Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 183/2017-T
Data da decisão: 2018-01-18  Selo  
Valor do pedido: € 141.884,11
Tema: Imposto do Selo – Comissões cobradas pela Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões – artigo 7º, nº 1, alínea f) , do Código do Selo e verba 17.3.4 da TGIS.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Dr.ª Maria Manuela Roseiro (Arbitro-presidente designada pelos outros Árbitros), Dr. Joaquim Silvério Mateus e Prof. Doutor Manuel Pires, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20 de Junho de 2017, acordam no seguinte: 

 

  1. Relatório

 

1. A Requerente, com o NIPC…, "A… -Sociedade Gestora de Fundo de Pensões, SA", com sede na …, …-…, em Lisboa, apresentou, em 20 de Março de 2017, um pedido de constituição de tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, nº 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA).

2. A Requerente pede a apreciação da legalidade da liquidação do imposto do selo, nº 2016…, relativa à verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo e ao exercício de 2013, no montante de € 125.600,53, acrescido de € 16.283,58, respeitante a juros compensatórios, num total de € 141.884,11, com declaração da respectiva anulação e condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

3. Em 21 de Março de 2017 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

4. Tendo a Requerente manifestado, no pedido de pronúncia arbitral, a intenção de designar árbitro nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do referido RJAT, em conformidade com o disposto no artigo 10.º, n.º2, alínea g), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição do tribunal arbitral processou-se de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 6.º e nos n.ºs 2, 4, 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, tendo as partes procedido à designação do respectivo árbitro, o Dr. Joaquim Silvério Mateus, indicado pela Requerente, e o Professor Doutor Manuel Pires, indicado pela Requerida, os quais, por seu turno, com observância do estatuído no artigo 3.º, n.º 2, alínea b), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, designaram como árbitro Presidente, a Drª Manuela Roseiro.

5. Informadas as Partes dessa designação em 30 de Maio de 2017, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, e decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou regularmente constituído em 20 de Junho de 2017 para apreciar e decidir o objecto do processo, como então comunicado às Partes.

6. Na sequência de despacho arbitral para os efeitos do n.º 1 do art. 17.º do RJAT, a Requerida apresentou a sua Resposta e o processo administrativo em 14 e 15 de Setembro de 2017, respectivamente.

7. Com concordância das Partes, o tribunal decidiu a dispensa de reunião do artigo 18º do RJAT assim como de apresentação de alegações, indicando-se como data para comunicação da decisão arbitral o dia 15 de Dezembro de 2017. Em despacho que prorrogou o prazo de decisão da arbitragem ao abrigo do nº 1 do artigo 21º do RJAT, a data da decisão foi adiada para 15 de Janeiro de 2018,.

 

8. O Pedido de pronúncia

A Requerente sustenta, em síntese (da nossa responsabilidade):

  • Antes da entrada em vigor do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de Setembro, as operações financeiras que não estivessem sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado {IVA), ou, ainda quando sujeitas a IVA, dele estivessem isentas, encontravam- se sujeitas às disposições da Tabela Geral do Selo aprovada pelo Decreto nº 21.916 de 28/11/1932.
  • Na redacção vigente à data, as aberturas de crédito, os mútuos e garantias bancárias, eram abrangidas pelos artigos 1, 54 e 94 da referida Tabela, independentemente de essas operações serem, ou não, realizadas ou intermediadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras ou meros particulares e o artigo 120-A aplicava-se apenas a operações financeiras aí enumeradas, “realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito ou financeiras” - designadamente, nas alíneas e) e d), todas as comissões cobradas, incluindo por garantias prestadas – excluindo portanto as operações não financeiras ainda que realizadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras assim como as operações materialmente financeiras realizadas ou intermediadas por meros particulares.
  • No novo Código do Selo (aprovado pela Lei nº 150/99), o conteúdo do art.º 120-A da anterior Tabela foi totalmente integrado nas verbas 17.3.1, 17.3.2, 17.3.3 e 17.3.4 da nova Tabela Geral, correspondendo a verba 17.3.4. à alínea c) do 120-A, enquanto os artigos 1, e 54 da anterior Tabela foram integrados nas verbas 17.1 e 17.2 e o conteúdo do art. 94 na verba 10 da nova Tabela Geral.
  • O universo abrangido pelo anterior art. 120-A foi alargado, porque deixou de estar limitado às instituições de crédito ou sociedades financeiras que realizassem ou intermediassem operações financeiras, abrangendo “operações realizadas por ou com a intermediação de qualquer instituição financeira” (28º).
  • Instituições financeiras eram consideradas, designadamente, as previstas no artigo 13º, nº 4 do RGICSF assim como as próprias seguradoras (não obstante estarem estas excluídas da aplicação do RGICSF), já assim qualificadas pelo art. 8º do DL 102/94, de 24/4.
  • Os fundos de pensões (isentos de IRC nos termos do nº 1 do art. 16º do EBF) e as respectivas sociedades de gestão vieram a ser expressamente qualificados como instituições financeiras apenas com a redacção dada, pelo Decreto-Lei nº 66/2004, de 24 de Março, à alínea e) do nº 1) do art. 30º do Código dos Valores Mobiliários.
  • Até à referida alteração do CVM pelo Decreto-lei nº 66/2004, as sociedades gestoras, considerando não serem formalmente instituições financeiras, nunca liquidaram o imposto do selo da verba 17.3.4 da TGIS, relativo às comissões cobradas aos fundos de pensões que administravam.
  • O art. 120-A da antiga Tabela não isentava de imposto do selo a concessão de crédito e a cobrança de comissões relativas a operações realizadas ou intermediadas, exclusivamente por instituições de crédito e sociedades financeiras e apenas o nº 2, alínea b), 1ª parte, na redacção dada pelo art. 1º da Lei nº 24/94, de 18 de Julho, isentava de imposto do selo os juros cobrados por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades legalmente equiparadas a instituições, sociedades ou entidades da mesma natureza, umas e outras domiciliadas em território português.
  • Com o novo CIS (aprovado pela Lei nº 150/99) a isenção passou a abranger, além dos juros, a concessão de crédito e as comissões, deixando de depender de as instituições intervenientes nas operações estarem domiciliadas em território português.
  • Antes da redacção dada pelo Decreto-lei nº 287/2003, o nº 1 do artigo 6º do CIS previa, na alínea e), a isenção dos juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta (…) e, na alínea f), das comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades, cuja forma e objecto igualmente preenchessem os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, desde que igualmente cumpridos os princípios decorrentes do Código de Conduta (….),
  • A ampliação da isenção ao crédito (juros e comissões) constituiria um incentivo à actividade dos bancos e a ampliação da isenção às comissões cobradas pelas operações financeiras não de crédito contribuiriam para a neutralidade do imposto, evitando a tributação em cascata dos serviços financeiros, desincentivadora da subcontratação externa ainda que esta fosse mais eficiente.
  • Relativamente aos fundos de pensões, a hipótese de sujeição a imposto do selo, da subcontratação, cumulativamente com a subcontratação, sujeita à verba 17.3.4 da Tabela Geral, encorajaria a sociedade gestora a assegurar directamente, por razões apenas fiscais, os eventuais serviços a subcontratados.
  • Apesar de as isenções das alíneas e) e f) do nº 1 do art. do Código do Imposto do Selo, apenas se aplicarem, respectivamente, à concessão de crédito e juros cobrados por instituições de crédito e sociedades financeiras a entidades da mesma natureza e às comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições de crédito, não abrangendo as comissões cobradas aos fundos de pensões pelas sociedades gestoras, estas também não eram sujeitas à incidência do imposto do selo por não serem legalmente qualificadas como instituições financeiras (apenas ocorrido com a alteração do art. 30º do CVM pelo DL 66/2004).
  • A restrição, introduzida pela Lei do OE para 2001 (Lei nº 30-C/2000, de 29/12), da isenção prevista nas alíneas e) e f) do nº 1 (cf. nº 2 do art. 6º então aditado), às operações directamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da actividade desenvolvida pelas entidades referidas nessas alíneas, significa que o legislador quis limitar a isenção em causa referida na alínea e) à utilização do crédito e aos juros cobrados no caso de o crédito ser concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a entidades da mesma natureza, quando o crédito concedido devesse ser utilizado fora do objecto estatutário das entidades mutuárias, instituições de crédito ou sociedades financeiras.
  • Esta limitação da isenção em causa ao crédito e respectivos juros, abrangendo apenas a concessão de crédito, actividade tradicional das instituições de crédito, e não abrangendo igualmente as comissões cobradas fora do âmbito dessa actividade, era um retrocesso relativamente às opções da Lei nº 150/99, mas não afectou as sociedades gestoras de fundos de pensão porque estas (qualificadas como instituições financeiras apenas com o DL 66/2004), não estavam sujeitas a imposto de selo.
  • A revogação do referido nº 2 do artigo 6º pela Lei do OE para 2003 não é inócua, porque a nova redacção da alínea e) ampliou a isenção do imposto do selo, antes limitada ao crédito, e passou a incluir as comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco.
  • A expressão "bem assim" significa que estão isentos de imposto do selo tanto os juros e comissões cobradas como, igualmente, a utilização do crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades, cuja forma e objecto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária e não que apenas estão isentas de imposto as operações, incluindo concessão de crédito e juros e comissões cobradas, directamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da actividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras (…).
  • Esta interpretação é a adequada até porque o objecto da actividade das sociedades de capital de risco é a aquisição de capital próprio e alheio com vista ao desenvolvimento e não a concessão de crédito, que lhes está vedada (arts. 2º e 7º, nºs 1 e 2, do DL319/2002), e entender que o nº 2 do art. 6º do CIS (na redacção dada pela Lei do OE para 2001) se mantém em vigor inutilizaria as alterações ao artigo, sujeitando as sociedades de capital de risco a imposto.
  • Com a Lei do OE para 2004, o art.º. 7º, nº 1, alínea e) passou a abranger os juros e comissões cobradas e, bem assim, a utilização do crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco a outras sociedades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado (…) e também as garantias prestadas.
  • Ou seja, a isenção foi ampliada a todos os tipos de instituições financeiras previstos na legislação nacional e comunitária e passou a abranger as garantias prestadas por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a entidades da mesma natureza.
  • Tendo os fundos de pensões e sociedades gestoras, e os fundos de capital de risco e respectivas sociedades gestoras, passado a ser formalmente instituições financeiras, a partir do Decreto-Lei nº 66/2004, de 24 de Março, as comissões de gestão dos fundos de pensões e fundos de capital de risco ficaram abrangidas pela incidência do imposto do selo da verba 17.3.4 mas igualmente abrangidas pela isenção da alínea e) do nº 1 do então art. 7 do CIS.
  • Mesmo no caso de se considerar que as sociedades gestoras de fundos de pensões, as sociedades de capital de risco e as sociedades gestoras de fundos de capital de risco têm capacidade de concessão de crédito, o objecto da actividade das instituições financeiras que não são instituições de crédito nem sociedades financeiras não é a concessão de crédito (não estando, por isso, abrangidas pelo RGICSF), pelo que a limitação da isenção às operações directamente destinadas à concessão de crédito, tornaria a ampliação efectuada pelo OE para 2004 inútil, assentando na pretensa sobrevivência de uma norma revogada, e verificando-se, ainda, que a administração fiscal não liquidou adicionalmente o imposto em causa entre 2004 e 2012 às sociedades gestoras de fundos de pensões.
  • Nem se pode entender que a redacção dada ao nº 7, aditado ao artigo 7º do CIS pelo artigo 154º da Lei nº 7-A/2016 (OE para 2017), tenha carácter interpretativo, porque está-se perante uma norma não materialmente interpretativa (como as previstas no artigo 13º, nº 1 do Cód. Civil) mas apenas formalmente interpretativa já que a norma vigente não carecia de interpretação.
  • Acresce que as normas interpretativas são incompatíveis com o princípio constitucional da proibição da criação de impostos retroactivos (Ac. TC nº 172/2000).
  • Pelo que a aplicação da lei realizada pela AT sofre de ilegalidade e de inconstitucionalidade.

 

9. A Resposta

A Requerida responde, em síntese (da nossa responsabilidade):

  • Não colhe o argumento invocado pela Requerente de que seria contraditório a norma de isenção restringir-se à actividade de concessão de crédito quando abrange entidades inibidas de conceder crédito, como as sociedades gestoras de fundos de pensões, porque estas não sofrem a inibição legal absoluta de concessão de crédito imputada pela Requerente, podendo efectuar operações de concessão de crédito, embora em termos legalmente balizados [o art. 36º do Decreto-Lei nº 12/2006, de 20 de Janeiro, veda-lhes quando actuam por conta própria “.(...) conceder crédito, com excepção de crédito hipotecário, aos seus trabalhadores" (alínea b) do nº 1) e quando actuam como gestoras dos fundos de pensões, "conceder crédito, salvo se se tratar de crédito hipotecário ou de crédito aos participantes nos termos previstos no contrato constitutivo do fundo". ]
  • Quanto à questão principal - a eventual isenção de imposto do selo das operações praticadas pelas sociedades gestoras de fundos de pensões por abrangidas pelo art. 7º do CIS, na redacção vigente à data dos factos - a Requerente faz uma errada interpretação e aplicação da lei aos factos porque, como defendido no Acórdão do STA de 15 de Junho de 2016 (processo nº 0770/15), exprimindo aliás jurisprudência reiterada, "[a] isenção concedida pelo artº. 7.,º nº 1 al. e) do C.I.Selo, na redacção do DL n.º 287/2003NOV12, alterada pela Lei n.º 107-B/2003DEZ31, tem como elemento catalisador, - a que se reportam os juros, as comissões cobradas, as garantias prestadas ou a (sua) mera utilização -, o crédito concedido nos termos mencionados no mesmo normativo”.
  • Este sentido encontra-se confirmado com a introdução do nº 7 ao artigo 7º do CIS, (artigo 152º da Lei 7-A/2016, de 30 de Março, que aprovou o OE para 2016) norma aí (art. 154º) qualificada como interpretativa.
  • Qualificação aceite pelo STA quando, apreciando esta norma, decidiu no acórdão de 29/06/2016 (processo 01630/15) que "[n]ão há qualquer dúvida, assim, que a concreta situação dos autos se enquadra precisamente no regime legal da Lei Interpretativa previsto no artigo 13° do Código Civil, uma vez que à Lei interpretativa não se lhe reconhece desvio no tocante à dualidade de interpretações que se fazia de tal norma, o legislador optou por uma delas, e não introduziu qualquer "novidade" no próprio texto da norma".
  • É de rejeitar a leitura linguística da frase, assim como os argumentos baseados nos elementos histórico e teleológico, devendo acolher-se as teses defendidas na jurisprudência que surge como dominante e a clareza com que o legislador afirmou, através de interpretação autêntica, a sua intenção e que os tribunais não podem contrariar sob pena de violação do princípio da separação de poderes.

 

10. Objecto do pedido

O Pedido de pronúncia arbitral tem por objecto fundamentalmente as seguintes questões:

  1. Legalidade da liquidação de Imposto do Selo realizada pela Requerida, ao abrigo do disposto no artigo 1º, nº 1 do CIS e verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, sobre montantes cobrados pela Requerente a fundos de pensão por si geridos, estando em causa o âmbito de incidência desta tributação, assim como da isenção prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo vigente à data da situação tributária (2013).
  2. Constitucionalidade da aplicação ao caso da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS na interpretação resultante do nº 7 do mesmo artigo, aditado apenas pela Lei nº7-A/2016 (que aprovou o OE para 2017), cujo artigo 154º atribuiu carácter interpretativo à nova redacção, estando em causa saber se não se trata de aplicação retroactiva de uma norma fiscal, em violação do artigo 103º, nº 3, da CRP e dos princípios constitucionais da segurança e da confiança jurídicas.

