Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 346/2017-T
Data da decisão: 2018-02-06  Selo  
Valor do pedido: € 25.391,40
Tema: Imposto do Selo – Verba 28.1 da TGIS – Propriedade Vertical. Indeferimento de pedido de revisão oficiosa.
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Decisão Arbitral

 

 

 

       O árbitro, Dr. Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 24 de Agosto de 2017, acorda no seguinte:

 

 

1.    RELATÓRIO

 

1.1. A…, S.A., com o número de identificação fiscal …, doravante designado por “Requerente”, requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa emitido em 11/05/2017, por Despacho do Senhor Director de Finanças de Faro da Autoridade Tributária e Aduaneira, e, consequentemente, da anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo emitidos com fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo, no valor total de € 25.391,40 (vinte e cinco mil, trezentos e noventa e um euros e quarenta cêntimos), relativo aos anos de 2014 e 2015, cujas notas de cobrança foram juntas pela Requerente com a petição arbitral, identificado nos documentos 2 a 127 juntos, e que aqui se dão por articulados e reproduzidos, para todos os efeitos legais, os quais respeitam ao prédio urbano identificado sob o artigo matricial …, pertencente à União das Freguesias de … e …, concelho de Silves e distrito de Faro, em regime de propriedade total, composto por 23 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, não se encontrando constituído em regime de propriedade horizontal, sendo todas afectas a habitação.

 

1.3. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que a AT não se limitou a indeferir o pedido de revisão oficiosa com fundamento na sua intempestividade, mas que se pronunciou sobre a legalidade dos actos tributários em causa nos autos, tendo o Tribunal Arbitral competência para a apreciação do pedido arbitral. Mais considera que o despacho que ditou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa e os actos de liquidação padecem de erro nos pressupostos de facto e de direito, e que os actos de liquidação de Imposto de Selo objecto deste pedido arbitral padecem do vício de violação de lei por violação da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS. Considera que não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue, donde, sustenta, fixar como valor de referência para a incidência o VPT global do prédio não tem qualquer suporte legal. Pugna, em suma, pela anulação do acto de indeferimento do pedido de revisão oficioso apresentado, procedendo-se, consequentemente, à anulação dos actos tributários de liquidação em causa nos autos, pelo reembolso das quantias pagas, acrescido de juros indemnizatórios. Vem igualmente, a título subsidiário, requerer que seja desaplicada no caso concreto a verba 28 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo, por inconstitucionalidade, por violação do princípio constitucional da igualdade.

 

1.4. A AT, por seu turno, vem defender-se por excepção, defendendo intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, porquanto defende que o pedido de revisão oficiosa deveria ter sido apresentado no prazo de 120 dias a contar da data de pagamento das prestações de imposto de selo em causa nos autos, não o tendo sido, pelo que o referido pedido foi considerado extemporâneo e indeferido liminarmente, e que não pode a Requerente justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de um pedido de revisão extemporâneo, sendo que esta constitui excepção peremptória, a qual implica a absolvição da AT quanto ao pedido, uma vez que impede o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente.

Sem conceder, e por Impugnação, sustenta que o pedido de declaração de ilegalidade, e consequente anulação dos actos de liquidação controvertidos, deverá ser julgado improcedente, dado que propugna no sentido de no que se refere à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o valor que serve de base ao cálculo do imposto, é, indiscutivelmente, o inscrito na caderneta predial como sendo o valor patrimonial total e que, muito embora a liquidação de Imposto do Selo, nas condições previstas na verba 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações.

Sustenta que tal corresponde ao caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, pois muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente, para efeitos de Imposto do Selo releva o prédio na sua totalidade, propugnando assim pela legalidade dos actos tributários porque configuram uma correcta aplicação da lei aos factos, conclui pela manutenção dos actos de liquidação e, consequentemente, pela improcedência do pedido da Requerente. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios entende que o mesmo não é devido, porquanto à data dos factos tributários em causa limitou-se a aplicar a lei aos factos, não se podendo falar em erro imputável aos serviços.

 

1.5. Entendeu o Tribunal, nos termos do peticionado pela Requerida, e que não mereceu oposição por parte da Requerente, dispensar a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral, de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT. Foi identificada uma excepção, tendo a Requerente sido notificada pelo Tribunal para, querendo, se pronunciar em obediência ao princípio do contraditório, não o tendo feito. 

Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações, querendo, não o tendo feito.

Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao dia 24 de Fevereiro de 2018.

 

* * *

 

1.6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

 

2.    QUESTÃO A DECIDIR

 

       O thema decidendum é o de determinar, com referência a um prédio em propriedade total, não constituído em regime de propriedade horizontal, integrado por diversos andares com utilização independente, in casu, com afectação habitacional, qual o Valor Patrimonial Tributário (VPT) relevante, aferindo do critério de incidência do imposto correcto face à lei, de modo a determinar se este deve ser aferido pelo somatório do valor patrimonial tributário atribuído aos diferentes andares (VPT global) ou, antes, se deve ser atribuído a cada um dos andares habitacionais individualmente considerados.

 

       No entanto, e porque foi pela AT na sua Resposta aduzida matéria de excepção, importa desta conhecer primeiro, porquanto a sua procedência implica a absolvição da instância arbitral e o não conhecimento do pedido.

 

        

3.         MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A) À data das liquidações sub judice, o prédio urbano objecto das liquidações controvertidas, prédio urbano identificado sob o artigo matricial …, pertencente à União das Freguesias de … e …, concelho de Silves e distrito de Faro, encontrava-se em regime de propriedade total, composto por 23 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, não se encontrando constituído em regime de propriedade horizontal, ao qual foi atribuído um VPT total no valor de € 1.269.570,00, correspondente à soma dos VPT de cada uma das divisões com utilização independente (cfr. Documentos de prestação de imposto de selo liquidado constantes dos documentos 2 a 127 juntos pela Requerente com a petição arbitral).

B) O prédio acima identificado é composto por 23 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, todas afectas a habitação.

C) Nenhum dos andares susceptíveis de utilização independente, a que foi atribuído um VPT autónomo pela Requerida, tem um VPT individualizado que exceda o valor de €1.000.000,00 (cfr. Documentos de prestação de imposto de selo liquidado constantes dos documentos 2 a 127 juntos pela Requerente com a petição arbitral).

D) A Requerente foi notificada para efectuar o pagamento do imposto de selo efectuado com base na verba 28.1 da TGIS, sobre o referido imóvel (cfr. Documentos de prestações de imposto de selo liquidado com referência aos anos de 2014 e 2015 juntos pela Requerente com a petição arbitral e melhor identificados sob os números 2 a 127).

E) O valor total da liquidação do Imposto do Selo com referência aos anos de 2014 e 2015 foi de € 25.391,40, valor, esse, pago pela Requerente conforme indica no artigo 25.º da sua petição, facto não contestado pela AT.

F) A AT, considerando o VPT global atribuído ao prédio em causa nos autos, entendeu estarem verificados os pressupostos objectivos para a liquidação do Imposto do Selo, decorrentes da verba n.º 28 da TGIS.

G) A Requerente apresentou no dia 07/04/2017 um pedido de revisão dos actos tributários, com fundamento no artigo 78.º da LGT, invocando vícios de violação de lei, erro nos pressupostos de direito e violação de princípios constitucionais e solicitando a anulação das liquidações em crise nos autos, o qual tramitou sob o número …2017… .

H) A AT decidiu indeferir tal pedido de revisão, por rejeição liminar, por Despacho do Senhor Director de Finanças de Faro emitido em 11/05/2017, embora apreciando os vícios que foram imputados pela Requerente aos actos de liquidação em causa nos autos (cfr. Documento n.º 1 junto pela Requerente).

I) No dia 26 de Maio de 2017, a Requerente apresentou um requerimento de constituição do Tribunal Arbitral junto do CAAD – cfr. requerimento electrónico no sistema do CAAD.

4.    FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão de mérito que não se tenham provado.

 

 

5.    FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

            Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

 

 

6.    DO DIREITO

 

6.1. Da matéria de Excepção: Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

 

       De acordo com o disposto no artigo 608º, nº 1 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância (…)”, devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

 

Sublinhado nosso

 

       O pedido de revisão dos actos tributários está sujeito a prazos estabelecidos no artigo 78.º da LGT.

 

       Estando em causa apreciar um acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, caso se considere que o pedido foi apresentado fora de prazo e que, como tal, o mesmo nunca poderia ter sido atendido, então haverá que decidir pela legalidade do indeferimento, por extemporaneidade do pedido, o que acarreta que o mesmo pedido não pode reabrir a via contenciosa de impugnação.

