Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 449/2017-T
Data da decisão: 2018-01-09  IVA  
Valor do pedido: € 231.590,21
Tema: IVA - Direito à dedução - Custos gerais.
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            Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos e Dr. Henrique Nogueira Nunes (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-09-2017, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A…, SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua…, n.º…, …, Lisboa, (doravante simplesmente “A…” ou “Requerente”), veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 10º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante designado por “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, visando a declaração de ilegalidade da liquidação de IVA com o número 2017…, no montante de € 214.653,20, o consequente acto de liquidação de juros compensatórios com o número 2017…, no montante de € 16.937,01, e os actos de demonstração de acerto de contas com os números 2017… e 2017… .

A Requerente pede ainda o reembolso da quantia paga, juros indemnizatórios e indemnização por garantia que apresentou com vista à suspensão dos processos de execuções fiscais instaurados para cobrança das quantias liquidadas.

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27-07-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 13-09-2017, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 28-09-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 14-11-2017, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguiria com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            O processo não enferma de nulidades e não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

           

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente (anteriormente designada B…, SGPS) é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), que resulta da fusão por incorporação da B… SGPS, SA na C… SGPS, SA., sendo uma sociedade comercial com sede em território nacional, cujo objecto social radica na “Actividade de Gestão de Participações Sociais” (CAE 70100);
  2. A Requerente recebe dividendos das suas participadas, concede-lhes empréstimos remunerados e presta-lhes serviços técnicos de administração, gestão e consultadoria;
  3. No ano de 2014, a Requerente recebeu dividendos da sua participada D… Portugal no montante de € 5.300.000;
  4. No ano de 2014, a Requerente recebeu juros relativos a financiamentos às suas participadas no montante de € 55.026,187;
  5. Em 2014, a Requerente registou o montante de €15.739,716 como remuneração pelos serviços prestados às suas participadas;
  6. Para prestar estes serviços técnicos a Requerente por vezes recorre a entidades terceiras, que liquidam IVA;
  7. No que concerne aos serviços prestados às suas participadas em 2014, a Requerente liquidou IVA, tendo efectuado dedução total do imposto no montante de € 57.039,96 incorrido nas aquisições de bens e prestação de serviços totalmente afectos àquelas prestações de serviços;
  8. Relativamente aos bens e serviços adquiridos pela Requerente a que deu utilização mista, utilizando-os tanto na prestação de serviços às suas participadas como na actividade relativa aos dividendos e empréstimos, a Requerente efectuou dedução parcial do IVA suportado, optando pela aplicação do método de afectação real previsto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA;
  9.  Para determinar a dedução parcial, a Requerente apurou os gastos e o IVA incorrido por cada uma das Direcções da empresa, e tendo em conta a natureza do contributo específico de cada uma das Direcções para as áreas de actividade, utilizou os critérios do número de pessoas ou horas-homem afectos às operações e áreas, ou do número de deliberações ou ainda do número de registos contabilísticos, para determinar o nível efectivo de consumo dos recursos mistos e do inerente IVA nos termos que constam do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta o seguinte:

 

 

 

 

 

  1. Provisoriamente a Requerente havia calculado uma percentagem de dedução de 90% para estes recursos de utilização mista, nos termos do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, sendo com base nesta percentagem que a Requerente deduziu IVA, durante o ano de 2014, relativamente aos recursos de utilização mista;
  2. Tendo em conta os valores e critérios que constam do referido documento n.º 5, a Requerente concluiu que os valores de dedução a aplicar no ano de 2014 relativamente aos recursos de utilização mista são os seguintes:

a) Sem direito à dedução:

i. Dividendos – consumo (insignificante) de IVA relativo a recursos mistos na importância de € 5,63;

ii. Financiamento às participadas – consumo de IVA relativo a recursos mistos no montante de € 48.847,71;

b) Com direito à dedução

i. Prestação de serviços técnicos e de gestão às sociedades participadas – consumo de IVA relativo a recursos mistos no valor de € 1.316.668,20;

  • Constatando que destes valores resulta uma percentagem de dedução de 96,42% relativamente a estes recursos de utilização mista, a Requerente efectuou a correspondente correcção, na declaração de Dezembro de 2014;
  • Para efeito de determinação de preços de transferência, a Requerente considerou que o valor total dos gastos suportados que constituem despesas gerais, susceptíveis de serem incorporadas no valor dos serviços faturados às participadas, era de € 17.975.385,50;
  • A Requerente não facturou às participadas o valor de € 3.468.734,42 desses gastos relativos a despesas gerais;
  • Sendo de 19,30% a percentagem de gastos não facturados às participadas relativamente ao montante determinado pela Requerente para efeitos de preços de transferência, a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou esta esta percentagem ao «IVA incorrido nos custos comuns», no montante de € 1.365.521,54, tendo concluído que o IVA que podia ser sido deduzido era de € 1.102015,00 e não de € 1.316.668.20
  • Foi efectuada uma acção de inspecção externa à Requerente, de inspecção de âmbito geral, relativa ao exercício de 2014, efectuada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2016…, de 23.08.2016, da Unidade dos Grandes Contribuintes, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E AO IMPOSTO ENCONTRADO DIRETAMENTE EM FALTA

III. 1 IVA - Imposto sobre o Valor Acrescentados - Dedução indevida de imposto - €214.653,20

a) Descrição dos factos

A A… SGPS pratica operações sujeitas a IVA e operações não sujeitas aquele imposto ou dele isentas.