 

11. Saneamento

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

  1. Fundamentação

 

12. Factos provados

  1. A Requerente é uma Sociedade de Gestão de Fundos de Pensões (Pedido e Resposta).
  2. Em cumprimento da Ordem de Serviço 012016…, de 13-04-2016, e na sequência de carta aviso enviada através do ofício nº…, de 18-04-2016, a Requerente foi, no período entre 3 de Maio e 23 de Junho de 2016, objecto de uma acção de inspecção de âmbito parcial, em sede de Imposto do Selo, pelos serviços de inspecção tributária da Requerida, com o objectivo de verificar o enquadramento fiscal das comissões de gestão dos Fundos de Pensões em sede de Imposto do Selo (isenção do artigo 4º do Decreto-Lei nº 20/86, de 13 de Fevereiro e alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS conjugado com a verba 17.3.4 da TGIS”) (RIT, pontos II-1 e II-2).
  3. O projecto de Relatório da Inspecção Tributária (RIT) concluía que “Face ao disposto no n.º 1 do art.º 1.º, e verba 17.3.4 da tabela geral, ambos do CIS, estão sujeitas a imposto do selo as comissões de gestão e administração cobradas pelas Entidades Gestoras aos respectivos fundos, não beneficiando da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7° do CIS, devidamente elencadas no ponto IlI do presente relatório, pelo que o montante de imposto em falta ascende a €125.600,53 no ano de 2013” (cf. RIT, pontos I e III-2).
  4. O projecto de RIT foi notificado, em 26 de Junho de 2016 (ofício nº…), à Requerente, para que exercesse o direito de audição prévia, o que esta fez, através de documento entrado na Direcção de Finanças em 12 de Outubro de 2016, registo nº 2016… (RIT final, ponto IX).
  5. Considerando que dos argumentos da Requerente não resultavam factos susceptíveis de alterar as correcções efectuadas, o teor do projecto foi mantido no RIT final, com a proposta referida na alínea c), e mereceu despacho de concordância do Director de Finanças em 30 de Setembro de 2016.
  6. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º 2016…, referente ao ano de 2013, no valor de € 125.600,53, acrescida de juros compensatórios na importância de € 16.283,58, num total de € 141.884,11, para pagar até dia 10 de Janeiro de 2017 (doc. nº 1 junto pela Requerente).
  7. O pagamento foi efectuado em 19 de Dezembro de 2016 (Doc. nº 1 junto pela Requerente).
  8. O presente Pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 20 de Março de 2017.

 

13. Factos não provados

Não há factos não provados relevantes para a decisão do caso dos autos. 

 

14. Fundamentação da prova

A prova fixada baseou-se nas peças juntas pelo Requerente (Pedido de pronúncia arbitral e documentos juntos aos autos com o pedido) e pela Requerida (Resposta e processo administrativo).

 

15. Aplicação do direito

15.1. O âmbito de incidência do Imposto do Selo na verba 17.3 da TGIS

A liquidação de imposto do selo objecto de apreciação nos autos refere-se ao exercício de 2013 e resulta da aplicação à situação em causa – comissões cobradas pela Requerente na sua actividade de gestão de Fundo de Pensões – da verba 17.3.4 da TGIS.

 

O segmento normativo aplicado insere-se na verba 17.3, incidente sobre “Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado”.

A verba 17.3 desdobra-se nos seguintes números:

- 17.3.1 - “Juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação” (taxa 4%);

- 17.3.2 - “Prémios e juros por letras tomadas, de letras a receber por conta alheia, de saques emitidos sobre praças nacionais ou de quaisquer transferências” (taxa 4%);

- 17.3.3 - “Comissões por garantias prestadas” (taxa 3%);

- 17.3.4 - “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” (taxa 4%).

 

Todos os números acima citados estão incluídos na verba 17-­Operações financeiras, que abrange ainda os números 17.1 referente a “utilização de crédito sob a forma de fundos, mercadorias ou outros valores (…), incluindo cessão de créditos, factoring e operações de tesouraria envolvendo financiamento ao cessionário e o 17.2 referente especificamente a utilização de crédito em virtude da concessão de crédito a consumidores.

 

A verba 17, no seu conjunto, corresponde aos artigos 1 (abertura de crédito), 54 (suprimentos, mútuos, confissão e constituição de dívida) e 120-A (operações financeiras) da Tabela de Imposto do Selo em vigor antes da reforma do imposto ocorrida em 2000 que levou à aprovação do Código do Imposto do Selo[1].

 

A redacção do artigo 120-A qualificava então como operações financeiras as operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito ou sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas[2].

 

A epígrafe deste artigo 120-A da Tabela fora alterada de «Operações bancárias» para «Operações financeiras» pelo Decreto-Lei nº 162/94, de 4 de Junho, que também procedeu à adaptação do texto do preceito às operações enumeradas[3], quando realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito ou sociedades financeiras, tendo em conta as realidades previstas no novo regime jurídico que regula as empresas financeiras, Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro[4].

 

Em redacções anteriores, o artigo referia-se (desde a versão da Tabela Geral aprovada pelo Decreto n.º 21916, de 28 de Novembro de 1932 [5]), a “operações bancárias”, abrangendo inicialmente apenas «saques sobre o estrangeiro, guias-ouro emitidas, moedas e notas estrangeiras e fundos públicos, ou títulos negociáveis vendidos» e «juros cobrados por desconto de letras e bilhetes do tesouro, empréstimos sobre penhores, contas de créditos e suprimentos, créditos em liquidação e todos os juros de mora, prémios e juros de letras tomadas, letras a receber por conta alheia, saques nacionais emitidos ou quaisquer transferências e em geral todas as comissões que se cobrarem (…)».

 

A norma foi objecto de sucessivas alterações, não apenas quanto a incidência como quanto a isenções previstas.

 

Refira-se, por exemplo, a exclusão de tributação das operações bancárias realizadas entre estabelecimentos bancários, entre casas de câmbios ou entre estas e os estabelecimentos bancários, de acordo com a norma de isenção prevista no Decreto-Lei nº 32321, de 14/10/1942 [6].

 

Essa disposição foi revogada pelo Decreto- Lei nº 223/91, de 18 de Junho, que alterou a redacção do art. 120- A, prevendo, na alínea b) do nº 2, a isenção do imposto do selo para “Os juros devidos por instituições de crédito ou parabancárias a instituições da mesma natureza, uma e outras domiciliadas em território português, bem como as operações cambiais realizadas entre as mesmas instituições”.

 

E, na reformulação efectuada pela Lei nº 24/94, de 18 de Julho, passou a dizer: «Os juros devidos por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas a instituições, sociedades ou a entidades da mesma natureza, umas e outras domiciliadas em território português. De igual isenção beneficiam as operações cambiais realizadas entre as mesmas entidades ou entre estas e outras da mesma natureza domiciliadas no estrangeiro, bem como a venda de moeda estrangeira a sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, a empresas públicas e a empresários em nome individual com contabilidade organizada, destinadas ao pagamento de bens e serviços importados, no âmbito da sua actividade»[7].

 

Mas com o Orçamento de Estado para 1995 (aprovado pela Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro) passou a dispor: «Os juros devidos por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas a instituições, sociedades ou a entidades da mesma natureza, umas e outras domiciliadas em território português».

 

Antes da Reforma de 2000 a tributação de operações financeiras (art. 120-A da Tabela) incidia sobre: “a) Juros cobrados, designadamente, por desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e suprimentos e por créditos em liquidação, sobre a respectiva importância; b) Prémios e juros de letras tomadas, de letras a receber por conta alheia, de saques emitidos sobre praças nacionais ou de quaisquer transferências e em geral todas as comissões que se cobrarem, com excepção das comissões incidentes sobre garantias prestadas; c) Comissões relativas a· garantias prestadas, sobre a respectiva importância d) Juros e comissões relativas a financiamentos concedidos a entidades residentes em território nacional, por instituições de crédito e sociedades financeiras sediadas e estabelecidas no estrangeiro ou por filiais, sucursais ou agências no estrangeiro de instituições de crédito, sociedades financeiras e outras entidades a elas legal- mente equiparadas, com sede no território nacional, sobre a respectiva importância e) Comissões relativas a garantias prestadas pelas entidades referidas na alínea anterior, sobre o respectivo valor[8].

 

15.2. A isenção de imposto do selo prevista na alínea e) do artigo 7º do CIS

À data da situação objecto dos autos (exercício de 2013) o artigo 7º do Código do Imposto do Selo, dispunha que eram isentos de imposto, “Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças (alínea e) do nº 1).

 

As isenções previstas pelo artigo art. 120-A da Tabela anterior à Reforma de 2000, no caso de operações realizadas ou intermediadas por instituições de crédito ou sociedades financeira (ou, a partir da vigência da Lei do OE para 1995, outras entidades a elas legalmente equiparadas) não abrangiam as operações de concessão de crédito ou cobrança de comissões, mas apenas os juros devidos por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas a instituições, sociedades ou a entidades da mesma natureza, umas e outras domiciliadas em território português (nº 2, alínea b), 1ª parte, do art. 120 -A, na redacção dada pela Lei do OE para 1995)[9].                     

 

Com o novo CIS, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de Setembro, essa isenção passou a incluir outras situações para além dos juros e definiu o universo subjectivo de forma que veio a sofrer várias redacções.

 

Assim, na versão inicial do Código constavam como alíneas e) e f) do artigo 6º, as seguintes normas: e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997

Esta redacção foi alterada pela Lei nº 176-A/99, de 30/12, que aprovou o OE para 2001, passando a dispor-se: «e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças; f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças» (negrito e sublinhados nossos).

 

A Lei do OE para 2001, aditou ainda um nº 2 ao art. 6º, dizendo que ”o disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas”.

 

Esta disposição foi, contudo, eliminada na redacção do art. 6º adoptada pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro (OE para 2003).

 

Esta mesma Lei do OE para 2003, alterou a redacção da alínea e) do então artigo 6º do CIS, que passou a integrar a isenção prevista anteriormente na alínea f), com a seguinte redacção:

«e) Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças».

 

Na nova redacção do Código do Imposto do Selo, aprovada pelo  Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro [que no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2003, de 30 de Julho, levou a cabo a Reforma da Tributação do Património], o texto do anterior artigo 6º passa a corresponder ao artigo 7º, mantendo-se o teor da alínea e): “Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças” (negrito e sublinhados nossos). 

 

O texto da alínea e) do artigo 7º foi ainda alterado pela Lei do OE para 2004 (Lei nº107-B/2003, de 31/12) passando a dispor: “Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças (sublinhado e itálico nossos). 

 

15.3. A situação dos autos e as interpretações suscitadas

Trata-se nos autos de decidir se a situação de facto apurada – pagamento de comissões por um fundo de pensões à respectiva sociedade de gestão – está sujeita à incidência de imposto ao abrigo do disposto no artigo 1º, nº 1, e verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo e se não é abrangida pela isenção prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo vigente à data da situação tributária (2013).

 

A Requerente é uma sociedade gestora de fundos de pensões, sujeita ao regime previsto no Decreto-Lei nº 12/2006, de 20 de Janeiro[10], estando o exercício da sua actividade sujeito à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal (art. 4º) e também à da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários[11]

 

Os fundos de pensões podem ser geridos quer por sociedades constituídas exclusivamente para esse fim, designadas no mesmo diploma por sociedades gestoras, quer por empresas de seguros que explorem legalmente o ramo «Vida» e possuam estabelecimento em Portugal (artigos 32.º e 33.º do Decreto-lei 12/2006) as sociedades gestoras exercem as funções que lhes sejam atribuídas por lei, podendo também exercer, de forma autónoma, actividades necessárias ou complementares da gestão de fundos de pensões, nomeadamente no âmbito da gestão de planos de pensões. Na qualidade de administradora e gestora do fundo e de sua legal representante compete às entidades gestoras a prática de todos os actos e operações necessários ou convenientes à boa administração e gestão do fundo devendo no contrato de gestão/regulamento de gestão constar a remuneração máxima da entidade gestora.

 

Não existe divergência entre as Partes quanto à caracterização quer da Requerente, Sociedade de Gestão de Fundo de Pensões, nem do Fundo de Pensões a quem foi liquidado o imposto, como entidades susceptíveis de serem abrangidas pelo conceito de “instituição financeira”, em causa quer na norma de incidência (verba 17.3.) quer na norma de isenção em causa no presente litígio (artigo 7º, alínea e), do CIS).[12]

 

A divergência existente refere-se sim à aplicação da isenção prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS às comissões cobradas aos Fundos de Pensões pelas respectivas Sociedades Gestoras como contrapartida da respectiva administração.

 

A Requerente considera que pelo facto de a verba 17.3 (antes 17.2) da TGIS ter deixado de estar limitada às instituições de crédito ou sociedades financeiras que realizassem ou intermediassem operações financeiras, abrangendo as operações realizadas por ou com a intermediação de qualquer instituição financeira passaram a estar sujeitos a imposto do selo os juros, comissões e outras contraprestações cobradas por seguradoras e por sociedades gestoras de fundos de pensões (assim qualificados expressamente com a alteração do art.º 30º do CVM pelo Decreto-lei nº 66/2004, de 24 de Março).

 

Reconhece que as isenções das alíneas e) e f) do nº 1 do art.º. do Código do Imposto do Selo na versão inicial apenas se aplicavam a concessão de crédito e juros cobrados por instituições de crédito e sociedades financeiras a entidades da mesma natureza e às comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições de crédito, excluindo o crédito concedido e os juros cobrados por instituições de crédito, sociedades financeiras a outras instituições financeiras, sem a natureza de instituições de crédito ou sociedades financeiras e as comissões cobradas por sociedades financeiras e outras instituições financeiras e as próprias comissões cobradas pelas instituições de crédito às sociedades financeiras e outras instituições financeiras, independentemente de estarem relacionadas directamente, ou não, com a concessão de crédito [13].

 

 Mas acentua que, em qualquer caso, a isenção não abrangeria as comissões cobradas aos fundos de pensões pelas respectivas sociedades gestoras porque estas não estavam sujeitas à incidência do imposto do selo por não serem legalmente qualificadas como instituições financeiras (apenas o seriam com a alteração do art. 30º do Código de Valores Mobiliários pelo DL 66/2004).

 

Por outro lado, considera decisivo que a restrição, introduzida relativamente à aplicação das alíneas e) e f) do nº 1, pelo nº 2 do art. 6º (aditado OE para 2001), a operações directamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da actividade desenvolvida pelas entidades referidas nessas alíneas, tenha sido revogada pelo OE para 2003, tendo a nova redacção da alínea e) ampliado a isenção do imposto do selo, antes limitada ao crédito, passando a abranger as comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades financeiras e sociedades de capital de risco.

 

Deste modo, defende que a leitura a fazer da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS não é a de que apenas estão isentas de imposto as operações, incluindo comissões cobradas, directamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da actividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras (…) mas sim que estão isentos de imposto do selo quaisquer juros e comissões cobradas e ainda a utilização do crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras e a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades, cuja forma e objecto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária (…)..

 

Alega ainda que é esta interpretação que faz sentido, relativamente às sociedades de capital de risco [cujo objecto não é a concessão de crédito - que lhes está vedada - mas a aquisição de capital próprio e alheio com vista ao desenvolvimento (artigos 2º e 7º, nºs 1 e 2, do DL nº 319/2002)] assim como aos fundos de pensões e sociedades gestoras e os fundos de capital de risco e as sociedades gestoras, cujo objecto também não é a concessão de crédito.