 

       É esta a questão que, in casu, cabe analisar.

 

         O pedido de revisão dos actos tributários em causa foi apresentado pelo Requerente em 07 de Abril de 2017 e teve como fundamento a invocação de um conjunto de vícios de lei, erro nos pressupostos de direito e a violação de princípios constitucionais.

 

       As liquidações impugnadas foram emitidas em 20/03/2015 e 05/04/2016.

 

       O artigo 78º, nº 1 da LGT estipula:

 

       1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

       Constitui jurisprudência assente que a revisão dos actos tributários pela Administração Tributária pode ser requerida pelos sujeitos passivos no prazo de quatro anos.

 

       Veja-se este aresto do Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 04-05-2016, proferido no processo n.º 407/15:

 

       “É hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento.”.

 

Sublinhado nosso.

 

       A jurisprudência arbitral tem adoptado esta mesma doutrina, do que se dá como exemplo a decisão arbitral proferida no processo 27/2016-T de 29-06-2016.

 

       Ora, in casu, as liquidações de que se pediu a revisão foram emitidas em 20/03/2015 e 05/04/2016 e se o pedido de revisão das mesmas foi apresentado em 07/04/2017, há que concluir que não se encontrava esgotado o prazo de quatro anos previsto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

       Além disso, para poder aproveitar do prazo de quatro anos previsto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o pedido devia ser formulado com fundamento em erro imputável aos serviços, o que, in casu, terá acontecido, atenta a Informação/resposta da AT ao pedido de revisão formulado e que contém a sua apreciação (veja-se, neste sentido, os pontos 24 a 34, inclusive).

 

       Recorde-se que nos casos previstos na norma de iniciativa oficiosa de revisão, podem os contribuintes provocar a revisão a levar a efeito pela AT, visto se entender a revisão como um poder-dever, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a AT tem de observar na globalidade da sua actividade (artigos 266, n.º.2, da CRP, e 55.º, da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.
 

       O conceito de "erro imputável aos serviços" a que alude o artigo 78, nº.1, 2ª. parte, da LGT, embora não compreenda todo e qualquer "vício" (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só "erros", estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito "erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à AT, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial.

 

       Ora, um erro de direito, quanto aos pressupostos, é precisamente o vício que a Requerente assaca às liquidações impugnadas, erro que pretenderam ver sanado através do pedido de revisão dessas liquidações,

 

       Tendo esse pedido sido indeferido em 11 de Maio de 2017, a Requerente dispunha do prazo de 90 dias para apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo-o o feito no dia 26 de Maio de 2017, bem antes de decorrido esse prazo.

 

       Os actos que decidem reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou pedidos de revisão de acto tributário constituem actos de segundo e terceiro grau na medida em que comportam a apreciação de legalidade de actos de primeiro grau, ou seja, actos de liquidação e, como tal, entende-se que cabe no escopo da competência dos tribunais arbitrais a apreciação daqueles actos. Apenas nos casos em que o acto de segundo ou terceiro grau apreciou apenas e somente uma questão prévia cuja solução obstou à apreciação da legalidade do acto primário – como, por exemplo, intempestividade, ilegitimidade ou incompetência – estariam fora do âmbito material de competência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD.

 

       Apenas não seria assim caso a AT houvesse recusado a apreciação do pedido de revisão oficiosa com fundamento em qualquer questão prévia que obstasse ao conhecimento da legalidade do acto tributário pois, neste caso, o acto tributário teria de ser impugnado por via da acção administrativa especial e, consequentemente caberia fora da esfera de competência do tribunal arbitral.

 

       Ora, uma simples leitura do teor bastante extenso da Informação que subjaz a resposta da AT ao pedido de revisão apresentado, bem como do Despacho do Senhor Director de Finanças ao rejeitá-lo “nos termos propostos” leva-nos a concluir que foi analisada a legalidade dos actos tributários de liquidação de cuja revisão (e consequente anulação) a Requerente pugnou.

 

Improcede, assim, a excepção de intempestividade (caducidade do direito de acção) da acção arbitral com base na alegada extemporaneidade do pedido de revisão cujo indeferimento se impugna nos presentes autos arbitrais.

 

 

6.2. Da legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo.

 

 

       Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo referente aos anos de 2014 e 2015.