De facto, enquanto sociedade gestora de participações sociais pratica uma atividade não económica e não sujeita a IVA. Quando esta a conceder financiamento às suas participadas pratica uma atividade económica sujeita mas isenta de imposto e na prestação de serviços de administração, gestão e consultoria pratica uma atividade sujeita a imposto e dele não isenta.

A 31 de dezembro de 2014 a demonstração de resultados da A…, SGPS é a seguinte:

 

 

 

A remuneração recebida relativamente à sua atividade de gestão de participações financeiras em 2014 são dividendos recebidos da D…, no montante de €5.300.000.

Quanto à atividade de concessão de financiamento às suas participadas a sua principal remuneração é o juro. Em 2014 recebe juros no montante de €55.026.1812 relativos a essa atividade.

E, na prestação de serviços de administração, gestão e consultoria pratica uma atividade sujeita a imposto e dele não isenta. Em 2014 regista o montante de €15.739.716 de remuneração pelos serviços prestados às suas participadas.

Para efeitos de dedução do imposto, a A… SGPS utilizou, em 2014, o método previsto no nº2 do artigo 23º do Código do IVA: “(...) pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.”

A nível de procedimento, a A… SGPS efetua:

  • Uma dedução total do imposto incorrido nas despesas que re-debita às suas participadas
  • Uma percentagem de dedução calculada provisoriamente com base nos critérios objetivos utilizados para aplicação do método de afetação real relativamente ao IVA incorrido nos restantes gastos, os denominados por "custos comuns".
  • Uma regularização destes últimos, na declaração de dezembro pelo acerto da aplicação de afetação real calculada com base em critérios objetivos em cada um dos departamentos da empresa.

O mapa infra, fornecido pela A… SGPS, reflete o procedimento descrito relativamente à dedução do IVA:

 

 

 

 

 

 

O montante de regularizações está incluído no campo 40 da declaração periódica de dezembro de 2014 (neste campo consta um valor de €632.276,49).

No essencial, a A… SGPS apurou critérios objetivos para a determinação dos consumos de recursos que considerou de utilização mista (utilizados nas várias atividades da empresa).

Quanto aos inputs exclusivamente afetos a operações tributadas, a A… utiliza o método de afetação real e deduz a totalidade do imposto.

Os critérios acima referidos são aferidos para cada direção da empresa e construído um rácio em função da natureza da respetiva atividade com base no número de pessoas ou número de deliberações ou ainda número de registos contabilísticos por forma a determinar o grau de utilização dos recursos conforme lhe é permitido pelo nº 2 do artigo 23º do Código do IVA (Anexo 1 - Critérios a Aplicar por Direções).

A A… SGPS, S.A. disponibilizou também a listagem de todos os documentos que originaram a dedução de IVA referida no quadro supra (Anexo 2 - Listagem de documentos).

Posto isto, faz-se neste contexto notar que a metodologia utilizada para efeitos da presente análise tem presente o teor do artigo 75º da Lei Geral Tributária (LGT), com a epígrafe "Declaração e outros elementos dos contribuintes", segundo o n.º 1 do qual “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal", donde se origina também uma especial vinculação entre os elementos disponibilizados e os resultados ora obtidos.

b) Análise

importa, agora, aferir se o imposto deduzido, via percentagem de dedução e regularização, foi apurado com base numa afetação decorrente da utilização de um critério de dedução objetivo, em conformidade com o disposto no artigo 23º nº 2 do Código do IVA e ainda se essa afetação foi devidamente aplicada, por forma a que todo o imposto deduzido cumpra os requisitos exigidos no artigo 20º do referido diploma legal.

Neste contexto, como adiante se verá, a análise será desenvolvida no sentido de identificar:

  • quais os gastos repercutidos ou não, no preço das prestações de serviços faturadas às participadas e para os não repercutidos, caso existam, se foi deduzido imposto;
  • quais os serviços adquiridos, cuja IVA foi deduzido, que não fazendo parte do preço dos serviços prestados foram utilizados na realização de operações isentas.

Para aferir da legitimidade do direito a dedução procedemos ao enquadramento da sua atividade em sede de IVA recorrendo à jurisprudência do TJUE.

i. Do enquadramento legal da atividade da A… SGPS

Sendo a A… SGPS uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), a sua atividade vem prevista e regulada no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, com as posteriores alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 378/98, de 2? de novembro e pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro.

De acordo com os diplomas referidos, uma SGPS, muito embora tenha como objeto único gerir as participações sociais com caráter de permanência que mantém na sua carteira, pode, acessoriamente, efetuar prestações de serviços às suas participadas e ainda conceder-lhes crédito mediante as regras preconizadas nos artigos 4º e 5º do referido diploma regulador desta atividade.

Daqui resulta que, muitas vezes na doutrina se tem distinguido as holdings cuja única atividade é a gestão de participações sociais - chamadas holdings puras (ou passivas) - e aquelas que, para além da detenção de participações, participam ativamente na gestão das suas participadas, através da prestação de serviços técnicos de administração e gestão - as chamadas holdings mistas (ou ativas).

Para efeitos de IVA, as “SGPS” em geral exercem como atividade principal a detenção de participações financeiras numa ótica meramente passiva cuja contrapartida são os dividendos, a qual não configura uma atividade económica e neste sentido está fora do campo do imposto.

Como atividade complementar é permitido a estas sociedades a prestação de serviços técnicos e de apoio as suas participadas, atividade esta, sujeita e não isenta de imposto e que confere direito à dedução.

Por fim, podem ainda conceder crédito às suas participadas, operações sujeitas mas isentas que não conferem direito à dedução.