 

Ou seja, defende que a isenção da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo abrange quaisquer comissões cobradas pelas sociedades de gestão de fundos de pensão aos fundos por si geridos.

 

Contra esta posição, a Requerida, opõe a interpretação de que as comissões abrangidas pela disposição invocada quanto à aplicação de isenção do imposto liquidado - alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS - são apenas as que respeitam a crédito concedido (sendo que quer as sociedades de capital de risco como as sociedades gestoras de fundos de pensões também podem conceder crédito embora com as limitações previstas nos diplomas reguladores das respectivas actividades).

 

A Requerida considera que esta interpretação se encontra consagrada legalmente, após o aditamento pelo legislador de um nº 7 ao artigo 7º do Código do Imposto do Selo - em que é clarificado que o “disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea” -norma esta introduzida pelo Orçamento de Estado para 2016, com carácter interpretativo (artigos 152º e 154º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março).

 

No sentido das suas posições invoca jurisprudência uniforme do STA.

 

15.4. A jurisprudência invocada pela Requerida

A Requerida invoca jurisprudência dos tribunais superiores, reproduzindo excertos de alguns Acórdãos do STA. Este tribunal terá que ponderar em que medida a doutrina neles defendida tem utilidade para o caso presente, designadamente quanto à semelhança da situação factual relativamente à que é objecto dos presentes autos.

 

Tendo em conta os Acórdãos invocados pela Requerida e outras decisões publicadas no site do IGFEJ, conclui-se que, durante os anos de 2016 e 2017, o STA proferiu sobre a matéria, pelo menos, as decisões de 15 de Junho de 2016 (rec. nº 0770/15), de 29 de Junho de 2016 (rec. n° 01630/15), de 3 de Novembro de 2016 (rec. nº 0976/16) de 18 de Janeiro de 2017 (rec. nº 0835/16) e de 15 de Fevereiro de 2017 (rec. nº. 0669/16).

 

Em todas essas decisões estava em causa a apreciação da legalidade de liquidações de Imposto do Selo, efectuadas em inspecções tributárias, sobre comissões cobradas por instituições financeiras em operações que haviam realizado enquanto mediadoras de seguros. Mas em todos esses recursos – decididos em primeira instância a favor da legalidade da liquidação - era pedida a apreciação jurisdicional sobre o âmbito da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7° do CIS.

 

A questão foi diversas vezes identificada como a de saber, especificamente, se a isenção invocada abrange toda e qualquer comissão cobrada entre instituições financeiras, ou se “a norma de isenção preceituada na alínea e) do n.° 1 do art. 7.° do CIS somente visa isentar as operações financeiras stricto sensu, (...).”.

 

Com efeito, tendo essas decisões sido proferidas em processos em que se discutia o regime de imposto do selo aplicável às comissões cobradas pelos Bancos no exercício da actividade de mediação de seguros, discutindo-se se caíam no âmbito de incidência da verba 17.3.4 (antes 17.2.4) ou da verba 22 da Tabela Geral do IS, os diferentes colectivos intervenientes procederam a uma análise aprofundada sobre a filosofia e evolução do regime de tributação em imposto de selo das actividades financeiras em sentido amplo.

 

Crê-se que as diversas decisões exprimem unanimidade quanto aos seguintes aspectos:

  • A verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo abrange, embora sem distinguir, operações “operações financeiras em sentido lato” e “operações financeiras em sentido estrito”, embora a Tabela apresente segmentação de operações, distribuídas por diversos números;
  • Não são todas e quaisquer comissões as que se mostram abrangidas pela norma de isenção do art. 7.°, n.º 1, al. e) do CIS mas apenas as referentes ou conexionadas com operações de concessão de crédito,
  • As comissões de mediação de seguros em causa nos presentes autos, encontram-se, na economia do diploma, perfeitamente autonomizadas (verba 22) relativamente às comissões decorrentes da concessão de crédito ou outras operações financeiras, não sendo abrangidas nem pela verba 17 da TGIS nem pela isenção prevista na alínea e) do nº 1 do art. 7º do CIS.

 

De realçar que na rejeição de aplicação da isenção prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS, foi aceite a doutrina de que apenas as actividades financeiras em sentido estrito gozam da isenção legalmente estabelecida, e de que não sendo a comissão por mediação de seguros uma comissão proveniente de uma concessão de crédito, não pode a impugnante beneficiar da isenção referida.

 

Neste raciocínio, o alcance da isenção prevista na referida alínea e), é considerado como sendo apenas relativa a actividade financeira em sentido estrito, e dada a redacção da própria alínea (encadeamento entre juros, garantias, comissões e utilização de crédito) coincidente com a actividade de concessão de crédito e actos com ela relacionados.


Por isso, o mesmo STA considerou pacificamente que ao nº 7 aditado ao artigo 7º do CIS pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março (que aprovou o OE para 2016), tivesse sido atribuída a qualificação de norma interpretativa.

 

15.5. A tese de que toda a lei interpretativa em matéria fiscal é materialmente retroactiva

No processo nº 633-2016-T, julgado em 17 de Maio de 2017 no âmbito do CAAD, decidiu-se que a Lei n.º 7-A/2016, veio, através da interpretação conjugada dos seus artigos 152.º e 154.º, delimitar o âmbito material da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, de forma inovadora, e que, porque aqueles preceitos ao instituem uma redacção que não constava na ordem jurídica desde 2003 devem considerar-se retroactivos e, como tal, inconstitucionais, por violação do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica.

 

E sustentou-se ainda que “mesmo que se estivesse perante uma verdadeira norma interpretativa (lei interpretativa material e não puramente formal)” a legitimidade do alcance interpretativo encontraria como obstáculo o artigo 103.º, n.º 3, da CPR” porque “mesmo nesses casos, a vinculação interpretativa que tais leis comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, nos casos em que a lei constitucional proíba a sua retroactividade, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários” “ao excluir outras interpretações propugnadas, seguindo ainda esse Acórdão, leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica, com a consequente frustração do princípio constitucional da irretroactividade dos impostos”, porque a “lei interpretativa, ainda que autêntica, ao pretender vigorar para o período anterior à sua emissão, nos termos do n.º 1 o artigo 13.º do Código Civil, altera o contexto de auto-vinculação dos órgãos de aplicação do Direito ao Direito e, consequentemente, afecta a segurança dos destinatários das normas protegida por uma proibição (constitucional) de retroactividade” violação do, por implicar imposto retroactivo, sempre violaria o n.º 3 do artigo 103.º da CRP”.

 

Esta decisão foi mantida pelo Tribunal Constitucional (processo nº519/17) no Acórdão nº 404/2017, de 14 de Julho de 2017, que aderiu à tese do carácter inovatório e não interpretativo da norma constante do nº 7 aditado ao artigo 7º do Código de Imposto do Selo, pela Lei nº 42/2006, de 28/12, concluindo que:

 «No caso sub iudice, contudo, inexistem razões para afastar a caracterização como inovadora da solução normativa resultante da conjugação dos n.ºs 1, alínea e), e 7, do artigo 7.º do CIS, consagrada na sequência da alteração introduzida nesse Código pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016. A decisão recorrida fundamentou devidamente tal caráter inovador. Assim, não deve o Tribunal Constitucional corrigir a interpretação da norma recusada aplicar pelo tribunal a quo nem inverter o juízo de inconstitucionalidade por este formulado» como considerou que «ainda que tal interpretação se pudesse ter como controvertida, nomeadamente com base na existência de decisões judiciais com sentido diferente do acolhido na decisão ora recorrida, seria de aplicar a doutrina seguida no Acórdão n.º 267/2017, pelos fundamentos nele expostos: do ponto de vista da Constituição, para que uma disciplina normativa autoqualificada como meramente interpretativa seja considerada constitutiva de novo direito e, como tal, substancialmente retroativa, é condição suficiente a verificação de que à norma interpretada na sua primitiva versão pudesse ter sido imputado pelos tribunais um sentido que, na sequência da norma interpretativa, ficou necessariamente excluído.»

 

Ora, esse outro douto Acórdão nº 267/2017 do Tribunal Constitucional, teve em conta designadamente as seguintes considerações:

- «na determinação da existência de uma lei interpretativa substancialmente retroativa, não pode, de um ponto de vista constitucional, abstrair-se das posições recíprocas do legislador e da jurisdição quanto à fixação do direito aplicável»,

- «o legislador não pode ultrapassar tais limites nem neutralizar ou esvaziar o correspondente poder de controlo dos tribunais consignado no artigo 204.º da Constituição, por via da afirmação, na qualidade de autor formal, de que a norma legal por si aprovada tem um alcance meramente declarativo ou clarificador e não inovador»

- «a Constituição não reconhece ao legislador competência para a interpretação autêntica de normas legais.»

- «a ser assim, a interpretação ou esclarecimento formalmente consagrados pela lei nova não podem deixar de revestir uma natureza constitutiva e a retroatividade inerente à mesma lei ter um caráter substancial.»,

 

E teve em conta que

«Pode, portanto, dizer-se que, do ponto de vista da Constituição, para que uma disciplina normativa autoqualificada como meramente interpretativa seja considerada constitutiva (de novo direito) e, como tal, substancialmente retroativa, basta a verificação de que à norma interpretada na sua primitiva versão pudesse ter sido imputado pelos tribunais um sentido que, na sequência da norma interpretativa, ficou necessariamente excluído (cfr. as decisões do Bundesverfassungsgericht de 2.5.2012 e de 17.12.2013, em BVerfGE 131, 20 [37-38] e 135, 1 [16-17], respetivamente)»,

 

Concluindo que:

«Na verdade, e como bem refere a decisão ora recorrida, aquele que representava um certo entendimento jurisprudencial quanto à admissibilidade de deduções ao montante global da coleta de IRC, incluindo nesta o valor das tributações autónomas – como o sufragado nas decisões do CAAD proferidas no âmbito dos processos n.ºs 769/2014-T, 163/2014-T, 219/2015-T e 370/2015 –, deixou de ser admissível à luz do citado n.º 21. Daí ser inequívoco o caráter substancialmente retroativo desse preceito, entendido como lei interpretativa.»

 

Em suma, a interpretação adoptada nas decisões acima sinteticamente referidas, conduz á conclusão de que estaria constitucionalmente vedada a estatuição de leis interpretativas em matéria fiscal.[14]

 

Tal interpretação, doutamente sustentada, suscita-nos contudo grandes reservas, sendo que a confiança e segurança, assim como os princípios da certeza e igualdade tributárias podem igualmente ser postos em perigo com tal posição.

 

Com efeito, qualquer situação em que coexistissem soluções divergentes – com doutrina e/ou jurisprudência em sentidos opostos – o legislador ficaria impedido de produzir uma norma interpretativa, ainda que a norma interpretativa visasse consagrar a tese dominante…. Mas esse entendimento tão restritivo, propiciaria que uma qualquer posição minoritária, ainda que isolada e excêntrica, pudesse conduzir, pela impossibilidade de clarificação por parte do poder legislativo, a posteriores adesões doutrinárias ou jurisprudenciais meramente oportunísticas, criando diversidade de tratamento face a situações resolvidas anteriormente e até pacificamente aceites até então….

 

Este perigo parece-nos ressaltar do douto voto de vencido proferido pelo Conselheiro Lino Ribeiro, no mesmo Acórdão do TC nº 267/2017. Para além de questionar a classificação da norma em apreciação no processo em causa como inovatória, enfrenta o problema em si da inviabilidade de aplicação retroactiva de normas interpretativas em matéria fiscal, pondo em causa a interpretação restritiva que fez vencimento e opondo visão oposta, de que reproduzimos os seguintes excertos:

«(…) não me parece que o princípio constitucional da proibição da retroatividade tenha um caráter tão absoluto que impeça a existência de leis fiscais interpretativas. Como resulta do texto do Acórdão, o Tribunal Constitucional exclui do âmbito aplicativo desse princípio as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, o que, desde logo, significa que a norma constitucional não afasta todo e qualquer tipo de retroatividade. A irretroatividade fiscal é uma manifestação do princípio da segurança jurídica ou da confiança inscrito no princípio do Estado de direito (artigo 2.º da CRP). Daí que, em certos casos, há necessidade de avaliar e ponderar devidamente o interesse privado dos contribuintes com o interesse público que justifica agravamentos fiscais com um certo grau de retroatividade. Assim, nos chamados casos de retroatividade falsa ou imprópria, o grau de confiança suscitado nos contribuintes e a relevância do mesmo não pode deixar de ser ponderado ao nível da proporcionalidade. «No caso das normas fiscais interpretativas materiais - as que visam solucionar a incerteza de lei anterior, situando-se dentro dos quadros da controvérsia, com um conteúdo que o julgador ou intérprete a ela pudesse chegar, sem ultrapassar os limites típicos impostos à interpretação e aplicação da lei – não se pode dizer que a confiança dos contribuintes no sentido da norma interpretada gera expectativas legítimas da sua continuidade no ordenamento jurídico. Se a norma é controversa, a única expectativa que existe é que o legislador a solucione. Se ele o faz, optando por um dos entendimentos possíveis, que até já era seguida pela jurisprudência, não se pode dizer que há frustração intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva da confiança depositada na norma interpretada.» [15]

«Ora, a expectativa na manutenção de uma das interpretações efetuadas pela jurisprudência arbitral não se pode confundir com as expectativas geradas pela própria lei. Se a norma era duvidosa e se foi criada uma controvérsia quanto à dimensão aplicativa da mesma, o expectável era que o legislador viesse resolver a incerteza num dos sentidos possíveis, provavelmente no sentido com a mesma sempre foi aplicada, que, como vimos, essa era a interpretação mais correta. Assim, como sustenta Batista Machado, «se porventura se pode dizer que as variações e mudanças jurisprudenciais no que respeita à interpretação de uma regra de direito, pelo menos na medida em que esta regra nunca foi considerada certa, não têm efeito retroativo, então também a lei interpretativa nos termos atrás definidos não será substancialmente retroativa» (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, pág. 247)».

 

O presente tribunal arbitral adere à posição do douto voto de vencido, no Acórdão nº 275/2017 do Tribunal Constitucional, pelo que considera que se, no caso presente, se chegar à conclusão que existia uma interpretação anterior ao aditamento do nº 7 do artigo 7º uniforme ou pelo menos suficientemente forte para não criar uma expectativa em sentido oposto, se deve decidir que não se verifica qualquer inconstitucionalidade, por existência de qualquer violação do artigo 103º da CRP, ou violação dos princípios constitucionais da segurança e da confiança. 

 

Vejamos então qual a interpretação que este tribunal atribui às normas de Imposto do Selo vigentes em 2013 (ano da situação factual em apreciação nos autos) e se conclui que a doutrina ínsita na jurisprudência do STA é efectivamente aplicável ao presente caso.

 

15.6. Enquadramento das comissões cobradas aos fundos de pensões pelas sociedades gestoras

15.6.1. A interpretação da Requerente e dúvidas a esclarecer

 Como já referido, a Requerente invoca, em suma, que:

  • A verba 17.3 abrange todas “as operações realizadas por ou com a intermediação de qualquer instituição financeira”, incluindo os juros, comissões e outras contraprestações cobradas por sociedades gestoras de fundos de pensões;
  • A redacção conferida pela LOE para 2001 ao artigo 6º (correspondente ao actual art. 7º) do Código do Imposto do Selo, que passou a abranger comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades financeiras e sociedades de capital de risco, incluiu uma restrição à isenção prevista nas alíneas e) e f) do nº 1, pelo nº 2 do art. 6 do CIS no sentido da respectiva aplicação às operações directamente destinadas a concessão de crédito no âmbito da sua actividade, mas essa disposição foi revogada pela LOE para 2003,
  • Pelo que deve entender-se que a actual alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS (na renumeração dada pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, aquando da Reforma do Património, e com alterações da LOE para 2004), isenta do imposto do selo quaisquer comissões cobradas pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a entidades da mesma natureza, em que se incluem os fundos de pensões e respectivas sociedades gestoras;
  • Se assim não se entendesse, a ampliação do universo da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS, operada pela LOE para 2004, seria inútil porque não abrangeria nem as sociedades de capital de risco, nem os fundos de pensões, nem as respectivas sociedades gestoras, cujo objecto de actividade não é a concessão de crédito, mas sim a aquisição de capital próprio e alheio com vista ao desenvolvimento.

