Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 104/2017-T
Data da decisão: 2018-01-31  IMT Selo  
Valor do pedido: € 27.225,75
Tema: IMT e Imposto do Selo - Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH. Alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.
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DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

Em 6 de fevereiro de 2017, A…– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, SA, com o NIPC … e com sede na …, n.º…, …, em Lisboa, na qualidade de Entidade Gestora do B…– FUNDO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, com o NIPC … (doravante Requerente), veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de nulidade, ou, subsidiariamente, a anulação das liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.º…, da quantia de € 23 746,75 e de Imposto do Selo (IS) – verba 1.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo, n.º…, da quantia de € 3 479,00, no valor global de € 27 225,75, valor económico que atribui ao pedido.

 

Mais pede a Requerente a condenação da Requerida na restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros moratórios e indemnizatórios.

 

Síntese da posição das Partes

a. Da Requerente:

A fundamentar o pedido, alega a Requerente o seguinte:

  1. O “Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (SIIAH) ”, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2009), estabeleceu, no seu artigo 8.º, o respetivo regime tributário, de acordo com o qual ficavam isentos de IMT “as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1” (artigo 8.º, n.º 7, alínea a)) e de Imposto do Selo “todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.” (artigo 8.º, n.º 8);
  2. O artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), aditou ao artigo 8.º, do “Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (SIIAH) ” os n.ºs 14 a 16, consagrando ainda o n.º 2 do seu artigo 236.º uma norma de direito transitório, dispondo que as alterações introduzidas àquele artigo 8.º se aplicariam aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014 (n.º 1), sendo igualmente aplicáveis “aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”;
  3. Tendo a aquisição da fração autónoma objeto das liquidações impugnadas sido efetuada no âmbito da redação inicial do artigo 8.º, do “Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (SIIAH)”, não poderia ocorrer a sua tributação à luz das alterações introduzidas àquela norma pelo artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, como veio a acontecer, sob pena de inconstitucionalidade, por se tratar de uma aplicação retroativa dos n.ºs 14 a 16 do citado artigo 8.º, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 103.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP);
  4. Os n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, do referido Regime, vieram estabelecer, ex novo, pressupostos de cujo cumprimento depende o direito à isenção de IMT e de Imposto do Selo, inexistentes à data da aquisição do imóvel tributado, ao concretizar o conceito de “prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente”, bem como as circunstâncias em que os que integram o ativo dos FIIAH deixam de beneficiar da isenção prevista nos n.ºs 7, alínea a) e 8, do mesmo artigo.

Considera assim a Requerente que, tendo o artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, introduzido um novo regime de caducidade das isenções, a norma do n.º 2 do artigo 236.º, da mesma Lei, ao determinar a aplicação retroativa daquele novo regime a situações ocorridas ao abrigo da lei anterior e já consolidadas na ordem jurídica, padece de inconstitucionalidade, vício que inquina as liquidações impugnadas, efetuadas ao abrigo do disposto no n.º 16 do artigo 8.º, do “Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (SIIAH)”.

Conclui, assim, que as liquidações objeto dos autos são nulas, por ilegalidade abstrata, pedindo a declaração da sua nulidade ou, subsidiariamente, caso se entenda que tal vício gera apenas anulabilidade, que as mesmas sejam anuladas, por ilegais.

b. Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta, em que veio defender a legalidade e a manutenção dos atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

  1. As alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ao regime tributário aplicável aos FIIAH e às SIIAH, aprovado pelo artigo 102.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2009) limitaram-se a concretizar o significado da expressão “prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, passando a prever expressamente um regime de cessação do benefício fiscal, em caso de inobservância daquele requisito legal;
  2. No entanto, as referidas alterações não importam retroatividade, porquanto à data da criação do regime tributário aplicável aos FIIAH, os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das isenções de IMT e de Imposto do Selo nele previstas, teriam que cumprir o pressuposto de que os móveis adquiridos fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente;
  3. As liquidações impugnadas não importam qualquer lesão dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, pois a norma transitória constante do n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, estabeleceu um período transitório de três anos para aplicação das alterações introduzidas ao “Regime Tributário dos FIIAH”, não se limitando a fazer cessar, de imediato, todas as isenções em curso, que não provassem possuir os requisitos legais;
  4. É manifesto que, desde o início do “Regime Tributário dos FIIAH”, sempre o benefício poderia cessar desde que deixassem de se verificar os respetivos pressupostos, acrescendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º, do EBF, a alienação do prédio a que respeitam as liquidações em apreço sempre determinaria que ficariam sem efeito as isenções de que o Requerente beneficiou aquando da sua aquisição;
  5. A lei nova não estabeleceu nenhum novo requisito, apenas concedeu um prazo para cumprimento desse requisito; não se trata, pois, de alterar os pressupostos, condições de atribuição ou de reconhecimento de um benefício fiscal, mas tão só e apenas de período de tempo para efeitos de comprovação do cumprimento de um requisito previamente estabelecido

Conclui a AT pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com absolvição de todos os pedidos nos termos em que são formulados.