No caso concreto, a A… SGPS é uma sociedade gestora de participações sociais, sendo os seus rendimentos constituídos por i) resultados decorrentes da aplicação do método de equivalência patrimonial as suas participadas; ii) juros e iii) prestações de serviços técnicos de administração e gestão.

Face ao referido a A… SGPS é uma sociedade holding que, para além da gestão de participações sociais presta serviços às sociedades nas quais detém participações e simultaneamente concede-lhes (às participadas) financiamentos, incluindo-se, por conseguinte, nas designadas "holdings mistas”.

ii. Enquadramento em sede do Código do IVA

As prestações de serviços efetuadas por uma holding às suas participadas constituem atividades económicas efetuadas por um sujeito passivo agindo como tal e consequentemente são operações tributáveis de acordo com os artigos 1º, 2º, 4º e 6º do Código do IVA.

Quanto ao direito à dedução, decorre do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, só ser possível deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens e serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização, nomeadamente, de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

Conferem ainda direito a dedução do imposto algumas operações isentas, como sejam as exportações ou operações localizadas no estrangeiro que seriam tributadas se localizadas em território nacional. São as denominadas isenções completas.

Estabelece o artigo 23.º do mesmo Código que, no caso de sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, efetuem operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, “(...) a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2. º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou, serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução.”

Refere o nº 2 que “Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior; pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios, objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que confiram direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação. ”

Assim, temos que a aplicação do artigo 23º acima indicado se restringe à determinação do imposto dedutível relativo aos bens e/ou serviços de utilização mista ou seja, aos bens e/ou serviços utilizados conjuntamente em atividades que conferem o direito a dedução e em atividades que não conferem esse direito por serem sujeitas mas isentas.

De facto, tratando-se de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações com direito a dedução de imposto, apresentando uma relação direta e imediata com essas operações, o respetivo imposto é objeto de dedução integral, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA.

A contrario podemos concluir que, caso o imposto seja suportado na aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto mas isentas sem direito a dedução, ou a operações não inseridas no exercício de uma atividade económica para efeitos de IVA, não é, naturalmente, admissível o exercício do direito à dedução.

iii. Enquadramento em sede da Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva IVA)

O artigo 2º da Diretiva refere que:

“1. Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

a) As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

b) As aquisições intracomunitárias de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro

(...)

c) As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

d) As importações de bens.”

Nos termos do artigo 9º:

“1. Entende-se por «sujeito passivo» qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende-se por «atividade económica» qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência. (...)"

Inserido no capítulo das isenções em benefício de outras atividades, o artigo 135º refere que:

“1-Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

(...)

l) As operações, incluindo a negociação mas excluindo a guarda e gestão, relativas às ações, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos direitos ou títulos referidos no n.º 2 do artigo 15.º

O direito à dedução encontra-se consagrado entre os artigos 167º e 178º. Refere o artigo 168º que:

"Artigo 168º

Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes;

a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b) O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18º e o artigo 27º;

c) O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade como artigo 2º, nº 1, alínea b), subalínea i);

 d) O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21º e 22º;

e) O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado-Membro. "

iv. Jurisprudência Comunitária

A jurisprudência comunitária é vasta quanto à matéria em foco e o Tribunal de Justiça, em especial nos últimos anos este, no que toca às holdings efetua uma análise caso a caso.

“Porém, afigura-se-nos que a construção do Tribunal de Justiça nem sempre regista uma evolução consistente. Apresenta algumas incongruências, avanços e retrocessos que dificultam a definição de uma moldura geral sistematizada na qual sejam enquadráveis, com segurança e previsibilidade, as operações que tenham por objeto participações sociais ou realidades equiparáveis" (Alexandra Martins in As operações relativas a participações sociais e o direito à dedução do IVA - Estudos em memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches - volume IV).

Vejamos, por exemplo o acórdão EDM, processo C-77/01. A EDM é uma sociedade gestora de participações financeiras que, entre outras operações, efetua venda de ações e outros títulos. Refere o acórdão, no seu ponto 57 que “A este respeito, há que, à partida, recordar que é jurisprudência assente que a mera aquisição e simples detenção de participações, sociais não devem ser consideradas atividades económicas, na aceção da Sexta Diretiva, que confiram ao seu autor a qualidade de sujeito passivo. Com efeito, a simples tomada de participações financeiras noutras empresas não constitui uma exploração de um bem com o fim de auferir receitas com caráter de permanência, porque o eventual dividendo, fruto de tal participação, resulta da simples propriedade do bem e não é a contrapartida de qualquer atividade económica na aceção da mesma diretiva (v. acórdãos já referidos Hamas & Heim, n. º 15, bem como Floridienne e Berginvest, n.º 21). Assim, se estas atividades não constituem em si mesmas uma atividade económica na aceção da referida diretiva, o mesmo sucede em relação às que consistem em ceder tais participações (v. acórdãos Wellcome Trust, já referido, n. º 33, e de 26 de junho de 2003, KapHag, C-442/01, Colect., p. I-6851, n.ºs 38 e 40).” Prossegue, no parágrafo 58, "Do mesmo modo, a simples aquisição e venda de outros títulos negociáveis não pode constituir a exploração de um bem com vista à produção de receitas com carácter de permanência, uma vez que a única retribuição destas operações é constituída por um eventual benefício na venda destes títulos.”

No entanto, tem vindo a considerar o Tribunal de Justiça que a situação será diferente quando as participações financeiras detidas são acompanhadas pela interferência na gestão das participadas através de transações sujeitas a IVA.