 

Relativamente à interpretação do disposto na verba 17.3.4 da TGIS, colocam-se-nos diversas questões, designadamente quanto à qualificação dos montantes cobrados pelas Sociedades gestoras de fundos de pensões com a remuneração da respectiva actividade e qual o seu enquadramento tributário, assim como a relação entre os pontos 17.3.4. e 17.3.3. da verba 17.3 da TGIS.

 

15.6.2. A jurisprudência judicial (contencioso tributário) – sua relevância para o presente caso

As decisões referidas no ponto 15.3 distinguem entre actividades financeiras em sentido lato e em sentido estrito, considerando a mediação de seguros incluída no primeiro mas não no segundo dos conceitos e concluem que as situações objecto dos litígios submetidos a julgamento estavam sujeitas especificamente à verba 22.2 e não à 17.3.4.

 

Reconhecendo que o objecto directo das decisões do STA e do TCAS citadas pela Requerida não é o enquadramento tributário das comissões cobradas aos fundos de pensões pelas respectivas sociedades gestoras, vimos como aquelas decisões contém considerações, repetidas, sobre a isenção consagrada na alínea e) do art. 7º do CIS não abranger todos os tipos de comissão.

 

E, sempre sem esquecer a diferença de situações objecto de litígio, a adesão a considerações como as contidas no Acórdão do TCAS de 21 de Setembro de 2010 in rec. 02754/08: «(…) De facto, não se nos afigura fazer qualquer sentido estabelecer uma autonomia entre os juros, as comissões cobradas e as garantias prestadas, de um lado e a utilização do crédito concedido, por outro, sendo que, apenas relativamente a este, se poderia conexioná-lo dependentemente, das instituições de crédito e sociedades ou instituições financeiras concedentes e das sociedades ou entidades observadoras, na forma e no objecto, dos tipos de instituições de crédito e sociedades e instituições financeiras beneficiárias”»[16], concluindo-se: «Assim sendo, também nós consideramos que o preceito em questão se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo em análise (…)» (cf. Acórdão do STA de 15/06/2016, no proc. 0770/15), parece significar uma posição dos tribunais superiores no sentido de que a isenção prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS pressupõe (e pressupunha) uma ligação entre a utilização do crédito e outros resultados auferidos derivados da sua concessão

 

Estas decisões, reveladoras de uma posição uniforme da jurisprudência do STA, partem de uma separação entre a actividade financeira stricto sensu e a actividade seguradora não efectuando, porém, quanto à abrangência pela isenção prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS, uma análise mais pormenorizada das diversas operações financeiras previstas na Verba 17.3 da TGIS, designadamente quanto ao âmbito das operações previstas no ponto 17.3.4 “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” e na relação com a alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS.

 

Tentaremos então ter em conta outros elementos que nos permitam decidir a questão objecto do presente processo.

 

15.6.3 A jurisprudência arbitral do CAAD 

No âmbito do CAAD, a questão objecto do presente litígio foi já analisada, pelo menos nas decisões arbitrais proferidas nos processos 348/2016-T (2/5/2017), 633/2016-T (19/05/2017), 667/16-T (20/06/2017), 9/2017-T (30/08/2017) e 303/16-T (10/11/2017). Todas elas concluíram, embora esta última com uma extensa declaração de voto de vencido, pela aplicação, às comissões de gestão cobradas aos fundos de pensões, da isenção prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS, antes da introdução do nº 7 do mesmo artigo, pelo que a atribuição de carácter interpretativo a esta disposição configuraria um caso de retroactividade, em violação do nº 3 do artigo 103º da CRP e dos princípios constitucionalmente tutelados da confiança e da segurança jurídica.

A fundamentação das diversas decisões apresenta pontos comuns, nalguns casos reproduzindo argumentações anteriores, pelo que destacaremos apenas alguns excertos.

 

A decisão proferida no processo nº 348/2016-T considera que a interpretação que a Administração Fiscal fez da alínea e), na redacção resultante (aquando da LOE para 2003), da fusão com a anterior alínea f) - como se a norma dissesse que «Estão isentos de imposto os juros e comissões cobradas, bem como a utilização do crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades cuja forma e objecto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças, em operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas entidades anteriormente referidas» (cf. ponto 95 da decisão) - não tinha suporte legal e era absurda até porque o objecto das sociedades de capital de risco não é a concessão de crédito mas a aquisição de instrumentos de capital próprio e alheio em actividades de elevado potencial de desenvolvimento” não podendo utilizar o crédito obtido para conceder crédito (pontos 96 a 98). A não estarem cobertas pela isenção estariam sujeitas a imposto do selo, sendo inútil a revogação do nº 2 do artigo 6º. Além de que, considera-se, a limitação, preconizada pela Administração Fiscal, da isenção às operações directamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da actividade desenvolvida, tornaria de todo inútil a alteração do universo subjectivo dos destinatários da isenção da alínea e) do nº 1 do artigo 6, introduzida pelo n.º 1.do artigo 36.º da Lei n.º 107-B/2003, ao ampliar às instituições financeiras que não fossem instituições de crédito e sociedades financeiras, incluindo fundos de pensões e fundos de capital de risco.

 

Na decisão no processo 633/2016-T (CAAD) considera-se que, na redacção originária do artigo 6.º do CIS (Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro), a conexão entre os juros e a concessão de crédito parecia evidente (cf. pontos 47 e 63), mas o mesmo não acontecia em relação às comissões (alínea f), podendo entender-se que estariam abrangidas todas as comissões previstas na verba 17 (cf. ponto 46), e que teria sido por isso que o legislador sentiu necessidade de, em 2000, clarificar o âmbito do preceito, através da inclusão de um nº 2 no artigo 6º do CIS, esclarecendo que as isenções previstas nestas duas alíneas se restringem “às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito”(cf. ponto 48), ficando fora do âmbito da isenção “as comissões cobradas pelas instituições de crédito ou sociedades financeiras a outra instituições de crédito, quando apenas indirectamente estivessem relacionadas com a concessão de crédito, como é o caso das comissões cobradas pela prestação de serviços financeiros que não integrassem uma concreta operação de crédito, bem como o próprio crédito concedido por instituições de crédito e eventualmente sociedades financeiras a outras instituições de crédito, quando o crédito se destinasse a ser utilizado fora do âmbito da actividade das instituições de crédito mutuárias” (ponto 49).

 

Mas, diz-se da decisão, «a partir do momento em que por vontade expressa do legislador aquele n.º 2 foi revogado e se dá a fusão das alíneas e) e f) numa única alínea e), o preceito perdeu homogeneidade, com a consequente erosão do elemento catalisador da concessão do crédito. Perda de homogeneidade que é acentuada com as alterações introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, indo no mesmo sentido a razão de ser que presidiu, como vimos, às sucessivas alterações que o preceito foi sofrendo».(sublinhado nosso). E, conclui-se, «a isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não se restringia, anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, às operações directamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da actividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras, apenas tendo voltado a ser expressamente instituída pela Lei n.º 7- A/2016». (cf. pontos 63 a 66 da decisão citada).

Contra a tese da AT, de que, apesar da eliminação (pela Lei nº 32-B/2002, de 31/12, que aprovou o OE 2003) do n.º 2 do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, se manteria a limitação da isenção às operações directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras, a referida decisão acentua que a situação se alterou profundamente com a supressão do referido nº 2 do artigo 6º, pela introdução de duas inovações:

- a fusão numa única alínea – f) – as duas anteriores alíneas e) e f);

- a ampliação da isenção às comissões e juros cobrados e ao crédito utilizado pelas sociedades de capital de risco no âmbito das operações realizadas entre as sociedades de capital de risco e instituições de crédito ou sociedades financeiras, resultaria da remodelação do regime de investimento em capital de risco entretanto operada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 29 de Dezembro, que este último instrumento legislativo fortemente estimularia, nomeadamente através de novos incentivos fiscais.

Das alterações realizadas resulta a harmonização dos pressupostos da isenção que passa a abranger as operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito, sociedades financeiras e fundos de capital de risco e não apenas as operações em que o destinatário fosse instituição de crédito, não se tendo pretendido incorporar na nova alínea e) do n.º 1 do expressamente revogado n.º 2 do artigo 6.º,

 

Com a redacção dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, a alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º, foi ampliado o âmbito da isenção, no plano objectivo, às garantias prestadas e, no plano subjectivo, aos tipos de instituições financeiras previstos na legislação comunitária, em que se incluem os fundos de pensões regulados na Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, e não exclusivamente as instituições de crédito e sociedades financeiras reguladas no RGICSF.

 

Então, a referida decisão acaba por concluir (ponto 63) que a evolução histórica do preceito aponta para que, na versão originária e ainda com a redacção dada pela Lei n.º 30-C/2000, de 29/12, que acrescentou um n.º 2 ao artigo 6.º, a isenção tinha claramente como elemento catalisador o crédito concedido nos termos mencionados em tal normativo, incluindo relativamente às comissões cobradas, por força da restrição introduzida pelo n.º 2 do artigo 6.º. Considera, porém (nº 64), que “a partir do momento em que por vontade expressa do legislador aquele n.º 2 foi revogado e se dá a fusão das alíneas e) e f) numa única alínea e), o preceito perdeu homogeneidade, com a consequente erosão do elemento catalisador da concessão do crédito. Perda de homogeneidade que é acentuada com as alterações introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, indo no mesmo sentido a razão de ser que presidiu, como vimos, às sucessivas alterações que o preceito foi sofrendo”.

 

Por essas razões conclui que a isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não se restringia, anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, às operações directamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da actividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras, tendo a restrição voltado a ser instituída pela Lei n.º 7-A/2016.

 

Posição contrária à que fez vencimento nas diversas decisões, é, contudo, expressa pelo voto de vencido de um dos membros do colectivo que apreciou o processo 303/2017-T (cuja decisão seguiu, por maioria, a posição de anteriores decisões do CAAD na matéria).

 

Da posição expressa na referida declaração de voto de vencido, realçamos, os seguintes aspectos:

Quanto à exegese da expressão “e, bem assim,” do art. 7º, 1, e), considera-se que o cotejo das normas relevantes no CIS de 1999 e na Lei de OE de 2003, faz ruir muita da argumentação expendida em várias decisões, considerando que as diversas imputações de sentido ao conectivo soam rebuscadas quando nos apercebemos que o mesmo surgiu por simples vontade de fusão de duas alíneas próximas, podendo admitir-se, quando muito, que o expediente do uso do conectivo gerou uma desnecessária ambiguidade.

Após análise da evolução da redacção do preceito, conclui que o actual artigo 7º, 1, e) do CIS pretende apenas veicular que é idêntico o regime de isenção de várias operações que começaram por ser previstas em alíneas separadas.

Na evolução legislativa operada vê também a justificação para não se efectuar a interpretação a contrario sensu (que tem tido acolhimento em várias decisões) baseada na eliminação do nº 2 do art. 6° do CIS que fora introduzido pela LOE de 2001, lembrando que, no momento em que aquele nº 2 é eliminado, pela LOE de 2003, o regime se aplicava somente a instituições de crédito e a sociedades financeiras, e não a "instituições financeiras" (previsão aditada apenas pela redacção dada com a Lei nº 107-B/2003, de 31 de Dezembro).

E, aventa-se a hipótese de o legislador, confrontado com a realidade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, mas não confrontado ainda com a realidade mais ampla das instituições financeiras, ter presumido que aquelas estariam necessariamente dedicadas, em grau apreciável e directo, a operações de concessão de crédito, tomando-se desnecessária a restrição explícita introduzida pelo nº 2 do art. 6° do CIS. E, seria desta forma, justificável que o legislador tivesse olvidado qualquer necessidade de uma restrição explícita do âmbito das isenções aquando da inclusão das "instituições financeiras" na alínea e) do nº 1 do art. 6°, apesar de a conexão directa a operações de concessão de crédito não ser tão necessária ou evidente.

 

Por outro lado, nota, apesar da revogação da anterior referência específica à restrição do âmbito de aplicação da isenção (o anterior "apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas"), não foi criada nenhuma nova disposição incompatível com a regra precedente (para usarmos a expressão do art. 7°, 2 do Código Civil).

E, porque “nada, no articulado da LOE de 2003, ou nos respectivos trabalhos preparatórios, permitia concluir que houvera uma intenção revogatória relativa ao anterior nº 2 do art. 6° do CIS, e menos ainda permitia vislumbrar uma "mens legislatoris' quanto ao que sucederia a esse momento de revogação tácita”, e perante várias hipóteses de interpretação [17], conclui que a solução da eventual controvérsia, através da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, com a adopção de uma interpretação autêntica do art. 7° do CIS, não se mostra violadora do princípio da confiança dada a “inexistência de uma legítima expectativa relativa à prevalência de uma interpretação única entre as várias interpretações possíveis e conflituantes”.

 

Do voto de vencido, retém-se ainda a observação de que a anterior Verba 120-A da TGIS referia-se exclusivamente a operações financeiras realizadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras, ou com intermediação delas (Lei nº 75/93, art. 31º, 4, e Decreto-Lei nº 162/94, de 4 de Junho), e as "comissões" a que se referiam as alíneas c), d) e e) dessa Verba 120-A eram exclusivamente as relativas a garantias prestadas ou a financiamentos concedidos – nada equiparável à referência, na nova Verba 17.3.4 introduzida pela Lei nº 150/99, às "outras comissões e contraprestações por serviços financeiros".

 

15.6.4. Referências doutrinárias

Apesar de nas diversas decisões supra citadas haver referência à existência de controvérsias sobre a interpretação dos preceitos em causa, não identificámos citações doutrinais sobre a questão objecto do presente litígio.

 

A doutrina administrativa (Circular 7/2009) citada na jurisprudência invocada, e que chega a ser referida pelo STA (cf. acórdão no rec. nº 0976/16, ponto 4.1.) como tendo sido aceite por operadores económicos, refere-se especificamente à questão da tributação das comissões cobradas por instituições de crédito na actividade de mediação de seguros e não concretamente às comissões por prestação de serviços de gestão de fundos de pensões.

 

Assim, consideraremos que a conclusão contida naquela Circular de que “A norma de isenção preceituada no art.º 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS visa somente isentar as operações financeiras stricto sensu, promovidas no âmbito da actividade bancária e de intermediação financeira pelas instituições de crédito e sociedades financeiras, nos termos positivados nas verbas 10 e 17 da TGIS”, deixa ainda por interpretar o alcance do conceito de operações financeiras stricto sensu e em que medida se encontram previstas na verba 17. 

 

Carlos Lobo num artigo publicado[18] sobre tributação de operações financeiras analisa a evolução da tributação em imposto do selo, advertindo que qualquer análise do âmbito de incidência deste imposto implica uma apreciação compreensiva da sua doutrina de tributação e da sua razoabilidade própria e que “para cada unidade tributação presente no Imposto do Selo importará efectuar uma ponderação do seu modelo próprio de tributação directamente decorrente da filosofia originária do tipo tributário em causa e, subsequentemente, torna-se necessário efectuar uma indagação de segundo grau à luz dos modelos comuns dos princípios e regras que sustentam um imposto compósito e compreensivo num modelo unificado”.

