Decisão arbitral que substitui a decisão de 04-01-2017, em conformidade com o Acórdão TCA-Sul que determinou a sua anulação.
Maria do Rosário Anjos, árbitra designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa no processo em epígrafe, notificada do Ofício com a referência…, de 10-11-2017, da secção de contencioso tributário do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul) e do respetivo Acórdão proferido no âmbito do processo de impugnação com o nº16/17.8BCLSB, que decidiu anular a decisão arbitral proferida por este tribunal arbitral, vem, em conformidade, proceder à sua reforma e substituição, nos termos seguintes:
REFORMA DA DECISÃO ARBITRAL
O acórdão do TCA Sul decidiu a impugnação da decisão arbitral deduzida pela Exma. Sra. Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que delimitou o âmbito o recurso do seguinte modo:
“a) Constitui objeto da presente impugnação o segmento decisório contido na alínea p) da decisão, na parte em que fixa o quantum do custo da garantia a indemnizar;
b) A decisão padece, quanto ao segmento acima identificado, dos vícios de não especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão e de pronúncia indevida, respectivamente, alíneas a) e c) do nº1, do art. 28º do RJAT. (…)”
Por Acórdão de 12/07/2017, notificado ao CAAD em 10-11-2017, veio o TCA Sul decidir, com um voto de vencido, pela anulação da decisão arbitral, pois considerou que, quanto à questão suscitada em sede de impugnação, a fundamentação da decisão da matéria de facto não continha os fundamentos que justificam a convicção probatória, “no que respeita ao segmento decisório sob escrutínio”, ou seja, quanto ao valor do custo suportado com a prestação da garantia.
Deste modo, cumpre reformar a decisão em consonância com a decisão proferida pelo T.C.A. Sul, mantendo a anulação do ato de liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2014, com o nº 2016…, reduzindo a condenação no segmento que respeita à indemnização pela prestação de garantia, após alteração do ponto da matéria de facto fundamento da impugnação da decisão arbitral, respetiva fundamentação da matéria de facto [(Parte III, A) – alínea p); B e C)], ajustamento da decisão final e responsabilidade pelas custas do processo [(Parte V, c) e d)].
É o que se fará de seguida.
I – RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. A…, contribuinte fiscal n.º…, com domicílio fiscal na Avenida … nº…, …, …-…, Lisboa (doravante designada por “Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração da ilegalidade da liquidação adicional de IRS respeitante ao ano de 2014, com o nº 2016…, emitida em 06-02-2016, no valor de €17.291,63, com um saldo apurado em dívida de €15.296,35 e data limite de pagamento até 06-04-2016, pretendendo a sua anulação.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 22-06-2016, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 23-06-2016 e de imediato notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 25-08-2016, a ora signatária como árbitro para constituição do Tribunal Arbitral singular. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 12-09-2016.
Em 14-09-2016 foi proferido despacho arbitral, para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.
3. Em 13-10-2016 a Requerida veio juntar aos autos o Processo Administrativo (PA) e em 17-10-2016 a sua resposta, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Na sua resposta, a Requerida invoca a exceção de extemporaneidade do pedido arbitral, a incompetência do Tribunal e, por mera cautela, impugna os argumentos da Requerente. Por último, entende que as questões em discussão nos autos são exclusivamente de direito e, por isso, requer a dispensa a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.
4. Em 26-10-2016 foi proferido despacho arbitral no qual se dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, porquanto analisado o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, devidamente documentado, a Resposta e o PA juntos aos autos pela AT, verifica-se que que a prova documental junta aos autos é suficiente para a decisão a proferir. As questões a decidir, considerando a posição das partes intervenientes no processo, consubstanciada nos respetivos articulados juntos aos autos, são exclusivamente de direito. Acresce que, na resposta apresentada veio a AT, expressamente requerer dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT. Nesta conformidade, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e fixado o prazo, igual e sucessivo de 10 dias, para apresentação de alegações escritas, facultativas, prosseguindo o processo, seguidamente, para decisão final a proferir até 20 de dezembro de 2016. Nesta data, foi proferido novo despacho arbitral para prorrogação do prazo por mais 15 dias, por não ter sido possível ultimar a decisão arbitral até ao prazo inicialmente fixado.