Logo no Acórdão Polysar lnvestments (1991) - Processo C-60:90, em que se questiona, nomeadamente, se uma sociedade holding que não exerce outras atividades para além das relacionadas com a detenção de ações em filiais deve ser considerada como um sujeito passivo. Nos seus pontos 13 e 14 refere o acórdão que: "(...) Com efeito, a mera tomada de participações no capital de outras empresas não constitui a exploração de um bem com o fim de auferir receitas com caráter de permanência, uma vez que o eventual dividendo, fruto dessa participação, resulta da mera propriedade do bem (...) A situação “é diferente quando a participação é acompanhada pela interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participação, sem prejuízo dos direitos que o detentor das participações tenha na qualidade de acionista ou de sócio.”

Os acórdãos Floridienne, processo C-142/99 e Cibo Participations, processo C-16/00 reforçam esta posição.

No entanto, o Acórdão AB SKF (2009), processo C-29l08 vai mais além. A SKF é a sociedade mãe de um grupo industrial com atividades em vários países e participa ativamente na gestão das suas filiais e presta-lhes serviços remunerados. No âmbito da reestruturação do Grupo vai alienar uma das suas filiais (detida a 100%) e também uma participação de 26,5% que ainda detém noutra empresa que já havia detido em 100% e em que se pretende saber, primeiramente se a transmissão de participações numa sociedade filial por um sujeito passivo de imposto, devedor de imposto em resultado da prestação de serviços a essa filial constitui operação passível de IVA. O Tribunal refere (ponto 31) "(...) resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as operações relativas às ações ou participações em sociedades são abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA quando efetuadas no quadro de uma atividade comercial de negociação de títulos ou para efetuar uma interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participação ou quando constituem o prolongamento direto, permanente e necessário da atividade tributável (v., designadamente, acórdãos de 20 de junho de 1995 (...) Wellcome Trust, C-155/94, Colecf., p. l-3013, n.º 35, e Hamas & Heim, já referido, n. º 16 e jurisprudência al referida.”

Refere-se no ponto 33 "Pela transferência da totalidade das ações detidas na filial e na sociedade controlada, a SKF põe termo à sua participação nestas sociedades. A referida transmissão, realizada com vista à reestruturação de um grupo de sociedades pela sociedade-mãe, pode ser considerada uma operação de obtenção de receitas com caráter permanente de atividades que excedem o quadro da simples venda de ações (v., neste sentido, acórdão de 26 de maio de 2005, Kretztechnik, C-465/03, Colect., p. I-4357, n.º 20 e jurisprudência aí referida). Esta operação apresenta um nexo direto com a organização da atividade exercida pelo grupo e constitui assim o prolongamento direto, permanente e necessário da atividade tributável do sujeito passivo na aceção da jurisprudência referida no n. º 31 do presente acórdão. Esta operação é abrangida, por conseguinte, pelo âmbito de aplicação do IVA.”

Parece-nos então que o Tribunal de Justiça considera como atividade económica as operações com ações quando estas são efetuadas no quadro de uma atividade comercial de negociação de títulos - caso não aplicável na presente situação.

No entanto, não sendo esta a situação, o Tribunal considera também que estas operações com ações ou participações poderão ainda cair no conceito de atividade económica e consequentemente no âmbito da aplicação do IVA caso ocorram:

- para efetuar uma interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada da participação ou;

- quando constitui um prolongamento direto, permanente e necessário com a atividade tributável.

Relativamente ao direito a deduzir o imposto, o ponto 57 do acórdão refere que “Segundo jurisprudência assente, a existência de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução é, em princípio, necessária para que o direito à dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão de tal direito (v. acórdão de 8 de junho de 2000, Midland Bank, C-98/98, Colect., p. I-4177, n.º 24, bem como acórdãos, já referidos, Abbey National, n. º 26, e lnverstrand, n. º 23). O direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução (v. acórdãos, já referidos, Cibo Participations, n.º 31; Kretztechnik, n.º 35; lnverstrand, n.º 23; e Securenta, n.º 27).”

O tribunal considera ainda a hipótese de dedução na falta da relação direta e imediata acima mencionada:

Ponto 58: 'Porém, admite-se igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta deu uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços, em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Midland Bank, n.ºs 23 e 31; Abbey National, n. º 35; Kretztechnik, n. º 36; e lnverstrand, n. º 24). "

Mas também esclarece que:

Ponto 59: “Pelo contrário, quando os bens ou os serviços adquiridos por um sujeito passivo são utilizados para os fins de operações isentas ou não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode haver cobrança do imposto a jusante nem dedução deste a montante (v., neste sentido, acórdãos de 30 de março de 2006, Uudenkaupungin kaupunki, C--184/04, Colect., p. l-3039, n. º 24; de 14 de setembro de 2006, Wollny, C-72/05, Colect., p. I-8297, n.º 20; e de 12 de fevereiro de 2009, Vereniging Noordelijke Land-en Tuinbouw Organisatie C-515/07, Colect., p. l-0000, n. º 28)."

(...)

v. Do direito à dedução na A…

Recuperando o já referido no ponto a), a A… acompanha a detenção de participações sociais pela interferência na respetiva gestão, na maioria das mesmas, através de prestação de serviços e concessão de financiamentos, mediante os quais cobra juros.

As operações consubstanciadas na prestação de serviços são atividades económicas nos termos do Código do IVA e sujeitas a imposto e dele não isentas, e como tal o respetivo IVA suportado nos bens e serviços adquiridos e utilizados na prossecução destas atividades, verificados os restantes pressupostos e a não inclusão nas operações do artigo 21º do Código do IVA, confere direito à dedução nos termos dos artigos 19º e 25º do Código do IVA.

