Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 182/2013-T
Data da decisão: 2014-05-30  Selo  
Valor do pedido: € 21.854,00
Tema: Verba 28.1 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A… (de ora em diante identificada apenas por Requerente), Pessoa Colectiva nº …, com sede …, apresentou em 26 de Julho de 2013 um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º nº 1 alínea a), 5º nº 2 alínea b) e 6º nº 1 todos do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante identificado apenas pelas iniciais RJAT).

 

  1. Na Petição Inicial apresentada, a Requerente solicitou que o Tribunal Arbitral funcionasse com árbitro singular, conforme vem previsto no artigo 5º, nº 2, do referido Decreto-Lei 10/2011, na medida em que o valor do pedido de pronúncia não ultrapassa duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo.

 

  1. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente não designou árbitro.

 

  1. Nos termos do nº 1 do artigo 6º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular, considerando-se, na sequência dessa designação e a partir de 26 de Setembro de 2013, por despacho proferido pelo Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral devida e regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

 

  1. A Requerente solicita, no seu pedido inicial, a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012, feitos ao abrigo da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, relativamente a um prédio de que a Requerente é proprietária. E que se encontra constituído em propriedade total mas com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, conforme está comprovado no documento que foi anexado à petição inicial com o nº 3.

 

  1. Posteriormente, através da entrega de dois requerimentos, entregues nos dias 21 de Janeiro de 2014 e 10 de Fevereiro do mesmo ano, a Requerente informou o Tribunal do seguinte:

 

  1. No dia 7 de Janeiro de 2014, a Requerente foi notificada do documento que corresponde à liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2012, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS sobre o prédio com a identificação …, sendo que este acto de demonstração de liquidação, datado 14/07/2013, e a que corresponde o n.º …, substitui ou revoga, ainda que tacitamente, a liquidação de 22/03/2013 subjacente aos documentos …, … e … e objecto deste processo (cuja junção resultou dos documentos nº 1, 2 e do requerimento cuja junção aos autos foi peticionada em 28 de Novembro de 2013).
  2. Na mesma data, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação com o n.° …, de 14/07/2013, que corresponde â liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2012, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS sobre o prédio com a identificação …, sendo que este acto de demonstração de liquidação substitui ou revoga, ainda que tacitamente, a liquidação de 22/03/2013 subjacente aos documentos …, … e … e objecto deste processo.

 

  1. Posteriormente, em 13 de Janeiro de 2014, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação n.º …, de 14/07/2014, que junta sob a designação de documento n.º 3 referente a Imposto do Selo liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS do prédio identificado como …, sendo que acto revoga implicitamente as liquidações subjacentes aos documentos n.º …, … e … objecto deste processo (juntas com os documentos n.º 1, 2 e requerimento que apresentou em 28 de Novembro de 2013).
  2. Ainda na mesma data, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação …, de 14/07/2013, que diz respeito Imposto do Selo liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS do prédio identificado como …, que, como tal, procede à revogação implícita da liquidação de Imposto do Selo subjacente aos documentos com o n.° …, … e ….
  3. No dia 20 de Janeiro de 2014, a Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2012, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS sobre o prédio com a identificação … e correspondente demonstração de acerto de contas, sendo que este acto de demonstração de liquidação, datado 14/07/2013, e a que corresponde o n.º …, substitui ou revoga, ainda que tacitamente, a liquidação, de 22/03/2013, subjacente aos documentos …, … e … e objecto deste processo.
  4. Na mesma data, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação com o nº …, de 14/07/2013, e correspondente demonstração de acerto de contas que corresponde à liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2012, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS sobre o prédio com a identificação …, acto de demonstração de liquidação que substitui ou revoga, ainda que tacitamente, a liquidação, de 22/03/2013, subjacente aos documentos …, … e … e objecto deste processo.