Foram as partes convidadas a enviar aos autos as respetivas peças processuais em formato word e a Requerente notificada para, até 10 dias antes da data fixada para decisão final efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente.
As partes não apresentaram alegações.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
6. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral, pretendendo a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2014, invocando os seguintes fundamentos:
a) Vício de forma, por preterição de formalidade essencial de audição do Requerente, porquanto, alega o Requerente, a liquidação (ato final) foi emitida ainda antes de decorrido o prazo para o sujeito passivo exercer o seu direito de audição, o que vale por dizer que não foi respeitado o princípio da audição prévia, previsto na lei;
b) Vício de forma por falta de fundamentação, porquanto a AT promoveu a liquidação adicional sem indicar uma fundamentação mínima para as correções que efetuou;
c) Vício de violação de lei por violação material do disposto nos artigos 41º e 55º do CIRS, dado que a desconsideração das despesas apresentadas pelo Requerente, referentes a obras realizadas nos imóveis arrendados, consubstancia uma violação clara do disposto nestes dispositivos legais.
Termos em que conclui pela ilegalidade da liquidação impugnada, pedindo a sua anulação, com as consequências legais e, ainda, o reembolso dos custos suportados com a hipoteca voluntária para suspender o processo de execução fiscal, que fixou em €700,00.
C – A RESPOSTA DA REQUERIDA
7. Na sua resposta a AT vem pugnar pela legalidade da liquidação e pela improcedência do pedido.
Alega em síntese, quanto ao vício de forma, que embora a liquidação tenha sido emitida antes de recebida a pronúncia da Requerente em sede audição prévia, a verdade é que face a esta situação os serviços não desconsideraram os argumentos do sujeito passivo, pois convolaram a resposta em reclamação graciosa, como consta do PA. Assim, no âmbito do processo de reclamação graciosa repetiram a notificação para audição prévia do sujeito passivo, e este optou por não se pronunciar.
Quanto ao vício de fundamentação alega que, como resulta de toda a exposição de motivos que fundamentam o pedido arbitral deduzido, a Requerente entendeu muito bem quais os motivos das correções. Convoca alguma doutrina e jurisprudência para concluir que o ato de liquidação se encontra devidamente fundamentado.
Por último, quanto ao vício de violação de lei, entende também que este não se verifica, dado que as correções efetuadas respeitam a despesas que não estão, no entendimento da AT, devidamente documentadas e que não podem considerar-se como relevantes ou dedutíveis à luz do disposto no artigo 41º do CIRS. Assim, com toda a argumentação que desenvolve ao longo da última parte da sua resposta e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a Requerida conclui que as correções efetuadas são adequadas e correspondem à correta interpretação da lei.
8. Requerente e Requerida divergem, pois, quanto às questões enunciadas, as quais são exclusivamente de direito e sobre as quais cumpre decidir.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
9. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.
10. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
11. O processo não padece de vícios que o invalidem.
III – Matéria de facto
A) Factos Provados
12. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
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O requerente submeteu a sua declaração de IRS referente ao ano de 2014, em 31-05-2015, por submissão através do site da ATA;
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Em conformidade foi emitida liquidação de imposto (IRS), com o valor a pagar de 631,77, que o requerente pagou;
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Em 07-07-2015 o requerente foi notificada da necessidade de comprovação dos elementos constantes da declaração de IRS, referente ao ano de 2014, designadamente das despesas com prédios arrendados;
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Em 03-08-2015 o requerente, por carta registada, enviou uma explicação detalhada dos valores de despesa apresentados e das razões que os determinaram tais despesas, entre as quais, algumas obras de beneficiação sobre imóveis herdados em mau estado de conservação, de modo a permitir o seu arrendamento;
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Explicou a razão de ser de cada uma das despesas apresentadas e juntou nove documentos;
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Juntou ainda declaração de substituição, com uma correção que assumiu como devida;
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Em 06-08-2015, foi processada uma liquidação adicional de IRS, por força da declaração de substituição entregue pelo sujeito passivo, no valor de €1.365,28, a qual foi integralmente paga;
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Em 09-12-2015 o requerente foi notificado por correio registado, para no prazo de 15 dias exercer o seu direito de audição prévia sobre o projeto de decisão de correção aos valores inscritos na Modelo 3, anexo F;
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As correções a efetuar eram as seguintes:
Anexo
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Quadro
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Campo
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Valor Declarado
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Valor a Corrigir
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Valor Final
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F
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04
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402
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€691,04
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€500,00
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191,04
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F
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04
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408
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€41.086,68
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€40.985,27
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101,41
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Em 29-12-2015, no último dia do prazo fixado, o requerente enviou a sua resposta em sede de audição prévia, por correio registado e junta mais três documentos;
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Na mesma data, ou seja, em 29-12-2015, foi emitida e enviada ao requerente a notificação da decisão definitiva de proceder às correções efetuadas;
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A AT, convolou a pronúncia do requerente, em sede de audiência prévia, em procedimento de reclamação graciosa, no âmbito do qual notificou o requerente para exercer o seu direito de audição;
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A AT manteve as correções inicialmente anunciadas, por considerar que, mesmo após os elementos juntos pelo requerente em sede de audição prévia, “não foram comprovados os elementos declarados”;
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Manteve as correções inicialmente anunciadas e constantes do quadro supra referenciado em i);
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Em 06-02-2016 foi emitida a liquidação adicional de IRS, com o nº 2016…, pelo valor de €17.291,63, com um saldo apurado em dívida de €15.926,35 e com data limite de pagamento até 06-04-2016;
p. O Requerente constituiu hipoteca unilateral, voluntária, para suspensão do processo de execução fiscal, tendo suportado um custo de €225,00, como consta do Doc. nº 1 em anexo ao pedido arbitral;
q. O presente pedido arbitral, para anulação das liquidações de imposto, foi apresentado em 22-06-2016.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
13. Considera-se como não provado que o Requerente tenha suportado o valor de €700,00 com a constituição da garantia, uma vez que dos autos consta, apenas, o documento comprovativo do pagamento do emolumento suportado com a constituição de hipoteca unilateral, do qual se extrai que pagou o valor de 225,00 (cfr. Doc. nº 1 junto ao pedido arbitral), como consta da alínea p) da matéria assente.
Com relevo para a decisão, não existem outros factos que devam considerar-se como não provados.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
14. Os factos, supra descritos, foram dados como provados com base na prova documental que as partes juntaram ao presente processo, o Requerente juntamente com o pedido arbitral deduzido e a Requerida com a junção do respetivo processo administrativo. A matéria de facto provada constante das alíneas a) a o) tem como fundamento a prova documental constante dos 10 documentos juntos pelo Requerente em anexo ao pedido arbitral, coerentes com os documentos constantes do Processo Administrativo junto pela AT. A matéria de facto constante da alínea p) dada como assente, fundamenta-se no documento nº1 em anexo ao pedido arbitral, onde consta a cópia da escritura de constituição de hipoteca unilateral a favor da AT e o respetivo documento comprovativo do pagamento efetuado por Multibanco, referente ao custo do ato notarial.
De salientar que, relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, conforme resulta do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e no art.º 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.
IV – DO DIREITO
15. Fixada a matéria de facto, nos termos sobreditos, importa conhecer das questões de direito suscitadas pelas partes, começando, obrigatoriamente, pelos vícios de forma invocados pelo Requerente.
O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatui o seguinte:
“1. Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
-
Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
16. Este preceito legal estabelece uma prioridade para o conhecimento dos vícios do ato impugnado. Assim, devem ser conhecidos, em primeiro lugar, os vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, o que nos leva a questionar o entendimento a dar a este critério. Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), este princípio conduzirá a dar prioridade ao conhecimento dos vícios substanciais do ato sobre os vícios formais, porquanto estes últimos não impedem a renovação do ato, sendo certo que este parece ser o entendimento que privilegia a tutela mais eficaz dos interesses ofendidos.