 

Distingue diversas realidades tributárias tipificadas e, detendo-se especificamente nas operações financeiras, parece distinguir: juros, prestação de garantias, comissões e contraprestações por serviços financeiros, como prestações de serviços [19] e utilização de crédito como revelação de uma capacidade contributiva de riqueza [20], mas em qualquer caso, acentua várias vezes a ligação entre as primeiras situações e a concessão de crédito. 

 

16. Posição na apreciação do presente litígio 

Aceita-se, sem necessidade de aprofundar especificamente esse tema, que estamos perante entidades qualificáveis como instituições financeiras e que a actividade de gestão de fundos de pensões é abrangida pela isenção de IVA nos termos da alínea g) do nº 27º do artigo 9º do CIVA e é abrangida pela verba 17.3.4 da TGIS.

 

Trata-se pois de decidir se os montantes cobrados pelas sociedades gestoras de fundos de pensões, cobrados a título de comissões de gestão, estando sujeitos a tributação em imposto do selo, serão abrangidos pela isenção de imposto prevista na alínea e) do artigo 7º do CIS.

 

Tendo a norma de isenção sido objecto, na sua vigência, de inclusão e posterior supressão de um número (o nº 2 do anterior artigo 6º na anterior redacção do CIS) que delimitava o seu conteúdo restritivamente, impor-se-á a interpretação de que o regime regra fica a ser o oposto do referido na norma revogada ou deverá continuar a procurar-se a solução com base no conjunto das restantes normas do sistema e respectiva evolução?

 

É que se se chegar à conclusão de que o número 2 em causa (primeiro incluído e depois suprimido do artigo 6º do CIS) nem era tão indispensável em si – é o caso se concluir que apenas clarificara, sem inovação, o regime existente antes do seu surgimento – e que a sua revogação pode significar a queda de uma norma em certa medida redundante, que quando muito cumprira um objectivo de clarificação, será lícito interpretar as normas existentes e respectiva evolução sem sobrevalorizar, quer o seu surgimento, quer o seu desaparecimento em determinado contexto (o momento das fusão de duas alíneas, susceptível de causar dúvidas de interpretação) do referido número 2 do artigo 6º do CIS.  

 

Assim, se é certo que, para abranger apenas as operações relacionadas com operações de crédito, a formulação “Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças” não é a melhor e que seria muito mais inequívoca se se referisse primeiro à utilização de crédito e depois aos juros e comissões cobrados, a interpretação a fazer não pode deixar de ter em conta a evolução da redacção do preceito, não realçando apenas o aparecimento (LOE de 2001) e desaparecimento (LOE de 2003) do nº 2 do ex-artigo 6º do CIS mas a ratio legis ao tempo dos factos e ao longo da história da tributação da situação em causa pelo imposto do selo.

 

Como evidenciado na declaração de voto de vencido lavrada na decisão proferida, no âmbito do CAAD, no processo 303/2017-T, a redacção do art. 6º do CIS dada pela Lei nº 150/99, de 11 de Setembro, dizia: ”1 - e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária (…);  f)  As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária (…)”.

 

Com a Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro (LOE de 2003), passou a dizer: “1 - e) Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária (…)

Tendo as alíneas e) e f) do art. 6º do CIS sido fundidas numa só - a alínea e) - por se reconhecer a redundância de regime nas alíneas separadas, os juros cobrados (al. e)) e as comissões cobradas (al. f)) fundiram-se numa única expressão, por serem ambos cobrados; faltava a referência ao terceiro termo, a utilização de crédito concedido, e o conectivo “e, bem assim” fica a ligar o que é cobrado com o que é utilizado.

E posteriormente, o nº 1 do art. 36º da Lei nº 107-B/2003, de 31 de Dezembro, aditaria ao art. 7º (na nova redacção do CIS introduzida pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro) a expressão “as garantias prestadas”, resultando na redacção ainda hoje em vigor: 1 - e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária (…)”.

 

Que retiramos desta evolução? Que a junção das diferentes situações se fez aditando  aos juros as situações constantes da outra alínea e posteriormente até às garantias, mas tudo fica significando o que sempre significou – a isenção visa apenas as operações financeiras relacionadas com o crédito?

 

Admite-se que é natural que surjam dúvidas quanto ao surgimento do nº 2, anterior à junção das alíneas e) e f), devido ao seu desaparecimento posterior, mas a causa pode ter sido apenas a existência de interpretações surgidas então sobre a matéria que o legislador tenha pretendido afastar[21]

 

Tal interpretação – ou seja, a conclusão de que, desde o início da vigência do CIS, a alínea e) pretendia referir-se aos juros pelo crédito utilizado e que também as comissões cobradas referidas na alínea f) se referiam a esse tipo de operações, sendo o nº 2 introduzido em 2001 redundante ou meramente clarificado - permitir-nos-ia acompanhar posição semelhante à expressa no mencionado voto de vencido

 

Será essa interpretação correcta?

 

Com efeito, tendo em conta o histórico da tributação deste tipo de situação em imposto do selo, parece poder concluir-se que sempre existiu ligação entre isenção de juros cobrados e crédito utilizado. Segundo a alínea b) do nº 2 do art. 120º-A, a isenção de juros abrangia apenas os juros cobrados entre instituições domiciliadas em território nacional mantendo-se a tributação nos casos em que uma das entidades estivesse domiciliada fora do território português [22].

 

Com o CIS, a isenção foi ampliada, passando a abranger os juros cobrados entre instituições de crédito e sociedades financeiras domiciliadas na União Europeia ou em qualquer Estado (“cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução de Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997”, na versão inicial e, posteriormente, “com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças”). Já a isenção para operações de crédito apareceu no CIS como inovadora em relação ao passado porque nenhuma disposição na Tabela anterior conferia isenção às utilizações de crédito concedido por instituições de crédito ou sociedades financeiras a entidades da mesma natureza [23].

 

Quanto às comissões, o regime de isenção previsto no CIS apresenta-se como igualmente inovador. Na redacção inicial da alínea f) do n." 1 do então artigo 6º previa-se isenção de imposto do selo para as comissões cobradas por instituições de crédito a entidades da mesma natureza, desde que umas e outras se encontrem domiciliadas na União Europeia ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução de Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997.

 

Os supra citados autores referiam ainda que, embora o imposto a que respeitam as referidas verbas incida sobre as comissões cobradas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou quaisquer outras instituições financeiras, o legislador apenas atribuiu a isenção em causa às comissões cobradas entre instituições de crédito, deixando de fora as sociedades financeiras e as outras instituições financeiras (sublinhado nosso).[24]

 

Analisando os conceitos instituições de crédito, sociedades financeiras ou quaisquer outras instituições financeiras, os primeiros corresponderiam às entidades assim qualificadas pelo RGICSF e que também são instituições financeiras. Quanto às restantes entidades qualificáveis como instituições financeiras, os autores que vimos citando consideravam que seria de ter em conta, em primeira linha, o conceito que destas instituições era dado pelo n." 4 do artigo 13." do RGICSF, que ao tempo, considerava instituições financeiras as empresas que, não sendo instituições de crédito, e encontrando-se sediadas fora do território nacional, mas noutro país da Comunidade Europeia, tenham como actividade principal tomar participações ou exercer uma ou mais das actividades referidas nos nºs 2 a 12 da lista anexa à Directiva n." 89/646/CEE do Conselho, de 15 de Dezembro de 1989, ou, tendo sede em país terceiro, exerçam, a título principal, uma ou mais das actividades equivalentes às previstas no artigo 5.º do RGICSF.

Concluíam então que, atendendo ao conteúdo das citadas disposições legais, a qualificação como instituições financeiras das entidades com sede fora do território nacional corresponde, de uma maneira geral, à qualificação das sociedades financeiras sediadas em Portugal dada pelo RGICSF.

E diziam ainda: “Reveste-se esta qualificação de bastante utilidade para os créditos concedidos, para as garantias prestadas e para os juros e comissões cobrados por instituições de crédito e sociedades financeiras sediadas fora do território nacional a entidades domiciliadas neste território, que, nos termos do artigo 4.°, n." 2, alíneas b) e e), do Código, se encontram sujeitas a imposto do selo.”

 

O que fica dito quanto à relação entre as normas de tributação (verba 17.3 da Tabela, antes 17.2, e, claro, o art. 1º do CIS) e a norma de isenção (art. 6º do CIS na redacção inicial, art. 7º após reforma de 2004), suscita-nos as considerações que se seguem.

 

No regime anterior ao CIS, o artigo 120-A da TGIS [25], referente a  operações enumeradas sob a epígrafe Operações financeiras, compreendia juros, comissões e garantias relacionadas com situações de concessão de crédito por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas.

 

Nas diversas situações abrangidas pelo nº 2 do artigo 120-A [26] parece-nos poder distinguir-se as isenções com finalidade de incentivo económico (caso das alíneas a), c), d) e g) e segunda parte da alínea b) quanto ao pagamento em moeda estrangeira de bens e serviços importados por empresas no âmbito da sua actividade) e as resultantes de outros benefícios fiscais previstos em normas internas ou internacionais (casos das alíneas e) e f)).

 

Na situação abrangida na primeira parte da alínea b) - juros devidos por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas a instituições, sociedades ou a entidades da mesma natureza, umas e outras domiciliadas em território português (ou seja, mantendo a tributação no caso de uma das entidades ser domiciliada fora do território português). [27]

 

O objectivo era evitar a cumulação de tributação dos encargos com o crédito, embora restringindo tal evitação de duplicação de encargo (repercutido no consumidor final) à relação entre entidades domiciliadas em território português.

 

Na jurisprudência do CAAD também se encontra reconhecimento de que “ a evolução histórica do preceito aponta para que, na versão originária e ainda com a redacção dada pela Lei n.º 30-C/2000, de 29/12, que acrescentou um n.º 2 ao artigo 6.º, a isenção tinha claramente como elemento catalisador o crédito concedido nos termos mencionados em tal normativo, incluindo relativamente às comissões cobradas, por força da restrição introduzida pelo n.º 2 do artigo 6.º”, assacando-se à perda de homogeneidade resultante da fusão das alíneas e) e f) numa única alínea e), conjugada com a revogação do nº 2, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, a erosão do elemento catalisador da concessão do crédito. (cf. decisão no processo 633/2016-T, pontos 63 e 64).

 

Mas, a questão está, precisamente, na dúvida sobre a valorização da eliminação do nº 2 no momento da fusão das alíneas, como feito notar na declaração de voto de vencido lavrada na decisão 303/2017-T. Porque se a norma tinha já uma determinada interpretação que a inclusão desse nº 2 apenas confirmou a posterior eliminação deste número não terá o significado pretendido.

 

Apesar de reconhecer que a revogação do nº 2 do artigo 6º introduz um elemento perturbador na interpretação do preceito, não podemos deixar de apontar que tal desaparecimento ocorre numa Lei de aprovação de Orçamento, sem rasto de explicação, e isso pode atenuar o seu efeito, dificultando o raciocínio a contrario sensu proposto se ele não for confirmado por outros elementos de interpretação.

 

O argumento invocado no sentido de a eliminação do nº 2 ter um decisivo significado porque contemporânea da inclusão na norma das “sociedades de capital de risco”, cujo objecto não é conceder crédito, significando isso que a interpretação restritiva da norma defendida pela AT tornaria o benefício inútil para aquelas entidades (este argumento é depois estendido às sociedades gestoras de fundos de pensões), não nos parece ter o peso pretendido porque:

  • Apesar de não ser o objecto específico da respectiva actividade, as sociedades de risco podem conceder crédito embora com limitações, que aliás não foram sempre as mesmas [28];
  • A inclusão das sociedades de capital de risco na al. e) do nº 1 do artigo 6º é enquanto destinatária de crédito e não concedente de crédito, parecendo visível o benefício na sua actividade.
  • As sociedades de gestão de fundos de pensões têm limitações quanto à concessão e contracção de empréstimos mas o nº 2 do artigo 36º deixa margem a essa actividade, remetendo em parte para a regulamentação do contrato constitutivo do fundo [29] e tanto estas sociedades como os fundos de pensões podem ser utilizadores de crédito.  

 

A síntese acabada de enunciar permite fazer ressaltar a existência de fundamento comum, ao longo da evolução registada, na isenção do imposto do selo prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS, e antes nas alíneas e) e f) do art. 6º, e ainda antes, na alínea b) do nº 2 do artigo 120-A da antiga Tabela Geral do Imposto do Selo, apesar de todas as alterações assinaladas e alargamentos do âmbito subjectivo e objectivo. 

 

Estão em causa operações financeiras excluídas de tributação em IVA (alínea g) do nº 27 do artigo 9º do CIVA) que são, em alternativa, sujeitas a Imposto do Selo.

 

A isenção actualmente prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS, justifica-se por se tratar de operações financeiras realizadas por entidades que intervém como intermediárias relativamente ao crédito. É nesse conjunto de operações quando referidas à actividade de concessão de crédito que se justifica isentar a entidade intermediária. É o caso quando instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras intervém na actividade de crédito – a sua tributação em selo, quando o crédito visava chegar a outro, iria onerar o custo da actividade, a pagar pelo destinatário final.

 

Na argumentação que justifica esta isenção diz-se que o Estado não perde o imposto porque quando este operador intermédio procederá à liquidação na relação com os seus próprios clientes consumidores finais. Mas esse argumento pode ser pertinente quando se trata de concessão de crédito e juros, comissões ou garantias com ele relacionadas mas não vale para todas as demais realidades eventualmente abrangidas por estes conceitos desligados da concessão de crédito. 

 

Neste ponto não pode, pois, deixar de concordar-se com a afirmação contida na declaração de voto proferida no processo 303/2017-T, comentando a leitura de que «a contrario, qualquer operação financeira passava a estar isenta de IS, por mais remotamente conexa que ela fosse com a concessão de crédito, ferindo a “ratio legis” do actual art. 7º, nº 1, e) do CIS, que se afigura ser a de isentar excepcionalmente de IS operações já isentas de IVA mas que, pelas suas características, poderão ser ainda tributadas a jusante (junto do “consumidor final” dos produtos financeiros, tributando-o directamente em vez de fazê-lo através de repercussão de impostos lançados a montante)».

 

No caso dos autos, referente a comissões cobradas a fundos de pensões pelas respectivas sociedades gestoras de fundos de pensões, a título de remuneração de serviços de gestão prestados aos fundos afigura-se-nos que estamos longe da ratio legis que subjaz à concessão de isenção em determinadas operações – juros, comissões, garantias, utilização de crédito - realizadas entre instituições de crédito, e instituições financeiras.

 

Não consideramos ter sido demonstrado, de forma inequívoca, que a associação ao crédito, que inicialmente parecia evidente, quando referida apenas a juros e comissões, por estarem em causa apenas instituições de crédito, se tenha quebrado por ter entretanto vigorado uma norma (nº 2 do art. 6º na redacção dada pela Lei do OE para 2001) que apenas declarava o que poderia resultar da interpretação da letra e do espírito da lei.[30]

 

Ou seja, apesar de a ordem apresentada das situações isentas - juros, comissões, garantias, utilização de crédito – a evolução legislativa e a ratio do preceito apontam para que, na verdade, se trata de “utilização de crédito e juros, comissões, garantias”…

 

Acrescenta-se ainda que, para além do que fica dito, nada parece indicar que se tenha pretendido beneficiar com isenção de IS as “contraprestações devidas pela gestão dos fundos de pensões”.