Já a atividade de concessão de financiamentos a sociedades participadas, configura uma atividade económica no âmbito da sujeição a IVA, contudo isenta nos termos do n.º 27 do artigo 9º do Código do IVA. Tratando-se de uma isenção não prevista nas exclusões da alínea b) do n.º 1 do artigo 20º do mesmo Código, o imposto suportado na aquisição de bens e serviços destinados à prossecução desta atividade não confere direito à dedução.

De acordo com a jurisprudência comunitária, quando a detenção de participações é acompanhada de gestão nas participadas é possível deduzir o IVA suportado a montante nos inputs que apresentem uma relação direta e imediata com as operações ativas tributadas e ainda que tal não se verifique desde que estes gastos constituindo despesas gerais sejam incorporados no valor dos serviços prestados. (pontos 23 e 24 dos Proc. C-108/14 e C-109/14 Acórdão Larentia Minerva e ponto 58 Proc. C-29/08 Acordão AB SKF).

Por outro lado, sempre que os bens ou serviços sejam utilizados para a realização de operações isentas não é permitida a dedução do IVA que onerou tais bens ou serviços (ponto 59 Proc. C-29/08 Acordão AB SKF).

No que diz respeito aos bens e aos serviços, utilizados pelo sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só e admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (artigos 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.ºs 1 e 2 do Código do IVA).

O procedimento da inspeção tributária visou a definição de um critério objetivo, que possibilitasse a imputação da despesa efetuada às diferentes atividades exercidas pelo sujeito passivo, permitindo-se a dedução proporcional do imposto em função da aplicação de uma chave de imputação o mais precisa possível.

No caso em apreço, a A… SGPS indica, no Dossier de Preços de transferência que parte dos gastos por si incorridos são suportados no exercício da atividade sujeita a IVA e não isenta.

Assim, no ponto "2.1 Prestação de serviços de Gestão I Serviços partilhados" do Anexo 4 ao referido dossier, pode ler-se o seguinte:

“... a A… SGPS celebrou um contrato de prestação de serviços com determinadas subsidiárias do Grupo, o qual inclui as seguintes actividades: (i) consultoria em matéria de gestão e administração, (ii) comunicação corporativa, (iii) auditoria de processos de negócios e auditoria de sistemas de informação; (iv) funções financeiras e administrativas; (v) relacionamento com os accionistas, investidores, analistas, mercado financeiro e mercado regulamentado; (vi) corporate finance, planeamento e controlo; (vii) assessoria na definição de objectivos e da política de recursos humanos; (viii) assessoria jurídica; (ix) apoio na gestão administrativa e documental da atividade das subsidiárias; e (x) estudos sobre a viabilidade de negócios para o desenvolvimento internacional. "

No ponto 3.5 Operações especiais em sede de Preços de Transferência, do Dossier de Preços de

Transferência, é explicada a formação do preço destes serviços:

"O preço aplicado nesta operação forma-se partindo de uma identificação de custos:

Por área funcional é apurado o custo total associado (designado por custos diretos):

  • Custos diretos: custo real dos colaboradores afetos ao serviço: salário e benefícios sociais;
  • Custos indiretos: material de escritório, custos com seguros, amortizações com equipamento, rendas e alugueres, contencioso e notariado, custos com outras entidades externas, entre outros custos inerentes as operações de serviços prestadas.

 

Posteriormente é efetuado o cálculo das respectivas rates horárias por área funcional com base em:

  •  Custos diretos;
  •  Custos indiretos: repartidos em função do número total de colaboradores da direção;
  •  Por regra margem de 8,5%, incidindo sobre os custos associados.”

 

No ponto “2.1 Prestação de serviços de Gestão | Serviços partilhados" do Anexo 4 ao referido dossier, lê-se que: “... o Método da Margem Líquida da Operação foi selecionado como sendo o mais apropriado com vista a testar a remuneração auferida pela A… SGPS (...) na prestação de serviços de gestão/partilhados às restantes entidades do Grupo.” E ainda que: "Com base nos resultados da pesquisa de comparáveis efectuada é possível concluir que o mark-up de 8,5% aplicado pela A… SGPS (...) nos serviços de gestão/serviços partilhados se encontra enquadrado no intervalo de plena concorrência anteriormente identificado”. A materialidade destas operações vinculadas, é-nos mostrada pelo seguinte quadro, retirado do Dossier de Preços de Transferência (Ponto 3.4. Análise da materialidade das operações vinculadas):

 

 

Questionada sobre quais os gastos suportados que incorpora no valor dos serviços faturados às participadas, a A… enviou o quadro infra, cujo conteúdo, embora não demonstre um nexo direto entre os inputs e os outputs, consegue demonstrar que os gastos identificados constituem despesas gerais da empresa e se tornam elementos constitutivos do preço dos serviços prestados:

 

 

 

 

Ora, o montante de €17.975.385,50 é, segundo a empresa, o total dos gastos incorridos pela A… SGPS (vidé Anexo 3 - Montante total dos gastos operacionais por documento e por conta do balancete) a repercutir - através de um rácio construído com base nos recursos humanos da empresa - em cada uma das empresas a que presta serviços, aplicando a margem referida no dossier de preços de transferência de 8,5%. Com base nestes cálculos seria obtido o montante de €19.503.293,27.

Não foi, no entanto, este o valor faturado às participadas.

Do montante de €17.975.385,50 foi considerado pela A… SGPS que o montante de €3.468.734,42 são gastos da empresa que não deveriam ser repercutidos no valor dos serviços prestados às filhas.