 

       A questão decidenda prende-se em determinar se o valor patrimonial relevante para efeitos de incidência objectiva verba 28.1 da TGIS, quando esteja em causa um prédio não constituído em propriedade horizontal, é o de cada andar ou divisão independente autonomamente considerado, ou, se ao invés, deverá corresponder ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído a cada um desses andares ou divisões independentes.

 

       A questão a decidir, nos termos e com os fundamentos que aqui se colocam, tem sido objecto de inúmeras decisões dos tribunais superiores no sentido sustentado pela Requerente - a título de exemplo, e por ser recente, veja-se o Acórdão do STA n.º 10090/17, de 22 de Novembro (Rel.: Cons.ª Dulce Neto) no qual, além do mais, se pode ler que “a posição sustentada pela recorrente [AT] contraria frontalmente a tese doutrinal consagrada, de forma pacífica e reiterada, pelo Supremo Tribunal Administrativo, mormente no acórdão em que se ancorou a sentença recorrida, prolatado por esta Secção em 9/09/2015, no proc. nº 0899/14. Acresce que, para além desse acórdão, foram tirados inúmeros outros arestos, v. g., os mencionados na conclusão 15.ª das contra-alegações e, posteriormente, o acórdão uniformizador de jurisprudência prolatado pelo Pleno desta Secção em 29/03/2017, no proc. nº 0593/16.”.

 

       É esta também a posição de inúmeras decisões proferidas pelos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD.

 

       Seguir-se-ão de bem perto as decisões emitidas por este mesmo Tribunal Arbitral proferidas nos Processos n.ºs 390/2016-T, 417/2016-T e 483/2016-T, e que se pronunciaram sobre a mesma questão fundamental de direito em causa nos presentes autos.

 

       A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio alterar o artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, e aditar à Tabela Geral do Imposto do Selo, a Verba 28, criando uma nova realidade sujeita a imposto, consubstanciada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

 

       Por isso, importa determinar-se, quando esteja em causa um prédio não constituído em propriedade horizontal, se o conceito de “prédio com afectação habitacional” deve ser interpretado como correspondendo a cada unidade autonomamente considerada e incidir sobre o respectivo valor patrimonial ou se, ao invés, deve corresponder à totalidade das unidades autónomas, devendo consequentemente incidir sobre o somatório do valor patrimonial tributário atribuído a cada uma dessas unidades.

 

       A Verba 28 da TGIS em apreciação foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro com a seguinte redacção:

 

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %; 28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”.

 

       Sucede, no entanto, que nem o Código de Imposto de Selo, nem a Lei n.º 55- A/2012, de 29 de Outubro concretizam o conceito de “prédio urbano com afectação habitacional”.

 

       Resulta do disposto no número 2 do artigo 67.º do Código do Imposto de Selo que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.” - Redacção dada pelo artigo 3.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro.

 

        Por seu turno, no Código do IMI o conceito de prédio encontra-se definido no número 1 do seu artigo 2.º, do qual resulta que “Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico (…).”.

 

       E esclarecendo-se no n.º 4 desta disposição legal que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

 

       Da leitura isolada desta disposição legal podíamos ser levados, numa interpretação algo enviesada, a entender que em sede de IMI, as fracções autónomas, em regime de propriedade horizontal, teriam um tratamento distinto das partes de um prédio susceptíveis de utilização independente.

 

       Sucede, porém, que uma análise mais atenta do regime permite concluir precisamente o contrário.

 

       Como foi sublinhado pelo Provedor de Justiça ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em ofício datado de 2 de Abril de 2013, “a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por partes susceptíveis de utilização independente, obedece às mesmas regras da inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o IMI respectivo, bem como o novo Imposto do Selo, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes.”.

 

       Com efeito, neste mesmo sentido dispõe o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI, ao determinar que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário.”.

 

       De acordo com o artigo 119.º do Código do IMI “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.”.

 

       Face a todo o supra exposto, para efeitos de tributação em sede de IMI, cada unidade independente, mesmo que integrando um mesmo prédio, é considerada separadamente, sendo-lhe atribuído um valor patrimonial próprio e sendo tributada autonomamente.

 

       Acompanhando-se o entendimento sufragado na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 50/2013-T, de acordo com a qual “se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto. Assim, só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.”.