17. Citando expressamente alguma jurisprudência do STA, que sintetiza o entendimento deste Tribunal superior, resulta, entre outros, do acórdão proferido em 17.11.2010,[1] o seguinte: “(…) a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo reiteradamente a explicar, no âmbito da interpretação do conteúdo normativo da regra análoga vertida no artigo 57.º da LPTA, que apesar de a mais eficaz tutela dos interesses do recorrente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios substanciais ou de fundo em relação aos vícios de forma, designadamente do vício de falta de fundamentação (dado que a verificação deste não impede a renovação do acto com igual configuração jurídica, expurgado, naturalmente, do vício que conduziu à anulação). “
Mas, resulta ainda desta jurisprudência do STA, reafirmada em muitos outros Acórdãos, que esta regra não é absoluta, porquanto pode acontecer que, por exemplo, só a fundamentação do ato possa revelar vícios de fundo mediante a clarificação do enquadramento factual e jurídico em que assentou o ato impugnado. O que vale por dizer que, invocado o vício de falta de fundamentação, no caso deste se verificar efetivamente, pode o Tribunal não estar em condições de prosseguir com o conhecimento dos vícios de fundo, por não ter todos os elementos disponíveis e essenciais para o fazer. Pode justificar-se a precedência do vício de forma quando a indagação acerca da concreta motivação do ato se mostrar indispensável ao controlo dos vícios de fundo (substanciais) do ato.
Conclui-se, pois, que a tutela mais eficaz dos interesses do recorrente pode passar pelo conhecimento prioritário dos vícios de forma, concretamente do vício de falta de fundamentação, sempre que a descoberta da motivação do ato possa oferecer elementos necessários ao juízo de verificação dos vícios de fundo, o que acontece sempre que ocorra uma absoluta falta de fundamentação (de facto e/ou de direito), por isso implicar a impossibilidade de conhecimento dos factos em que assentou o ato e/ou o seu enquadramento jurídico, inviabilizando o controlo jurisdicional dos vícios de fundo.
Dito de outro modo, deixará de se impor o conhecimento prioritário do vício de forma, sempre que a alegada falta ou insuficiência de fundamentação se revele, no caso concreto (e a apreciação tem, obviamente, que ser casuística) irrelevante para a apreciação e eventual procedência do vício ou vícios de fundo que tenham sido concretamente alegados.
18. No caso concreto dos presentes autos, conclui-se que nenhum dos vícios invocados pelo requerente é suscetível de gerar nulidade do ato. Quanto aos invocados vícios de violação do direito de audição e de falta de fundamentação, independentemente de serem suscetíveis de gerar anulação do ato, seguindo a jurisprudência supracitada, somos confrontados com a questão de saber se a máxima eficácia na tutela dos interesses do requerente imporia, em princípio, o conhecimento prioritário do vício de violação de lei em relação ao vício de forma por falta de fundamentação. Porém, no caso em apreciação, a decisão dos vícios de forma, mormente do vício de falta de fundamentação impõe-se, obrigatoriamente, como prévia ao conhecimento da alegada violação de lei, como se demonstrará.
A) Quanto à alegada preterição de formalidade essencial por violação do direito de audição
19. Começando, pois, pelo conhecimento dos vícios de forma, seguiremos a ordem indicada pelo requerente, conhecendo primeiramente da alegada preterição de formalidade essencial, por violação do direito de audição.
20. Como consta da matéria de facto assente, consubstanciada na análise documental constante do PA e dos documentos juntos com o pedido arbitral, constata-se que a AT proferiu a sua decisão final de promover as correções anunciadas, mesmo antes de decorrido o prazo que fixara, por notificação que enviou ao requerente, para que este se pronunciasse em sede de audição prévia. Ou seja, esta primeira decisão foi proferida sem audição, efetiva, do requerente. Andou mal a AT ao proceder desta forma, violando as regras procedimentais estabelecidas e desconsiderando, com certa sobranceria, o direito de audição do requerente e a oportunidade deste poder, ainda, juntar outra documentação, porventura mais esclarecedora, para superar as dúvidas da administração. Foi, precisamente, isso que sucedeu, ou seja, o requerente enviou a sua pronúncia e respetivos documentos no último dia do prazo (mas em prazo) e nesse mesmo dia já a AT havia tomado a decisão final.