Assim, conforme Anexo 4 o montante debitado às participadas relativo a fees de gestão da A… SGPS para o exercício de 2014 foi de €15.739.716,42.

Consequentemente, o IVA que incidiu sobre gastos no montante €3.468.734,42 não confere direito à dedução nos termos do artigo 20º do Código do IVA, visto corresponder a custos de serviços que fazendo parte das despesas gerais da A… não estão incluídos no preço dos serviços prestados pelo sujeito passivo às suas participadas, não tendo, pois, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo conforme jurisprudência comunitária citada.

Tendo a A… SGPS identificado, inequivocamente, que parte dos custos operacionais por si incorridos se referem a custos suportados no exercício de uma atividade sujeita a IVA e não isenta, consubstanciada na prestação de serviços de suporte a algumas das suas participadas, optou-se por considerar essa proporção numa chave de imputação que traduza o IVA suportado que não pode ser dedutível. De facto, é o método de dedução mais preciso.

Desta forma foi encontrado o rácio de 19,30% que corresponde ao peso dos gastos correntes da empresa não repercutidos nas prestações de serviços às participadas no total dos gastos operacionais suportados.

Assim sendo, com vista a corrigir o IVA deduzido, aplicou-se o rácio acima apurado ao montante do IVA incorrido nos custos comuns, identificado pelo sujeito passivo na coluna (4) da tabela apresentada no ponto a) e Anexo 5, para cada um dos centros de custos, por forma a obter um montante de IVA que não confere direito à dedução, nos termos do artigo 20º do Código do IVA, na exata medida em que 19,30% dos gastos não têm nexo direto com operações a jusante nem são incorporados no preço dos serviços prestados.

Assim, a correção proposta corresponde à diferença entre o IVA deduzido pela A… SGPS, identificado pelo sujeito passivo na coluna (9) da tabela apresentada no ponto a) e Anexo 5, e o IVA considerado legalmente dedutível pela AT” (identificado na coluna 12 do anexo 5), nos termos do artigo 20º do Código do IVA, (no Anexo 5 apresentam-se os cálculos efetuados).

Ou seja:

 

 

c) Conclusão

Do exposto, verifica-se que o sujeito passivo procedeu a dedução indevida de IVA, face ao estatuído no artigo 20º, no montante de €214.653,20, correspondente à parte proporcional dos gastos gerais que não se encontram afetos à atividade sujeita e não isenta (prestação de serviços).

O valor apurado está incluído nas regularizações da declaração periódica de dezembro de 2014.

 

  1. Na sequência da acção inspectiva, foi emitida a liquidação de IVA com o número 2017…, no montante de € 214.653,20, e a liquidação de juros compensatórios com o número 2017…, no montante de € 16.937,01, e os actos de demonstração de acerto de contas com os números 2017… e 2017 … (documentos n.ºs 1 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. O organograma do grupo E… em 31-12-2014 era o que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  3. A Requerente prestou garantias bancárias para obter suspensão dos processos de execução fiscal n.ºs …2017… e …2017…, instaurados para cobrança das quantias liquidadas (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 18-05-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que a Requerente tivesse pago as quantias liquidadas.

Não foi apresentada qualquer prova de pagamento.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os juízos probatórios baseiam-se no Relatório da Inspecção Tributária e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e que constam do processo administrativo.

 

 

3. Matéria de direito

           

3.1. Termos essenciais da questão a apreciar

 

De harmonia com o artigo 2.º da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006 (DIVA), estão sujeitas ao IVA, para além de outras, as operações de entregas de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, as aquisições intracomunitárias de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro, as prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade e as importações de bens.

            Na mesma linha o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) estabelece no seu artigo 1.º que estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, as importações de bens e as operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

            Nos termos do artigo 9.º da Directiva «entende-se por "sujeito passivo" qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade» e «entende-se por "actividade económica" qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».

            O CIVA estabelece que são sujeitos passivos, além de outras, «as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)».

            Em regra, só o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização e transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas pode ser deduzido (artigo 20.º, n.º 1, do CIVA, em consonância com o artigo 168.º da DIVA).

            No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (artigo 173.º, n.º 1, da DIVA).

            A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais que desenvolve actividade de gestão de participações, recebe dividendos das suas participadas, concede-lhes empréstimos remunerados e presta-lhes serviços técnicos de administração e gestão.

No que concerne aos serviços prestados às suas participadas em 2014, a Requerente liquidou IVA, tendo efectuado dedução total do imposto no montante de € 57.039,96 incorrido nas aquisições de bens e prestação de serviços totalmente afectos àquelas prestações de serviços.

Relativamente aos bens e serviços adquiridos pela Requerente a que deu utilização mista, utilizando-os tanto na prestação de serviços às suas participadas como na actividade relativa aos dividendos e empréstimos, a Requerente efectuou dedução parcial do IVA suportado, segundo o método da afectação real.

A utilização deste método de afectação real é imposta pela alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA quanto aos bens ou serviços parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica, como é o caso da percepção de dividendos. A Requerente fez aplicação deste método quanto à dedução do IVA suportado relacionado com a detenção de participações sociais e a respectiva recepção de dividendos, que não constitui uma actividade económica para efeitos do artigo 1.º do CIVA, pelo que não, se inclui no âmbito de incidência objectiva do imposto.

No que concerne à actividade relativa à concessão de financiamentos a participadas, que é uma actividade económica incluída no âmbito de incidência objectiva do IVA, mas que é isenta, por força do disposto no n.º 27) do artigo 9.º do CIVA, o imposto é dedutível, em regra, «na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» [artigo 23.º, n.º 1, alínea b) do CIVA, em consonância com o artigo 173.º, n.º1, da DIVA].