 

II. SANEAMENTO

  1. O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 19 de abril de 2017, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT;
  2. Por Despacho do Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, de 10 de novembro de 2017, foi a subscritora designada árbitro em substituição do árbitro anteriormente em funções no processo, designação aceite dentro do prazo aplicável, sem oposição das Partes;
  3. Pelo Despacho Arbitral de 5 de dezembro de 2017, notificado em 7 de dezembro de 2017, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, prorrogado, até 19 de dezembro de 2017, o prazo para prolação da decisão arbitral, e convidadas as Partes à produção de alegações escritas sucessivas, pelo prazo de dez dias;
  4. Por Despacho Arbitral de 18 de dezembro de 2017, notificado às Partes na mesma data, foi comunicada nova prorrogação do prazo para decisão, a proferir até 31 de janeiro de 2018, advertindo-se a Requerente de que, até àquela data, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral remanescente;
  5. As Partes não produziram alegações;
  6. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;
  7. O processo não padece de vícios que o invalidem;
  8. Não foram invocadas exceções que cumpra apreciar;
  9. A cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, na medida em que o pedido de pronúncia arbitral formulado, e a respetiva procedência, dependem da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral e tendo ainda em conta os factos invocados pelas Partes, nos quais se fundamenta, fixa-se como segue:

A) Factos provados

1. A fração autónoma designada pelas letras “CY” do prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia e concelho de …, concelho de Lisboa, destinada a habitação, foi adquirida pelo “B… – FUNDO IMOBILIÁRIO FECHADO DE ARRENDAMENTO HABITACIONAL”, em 11 de novembro de 2013, pelo preço de € 434 765,50 (Doc. 1 junto à P. I.);

2. Aquando da aquisição da fração autónoma identificada, o adquirente beneficiou das isenções de IMT e de Imposto do Selo, nos termos do artigo 8.º, n.ºs 7, alínea a) e 8, respetivamente, do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH (Doc. 1 junto à P. I.);

3. O sujeito passivo, solicitou aos serviços locais da AT que emitisse as liquidações de IMT e de Imposto do Selo ora objeto dos presentes autos, “porque vai ser alienada a fração supra mencionada” – Conforme os termos de liquidação – Doc. 1, junto à P. I.;

4. De acordo com o requerido, foram emitidas em seu nome as liquidações de IMT n.º…, da quantia de € 23 746,75 e de Imposto do Selo (verba 1.1, da TGIS) n.º…, no montante de € 3 479,00, com data limite de pagamento em 2016-11-07 (Doc. 1 junto à P. I.);

5. Os termos das liquidações mencionadas, efetuadas ao abrigo do disposto no n.º 16 do artigo 8.º, do Regime dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arredamento Habitacional (FIIAH), referem reportarem-se as mesmas à seguinte situação: “Em 19 de Novembro de 2013 liquidaram o IMT N.º …/2013 pela aquisição do art.º…, fração “CY”, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Lisboa, ao Sujeito Passivo NIPC: … (C…), com o benefício Código 92 FIIAH/SIIAH (…) pelo preço de 434.765,50€ com afectação habitacional” (Doc. 1 junto à P. I.);

5. As liquidações impugnadas foram pagas em 7 de novembro de 2016 (Doc. 2 junto à P. I.).

B) Factos não provados

Não existem factos com relevância para a decisão da causa que tenham sido considerados não provados.

C) Fundamentação da fixação da matéria de facto

A fixação da matéria de facto fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e dos factos alegados e não contestados pelas Partes.