21. Porém, apesar de ter conduzido o procedimento de forma inadequada, não parece, contudo, que estejamos perante uma autêntica violação do direito de audição, face ao sucedido posteriormente. Após ter recebido a resposta do requerente em sede de audição prévia, consciente do erro cometido, a AT veio corrigir esse erro convolando a resposta em sede de audição prévia em Reclamação Graciosa, no âmbito da qual notificou o ora requerente para se pronunciar em sede de direito de audição e, por fim, decidiu manter as correções inalteradas, bem assim como a liquidação. É óbvio que o procedimento não decorreu de forma regular.
22. Já no âmbito deste processo arbitral veio invocar o princípio do aproveitamento do ato, por entender que dessa forma foi proporcionada ao requerente a oportunidade de se pronunciar. É inegável, que teve essa oportunidade e é, igualmente, certo que essa oportunidade foi apenas concedida no interesse da própria administração, para tentar aproveitar o procedimento de liquidação. Mera formalidade sem qualquer relevância, porquanto a AT manteve a decisão anterior sem tão pouco apreciar os elementos documentai e os argumentos alegados pelo requerente nos eu direito de audição. Certo é que, a decisão agora impugnada faz expressa referência à audição prévia e mantem a decisão anteriormente notificada por considerar que não foram comprovados os elementos declarados. Por isso, no entendimento deste tribunal deve considerar-se esta preterição de formalidade essencial superada embora, saliente-se, se considere que a AT andou mal ao conduzir o procedimento deste modo.
23. Ainda, a este propósito, se têm pronunciado os nossos tribunais superiores considerando que a violação do direito de audiência prévia em matéria tributária é suscetível de gerar anulação do ato e que os direitos de reclamação e/ou de impugnação do ato não podem por em causa essa exigência. Trata-se, assim, de um direito cumulável com o direito de impugnação de atos lesivos, pelo que o facto de este existir não inviabiliza aquele vício procedimental. Mas em todos os arestos compulsados que, de algum modo, abordam esta questão, verificou-se violação do direito de audição sem que posteriormente a administração fizesse qualquer diligência no sentido de emendar o erro e retomar a audição do interessado, como sucedeu no caso em apreciação.
Como consta da decisão proferida pelo TCAS, de 23-10-2012, no processo nº05791/12, face à falta absoluta de notificação do interessado para exercer o seu direito, e à comprovada violação do direito de audição, “o princípio do aproveitamento do acto administrativo não tem expressão legal própria na nossa ordem jurídica, mas tem sido acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, por razões de economia processual, assim consubstanciando uma das dimensões da eficiência indispensável à realização do interesse público. Trata-se, pois, de reconhecer ao Tribunal o poder de não anular um acto inválido quando for seguro que a decisão administrativa não podia ser outra, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe “alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o acto inválido, embora sem o vício que determinou a anulação. No domínio dos actos praticados no exercício de poderes vinculados (como é o acto tributário por excelência, a liquidação) o Juiz só poderá aplicar o princípio do aproveitamento dos actos administrativos quando lhe seja possível concluir, sem margem para dúvidas, que o acto em causa não poderia ter outro conteúdo decisório. Nestes casos, somente se pode aplicar o referido princípio do aproveitamento do acto, quando se estiver perante uma situação de solução legal evidente e em que não se vislumbra qualquer possibilidade de a omitida audição do sujeito passivo, antes do acto de liquidação, poder influenciar o conteúdo desta.” [2]
24. No caso dos autos, a requerida AT veio, posteriormente, a “emendar” o erro convolando a pronuncia do requerente em reclamação graciosa de modo a promover uma segunda decisão, exatamente igual à primeira, mas agora após ter dado nova possibilidade de audição prévia. Na verdade, a requerida andou mal, mas afigura-se que não haverá ainda assim violação do direito de audição. Dir-se-á que o procedimento que antecedeu a liquidação não correu com total conformidade à lei, andou de forma irregular, houve precipitação na decisão, por não esperar que expirasse o prazo para a audição prévia do sujeito passivo. Porém, posteriormente, a Administração ao convolar a resposta em reclamação graciosa teve o cuidado, pelo menos formalmente, de considerar a resposta apresentada em sede de audição prévia. É certo que todo o procedimento descrito revela uma certa pré-disposição para a não aceitação das despesas declaradas e para manter a decisão anterior, que já havia sido notificada, mas não se pode dizer que tenha havido violação absoluta do direito de audição. A AT emendou o erro pela convolação da resposta (e respetivos documentos anexos) em reclamação graciosa, aproveitou o processado anteriormente, proferiu decisão na qual, expressamente, menciona que “da análise efectuada aos documentos /alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação da(s) divergências identificada(s) na declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2014 com a identificação …/99, não foram comprovados os elementos declarados pelo que a minha decisão de 2015-12-29 foi determinada a efetivação das seguintes correções: (…)”
Posto isto, não se verifica absoluta violação do direito de audição. Importará, agora, saber se esta decisão contém fundamentação bastante para o ato de liquidação processado e aqui impugnado.
B) Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação:
25. Alega o requerente que, do teor da decisão definitiva que lhe foi comunicada, resulta evidenciado que o ato de liquidação padece de absoluta falta de fundamentação, porquanto ela teria, no mínimo, que justificar as correções efetuadas, com base na lei em vigor, dando a sua interpretação da mesma, o que não fez. Em virtude de não ter sido feita qualquer referência aos pressupostos factuais e legais em que assentou a decisão da AT, a qual desconsiderou os elementos de prova apresentados pelo requerente em sede de audição prévia, já que decidiu e emitiu a liquidação adicional de imposto mesmo antes de rececionar a resposta enviada no exercício do direito de audição, sendo certo que mesmo após a convolação da audição em reclamação graciosa, nada diz em concreto quanto aos factos invocados e comprovados documentalmente pelo requerente, limitando-se a notificá-lo de que mantém a decisão de proceder às correções já anteriormente anunciadas por falta de comprovação dos elementos declarados. Apesar de todos os documentos adicionais juntos pelo requerente, a verdade é que nenhuma apreciação recaiu sobre os mesmos, o que leva a concluir que a decisão esta tomada de qualquer modo e independentemente do que o sujeito passivo viesse a juntar aos autos. Conclui o requerente que foram violados os normativos contidos nos artigos 77º e 99º, alínea c) da LGT.
A requerida, por seu turno, alega que não subsiste qualquer de vício de forma por falta de fundamentação, porquanto do que vem alegado no pedido arbitral resulta que o requerente compreendeu perfeitamente o itinerário cognoscitivo que levou a requerida a decidir da forma que decidiu. Tanto assim é que a requerente demonstrou, ao longo do pedido de pronúncia arbitral, ter compreendido inteiramente o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, uma vez que tentou ali rebater toda a atuação da AT.
Resulta do supra exposto, que no caso concreto se impõe agora a ferir se o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação, porquanto, deste depende de saber se estão ou não preenchidos os pressupostos de facto e de direito que conduziu a AT à liquidação impugnada. Há, pois, uma dependência lógica no conhecimento das questões, de forma e de substância, colocadas ao Tribunal, necessariamente interligadas, uma vez que a ilegalidade apontada aos atos tributários impugnados, tal como vem alegado no pedido arbitral, decorre de erro sobre os pressupostos de direito, em virtude da errónea interpretação do disposto no artigo 41.º do Código do IRS, o conhecimento deste vício substancial depende da prévia determinação da base fundamentadora do ato.