 

 

 

 

  1. No dia 29 de Janeiro de 2014, a Requerente notificada da demonstração de liquidação nº …, de 14/07/2013, e correspondente demonstração de acerto de contas, referente a Imposto do Selo liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS do prédio identificado como …, sendo eu acto revoga implicitamente as liquidações subjacentes aos documentos nº …, … e … objecto deste processo.
  2. No dia 7 de Fevereiro de 2014, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação nº …, de 14/07/2013, e correspondente demonstração de acerto de contas referente a Imposto do Selo liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS do prédio identificado como …, acto este que revoga implicitamente as liquidações subjacentes aos documentos nº …, … e … objecto deste processo.
  3. No mesmo dia, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação nº …, de 14/07/2013, e correspondente demonstração de acerto de contas referente a Imposto do Selo liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS do prédio identificado como …, sendo que este acto revoga implicitamente as liquidações subjacentes aos documentos n.9 …, … e … objecto deste processo.
  4. Também nesta data, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação nº …, de 14/07/2013, e correspondente demonstração de acerto de contas referente a Imposto do Selo liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS do prédio identificado como …, acto este que revoga implicitamente as liquidações subjacentes aos documentos nº …, … e … objecto deste processo.
  5. Ainda no dia 7 de Fevereiro de 2014, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação n.fi …, de 14/07/2013, e correspondente demonstração de acerto de contas referente a Imposto do Selo liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS do prédio identificado como …, sendo que este acto revoga implicitamente as liquidações subjacentes aos documentos nº …, …. e …. objecto deste processo.
  6. Finalmente, também nesta data, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação nº …, de 14/07/2013, e correspondente demonstração de acerto de contas que junta sob a designação de documento nº 8, referente a Imposto do Selo liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS do prédio identificado como …, acto este que revoga implicitamente as liquidações subjacentes aos documentos nº …, … e … objecto deste processo.
  7. De acordo com a Requerente, estes novos documentos, que foram juntos ao segundo requerimento indicam um valor patrimonial do prédio - total sujeito a imposto de € 1.999.630,00 e, portanto, inferior ao valor patrimonial do prédio sujeito a imposto considerado nas liquidações iniciais que era de € 2.185,400,00.
  8. Em face destes novos actos de liquidação, considerou a Requerente que as liquidações inicialmente recebidas e que foram objecto do primeiro requerimento por ela apresentado foram, de forma implícita, revogadas, pois entre os actos agora notificados e os actos objecto deste processo se verifica uma incompatibilidade explícita, da qual resulta essa substituição ou revogação, não podendo os actos vigorar validamente e em conjunto na ordem jurídica.
  9. Nesse sentido, a Requerente solicitou, ao abrigo do disposto no artigo 64º do Código do Procedimento nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável Ex vi do nº 2 do artigo 20º do RJAT que o processo arbitral prosseguisse contra estes novos actos de liquidação.
  10. Os documentos que ora se juntam indicam um valor patrimonial do prédio - total sujeito a imposto de € 1.999.630,00 e, portanto, inferior ao valor patrimonial do prédio sujeito a imposto considerado nas liquidações de 22/03/2013 e que era de € 2.185.400,00.

 