 

       Tendo em consideração que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, para efeitos do Código do IMI, segue as mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o Imposto do Selo, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não parece, ao presente tribunal, que exista qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto terá de ser o mesmo.

 

       Neste contexto, se a lei exige, relativamente ao IMI, a emissão de notas de liquidação individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, exigirá, nos mesmos termos, relativamente à regra de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.

 

       E mais se diga que foi esse inclusive o entendimento adoptado pela Requerida, ao emitir, como emitiu, notas de liquidação individualizadas, referentes a cada uma das divisões ou andares susceptíveis de utilização autónoma, demonstrando que, na sua opinião, as aludidas divisões, apesar de juridicamente não constituídas em propriedade horizontal, seriam, para todos os efeitos, independentes entre si. Todavia, olvidou esta última que não poderia, em virtude do enquadramento previamente vertido, proceder ao somatório dos VPT’s individuais dos andares previamente mencionados, procurando alcançar um valor que já caísse na alçada da base de incidência da verba n.º 28 da TGIS.

 

       Resumindo, o critério estabelecido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT individuais atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, servindo-se do facto de o prédio em causa nos autos não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra, no entendimento do tribunal, sustentação legal, sendo, nomeadamente, contrário ao critério aplicável em sede de IMI e, por remissão (nos termos mencionados supra), em sede de Imposto do Selo.

      

       Neste contexto, considera o presente tribunal que o critério defendido pela Requerida viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal.

 

       Tratando-se, como se trata, de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do Imposto do Selo deve ser determinada, não pelo valor patrimonial tributário resultante do somatório do valor patrimonial tributário de todos os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (individualizados como tais no artigo matricial), mas sim pelo valor patrimonial tributário atribuído a cada um desses andares.

 

       Neste mesmo sentido tem correspondido a maioria das decisões emitidas por este Centro de Arbitragem, e, também, pelos Tribunais Judiciais, destacando-se, a título de mero exemplo, os Acórdãos emitidos pelo Supremo Tribunal Administrativo nos processos com os números 01534/15; 01354/15 e 047/15, 01219/16, só para referir alguns.

 

       Em face do exposto, e considerando que nenhum dos andares ou divisões independentes que integram o prédio em causa nos autos tem um valor patrimonial superior a € 1 000 000, a liquidação controvertida enferma de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e a correspondente anulação de todos os actos tributários em causa nos autos com referência ao Imposto do Selo cobrado ilegalmente ao abrigo da verba n.º 28.1 da TGIS relativamente aos anos de 2014 e 2015.

 

       Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 124.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…).”.

 

       Em face da solução dada às questões relativas à determinação do VPT relevante para aplicação da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, fica prejudicado o conhecimento da questão suscitada pela Requerente, nomeadamente a da inconstitucionalidade da referida norma, por a mesma não ser passível da interpretação que, no caso, foi feita pela AT.

 

       Quanto ao direito a juros indemnizatórios, peticionado pela Requerente, cumpre referir que dispõe a alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º, do RJAT que a Decisão Arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.

 

       Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no art.º 100.º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

 

       Dispõe, por sua vez, o artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

       Da análise dos elementos probatórios constantes dos autos é possível concluir que a Requerida tinha total e cabal conhecimento dos elementos factuais relevantes para proceder à correcta liquidação do imposto, não o tendo feito e optando por manter as liquidações inquinadas de erro sobre os pressupostos, e por isso mesmo ilegal, estando, por isso, obrigada a indemnizar.

 

       Assim sendo, atento o disposto no artigo 61.º, do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do artigo 43.º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantias que já pagou, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até ao seu integral reembolso.

 

           

7.         DECISÃO

 

       Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:

 

 

- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, e, bem assim, declarar a consequente anulação, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, dos actos de liquidação de Imposto do Selo, relativos aos anos de 2014 e 2015, melhor identificados nos autos, no valor total de Euro 25.391,40, devendo tal montante ser reembolsado à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantias que já pagou, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até ao seu integral reembolso.

 

 

* * *

 

            Fixa-se o valor do processo em Euro 25.391,40, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

            O montante das custas é fixado em Euro 1.530,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

           

Notifique-se.

 

            Lisboa, 06 de Fevereiro de 2018.

 

 

O Árbitro,

 

 

 

                                               Dr. Henrique Nogueira Nunes

 

 

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.