Porém, o n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, permite ao sujeito passivo «efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação», possibilidade esta que tem suporte na alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da DIVA. ( [1] )

No caso em apreço, a Requerente optou pela utilização do método da afectação real também relativamente à dedução de IVA relativa à actividade de financiamentos às participadas.

Relativamente aos bens e serviços adquiridos pela Requerente a que deu utilização mista, utilizando-os tanto na prestação de serviços às suas participadas como na actividade relativa aos dividendos e empréstimos, a Requerente efectuou dedução parcial do IVA suportado, tendo em conta a natureza do contributo específico de cada uma das Direcções para as áreas de actividade e utilizando os critérios do número de pessoas ou horas-homem afectos às operações e áreas, ou do número de deliberações ou ainda do número de registos contabilísticos, para determinar o nível efectivo de consumo dos recursos mistos e do inerente IVA.

Aplicando este método, a Requerente concluiu que não havia direito à dedução quanto ao montante de 5,63 relativo à recepção de dividendos, e de € 48.847,71 quanto aos recursos de utilização conexos com o financiamento das participadas e havia direito a dedução quanto ao montante de € 1.316.668,20 de recursos de utilização mista conexos com a prestação de serviços técnicos e de gestão às sociedades participadas.

No que respeita aos gastos suportados que constituem despesas gerais, susceptíveis de serem incorporadas no valor dos serviços faturados às participadas, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente conseguiu demonstrar que os gastos no valor de € 17.975.385,50 «constituem despesas gerais da empresa e se tornam elementos constitutivos do preço dos serviços prestados», valor este que foi determinado pela Requerente para efeitos de preços de transferência.

Constatando a Autoridade Tributária e Aduaneira que a Requerente não facturou às participadas o valor de € 3.468.734,42 desses gastos relativos a despesas gerais, entendeu que «o IVA que incidiu sobre gastos no montante €3.468.734,42 não confere direito à dedução nos termos do artigo 20º do Código do IVA, visto corresponder a custos de serviços que fazendo parte das despesas gerais da A… não estão incluídos no preço dos serviços prestados pelo sujeito passivo às suas participadas, não tendo pois uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo conforme jurisprudência comunitária citada».

Sendo de 19,30% a percentagem de gastos não facturados às participadas (€3.468.734,42) relativamente ao montante determinado pela Requerente para efeitos de preços de transferência (€ 17.975.385,50I, a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou esta percentagem ao «IVA incorrido nos custos comuns», no montante de € 1.365.521,54, tendo concluído que o IVA que podia ter sido deduzido € 1.102.015,00, relativamente a tais custos e não € 1.316.668.20, como deduziu, pelo que liquidou a diferença de €214.653,20.

A Requerente discorda desta correcção por entender, essencialmente, que

– prossegue uma verdadeira actividade económica, que envolve a prestação de serviços técnicos às sociedades participadas, e que as aquisições de inputs produtivos realizadas pela Requerente constituem obviamente, elementos constitutivos do preço dos serviços que presta;

– o que importa é saber se os bens e serviços adquiridos pela Requerente foram utilizados na actividade tributada de prestação de serviços de apoio à gestão das participadas e não se o valor debitado é suficiente para cobrir os custos ou se incorpora uma margem adequada;

– a actividade global da Requerente incluiu prestações de serviços técnicos às participadas, consumidora de 96,42% dos recursos adquiridos, e a concessão de financiamento, consumidora dos recursos remanescentes (os recursos consumidos pelo recebimento de dividendos são insignificantes e negligenciáveis);

– nas prestações de serviços técnicos e de gestão às participadas a Requerente liquidou IVA em cerca de € 4,8 milhões e o montante total de IVA incorrido pela Requerente foi cerca de € 1,4 milhões, bastante inferior ao do IVA liquidado.

– mesmo que os serviços técnicos fossem prestados com margem inferior à de plena concorrência, ou com margem negativa, tal não implicaria a conclusão da AT, de não dedução do IVA, pois a prática de preços de plena concorrência apenas é relevante para efeitos de IRS.

 

 

3.2. Apreciação da questão

 

Como vem sendo entendimento pacífico da jurisprudência, é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), o seu carácter vinculativo para os Tribunais nacionais quando têm de decidir questões conexas com do direito da União. ( [2] )

Designadamente, no que concerne ao regime das deduções de IVA, manifesta-se na Directiva n.º 2006/112/CE a preocupação na harmonização, no ponto 39 do Preâmbulo, em que se refere que «o regime das deduções deverá ser harmonizado, uma vez que influencia os montantes efectivamente cobrados, devendo o cálculo do pro rata de dedução ser efectuado da mesma maneira em todos os Estados-Membros».

As questões relativas ao direito à dedução de SGPS que prestam serviços às suas participadas, tem sido apreciada em várias decisões do TJUE, de que é exemplo o acórdão 06-09-2012, proferido no processo n.º C-496/11.

Embora este acórdão tenha sido emitido aplicando o regime da 6.ª Directiva (n.º 77/388/CEE, de 17-5-1977) que foi revogada pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que entrou em vigor em 1-1-2007, o regime desta é essencialmente semelhante à anterior, no que aqui interessa, pelo que se deve fazer aplicação daquela jurisprudência à situação dos autos.