  1. Sustenta a Requerente, em síntese, em ambos os Requerimentos, a sua pretensão, no seguinte:
  1. Que, os actos de liquidação cuja ilegalidade é requerida não estão devidamente fundamentados, porque as notificações recebidas (documentos juntos à petição com os números 1 e 2), não indicam, desde logo, o elemento essencial que é a identificação do próprio acto de liquidação;
  2. Que ao arrepio das normas legais aplicáveis, não se encontra qualquer referência ao número da liquidação em apreço, apenas se identificando o número de documento relativo a cada notificação para pagamento do imposto;
  3. Que, dessa forma, por ausência de fundamentação, o acto de liquidação é ilegal;
  4. Que, para além deste vício, considera ainda que os actos de liquidação de Imposto do Selo se encontram inquinados por um erro sobre os pressupostos de direito, sendo que este entendimento assenta, fundamentalmente, nos seguintes argumentos:
  5. Da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), resulta que o Imposto do Selo incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a €1.000.000.00 (um milhão de euros);
  6. Sendo o bem imóvel sobre o qual incidiu a liquidação um prédio em propriedade total com partes susceptíveis de utilização independente, não se verifica o facto gerador de imposto constante da referida norma da TGIS.
  7. Nos termos do artigo 12º, nº 3, do Código do IMI (CIMI), para o qual remete a norma constante da alínea u) do nº 1 do artigo 5º do Código do Imposto do Selo (CIS), cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente deve ser considerado separadamente na inscrição matricial e, consequentemente, objecto de determinação independente e autónoma do respectivo valor patrimonial tributário;
  8. Não existe nenhuma norma legal que faça corresponder o valor patrimonial tributário de um prédio composto por várias fracções independente à soma das suas partes, até porque cada uma dessas partes é objecto de liquidação separada de IMI, tendo em consideração o respectivo valor patrimonial tributário;
  9. Desta forma, a existência de um valor patrimonial tributário correspondente à soma dos valores patrimoniais tributários das diversas partes susceptíveis de utilização independente, é uma ficção sem qualquer suporte, quer na letra, quer no espírito da lei;
  10. Ainda menos suporte na lei tem a interpretação e aplicação que a AT faz dos preceitos em causa quando, ao determinar o valor patrimonial sujeito a imposto, distingue, no prédio em causa andares com afectação habitacional e andares com afectação comercial, expurgando do valor patrimonial total do prédio, estes últimos (ou seja, os que têm afectação comercial);
  11. Que, com a publicação desta norma, o legislador veio introduzir um novo conceito de prédio – prédio com afectação habitacional – o qual carece de enquadramento normativo, uma vez que inexiste no ordenamento jurídico tributário onde, apenas se conhecem, no artigo 5º do CIMI, os prédios urbanos habitacionais, os prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços, os terrenos para construção e os outros, estes últimos, como categoria residual;
  12. Que a norma que subjaz às liquidações de Imposto do Selo ora impugnadas, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, o qual merece protecção constitucional, sendo um dos princípios estruturantes do sistema constitucional fiscal;
  13. Que este princípio é violado na medida em que é introduzida uma distinção – totalmente arbitrária - entre prédios constituídos em propriedade horizontal e os prédios em propriedade total com andares ou partes susceptíveis de utilização independente, distinção esta que não se verificava até ao momento da entrada em vigor desta norma, quer em termos de IMI, quer de todo o sistema tributário vigente.
  14. Que, para além disso, a norma em causa significa ainda uma postergação inaceitável do princípio da prevalência da substância sobre a forma que rege o sistema fiscal português;
  15. Que também é discriminatório e por isso violador deste princípio, sujeitar a imposto os prédios cuja afectação funcional é a habitação e não sujeitar a tal imposto os prédios cuja afectação funcional seja comercial;

 

