O qualificativo "inerente", logo etimologicamente - in re - contém, a se, uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável.

III - Assim não se pode considerar como "despesa necessária inerente à alienação" a amortização de dívidas contraídas para efeitos de garantia de quotas cedidas a terceiro pelo seu titular.

IV - O artº 51º, al. b) do CIRS não é material e organicamente inconstitucional.”.

 

Em posterior recurso para o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 451/2010, de 24-11-2010), viria este Venerando Tribunal a considerar que a referida norma não colidia com o princípio da capacidade contributiva, com a seguinte fundamentação:

5. Os recorrentes alegam, ainda, no sentido da inconstitucionalidade material do artigo 51.º, alínea b), do CIRS, por violação do princípio da capacidade contributiva, na medida em que a norma exclui as “deduções/encargos efectivos e comprovados que sejam considerados necessários à obtenção do rendimento sujeito a imposto, na sua concreta expressão quantitativa”. No caso dos autos, não são, por isso, abrangidos “os encargos suportados pelo sujeito passivo que se traduzem na valorização do bem” (o valor da amortização das contas caucionadas garantidas pelas quotas que foram objecto de alienação), encargos que “correspondem à realização de uma despesa que se há-de considerar materialmente necessária à concreta alienação pelo valor estipulado, inerente qua-tale à realização da própria mais-valia”.

Com efeito, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, o legislador especifica apenas as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, enquanto despesas que acrescem ao valor da aquisição de partes sociais (e de outros valores mobiliários).

6. Lê-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 84/2003 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) que o princípio da capacidade contributiva “exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de ‘uniformidade’ – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação”. Critério este “em que a incidência e a repartição dos impostos – dos ‘impostos fiscais’ mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou ‘capacidade de gastar’ (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)”. (…)

7. Relativamente à norma que é objecto do presente recurso não se vê como possa ser considerada constitucionalmente inadmissível.

Partindo do conceito de mais-valias legalmente estabelecido, nos termos do qual constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem de alienação ou cessão onerosas de certos direitos, valores ou bens (artigo 10.º, n.º 1, do CIRS), o artigo 51.º, alínea b), do CIRS prevê a dedução de despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, em cumprimento de “um princípio geral da tributação do rendimento, que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos” (XAVIER DE BASTO, IRS. Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 460).

Ou seja, são sujeitos a imposto os ganhos obtidos (os ganhos líquidos) com a alienação onerosa de direitos, valores ou bens anteriormente adquiridos. Não sendo constitucionalmente exigível um critério normativo que permita a dedução de uma despesa que seja de “considerar materialmente necessária à concreta alienação pelo valor estipulado”. Por exemplo, o valor da amortização de conta caucionada garantida por partes sociais objecto da alienação.

É até de concluir, como bem conclui o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (fl. 39 dos presentes autos) que “o legislador foi aqui particularmente restritivo porque a admissibilidade de dedução de despesas cujas obrigações resultam de negociações bilaterais mais ou menos complexas, seria de difícil fiscalização, tratando-se de rendimentos desta categoria [categoria G], e abriria as portas a conluios que favoreceriam a fraude fiscal. Conluios que poderiam passar, por exemplo, pela emissão de declarações que elegeriam determinada despesa como necessária por razões estritamente fiscais”. Reiterando o já dito no Acórdão deste Tribunal n.º 162/2004, é de assinalar que “um sistema que não permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente, conduz em linha recta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real”.

Concluindo, a alínea b) do artigo 51.º do CIRS não é materialmente inconstitucional.”.

 

  1. Da liquidação impugnada

Como decorre do pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes reputam de ilegal a liquidação de IRS do ano de 2013, por na determinação dos rendimentos de mais-valias a AT não ter considerado enquadráveis na alínea a) do artigo 51.º, do Código do IRS, as despesas relativas aos honorários do G… Mandatário no âmbito do processo de inventário no qual se fixou o quinhão hereditário do Requerente na herança de seu Pai, composto pelos prédios alienados naquele exercício fiscal (despesas de aquisição), bem como com o distrate de uma hipoteca voluntária que sobre os mesmos impendia, a fim de que pudessem ser vendidos livres de ónus ou encargos (despesas de alienação).

Concretamente no que respeita às despesas com honorários citam os Requerentes, em abono da sua tese, a informação vinculativa da ex Direção-Geral dos Impostos, no processo n.º 12/2008, com despachos concordantes do Substituto legal do Senhor Diretor-Geral dos Impostos, de 14-07-2008 e de 12-08-2008, bem como a posição assumida pelo Representante da Fazenda Pública no Recurso n.º 01031/10 do Supremo Tribunal Administrativo, com Acórdão proferido em 22-03-2011.

No que respeita à informação vinculativa citada pelos Requerentes, conclui-se que a mesma respeita à aceitação pela administração tributária das despesas com a mediação imobiliária, que foram consideradas na liquidação impugnada; já quanto ao citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, o mesmo não permite concluir a razão pela qual a Recorrente Fazenda Pública não colocou em causa a sentença recorrida, na parte em que decidiu considerar dedutíveis as despesas com Advogado, por sujeitos passivos não residentes, questão que ali não é tratada.

Ora, no caso em apreço, trata-se, como resulta do probatório, da alienação de bens imóveis adquiridos por sucessão legitimária, gratuita por natureza, a que não correspondem outras despesas ou encargos para além dos legalmente estabelecidos (o pagamento do imposto sobre as sucessões e doações, em vigor à data da abertura da sucessão e os encargos registais ou, caso tivesse havido lugar a tornas, o pagamento do IMT correspondente).

Não se afigurando que as despesas com o G… Mandatário constituído sejam intrínsecas à aquisição em si, antes respeitantes à transação que pôs termo à comunhão hereditária, permitindo a composição do quinhão do Requerente, integrado pelos prédios alienados, com a assunção de uma dívida da herança, garantida por hipoteca sobre aqueles bens imóveis e em que todos os herdeiros prescindiram de tornas.

Deverá, pelos motivos apontados, concluir-se que nem aquelas despesas, de natureza contratual, nem as incorridas com o distrate da referida hipoteca, sejam inerentes à aquisição ou à alienação, não sendo, por isso, enquadráveis na previsão do artigo 51.º, alínea a), do Código do IRS.

Termos em que se considera não padecer as liquidações impugnadas do vício de violação de lei que lhes vem imputado pelos Requerentes.

Não sendo as liquidações de IRS e juros compensatórios do ano de 2013 impugnadas nos autos passíveis de censura que permita a declaração da sua ilegalidade, fica prejudicada a apreciação da questão relativa aos juros indemnizatórios peticionados.

 

  1. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, pela manutenção das liquidações de IRS e juros compensatórios do ano de 2013, absolvendo-se a AT de todos os pedidos.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 36 300,69 (trinta e seis mil, trezentos euros e sessenta e nove cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 836,00 (mil, oitocentos e trinta e seis euros), a cargo dos Requerentes.

Lisboa, 9 de fevereiro de 2018.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] Rui Duarte Morais, “Sobre o IRS”, 3.ª Edição, Almedina, 2014, págs. 135 e 136.