 

Admitindo como pacífica a qualificação destas prestações de serviços como operações financeiras (ponto 17.3.4 da verba 17.3), não se crê por outro lado que, apesar de tributadas pela referida verba que inclui, de forma geral, operações referidas ao crédito, seja abrangida pela alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS quando utiliza apenas o conceito comissão e não “contraprestações por serviços financeiros”.

 

Crê-se que se o legislador tivesse efectivamente pretendido isentar de imposto do selo as comissões de gestão cobradas aos fundos de pensões e outras entidades (ainda que sejam instituições financeiras) deveria tê-lo explicitado, ou no CIS ou no EBF (art. 16º) ou em diploma específico[31], o que não acontece.

 

Ora a interpretação proposta pela Requerente permitiria uma abrangência de aplicação da isenção de IS [32] que, não se vendo confirmada em mais nenhuma norma do sistema jurídico, seria susceptível de violar os princípios a observar na interpretação de normas que consagram “medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem” .

 

Quanto ao argumento invocado pela Requerente de que o facto de a AT não ter procedido a liquidação logo a partir de 2004 (data em que considera que as SGFP e os FP foram qualificados como instituições financeiras - DL nº 66/2004- ficando sujeitos a tributação), mas apenas a partir de 2012, significaria que entendia que as entidades estariam abrangidas pela isenção, não nos parece ser relevante, nem como elemento que tivesse criado uma expectativa de interpretação diferente.

 

Por um lado, a experiência revela ser frequente a AT efectuar liquidações adicionais em datas muito próximas dos prazos de caducidade (quase sempre na sequência de inspecções incidentes sobre questões seleccionadas em planeamentos de verificação), por outro lado, não se encontra provada tal dilação na concretização deste tipo de liquidações, havendo indícios que pelo menos quanto a outras situações controvertidas em IS (comissões por seguros) houve liquidações em 2008 (caso de rec nº 01635/15 –STA) . 

 

17. Conclusões

Concluindo:

  • Resulta da análise efectuada acima que a isenção de imposto do selo em operações financeiras realizadas entre entidades com actividade financeira tem tido por objecto juros, comissões e garantias, quando referentes a operações relacionadas com concessão de crédito
  • Foi assim no artigo 120-A da TGIS, em vigor ao tempo do antigo Regulamento do Imposto do Selo e na redacção inicial do CIS em vigor a partir de 2000, mesmo antes da introdução de um número 2 no artigo 6º do CIS que tal esclarecia;
  • A supressão desse número e as alterações ocorridas no artigo 6º do CIS (actual 7º), alargaram o universo objectivo e subjectivo da isenção mas nada indicia que se tenha pretendido alargar o benefício a todas as situações que integram a actividade das entidades aí referidas, antes sendo de crer que esse alargamento a outras entidades financeiras se restringe aos casos em que elas, ainda que excepcionalmente, pratiquem a actividade idêntica à específica das instituições de crédito (isenção alargada inicialmente às sociedades financeiras e depois a outras entidades, qualificáveis como instituições financeiras) e, principalmente, aos casos em que assumem a qualidade de utilizadoras de crédito ou devedoras de juros, comissões e garantias, conexos com a concessão de crédito;
  • É na intermediação, nessa actividade de concessão de crédito, que se verifica a razão da isenção, evitar o efeito cumulativo da tributação, tributando apenas o consumidor (destinatário) final.
  • A admissão da isenção com um âmbito tão lato quanto o pretendido pela Requerente não se apresenta justificado pelo confronto com outras normas do sistema jurídico e é dificilmente compatível com a natureza excepcional das normas que prevêem benefícios fiscais.
  • A atribuição pelo Lei do OE para 2016 de carácter interpretativo ao nº 7 nessa altura aditado ao artigo 7º do CIS não violou o artigo 103º, nº 3 da CRP porque já antes da respectiva inclusão, o referido artigo era passível de interpretação expressa com o sentido e alcance previstos nesse novo número. 
  • Não existe violação dos princípios da confiança e segurança jurídicas na aprovação de uma norma de interpretação autêntica, porque não inovatória, não podendo negar-se a hipótese em abstracto de clarificação legislativa, sob pena de tolher completamente o poder legislativo e favorecer situações de criação intencional de obscuridade;
  • Também não ficou provada a existência de violação dos princípios da confiança e segurança jurídica, por criação de expectativa em sentido diverso pela ATA.

 

Pelo que o presente tribunal não considera procedente o Pedido de pronúncia arbitral mantendo o acto de liquidação cuja legalidade foi posta em causa, assim como os correspondentes juros compensatórios.

 

18. Juros indemnizatórios

Não sendo procedente o pedido de declaração de ilegalidade, improcede o pedido de juros indemnizatórios.

Mas, ainda que o mesmo fosse declarado procedente, dir-se-á o seguinte:

  • A liquidação foi efectuada na sequência da inspecção tributária realizada entre 3 de Maio de 2015 e 23 de Junho de 2016, onde, para além de outras considerações sobre a articulação da verba 17.3.4. da TGIS com o artigo 7º, nº1, al. e) do CIS, se concluiu que “Merece ainda referir que estas comissões de gestão e administração cobradas pelas Entidades Gestoras aos respetivos Fundos, não beneficiam da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.ºdo CIS, já que a isenção ali corporizada não é toda e qualquer comissão, apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea, no termos do n.º 7 deste artigo com a redacção de 21 de maio de 2013,dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (OE/2016,) redação que tem natureza interpretativa nos termos do artigo 154.º do referido diploma.
  • A Administração Tributária, estando sujeita ao princípio da legalidade, não poderia ter recusado a aplicação de uma norma legal vigente no ordenamento jurídico com o argumento de que a considerava inconstitucional, pelo que não lhe é imputável a prática de “erro” para os efeitos previstos no artigo 43º da Lei Geral Tributária, não havendo pois lugar a pagamento de juros indemnizatórios. (Assim decidiram, entre outros, os Acórdãos proferidos pelo STA em 4 de Março de 2015, proferido no Processo n.º 01529/14 e aos Acórdãos do STA de 26/02/2014, no recurso n.º 0481/13, de 12/03/2014, no recurso n.º 01916/13 de 21/01/2015, no recurso nº 0843/14 e de 21/01/2015, no recurso n.º 0703/13, e 14/09/2016, no recurso 0299/16).

 

19. Decisão

Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

  • Julgar improcedente o presente pedido de declaração da ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo no montante de € 125.600,53 (cento e vinte e cinco mil e seiscentos euros e setenta e cinquenta e três cêntimos) e respectivos juros compensatórios, no montante de € 16.283,58 (dezasseis mil, duzentos e oitenta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), no montante total de € 141.884,11 (cento e quarenta e um mil, oitocentos e oitenta e quatro euros e onze cêntimos);
  • Julgar improcedente a invocação de inconstitucionalidade por aplicação de norma apenas formalmente interpretativa a factos anteriores à data da respectiva publicação; 
  • Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

20. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 141.884,11 (cento e quarenta e um mil, oitocentos e oitenta e quatro euros e onze cêntimos).

Lisboa, 18  de Janeiro de 2018.

Os árbitros,

Manuela Roseiro

 

 

Joaquim Silvério Mateus (vencido conforme declaração junta)

 

 

Manuel Pires

 

 

 

 

 

 

 

Voto de vencido

 

Não acompanho a douta decisão de julgar a improcedência do pedido arbitral pelas razões que sucintamente passam a expor-se.

Não existe divergência, nem entre as Partes nem do signatário em relação à douta posição que fez vencimento no presente Acórdão Arbitral, quanto à caracterização da Requerente e do Fundo de Pensões a quem foi liquidado o imposto como entidades susceptíveis de serem abrangidas pelo conceito de “instituição financeira” referida quer na verba 17.3 da TGIS quer na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, havendo igual concordância quanto à qualificação das remunerações cobradas pela administração e gestão dos Fundos de Pensões como “serviços financeiros”.

A divergência verifica-se em relação à interpretação da citada alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS quanto à conclusão, defendida pela Requerida e acolhida no presente acórdão arbitral, de que nela não cabem as comissões cobradas aos Fundos de Pensões pelas respectivas Sociedades Gestoras como contrapartida da respectiva administração.

Começando por atentar na fundamentação da liquidação impugnada, constante no relatório de inspecção que lhe serviu de base, verifica-se, em resumo da responsabilidade do signatário, que foi considerado que as comissões de gestão e administração cobradas, em 2013, pelas Entidades Gestoras aos respectivos Fundos, não devem beneficiar da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS já que, face à sua redacção, esta norma apenas se aplicava às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito e que as dúvidas com a interpretação de tal norma foram removidas com a publicação da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que veio aditar o n.º 7 ao artigo 7.º do CIS, com natureza interpretativa e retroactiva, acolhendo a sua posição de que a isenção apenas se deveria aplicar “às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito”.

Por seu lado, a douta posição que fez vencimento no presente acórdão dá acolhimento à liquidação impugnada e respectiva fundamentação.

Ora, não obstante o notável esforço e vasta argumentação para suportar a improcedência do pedido arbitral, não deixa de decorrer do texto do acórdão que foram evidentes as dúvidas e dificuldades, aí reconhecidas em termos mais ou menos explícitos, para ultrapassar a literalidade e amplitude da norma de isenção e para credibilizar e densificar o sentido da decisão, tanto mais que a jurisprudência arbitral e do Tribunal Constitucional, salvo um ou outro voto de vencido invocados no texto, apontam clara e consistentemente em direcção diferente.

Com o devido respeito, o signatário discorda da fundamentação da liquidação impugnada e da decisão proferida no presente acórdão, quer quanto à afirmação de que a citada norma de isenção, tal como se encontrava redigida em 2013, abrangia apenas as comissões conexas com a concessão de crédito, quer quanto à conclusão de que a alteração introduzida pelo artigo 172.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, determinando justamente que a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS passou a ter a referida abrangência, se deve aplicar retroactivamente aos factos que deram origem a tal liquidação. Vejamos,

Não é necessário invocar muitos argumentos nem apresentar posições originais para ilustrar as discordâncias supra referidas, quanto à decisão arbitral proferida no presente acórdão, dado que é vasta e convincente a jurisprudência arbitral que considera que a citada norma de isenção não deverá ter a interpretação restritiva que a Requerida lhe atribui.

 

Em reforço da jurisprudência arbitral haverá ainda que invocar a jurisprudência do Tribunal Constitucional que, além de acolher a orientação até agora unânime das decisões arbitrais, reforça ainda mais a conclusão de que não é um caminho constitucionalmente aceitável alargar o conteúdo de normas de incidência e restringir a amplitude de normas de isenção tributária, com eficácia retroactiva, através do expediente de publicar alterações legislativas a que são atribuídos efeitos interpretativos.

 

A redacção em vigor no período tributário a que respeita a liquidação impugnada foi introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, dispondo que “1 - São também isentos do imposto: e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”.

Ora, atentando nas versões normativas que precederam a redacção acima transcrita, pode encontrar-se um relevante ponto de apoio a uma das vertentes a que o intérprete de qualquer norma deve começar por atentar, o seu elemento literal.

Era do seguinte teor a versão originária do artigo 6.º do CIS, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro:

1 - Ficam também isentos do imposto:

e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997”.

O artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, introduziu um novo n.º 2 ao artigo 6.º (passando o então n.º 2 a n.º 3), onde se estabelecia que: “2 – O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas”.

Dois anos mais tarde, o artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de Dezembro, suprimiu o referido n.º 2 do artigo 6.º, fazendo cessar a limitação da isenção às operações directamente destinadas à concessão de crédito.

Na sequência da eliminação do n.º 2, os n.ºs 3 e 4 foram renumerados, passando a 2 e 3.

Não restam assim quaisquer dúvidas, sob pena de total inutilidade da lei, que o citado artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de Dezembro, procedeu à revogação do n.º 2 do artigo 6.º do CIS, que havia sido introduzido pelo artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, e procedeu à fusão das anteriores alíneas e) e f), que deram lugar a uma nova redacção da alínea e).

Esta alínea e) passou a isentar de imposto de selo “os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças”.

Mais tarde foi publicado o Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, no quadro da reforma da tributação do património, em que a citada alínea e) manteve a redacção conferida pelo artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de Dezembro, sendo que a Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, alargou a isenção às garantias prestadas entre o mesmo tipo de instituições.

Assim, e conforme é consignado no acórdão arbitral proferido no processo n.º 303/2017-T, a fusão daquelas alíneas visou claramente a uniformização dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados com o das comissões cobradas em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e instituições financeiras.

Não deixando de se anotar que durante vários anos terá sido pacificamente aceite, quer pelos operadores económicos quer pela própria administração fiscal, a amplitude da norma de isenção às comissões cobradas pelas sociedades gestores de fundos de pensões aos fundos que administravam, desconhecendo-se as razões – os autos não fornecem essa informação – que levaram a autoridade Requerida a mudar recentemente a sua posição.

A este propósito reinvoca-se mais uma vez a evolução histórica do preceito que aponta de forma clara no sentido de que apenas na versão originária e, posteriormente, no período em que vigorou a redacção dada pelo artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, a isenção tinha claramente como elemento catalisador o crédito concedido nos termos mencionados em tal normativo, ou seja, apenas se aplicava às comissões que tivessem subjacente operações de concessão de crédito.

Como bem se salienta no acórdão proferido no referido processo n.º 303/2017-T “a amplitude da isenção decorre igualmente da letra da norma ao utilizar a expressão “e, bem assim”, a qual, sendo uma locução conjuntiva, significa, de acordo com os principais dicionários de língua portuguesa, “igualmente”, “assim como”, “mais”, “também”, “idem”, “outrossim”, “da mesma maneira”, “do mesmo modo”, apontando claramente, para além de qualquer dúvida razoável, para uma coexistência caracterizada pela autonomia e pela independência. Ou seja, a isenção dos juros e comissões cobradas reveste-se de autonomia e independência com a isenção da utilização de crédito e subordina-se a idêntico regime”.

Acrescentando-se que “não se afigura, pois, legítimo interpretar a expressão “e, bem assim”, como significando “quando directamente destinado a”, ou “quando directamente relacionado com”, na medida em que estas últimas expressões denotam uma relação de subordinação e dependência. Neste mesmo sentido milita o facto de que a expressão “quando directamente destinado a” tinha sido deliberada e expressamente afastada pelo artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de Dezembro”.

Concluindo que o teor literal e gramatical da alínea e) do artigo 7.º do CIS é particularmente claro neste domínio, não havendo margem para falar, a respeito do segmento em análise, em polissemia da norma. O direito fiscal, pelos valores de confiança, segurança e certeza jurídicas a que se encontra constitucionalmente e legalmente adscrito, impõe exigências acrescidas no domínio da tipicidade, precisão, clareza e determinabilidade das leis. O texto, com as suas inerentes propriedades linguísticas, continua a desempenhar uma função fundamental de produção e transmissão de sentido e na estabilização das espectativas. 

No presente acórdão arbitral, tal como o fez a autoridade Requerida na sua Resposta, invocam-se alguns acórdãos dos Tribunais Superiores que suportariam o entendimento de que a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS apenas se aplicaria às comissões conexas com operações de concessão de crédito.

Porém, o que se verifica da análise dos acórdãos invocados é que nenhum deles versou a matéria do regime jurídico e do enquadramento tributário das comissões cobradas pelas sociedades gestores de fundos de pensões aos respectivos fundos.