26. É pacífico que a fundamentação é uma exigência legal, que se impõe para qualquer ato administrativo ou tributário, sendo a liquidação de imposto um tipo de ato tributário em relação ao qual esta exigência se impõe com máximo rigor, atendendo aos efeitos que produz na esfera jurídica do sujeito passivo. Acresce recordar que é uma imposição constitucional por força do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), reafirmada no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT).[3] Deste último normativo decorre, aliás, que embora o dever de fundamentação não se restrinja apenas aos atos desfavoráveis ao contribuinte, em relação a estes é exigida uma maior densidade. É hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais, incluindo a arbitral,[4] que a fundamentação legalmente exigível tem de reunir as seguintes características:
a. Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
b. Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas ou a pedido;
c. Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;
d. Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada, sendo que esta característica se desdobra no dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e no dever de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
27. O dever de fundamentação visa permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa ou tributária a agir ou a decidir, de modo a convencer o seu destinatário da legalidade que lhe está subjacente, permitindo-lhe entender a sua razão de ser e possa, conscientemente, aferir sobre a sua a aceitação ou a sua impugnação. Isso mesmo tem sido afirmado incessantemente pela jurisprudência dos tribunais superiores, reiterando que a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade que praticou o ato, de forma a revelar claramente as razões que a conduziram àquela decisão concreta. Tem vindo a ser reconhecido, igualmente pela doutrina e pela jurisprudência, que esta exigência de fundamentação deve ser equilibrada e moderada, considerando-se cumprida pela exposição sucinta e clara dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, podendo consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas (fundamentação per relationem ou per remissionem), desde que estes integrem a decisão final, devidamente notificada ao destinatário.[5] O incumprimento desta exigência (falta absoluta de fundamentação) ou dos requisitos enunciados (fundamentação incongruente, confusa ou contraditória, incompleta, obscura ou meramente remissiva) constitui ilegalidade, suscetível de conduzir à anulação do ato.[6]
Também no plano do procedimento de fiscalização interna ou de inspeção, desencadeado pela AT, também o artigo 63.º, n.º 1, do RCPIT prevê que os atos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório. A importância da motivação de facto e de direito constante do procedimento de inspeção tributária, é de fundamental importância, dado que esse percurso vai influenciar, posteriormente, a decisão tributária. Essa é a razão de ser da exigência do procedimento inspetivo e as garantias nele previstas, entre as quais sobressai o exercício do direito de audição, que deve anteceder a tomada de decisão final do procedimento.
28. Retomemos o caso concreto, dado que a fundamentação exigível reporta-se sempre a um ato tributário concreto e deve ser aquela que funcionalmente se revele necessária e adequada para que um contribuinte normal, com um conhecimento comum e normalmente diligente, compreenda o sentido do mesmo (embora possa discordar do seu sentido) e perceba que não está perante uma pura demonstração de arbítrio. Impõe-se, assim, aferir se no caso dos presentes autos, a Administração deu a conhecer os motivos que a levaram a desconsiderar as despesas apresentadas e declaradas pelo contribuinte da sua declaração de IRS referente ao ano de 2014 e se, no caso, se percebem as razões em que se fundou a liquidação emitida com base nas correções efetuadas.
29. Compulsados os autos constata-se que a decisão final que determinou as correções e, em consequência, a liquidação impugnada tem o seguinte conteúdo: “da análise efectuada aos documentos/alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação da(s) divergência(s) na declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2014 com a identificação …/99, não foram comprovados os elementos declarados pelo que por minha decisão de 2015-12-29 foi determinada a efectivação das seguintes correcções:
Anexo
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Quadro
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Campo
|
Valor Declarado
|
Valor a Corrigir
|
Valor Final
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F
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04
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402
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€691,04
|
€500,00
|
191,04
|
F
|
04
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408
|
€41.086,68
|
€40.985,27
|
101,41
|
Esta é toda a fundamentação contida na notificação, após ter sido, alegadamente, considerada a resposta do sujeito passivo em sede de audição prévia.
Será esta fundamentação suficiente?
30. Entende-se que a fundamentação é insuficiente, o que equivale a falta de fundamentação, se o seu conteúdo não for bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, e só o é se da decisão se consegue perceber quais os factos e as normas legais que explicam e suportam a decisão final. [7] As razões de facto e os fundamentos de direito da decisão devem ser percetíveis, claros e entendíveis à luz dos preceitos legais mencionados e/ou dos princípios invocados. Tem sido entendimento do STA, quanto à fundamentação de direito, que esta se considera suficiente, com a referência aos normativos legais concretamente aplicáveis, aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou ao quadro legal bem determinado. Mesmo admitindo, excecionalmente e em casos muito atípicos (dificilmente compatíveis com a natureza da obrigação jurídica tributária de origem estritamente legal), que na fundamentação do ato não sejam mencionados os normativos legais em concreto subjacentes à decisão, sempre se terá de indicar o quadro legal que conduziu ao ato ou decisão, e este deve ser perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, de modo que sejam perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram.