Refere-se neste acórdão:

34 «A interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma atividade económica na aceção do artigo 4.º, n.º 2, da Sexta Diretiva, na medida em que implique a realização de transações sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2.º dessa diretiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos pela holding às suas filiais»;

36 «Para o IVA ser dedutível, as operações efetuadas a montante devem apresentar um nexo direto e imediato com operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito a dedução do IVA que incide sobre a aquisição de bens ou de serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução»;

37 «Porém, admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Kretztechnik, n.º 36, Investrand, n.º 24, e SKF, n.º 58)».

 

Esta jurisprudência foi também seguida no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-07-2013, processo n.º 01148/11.

Como defende a Requerente, as despesas gerais são, pela sua natureza, utilizadas em todas as actividades do sujeito passivo e, por isso, têm o nexo directo e imediato com a actividade económica que desenvolve que é requisito do direito à dedução.

No caso em apreço, os gastos que constituem custos gerais da Requerente foram considerados para formação dos preços dos serviços prestados às suas participadas, pelo que é de concluir, de harmonia com o referido ponto 37, que «estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo», pelo que existe direito à dedução do IVA incorrido com a sua aquisição.

Por outro lado, sendo relevante para existir direito à dedução do IVA esta relação de utilização dos recursos adquiridos para praticar operações tributadas, a medida do direito à dedução não depende dos preços adoptados nestas operações, mas apenas dessa utilização. Isto é, se determinados recursos foram integral ou parcialmente utilizados para realizar as operações tributadas, o IVA suportado é integral ou parcialmente dedutível na medida dessa utilização, independentemente dos preços dos serviços prestados, em que poderão não ser repercutidos integralmente os preços de aquisição.

Os critérios objectivos de que fala o n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, devem permitir determinar o grau de utilização dos bens e serviços adquiridos em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, o que não depende das percentagens dos preços efectivos dos serviços prestados nem dos valores pelos quais estes serviços deveriam ser remunerados em termos de plena concorrência.

Como bem diz a Requerente, «o que importa é saber se os bens e serviços adquiridos pela Requerente foram utilizados na actividade tributada de prestação de serviços de apoio à gestão das participadas e não se o valor debitado é suficiente para cobrir os custos ou se incorpora uma margem adequada».

Assim, não é adequado utilizar os valores da facturação às participadas como critério para determinar a medida da afectação dos bens e serviços de utilização comum às actividades da Requerente.

Aqueles valores poderiam ser relevantes se fosse aplicado o método da «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução», previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, mas a Requerente optou pelo método da afectação real ao abrigo do n.º 2 deste artigo e tinha direito a fazer esta opção, pois não se verificou qualquer das situações previstas na sua parte final.

Por isso, não tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao defender, no artigo 56.º da resposta, que «no caso de bens e serviços de utilização mista, a dedução do IVA suportado apenas é admissível relativamente à parte proporcional ao montante correspondente às operações tributáveis que conferem direito à dedução», pois essa proporcionalidade, relevante quando é aplicado o regime da alínea b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, não é aplicável se o sujeito passivo optar pela aplicação do método da afectação real, como sucedeu neste caso.

Por outro lado, afiguram-se adequados e objectivos os critérios utilizados pela Requerente para determinar a afectação real dos recursos de utilização mista (critérios do número de pessoas ou horas-homem afectos às operações e áreas, ou do número de deliberações ou do número de registos contabilísticos) cuja quantificação não se demonstra que seja inexacta. Aliás, o número de horas de utilização de bens (horas máquina e horas-homem) era um dos critérios expressamente sugeridos pelo Ofício Circulado n.º 30103, de 23-04-2008 para determinar a «a afectação real em função da efectiva utilização».

Assim, a actuação da Requerente está em clara sintonia com o preceituado no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, em que se refere a possibilidade de «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito».

Pelo exposto, a liquidação impugnada é ilegal, pois enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT

 

 

4. Juros compensatórios

 

A Requerente pede também a declaração de ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.

Nos termos do artigo 35.º, n.ºs 1 e 8, da LGT «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária» e «os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados».

Assim, tendo a liquidação de juros compensatórios como pressuposto a liquidação de IVA, a ilegalidade desta repercute-se na liquidação de juros compensatórios, que enferma do mesmo vício.

 

 

5. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios.

            O direito a juros indemnizatórios depende, além do mais, de pagamento indevido de dívida tributária, como resulta do preceituado no artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

            No caso em apreço não se provou que a Requerente tivesse pago qualquer das quantias liquidadas, pelo que não se verifica aquele pressuposto do direito a juros indemnizatórios.

            Por isso, improcede este pedido.

 

            6. Indemnização por garantia indevida

 

            A Requerente pede que lhe seja reconhecido direito a indemnização por garantia indevida.

             O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

            O processo arbitral é meio adequado para o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, pois é aplicável subsidiariamente o artigo 171.º do CPPT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

            A Requerente prestou garantias bancárias para obter suspensão dos processos de execução fiscal n.ºs …2017… e …2017…, instaurados para cobrança das quantias liquidadas.

            O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

            No caso em apreço, o erro subjacente às liquidações de impugnadas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois aquelas foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que o erro fosse praticado.

            Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

            Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea d) da LGT].

 

 

            5. Decisão

 

              Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte relativa à declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e juros compensatórios n.ºs 2017… e 2017… respectivamente;
  2. Anular as liquidações referidas;
  3. Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido;
  4. Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for determinada em execução do presente acórdão.

 

6. Valor do processo

 

   De harmonia com o disposto no artigo 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 231.590,21.

 

            7. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 09-01-2018

 

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Maria do Rosário Anjos)

 

 

(Henrique Nogueira Nunes)

 



[1] A utilização deste método até pode ser obrigatória, no caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizar a faculdade prevista no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA.

[2]  Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.