Com efeito, o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS) de 21.09.2010, proferido no processo n.º 02754/08, teve por objecto um litígio conexo com comissões cobradas no âmbito de contractos de angariação de seguros, em que as partes discutiam se as referidas comissões deveriam ser sujeitas a imposto do selo pela verba 22.2 ou pela verba 17.2.4 da TGIS.

Ora, quer o tribunal a quo quer o TCAS consideraram que não estava provado que as comissões em causa se poderiam qualificar como comissões cobradas pela actividade da mediação de seguros mas eram antes “resultantes de um contrato/operação verdadeiramente acessório, na medida em que seu garante, do contrato de concessão de crédito” e que por isso não se poderiam enquadrar na verba 22.2 mas antes na referida verba 17.2.4 da TGIS (vd. parte final do n.º 1 do Enquadramento Jurídico).

Por outro lado, quanto à isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, considerou o dito Acórdão que a mesma não era aplicável dado que não se tratava, naquele caso, da concessão de qualquer tipo de crédito, nem, muito menos, a sua cobrança ocorreu entre o tipo de instituições definidas na lei.

Por sua vez, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.06.2016, proferido no processo n.º 0770/15, teve como seu ponto central decidir que a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, não se aplica quando está em causa a tributação de comissões cobradas pela actividade de mediação/angariação de seguros já que tais comissões se enquadram na verba 22.2 da TGIS.

Não deixando de reconhecer que os ditos acórdãos – e outros até mais recentes como é o caso do acórdão do STA de 15.02-2017, processo 669/16 – abordam a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º adiantando alguns que a mesma se aplica apenas às comissões cobradas no âmbito de operações de concessão de crédito, o que se constata é que o seu objecto central não versou a aplicação da referida norma, estando antes em causa questões de enquadramento entre a verba 17 e a verba 22 da TGIS.

Daí que se possa dizer que só aparentemente defendem a posição da entidade Requerida quanto às comissões cobradas pelas sociedades gestoras de fundos de pensões aos respectivos fundos, dado que esse não foi o tema central que foi colocado à apreciação desses doutos arestos, tratando-se antes de referências marginais que poderiam ou não subsistir se esse fosse o seu objecto. 

Assim, como se salienta no acórdão arbitral 303/2017-T, essa jurisprudência não é relevante para a discussão em causa no presente processo, não podendo ser usada como dicta probandi para corroborar qualquer alegada divergência interpretativa na mediação do conteúdo semântico da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

 

Quanto à questão da constitucionalidade conexa com a aplicação retroactiva da alteração do artigo 7.º do CIS, a mesma jurisprudência arbitral e, sobretudo, a jurisprudência do Tribunal Constitucional, vão, como já referido, em direcção contrária à decisão arbitral proferida no presente acórdão. Vejamos,

 

A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, através do seu artigo 152.º, aditou ao CIS o n.º 7 do artigo 7.º, que prevê o seguinte: “O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”.

Por sua vez, o artigo 154.º da mesma Lei atribui natureza interpretativa ao preceito aditado.

 

Não cabendo ao intérprete nem aos tribunais questionar as medidas legislativas originárias dos competentes órgãos de soberania, mesmo que, como é o caso, se trate uma norma que vigorou durante 13 anos sem que houvesse necessidade de clarificar o seu conteúdo, já o mesmo não se poderá dizer quanto à conformação da amplitude temporal conferida à norma interpretativa com os princípios gerais de direito e com as normas e princípios constitucionais.

Ora, como se consignou no acórdão arbitral 303/2017-T, em linha com anteriores decisões arbitrais, a figura da lei interpretativa tem um relevo não despiciendo na hermenêutica jurídica, na medida em que, nos termos do artigo 13º n.º 1 do Código Civil, “a lei interpretativa integra-se na lei interpretada”.

Daqui resulta um regime geral de aplicação retroactiva da lei interpretativa com efeitos ex tunc, ou seja, retroagindo ao momento da entrada em vigor da lei interpretada. No entanto, o próprio nº1 do artigo 13º deste diploma relativiza este regime geral em benefício da segurança jurídica e da protecção da confiança ao ressalvar “os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza.”

Ou seja, continua o referido acórdão arbitral, o legislador não deixa de reconhecer que a lei interpretativa introduz inovações no ordenamento jurídico, na medida em que encurta o horizonte semântico de possibilidades interpretativas, em termos que, levados às últimas consequências, poderiam por em causa a certeza, a segurança e a paz jurídicas, o que o leva a ceder diante do efeito de res judicata e de outras modalidades de estabilização de espectativas.

Se isto é assim em sede de regime geral da lei interpretativa, não estão excluídas maiores cedências aos princípios da segurança jurídica e à protecção da confiança em domínios especiais do direito (v.g. restrições aos direitos liberdades e garantias, direito penal, direito fiscal) em que as exigências constitucionais de certeza e segurança adquirem uma especial intensidade, especialmente tendo em conta, no caso do direito fiscal, a consagração de uma proibição expressa de retroactividade no artigo 103º n.º 3 da CRP.

E continua a ler-se no citado acórdão que este aspecto é particularmente importante na medida em que as leis interpretativas nunca são absolutamente neutras do ponto de vista semântico. Assim como na física quântica o simples acto de observar um objecto interfere com esse objecto observado, também no ordenamento jurídico a aprovação de uma lei interpretativa interfere com o significado da lei interpretada. A medida de interferência produzida pela lei interpretativa tem que ser substantivamente analisada e valorada do ponto de vista das matérias sobre que incide, dos efeitos benéficos ou lesivos que produz sobre os seus destinatários e da perturbação que provoca nos princípios constitucionais que estruturam o sistema jurídico.

A isto acresce referir que na qualificação de uma lei como interpretativa o nomen iuris não é absolutamente decisivo. Pode haver leis auto qualificadas como interpretativas que afinal se perfilem como inovadoras, eventualmente propondo um sentido incompatível com a lei interpretada. Do mesmo modo, é igualmente verdade que nem todas as leis interpretativas podem ser tratadas de forma igual. Há sentidos propostos pelas leis interpretativas que se representam mais ou menos próximos do teor literal do texto interpretado e outros que dificilmente serão compatíveis com ele. Do mesmo modo, uns são mais lesivos ou mais benéficos na sua interferência dos direitos ou interesses dos seus destinatários. Tudo isso deve ser avaliado e ponderado em concreto, de acordo com uma abordagem contextual.

Ora, no domínio da alteração ao CIS, o legislador não se limitou a clarificar o sentido interpretativo de uma norma vigente. Diferentemente, como resulta das considerações supra, a norma interpretativa contida no n.º 7 do artigo 7.º do CIS reveste-se de carácter inovatório face ao regime jurídico anteriormente em vigor. Com a agravante de essa norma interpretativa ter exumado um sentido que, tendo interrompido um período de não sujeição a imposto de selo das comissões cobradas pela gestão de fundos de pensões, havia tido como suporte unicamente a curta vigência no nº2º do artigo 6º do CIS (ex vi artigo 37º/2 Lei nº 30-C/2000), até à sua eliminação pelo artigo 30º da Lei nº 32/2002, cerca de 13 anos antes da aprovação do artigo 154º da LOE 2016. Também aqui diante de uma subinformação relevante em sede hermenêutica, com significado do ponto de vista da regularidade da actuação estadual e da estabilização de expectativas lastradas em investimentos (investment backed expectations).

De um modo geral, as regras da hermenêutica jurídica postulam que o resultado interpretativo não pode deixar de ter um mínimo de correspondência na letra da lei (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil). Ora, como já se observou, não há qualquer fundamento literal na redacção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS que permita ao intérprete concluir pela limitação da isenção aí prevista às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas na mesma alínea. Com efeito, a expressão conjuntiva e aditiva “e, bem assim”, que veicula um sentido de autonomia e independência, em caso algum pode ser interpretado como significando quando directamente ligado a, ou quando directamente relacionado com, em termos que sugiram uma relação de subordinação e dependência.

E, como acertadamente também se consigna no dito acórdão arbitral, tratando-se de uma alteração legislativa de conteúdo inovatório e de sentido manifestamente desfavorável ao contribuinte, a mesma não pode ter efeito retroactivo, sob pena de violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, ínsito no princípio do Estado de direito, conforme resulta do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP. Considera-se, portanto, que a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, veio, através da interpretação conjugada dos seus artigos 152.º e 154.º, delimitar o âmbito material da isenção prevista alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, de forma inovadora e retroactiva, e, como tal, inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroactividade das normas fiscais, previsto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, ínsito no princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos. Mas ainda que se tratasse de uma verdadeira norma interpretativa, não pode ser desconsiderada a protecção constitucional que é garantida ao contribuinte no artigo 103.º, n.º 3, ao proibir-se a retroactividade (autêntica) da lei fiscal. As leis interpretativas podem ser admissíveis e integradas nas leis interpretadas, como se diz no artigo 13.º do Código Civil. Mas isso não se alarga necessária e ilimitadamente a domínios como os do direito penal ou do direito fiscal, ou mesmo de restrição de direitos, liberdades e garantias, onde as exigências de legalidade, tipicidade, certeza, segurança jurídica, se afiguram especialmente exigentes.

Por seu lado, o Tribunal Constitucional proferiu recentemente decisões sobre esta matéria de que se podem invocar o Acórdão n.º 267/17, de 31 de Maio de 2017 e a decisão sumária n.º 404/2017, de 14 de Julho (decisão esta mantida pelo Acórdão n.º 644/2017, de 4 de Outubro de 2017, que indeferiu reclamação deduzida pela AT contra a doutrina fixada pelo TC).

Reafirmando a doutrina fixada pelo Acórdão do TC n.º 267/2017, distingue-se na decisão sumária n.º 404/2017 a retroactividade formal, em que a nova lei fixa uma das interpretações possíveis da lei anterior com que os interessados podiam e deviam contar (cfr. BATISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 246), da retroactividade em sentido substancial ou material, em que se pretende aplicar a lei nova a factos e situações jurídicas anteriormente disciplinados por um direito certo, caso em que este último é modificado, violando-se expectativas quanto à sua continuidade.

Ora, segundo o TC, “é o que se verifica em relação à solução normativa resultante da conjugação dos n.ºs 1, alínea e), e 7, do artigo 7.º do CIS, consagrada na sequência do aditamento do citado n.º 7 pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016, que é inovadora e aumenta a coleta de Imposto do Selo devida, ou seja, agrava desfavoravelmente o modo de calcular o quantum devido a título daquele Imposto. A determinação da aplicação de tal solução a anos fiscais anteriores ao da entrada em vigor da referida Lei n.º 7-A/2016 prevista no seu artigo 154.º torna-a, por conseguinte, substancialmente retroativa e, nessa mesma medida, incompatível com a proibição da imposição de impostos retroativos do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição”.

 

Face à doutrina decorrente da jurisprudência arbitral e constitucional sumariamente invocadas não pode o signatário acompanhar a, aliás, douta posição dominante do presente acórdão arbitral, considerando, ao contrário, que assiste razão à Requerente ao considerar as comissões por si cobradas como isentas de Imposto do Selo, em conformidade com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7º do CIS, na redacção em vigor no ano de 2013, e que deveria declarar-se a ilegalidade da liquidação impugnada com as demais consequências legais.

 

O árbitro,

 

(Joaquim Silvério Mateus)

 

 

 

 

 

 



[1] Pela Lei nº 150/99, de 11 de Setembro, e que substituiu o Regulamento do Imposto de Selo, aprovado pelo Decreto nº 12700, de 20 de Novembro de 1926 e a Tabela Geral do Imposto do Selo aprovada pelo Decreto nº 21916, de 28 de Novembro de 1932.

[2] Redacção dada pela Lei nº 39-B/94, 27/12 (OE para 1995). A anterior redacção abrangia as “Operações (…) realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito ou sociedades financeiras” (Decreto-Lei n.º 162/94, 4 de Junho de 1994).

[3] Então as seguintes: «a) Saques e ordens de pagamento sobre o estrangeiro, pagáveis em moeda estrangeira, bem como vendas de moeda estrangeira, de ouro em barra, em lingotes ou noutras formas não trabalhadas e de fundos públicos ou títulos negociáveis, sobre o respectivo valor - 9% (selo de verba);b) Juros cobrados, designadamente, por desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e suprimentos e por créditos em liquidação, sobre a respectiva importância - 9% (selo de verba);c) Prémios e juros de letras tomadas, de letras a receber por conta alheia, de saques emitidos sobre praças nacionais ou de quaisquer transferências e em geral todas as comissões que se cobrarem, com excepção das comissões incidentes sobre garantias prestadas - 9% (selo de verba);d) Comissões relativas a garantias prestadas, sobre a respectiva importância - 5% (selo de verba);e) Juros e comissões relativas a financiamentos concedidos a entidades residentes em território nacional por instituições de crédito e sociedades financeiras sediadas e estabelecidas no estrangeiro ou por filiais, sucursais ou agências no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras com sede no território nacional, sobre a respectiva importância - 9% (selo de verba);f) Comissões relativas a garantias prestadas pelas entidades referidas na alínea anterior, sobre o respectivo valor - 5% (selo de verba);g) Operações de venda de valores mobiliários com garantia de recompra, sobre o respectivo valor - 2,5% (selo de verba)» (adaptou o texto do preceito às operações enumeradas, quando realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito ou sociedades financeiras, pretendendo o legislador, segundo o preâmbulo do DL 162/94, clarificar a tributação, em sede de imposto do selo, das realidades previstas no novo regime jurídico que regula as empresas financeiras, Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

[4] Cf. preâmbulo do diploma. Em anotação ao Regulamento e Tabela (Editora Almedina, designadamente pelos Decretos-Lei nº 223/91, de 18/6 e nº154/84, de 16/5.Coimbra, 1994, p. 427), Herculano Curvelo e Ramos Costa comentavam afigurar-se que se pretendia ir mais além porque na epígrafe original “operações bancárias”, apenas se incluíam na incidência subjectiva, as operações e na incidência subjectiva, os bancos, ficando excluídas as operações praticadas por empresas parabancárias. (Questionavam, assim, interpretações que entendiam já serem estas instituições abrangidas anteriormente pela norma de incidência, tendo em conta redacções dadas a normas do art. 120-A designadamente pelos Decretos-Lei nº 223/91, de 18/6 e nº154/84, de 16/5).

[5] O 120º-A correspondeu à inclusão na tabela geral do imposto do selo de operações sujeitas a tributação de imposto do selo pelo Decreto nº 16732, de 13 de Abril, criadas então para compensar, segundo afirmação constante do preâmbulo deste diploma, a eliminação do imposto de transacções sobre operações bancárias, levada a cabo pelo Decreto nº 16731, da mesma data (Reforma Fiscal).

[6] Por despacho de 4-10-1954, concluía-se que “somente poderão beneficiar da isenção do imposto do selo as cambiais utilizadas nos pagamentos correspondentes exclusivamente às transacções realizadas pela actividade bancária”. Cf. Mouteira Guerreiro e Mário Assis Ferreira, ed. Biblioteca Jurídica Atlântida, Coimbra, 1973, p.388).

[7] No uso da autorização legislativa contida na Lei nº 73/93, de 20/12 “Fica o Governo autorizado a reformular o artigo 120-A da Tabela Geral do Imposto do Selo, no sentido de alterar a epígrafe «Operações bancárias» para «Operações financeiras», adaptando o texto daquele normativo com vista a abranger as operações aí enumeradas, quando realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas que, como actividade própria realizem operações nos mercados monetário, financeiro e cambial e definindo, a incidência subjectiva e a responsabilidade pela liquidação e entrega do imposto.” (sublinhado nosso).

[8] cf. Tabela publicada em Vida Económica/Boletim do contribuinte 1997.