  1. A Requerente termina a sua petição pedindo a anulação das liquidações de Imposto do Selo de 22.03.2013, referentes ao ano de 2012, feitas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS com base no erro sobre os pressupostos de direito, bem como com base na respectiva falta de fundamentação.
  2. Na sua contestação a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante identificada apenas pelas iniciais AT), pediu que a impugnação deduzida fosse julgada improcedente e mantidas as liquidações de IS, baseando este seu pedido com os seguintes fundamentos:
  1. Que os actos de liquidação estão devidamente fundamentados, pois identificam a disposição legal aplicável, a qualificação e quantificação do facto tributário, referem a parte do prédio tributado, o respectivo valor patrimonial tributário, a forma de apuramento do imposto, através da aplicação ao valor patrimonial tributário da taxa de 1% e, ainda o ano a que o imposto respeita.
  2. Que esta informação é suficiente porque se trata de um acto tributário cuja fundamentação pode ser efectuada de uma forma sumária, nos termos previstos no artigo 77º nº 2 da Lei Geral Tributária (LGT);
  3. Que quanto ao vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, a posição da Requerente não tem qualquer sustentação, na medida em que, apesar de a liquidação do IS nas situações previstas na verba 28.1 da TGIS se processar de acordo com as regras do CIMI, o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações.
  4. Que este é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares susceptíveis de utilização independente, em que, em sede de IS, deve relevar o prédio na sua totalidade, pois que as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, o que só se verifica com as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme resulta do artigo 2º nº 4 do CIMI;
  5. Que o que o legislador quis tributar com a introdução desta norma (verba 28.1 da TGIS) é os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária.
  6. Que quanto à questão suscitada pela Requerente alegando a inexistência de base legal na forma de apuramento do valor patrimonial tributário do prédio sujeito a imposto, o critério adoptado é o correcto, porque existindo partes dos prédios com afectação não habitacional, tornou-se necessário, sob pena de se incorrer num excesso de quantificação da matéria colectável, expurgar do valor patrimonial tributário essa parte.
  7. Que quanto à violação do princípio constitucional da igualdade a previsão da verba 28.1 da TGIS não viola este princípio, porque não existe qualquer discriminação na tributação de prédios, quer entre prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente quer entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações;
  8. A verba 28.1 da TGIS é uma norma geral e abstracta, aplicável de uma forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os respectivos pressupostos de facto e de direito.
  9. Assim, a diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total, face a um imóvel constituído em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas figuras, sendo que a divisão em propriedade horizontal determina a independência e autonomia em cada uma das fracções que a constituem, enquanto que um prédio em propriedade total constitui uma única realidade jurídico-tributária, o que justifica e fundamenta um tratamento fiscal diferenciado nesta forma de tributação.
  10. Que no que se refere ao tratamento fiscal diferente consoante a afectação do prédio, essa opção do legislador, se deveu, essencialmente, a razões politicas e económicas, de modo afastar da incidência de IS os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais, sendo que a norma apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade se resultasse manifestamente indefensável, o que crê não se verificar, pois esta medida é aplicável, de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00 (um milhão e euros).

 

  1. Desta forma, e em face do exposto na sua contestação, termina a Recorrida dizendo que a liquidação do Imposto do Selo não padece de qualquer vício, sendo manifestamente conforme à lei, razão pela qual deve ser julgada improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. A Requerente e a Requerida, notificadas para o efeito, apresentaram as suas alegações, tendo mantido, na essência, os argumentos deduzidos no Requerimento inicial (a Requerente) e na contestação (a Requerida).

 

II – FACTOS PROVADOS

 

  1. A Requerente é proprietária de um prédio urbano em regime de propriedade total, constituído por fracções susceptíveis de utilização independente sito na inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo matricial nº ….
  2. Na sua qualidade de proprietária, a Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo, feita ao abrigo da norma constante da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, com referência ao ano de 2012.
  3. A Requerente foi notificada para o pagamento desta liquidação de Imposto do Selo, em três prestações, mais concretamente em Marco, Julho e Novembro de 2013 (tendo juntado os comprovativos do pagamento desta última prestação em requerimento datado de 29 de Novembro de 2013).
  4. Posteriormente, em 7, 13, 20 e 29 de Janeiro e 7 de Fevereiro de 2014, a Requerente foi notificada de novas liquidações de Imposto do Selo referentes às liquidações inicialmente recebidas (ver ponto I.6 (i) a (xii) supra), que, de uma forma tácita, vieram substituir estas.  
  5. Os factos acima mencionados resultam provados pelos documentos anexados pela Requerente, não se tendo provado outros factos considerados relevantes para a decisão objecto do presente processo.

 

Cumpre, agora, apreciar e decidir.