 

III.2 DO DIREITO

1. A questão a decidir

A questão controvertida na presente ação arbitral consiste em saber se a aquisição de um imóvel por um Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH), em data anterior a 1 de janeiro de 2014, com benefício das isenções previstas no artigo 8.º, n.ºs 7, alínea a) (IMT) e 8 (Imposto do Selo), do “Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (SIIAH)”, adiante, de forma simplificada, Regime Especial dos FIIAH, pode ser tributada nos termos estabelecidos pelo n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), se tal imóvel tiver sido alienado, fora das situações previstas no artigo 5.º daquele Regime Especial dos FIIAH.

2. O direito aplicável

O artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, estabeleceu o regime tributário aplicável aos FIIAH que viessem a ser constituídos durante os cinco anos subsequentes à sua entrada em vigor, relativamente aos imóveis por aqueles adquiridos para arrendamento habitacional, no mesmo período temporal.

Concretamente no que respeita ao IMT e ao Imposto do Selo, estatuíram os n.ºs 7 e 8 daquele artigo 8.º, que

7 – Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

8 – Ficam isentos de imposto do selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.”

O artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, veio aditar ao artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, os n.ºs 14 a 16.º, com a seguinte redação:

Artigo 8.º - [...]

(…)

14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”

Concomitantemente, o n.º 2 do artigo 236.º, da citada Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, estabeleceu uma norma de direito transitório, definindo os termos da aplicabilidade dos novos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, aos imóveis por aqueles adquiridos em data anterior a 1 de janeiro de 2014.

É a seguinte a redação do n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro:

Artigo 236.º - Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH

1 – (…)

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.

Para além das normas acabadas de referir, cumpre ainda convocar o artigo 10.º, do Código do IMT (Reconhecimento das isenções), por se tratar de isenções dependentes de reconhecimento e os artigos 7.º (Fiscalização) e 14.º (Extinção dos benefícios fiscais), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelos motivos que adiante se indicarão.

3. As liquidações de IMT e de Imposto do Selo impugnadas

Como decorre do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a apreciação da legalidade das liquidações impugnadas, exclusivamente à luz da norma ao abrigo das quais foram emitidas, isto é, do n.º 16 do artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, e da norma de direito transitório do n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que reputa de inconstitucional, por retroatividade da sua aplicação a uma situação ocorrida inteiramente no âmbito de lei anterior.

Invoca a Requerente, em abono da sua tese, a natureza de impostos de obrigação única, quer do IMT, quer do Imposto do Selo, cujo facto tributário, temporalmente localizado, se esgota na prática do ato de aquisição do imóvel, bem como o facto de lhe ter sido reconhecida a isenção daqueles impostos aquando da aquisição da fração autónoma ora objeto de tributação, direito que considera adquirido e já cristalizado na sua esfera jurídica à data das alterações ao Regime Especial dos FIIAH.

Contrapõe a AT que, desde o seu início, sempre o Regime Especial dos FIIAH definiu com clareza os pressupostos que condicionavam a atribuição das isenções de IMT e de Imposto do Selo aos FIIAH, com referência aos imóveis por aqueles adquiridos, “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” e que, independentemente das alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, sempre a AT poderia, no âmbito do dever de fiscalização dos pressupostos dos benefícios fiscais a que se refere o artigo 7.º (atual n.º 1), do EBF, decidir pela manutenção das isenções ou pela reposição do regime da tributação regra (artigo 14.º, n.º 1, do EBF) e que, nos termos do n.º 2 do citado artigo 14.º, do EBF, “quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à direta realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei”.

Vejamos.

No que respeita à chamada “ilegalidade abstrata da liquidação”, definida jurisprudencialmente como a situação em que “a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, decorrente da inexistência de lei em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação que preveja a sua liquidação ou da não autorização da sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação[1]; trata-se de um vício que constitui fundamento quer de oposição à execução fiscal, quer de impugnação judicial, nos termos dos artigos 204.º, n.º 1, alínea a) e 99.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), respetivamente.

Porém, no caso concreto dos presentes autos, à data dos factos a que respeita a obrigação tributária, os impostos em questão (IMT e Imposto do Selo) encontravam-se em vigor, encontrando-se também prevista quer a sua liquidação, quer a cobrança da respetiva receita. Apenas não houve lugar à liquidação daqueles impostos na data da aquisição, porquanto o adquirente reunia os pressupostos da respetiva isenção, que deixou de preencher aquando da alienação do imóvel adquirido.

Pelos motivos expostos, falece, neste aspeto, a argumentação da Requerente.