[9] As isenções previstas nas alíneas a) a g) do nº 2 do artigo 120º-A eram as seguintes: a) Os juros dos empréstimos concedidos para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria; b) Os juros devidos por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas a instituições, sociedades ou a entidades da mesma natureza, umas e outras domiciliadas em território português; c) Os juros das operações do Crédito Agrícola de Emergência, criado pelo Decreto-Lei nº 251/75, de 28 de Maio, cuja responsabilidade directa venha ser assumida pelo Estado, quer como utilizador directo, quer como avalista; d) As operações sobre certificados de depósito; e)As transferências bancárias efectuadas pela Nunciatura Apostólica a favor da Santa Sé; f) As operações previstas neste artigo, quando realizadas nas condições e pelas' entidades referidas no nº 11 do artigo 41º do Estatuto dos Benefícios Fiscais; g) As comissões relativas a garantias de financiamento à exportação. (redacção de acordo com as alterações introduzidas pelo OE para 1995, aprovado pela Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro).

[10] Diploma que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões e que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, relativa às actividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais.

[11] O nº 2 do art 92º, prevê que “O disposto no número anterior [ou seja a supervisão do ISP] não prejudica os poderes de supervisão atribuídos à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários em matéria de comercialização de contratos de adesão individual a fundos de pensões” (redacção do Decreto- lei nº Decreto-Lei n.º 357-A/2007 de 31 de Outubro).

[12] Independentemente de outras normas, tal classificação deriva da inclusão no nº 1 do artigo 30º do Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei nº 489/99, de 13/11, das sociedades de gestão dos fundos de pensões e dos fundos de pensões como investidores qualificados [redacção do DL 52/2006, sendo que as sociedades de gestão dos fundos de pensões já constavam na redacção inicial Investidores institucionais], articulada com o nº 5 do artigo 4º da Directiva 2006/60/CE ou o nº 2 do artigo 3º da Directiva 2005/60/CE., tratando-se de entidades sujeitas a intervenção da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (alínea d) do nº 1 do art. 359º do CVM).

[13] Artigos 55º e 56º do Pedido Arbitral.

[14] Na linha da questão suscitada por Saldanha Sanches, na crítica ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 275/98, ao considerar que a intenção da mudança do texto constitucional, quanto à retroactividade em matéria fiscal, visara “retirar aos tribunais os poderes para proceder a essa hipótese de distinção” (entre normas interpretativas e inovadoras), concluindo que se até então “o que estava em causa eram as leis falsamente interpretativas”, a partir da revisão constitucional ter-se-ia pretendido “impedir os efeitos retroactivos de qualquer norma em matéria fiscal. Incluindo os provocados por lei interpretativa”. (Fisco nº 72/73, pp 77 a 88).

[15] «O caso dos autos é paradigmático da inexistência de expectativas jurídicas ou de manutenção do regime legal pretensamente controverso. Desde o nascimento do PEC – Decreto-lei n.º 44/98, de 3 de março –, com as alterações que sofreu até à data, não foi questionada a não dedutibilidade da quantia adiantada na coleta das tributações autónomas. O próprio programa informático da Administração Tributária de suporte à apresentação das declarações de IRC não possibilitava tal dedução. Portanto, o n.º 2 do artigo 90.º era interpretado e aplicado pela AT – e não consta que haja contribuintes que tenham impugnado nos tribunais tributários tal interpretação – no sentido de que as deduções do PEC (e as demais) não eram deduzidas na coleta das tributações autónomas. Apenas com a intervenção do tribunal arbitral é que surgiram – em 2014 e 2015 – decisões do CAAD, umas no sentido de que o PEC e os benefícios fiscais podiam ser deduzidos à coleta das tributações autónomas, e outras em sentido contrário.

[16] E ainda «Na realidade, afigura-se-nos incompreensível que, desde logo, o legislador se reportasse aos juros, comissões cobradas e garantias prestadas, pretendendo referir-se a realidades com existência «a se», para efeitos de isenção de imposto, o que redundaria, a ter o alcance pretendido pela recorrente, que todas e quaisquer que elas fossem, desde que reportadas a operações entre sociedade com localização observadora do, ali determinado, estariam isentas. Mas mais relevantemente do que isto é que se tornaria ainda mais incompreensível que assim se passassem as coisas no que concerne aos referidos juros, comissões e garantias e já no que toca à utilização do crédito se restringisse, apenas aqui, a isenção às operações financeiras celebradas entre aquelas aludidas instituições. (…).».

 

[17] Identifica quatro, que transcrevemos: 1) a de que, a contrario, qualquer operação financeira passava a estar isenta de IS, por mais remotamente conexa que ela fosse com a concessão de crédito, ferindo a "ratio legis" do actual art. 7°, 1, e) do CIS, que se afigura ser a de isentar excepcionalmente de IS operações já isentas de IVA mas que, pelas suas características, poderão ser ainda tributadas a jusante Junto do "consumidor final" dos produtos financeiros, tributando-o directamente em vez de fazê-lo através de repercussão de impostos lançados a montante);2) a de que, no silêncio quanto à restrição do âmbito da isenção, entrava a operar o princípio geral que se aplica às isenções como benefícios fiscais: o de que as isenções são medidas de carácter excepcional (art. 1º, 1 e 2 do EBF), a serem, por definição, sujeitas a uma ponderação restritiva quanto ao seu âmbito de vigência;3)a de que estava inadvertidamente criada uma lacuna, adensada pelo facto de em nenhum recanto do CIS, do EBF ou da legislação sobre fundos de pensões (Decreto­ Lei nº 323/85, de 6 de Agosto, e Decreto nº 12/2006, de 20 de Janeiro) surgir a mais ténue indicação de uma intenção legislativa de privilegiar tributariamente as comissões de gestão pagas pelos Fundos às SGFP, e pelo facto de a revogação tácita não indiciar que o legislador pretendia dispor em sentido oposto (o de alargamento do âmbito de isenção de IS), ou num qualquer outro sentido explícito, 4) a de que, preenchendo as SGFP o tipo de "quaisquer outras instituições financeiras" previsto na verba 17.3 da TGIS à data dos factos relevantes nos presentes autos, a norma revogada era inútil para o enquadramento das comissões de gestão pagas às SGFP na verba 17.3.4 da TGIS, "outras comissões e contraprestações por serviços financeiros', estando a incidência preservada pela conjugação daquela verba 17.3.4 com o art. 1º do CIS.

 

[18] Carlos Baptista Lobo – As Operações Financeiras no Imposto do Selo: Enquadramento Constitucional e Fiscal, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 1, nº 1, pp. 73 a 86.

[19] “Por sua vez, as comissões ou quaisquer contraprestações por serviços financeiros são tipicamente tributadas tomando em consideração a sua natureza de prestação de serviços que gozando de isenção em sede de IVA se tornam alvos por excelência do Imposto do Selo entendido como imposto residual ou “intersticial”. E “quanto aos juros decorrentes de operações financeiras, a sua tributação decorre directamente não pelo facto de se constituírem como um fruto ou rendimento – sendo a sua constitucionalidade quanto ao princípio da unicidade do imposto sobre o rendimento (aparentemente) salva pelo facto de que quem suporta o encargo do imposto ser o devedor ou o cliente das operações de crédito –, mas porque se entende que a tributação dos juros financeiros em sede de Imposto do Selo tem subjacente uma configuração do juro enquanto elemento de remuneração de uma prestação de serviço de crédito que não se encontra no âmbito de incidência do IVA, dado que é alvo de uma isenção que a unanimidade da doutrina considera como sendo de natureza meramente técnica.

[20] “A utilização do crédito, quer por via geral (verba 17) quer por via de títulos de crédito (verba 23) têm um fundamento de legitimação bastante mais dúbio. De facto, ao contrário das situações tributárias anteriores, que radicam numa base de legitimação de tributação directamente assente no conceito de prestação de serviços, a tributação da utilização do crédito parece decorrer da pressuposição por parte do legislador de uma “capacidade contributiva virtual ou aparente” decorrente da disponibilização de liquidez para investimento ou despesa”.

 

[21] Alguns comentários de Campos Laires e Belchior Laires (em 2000) podem ter suscitado alguma ambiguidade acerca do assunto, mas há que ter em conta que quando referem a possibilidade de aplicação da isenção a outras comissões e contraprestações não relacionadas com o crédito o fazem num contexto de relação entre instituições de crédito e sociedades financeiras (ver adiante).

[22] A tributação do financiamento externo foi prevista apenas a partir de início da década de 90 (cf. Decreto- Lei nº 223/91, de 18/06, Lei nº 71/93, de 26/11, Decreto-Lei nº 162/94, de 4/6 e Lei nº 39-B/94, de 31/12).

[23] Cf. António Campos Laires e Jorge Belchior Laires, Código e Tabela anotados, 2000, p.60.

[24] António Campos Laires e Jorge Belchior Laires realçavam que a sujeição ao imposto do selo a que se referem as verbas n."' 17..2.1 a 17.2.4 depende de os juros, prémios, comissões e outras contraprestações de operações financeiras aí previstas serem cobrados por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras. E lembravam que o artigo 120-A da Tabela anterior, abrangia as instituições de crédito e sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, mas não o conceito tão abrangente de instituições financeiras.

 

[25] Nas alíneas a) na e) do nº 1 distinguia-se: a) Juros cobrados, designadamente, por desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e suprimentos e por créditos em liquidação (...); b) Prémios e juros de letras tomadas, de letras a receber por conta alheia, de saques emitidos sobre praças nacionais ou de quaisquer transferências e em geral todas as comissões que se cobrarem, com excepção das comissões incidentes sobre garantias prestadas (...); c) Comissões relativas a garantias prestadas (...); d) Juros e comissões relativas a financiamentos concedidos a entidades residentes em território nacional, por instituições de crédito e sociedades financeiras sediadas e estabelecidas no estrangeiro ou por filiais, sucursais ou agências no estrangeiro de instituições de crédito, sociedades financeiras e outras entidades a elas legalmente equiparadas, com sede no território nacional, (...); e) Comissões relativas a garantias prestadas pelas entidades referidas na alínea anterior (...).

[26] São isentos do imposto: a) Os juros dos empréstimos concedidos para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria; b) Os juros devidos por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas a instituições, sociedades ou a entidades da mesma natureza, umas e outras domiciliadas em território português; c) Os juros das operações do Crédito Agrícola de Emergência, criado pelo Decreto-Lei nº 251/75, de 28 de Maio, cuja responsabilidade directa venha ser assumida pelo Estado, quer como utilizador directo, quer como avalista; d) As operações sobre certificados de depósito; e) As transferências bancárias efectuadas pela Nunciatura Apostólica a favor da Santa Sé; f) As operações previstas neste artigo, quando realizadas nas condições e pelas entidades referidas no nº 11 do artigo 41º do Estatuto dos Benefícios Fiscais; g) As comissões relativas a garantias de financiamento à exportação.

[27] Como já referido a tributação em imposto do selo dos juros e comissões foi alargada aos financiamentos externos apenas com o Decreto-Lei nº 223/91, de 28/06. Mas a isenção apenas beneficiava os juros relativos a financiamentos internos. 

[28] Sinteticamente, recorde-se os sucessivos diplomas legislativos sobre as SCR e FCR, quanto à questão do crédito: a al.b) do artigo 6 do Decreto-Lei 433/91, de 7 de Novembro, incluía nas operações activas que as SCR podem efectuar “Promover, em benefício das empresas por si apoiadas, a obtenção de crédito a médio ou longo prazos junto de instituições de crédito e de outros estabelecimentos financeiros e a colocação de acções, obrigações e outros títulos de dívida negociáveis, emitidos por aquelas empresas, e, bem assim, intervir, por qualquer outro modo, na preparação ou na colocação de emissões de tais títulos. No Decreto-Lei n.º 319/2002, 28/12/2002, “as sociedades de capital de risco deixam de ser qualificadas como sociedades financeiras. Tal alteração é agora viabilizada pelo facto de as sociedades de capital de risco deixarem de estar autorizadas a praticar actividades exclusivas de instituições de crédito e sociedades financeiras, como seja a participação na colocação de valores mobiliários” (in preâmbulo) mas prevê-se que “No desenvolvimento da respectiva actividade, é permitido às SCR” Conceder crédito, sob qualquer modalidade, ou prestarem garantias em benefício de sociedades em que participem (art. 9º, alínea c). E a al d) do o nº 3 do art. 7º do Decreto-Lei n.º 375/2007, de 8/11, veda às SCR e aos FCR “A concessão de crédito ou a prestação de garantias, sob qualquer forma ou modalidade, com a finalidade de financiar a subscrição ou a aquisição de quaisquer valores mobiliários emitidos pela SCR, pelo FCR, pela respectiva entidade gestora ou pelas sociedades referidas na alínea anterior.”, prevendo no nº 4 que “As operações correntes de tesouraria realizadas com sociedades que dominem a SCR ou a entidade gestora do FCR ou que com estas mantenham uma relação de grupo prévia ao investimento em capital de risco não são consideradas como investimento”. E o artigo 10º da Lei nº 18/2015, de 4 de Março, dispõe que: “Às sociedades de capital de risco e aos fundos de capital de risco é igualmente vedado: d) A concessão de crédito ou a prestação de garantias, sob qualquer forma ou modalidade, com a finalidade de financiar a subscrição ou a aquisição de quaisquer valores mobiliários emitidos pela sociedade de capital de risco, pelo fundo de capital de risco, pela respetiva entidade gestora ou pelas sociedades referidas na alínea anterior. 3 - As operações correntes de tesouraria realizadas com sociedades que dominem a sociedade de capital de risco ou a entidade gestora do fundo de capital de risco ou que com estas mantenham uma relação de grupo prévia ao investimento em capital de risco não são consideradas como investimento”. 

[29] “À entidade gestora é especialmente vedado, quando actue como gestora do fundo de pensões: a) Adquirir acções próprias; b) Conceder empréstimos, salvo se se tratar de empréstimo hipotecário ou de empréstimos aos participantes, nos termos previstos no contrato constitutivo do fundo; c) Contrair empréstimos, exceto quando seja justificado por inequívoca necessidade de liquidez do fundo de pensões”

[30] No fundo trata-se de saber se se retira da eliminação do nº 2 a interpretação de que o regime regra fica a ser o oposto do referido na norma revogada ou se deverá continuar a procurar-se a solução com base no conjunto das restantes normas do sistema e respectiva evolução. A conclusão a que chegámos é a de que a norma revogada nem era tão indispensável em si –apenas confirmara o regime já existente antes do seu surgimento – e que a sua revogação pode apenas significar a queda de uma norma redundante e que, quando muito já exercera o seu intuito clarificador. De resto, parece-nos lícito interpretar as normas existentes minimizando o facto de uma norma que surgiu e desapareceu em determinado contexto (o momento da fusão de duas alíneas, susceptível de causar dúvidas de interpretação)  

[31] Cf. voto de vencido que vimos citando: “(…) em nenhum recanto do CIS, do EBF ou da legislação sobre fundos de pensões (Decreto-Lei nº 323/85, de 6 de Agosto, e Decreto nº 12/2006, de 20 de Janeiro) surgir a mais ténue indicação de uma intenção legislativa de privilegiar tributariamente as comissões de gestão pagas pelos Fundos às SGFP, e pelo facto de a revogação tácita não indiciar que o legislador pretendia dispor em sentido oposto (o de alargamento do âmbito de isenção de IS), ou num qualquer outro sentido explícito.

[32] Basta pensarmos no instituto da garantia, cujo alcance é susceptível de levantar muitas dúvidas (cf. Bruno Santiago, As garantias das obrigações e o Imposto do Selo, in Estudos em Homenagem ao prof. Saldanha Sanches, pp. 113 a 147).