 

III – DECISÃO

 

  1. QUESTÃO PRÉVIA

 

  1. Do prosseguimento do processo arbitral contra os novos actos de liquidação

 

  1. Entende a Requerente que as actos de liquidação recebidos em 7, 13, 20 e 29 de Janeiro revogam implicitamente os anteriores actos de liquidação e que suportavam o requerimento inicialmente apresentado ao Tribunal, pelo que, nos termos do artigo 64º do CPTA deve o processo prosseguir contra os novos actos, uma vez que entre os actos inicialmente recebidos e ou recebidos nas datas aqui referidas existe uma incompatibilidade explícita, pois se referem à liquidação do mesmo imposto (IS), referente ao mesmo período de tributação e ao mesmo prédio.
  2. Dispõe o citado artigo 64º do CPTA, no seu nº 1, que “Quando na pendência do processo, seja proferido acto revogatório com efeitos retroactivos do acto impugnado, acompanhado de nova regulação da situação, pode o autor requerer que o processo prossiga contra o novo acto, com a faculdade de alegação de novos fundamentos e do oferecimento de diferentes meios de prova.”
  3. Entende o Tribunal que, no caso em apreço, se encontram verificados os pressupostos de aplicação do disposto neste preceito do CPTA, pelo que considera que os pedidos apresentados pela Requerente nos requerimentos entregues em 21 de Janeiro de 2014 e 10 de Fevereiro do mesmo ano, devem ser deferidos e o processo prosseguir relativamente aos actos de liquidação identificados supra no ponto I.6 (i) a (xii) desta decisão.

 

 

 

  1. DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO DO SELO.

 

  1. Entendeu a Requerente que os actos de liquidação de que foi notificada não estão devidamente fundamentados porque as notificações recebidas (documentos juntos à petição com os números 1 e 2), não indicam, desde logo, o elemento essencial que é a identificação do próprio acto de liquidação e ainda porque ao arrepio das normas legais aplicáveis, não se encontra qualquer referência ao número da liquidação em apreço, apenas se identificando o número de documento relativo a cada notificação para pagamento do imposto;
  2. Por seu lado, a AT, Requerida neste processo, entendeu que os actos de liquidação estavam suficientemente fundamentados, pois tratando-se de um acto tributário que pode ser liquidado de forma sumária, os actos em apreciação continham e indicavam os elementos mínimos legalmente previstos pelo artigo 77º nº 2 da LGT.
  3. Dispõe este preceito que “A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
  4. Ora, entendemos que os actos de liquidação notificados à Requerente contêm a informação considerada suficiente no preceito acima transcrito, pelo que os actos, apesar de sumariamente, se devem considerar como suficientemente fundamentados.
  5. Pois desses actos constam os elementos considerados essenciais pelo legislador, como sejam a disposição legal subjacente à liquidação, o valor tributável sobre o qual incide o imposto, ou seja, o valor patrimonial da fracção susceptível de utilização independente, bem como do prédio em propriedade total onde essa fracção se integra, a taxa aplicável, e, finalmente, o montante de imposto liquidado.
  6. O que permitiu à Requerente deduzir e fundamentar a sua contestação a esta liquidação.
  7. Nestes termos, não deve proceder o pedido de anulação feito com falta de fundamentação dos actos de liquidação objecto desta impugnação.

 

 

 

  1. DO PEDIDO DE ANULAÇÃO DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO COM   FUNDAMENTO NO ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE DIREITO

 

  1. A questão controvertida é a de saber se a sujeição a IS, nos termos previstos na Verba 28 da TGIS, é determinado pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional, ou se, pelo contrário deve ser determinada pelo VPT global do prédio, valor este que, em face da tese sustentada pela AT, corresponderia à soma de todos os VPT dos andares que o compõem e que tenham essa afectação.
  2. Convém, numa fase inicial, apontar qual o quadro legal aplicável à situação em apreciação.
  3. A sujeição a IS dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da TGIS, introduzida pela Le 55-A/2012, que veio tributar em sede deste imposto a seguinte realidade:

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal de Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para feito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%