Assim como lhe não assiste razão quando afirma que, tratando-se de impostos de obrigação única, o facto objeto de tributação, quer em sede de IMT, quer em sede de Imposto do Selo, se esgotou na data da aquisição da propriedade do prédio pelo Fundo: é que, embora a aquisição onerosa do direito de propriedade sobre bens imóveis constitua o facto tributário acolhido pelas normas de incidência objetiva de cada um daqueles impostos (cfr. respetivamente, o artigo 2.º, n.º 1, do Código do IMT, o artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo e a verba 1.1., da Tabela Geral a ele anexa), ela não determina, por si só, o nascimento da obrigação tributária, se o facto tributário ficar paralisado perante a existência de um requisito negativo da tributação[2], como é a isenção. Nestes casos, só com a extinção do benefício fiscal se produz o facto tributário ou, nas palavras do legislador do EBF, é reposto o regime da “tributação regra”.

Nem o reconhecimento, a pedido do Fundo e em data anterior à da aquisição da fração autónoma objeto das liquidações de IMT e de Imposto do Selo impugnadas, nos termos do artigo 10.º, do Código do IMT, das isenções constantes dos n.ºs 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º, do Regime Especial do FIIAH, determinaria que tais isenções ficassem definitivamente cristalizadas na ordem jurídico-tributária, uma vez que elas sempre estiveram, desde a criação do Regime Especial dos FIIAH pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, condicionadas à verificação do requisito de que os prédios urbanos ou frações autónomas dos prédios urbanos adquiridos pelos FIIAH, se destinassem “exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”.

Porém, resulta da factualidade provada que as liquidações impugnadas foram emitidas a requerimento do sujeito passivo, no qual se informa expressamente os serviços locais da AT da alienação da fração autónoma a que as mesmas liquidações se reportam.

Não restam, pois, dúvidas, de que, com a alienação do imóvel tributado, lhe foi dado destino diferente daquele que era pressuposto da manutenção da isenção reconhecida aquando da sua aquisição, em novembro de 2013.

Nem se pode, por outro lado, invocar a especialidade do regime criado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, que, na ótica da Requerente, determinaria a definitiva cristalização das isenções concedidas, pois na omissão do legislador quanto às causas da caducidade das isenções de IMT e de Imposto do Selo previstas nos n.ºs 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, deverá entender-se serem aplicáveis as constantes da Parte I, do EBF, extensíveis a todos os benefícios fiscais (artigo 1.º, do EBF).

Assim, atendendo aos poderes de fiscalização da AT no que respeita ao “controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios” (artigo 7.º, do EBF, na redação em vigor à data dos factos), sempre esta poderia, na ausência de verificação de tais pressupostos, determinar a reposição do regime da tributação regra.

Concluindo-se, pelos motivos que antecedem, que as liquidações objeto dos presentes autos sempre poderiam ser emitidas pela AT, independentemente das alterações introduzidas pelo artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro ao artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, ou da norma transitória do n.º 2 do artigo 236.º, da mesma lei, que determinou a aplicação daquelas alterações aos imóveis adquiridos pelos FIIAH em data anterior a 1 de janeiro de 2014, a apreciação da constitucionalidade das referidas normas da Lei do Orçamento do Estado para 2014 torna-se irrelevante para a decisão da causa.

Conclui-se ainda que, não configurando as liquidações ora impugnados atos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo, por não terem determinado o pagamento dos tributos em medida superior ao legalmente previsto, devem as mesmas manter-se na ordem jurídica.

Mostrando-se devidos os impostos liquidados, fica prejudicada a apreciação da questão relativa aos juros indemnizatórios peticionados.

 

 

IV. DECISÃO:

De harmonia com os fundamentos de facto e de direito expostos, decide-se julgar improcedentes os pedidos de declaração de nulidade ou de anulação dos atos tributários de liquidação de IMT n.º…, da quantia de € 23 746,75 e de IS (verba 1.1, da TGIS) n.º…, no montante de € 3 479,00, que deverão manter-se.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 27 225,75 (vinte e sete mil, duzentos e vinte e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 530,00 (mil e quinhentos e trinta euros), a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

Lisboa, 31 de janeiro de 2018.

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09/04/2014, proferido no recurso n.º 076/14.

[2] Considerando a isenção como “pressuposto negativo, [que] obstará que se constitua um vínculo jurídico de imposto”, cfr. MARTINEZ, Pedro Soares, “Direito Fiscal”, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1993, págs. 188 e 189.