  1. A referida Lei 55-A/2012 é omissa quanto à qualificação dos conceitos que constam da citada verba 28, em especial do conceito de “prédio com afectação habitacional”.
  2. Neste sentido, há que atender ao disposto no artigo 67º nº 2 do Código do Imposto do Selo (CIS), igualmente aditado pela já referida Lei 55-A/2012, onde se dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.
  3. Assim, em face da omissão acima referida e das dúvidas daí decorrentes há que recorrer, nos termos deste preceito, às regras fixadas, a este propósito, no CIMI.
  4. Como se transcreveu supra, a norma de incidência refere-se a prédios urbanos, cujo conceito vem previsto logo no artigo 2º do CIMI, sendo que a determinação do VPT destes prédios deve obedecer às regras constantes dos artigos 38º e seguintes também deste Código.
  5. No artigo 6º do CIMI, o legislador veio enumerar as diferentes espécies de prédios urbanos, sendo que entre as diversas classificações o legislador incluiu os prédios habitacionais, esclarecendo no nº 2 desse preceito que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”.
  6. O legislador optou, assim, como critério fundamental de classificação de um prédio, o da sua utilização normal, ou seja, a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano.
  7. Para além disso, o legislador não relevou se a situação do prédio é em propriedade horizontal ou em propriedade vertical, pois que na referida definição nenhuma referência é feita a esta “possível” forma de distinção.
  8. Fica assim por solucionar a questão essencial, que é a referente a saber qual o valor relevante para determinar a matéria colectável sobre a qual deve incidir o IS quando de tratem de prédios em propriedade vertical, quando os mesmos sejam constituídos por diversas fracções susceptíveis de utilização, como é o caso dos presentes autos.
  9. A posição da AT tem sido a de considerar os prédios em propriedade vertical como um todo (apesar e independentemente da existência de fracções “independentes”), considerando que o respectivo VPT é o que resulta da soma do VPT de todas as fracções.
  10. Ora, no presente processo, a AT seguiu, uma vez mais, este entendimento, o que, conforme já foi considerado em diversas decisões proferidas em processos submetidos à Arbitragem Tributária, não é aceitável.
  11. A este propósito, e pela clareza e pela solidez de argumentação que evidencia, reproduz-se, com a devida vénia, o disposto na Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo 50/2013-T do CAAD.
  12. Assim:
  13. “Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67º nº 2 do Código do Imposto do Selo, “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.

Ora, sendo assim, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.

Aliás, a própria AT admite que este é o critério, razão pela qual a própria liquidação emitida é muito clara nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT do 2º andar e a liquidação individualizada sobre a parte do prédio correspondente a esse mesmo andar.

Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

Assim, só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se algumas das partes andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.

Não pode, assim, a AT considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, e este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS.

O critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio ão se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS.

 

Ao que acresce o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 – “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI” (sublinhado nosso)

Assim, a adoção do critério defendido pela AT viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.”

  1. Ora, no processo aqui em apreciação, trata-se de um prédio em situação de propriedade vertical, com diversas fracções ou partes destinadas, na sua grande maioria, a habitação e susceptíveis de utilização independente.
  2. Contudo, conforme resulta das diferentes notas de liquidação juntas aos autos, nenhuma das fracções ou partes destinadas a habitação tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, pelo que só se pode concluir que não se verifica o pressuposto legal de incidência do IS estabelecido na verba 28 da TGIS.
  3. Assim, considera-se que o critério adoptado pela AT para liquidação de IS à requerente, viola, de forma clara e evidente, o princípio da legalidade.
  4. Desta forma, não pode o pedido de anulação da Requerente deixar de proceder com o fundamento de violação de lei, o que prejudica as demais questões por ela suscitadas, bem como qualquer outra de que o Tribunal pudesse oficiosamente conhecer.

 

  1. CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, julga-se procedente o pedido de anulação das liquidações de Imposto do Selo efectuada pela Requerente, condenando-se a autoridade tributária e aduaneira a restituir à Requerente o valor de € 21.854,00 (vinte e um mil oitocentos e cinquenta e quatro euros) acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data em que realizou o pagamento desta quantia e a data de emissão da correspondente nota de crédito a favor da Requerente.

 

Custas calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de custas dos processos de arbitragem tributária em função do valor do pedido, a cabo da Requerida, e que fixo em € 612,00 (seiscentos e doze euros).

 

Lisboa, 30 de Maio de 2014

 

Notifique-se

 

O ÁRBITRO

 

 

João Marques Pinto

 

 

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga, com excepção das transcrições efectuadas.