31. Ora, no caso em concreto, tratando-se de uma liquidação oficiosa emitida após as correções efetuadas, as quais desconsideraram um conjunto de deduções específicas da categoria F, com impacto direto na determinação do rendimento líquido desta categoria e, por consequência, no rendimento tributável, não se compreende nem pode aceitar como fundamentação suficiente a lacónica conclusão segundo a qual “não foram comprovados os elementos declarados ...”. Não há uma única norma legal mencionada, um princípio ou interpretação extraída da lei que sustente tal conclusão. Acresce que, da documentação junta aos autos em anexo ao pedido arbitral, bem assim como do processo administrativo junto pela AT, é possível concluir que foi junta uma vasta documentação de suporte para as deduções específicas efetuadas pelo sujeito passivo em sede de categoria F. Assim, a AT devia, sem dúvida, fundamentar especificadamente, de modo claro e inequívoco porque razão essa documentação não era suficiente, ou não podia ser aceite ou quais as razões de direito que não permitiam ao sujeito passivo deduzir tais despesas, que suportou (o que não é questionado pela AT) e cuja expectativa seria deduzir para determinação do rendimento tributável em sede de IRS. A AT até poderia ter boas razões para concluir desta forma, mas tinha de as evidenciar, concreta, clara e de modo suficiente, para que entendêssemos as razões de facto e de direito que a conduziram até à decisão concreta.
32. Face aos elementos juntos aos autos, tal fundamentação é claramente insuficiente, tocando de perto uma situação que podemos designar de falta absoluta de fundamentação. Porém, como já deixamos bem claro ao longo da exposição que antecede, a fundamentação insuficiente equivale a falta de fundamentação para todos os efeitos legais. Ainda a este propósito, diga-se que, mesmo que outro fosse o entendimento quanto ao alegado vício de falta de fundamentação, sempre estaríamos perante uma situação de violação de lei, por ausência de demonstração dos pressupostos de facto e de direito subjacentes ao ato praticado, consubstanciado nas correções efetuadas e na emissão da liquidação adicional de IRS aqui impugnada.
33. Acresce que, a alegação da AT para afastar o vício de falta de fundamentação, não colhe. Pois, não pode vir dizer que o facto de no seu pedido arbitral o requerente ter revelado conhecer ou alcançar as razões que determinaram a liquidação impugnada, sob pena de se subverter todo o quadro de vinculação legal e constitucional em vigor. O destinatário não se pode substituir ao autor do ato, nem o exercício das suas garantias de impugnação o podem prejudicar. A fundamentação é um requisito do próprio ato, cabendo ao seu autor cumprir a lei e as obrigações funcionais a que está vinculado, entre as quais, a obrigação de o fundamentar, de facto e de direito, de modo claro e suficiente.
34. E, não subsiste qualquer dúvida, que o destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do ato praticá-lo, quais as normas legais e qual a interpretação que o levou a concluir como concluiu, ou seja, que “não foram comprovados os elementos declarados.” Apesar de toda a documentação junta pelo requerente, reforçada com a que juntou em sede de audição prévia (que a requerida convolou em reclamação graciosa), a requerida conclui que os elementos declarados (as despesas) não se encontram comprovadas. A questão é porquê?
A requerida, na sua resposta, não questiona o dever de fundamentar as correções, nem poderia ser de outra forma, mas tudo o que agora possa dizer está totalmente fora do conteúdo do ato e até demonstra, com bastante evidencia, a ausência de fundamentação da liquidação impugnada. A Administração tributária está vinculada à lei, não podendo agir senão nos casos em que ela lho permite, nem de modo diverso do que ela impõe, pelo que a fundamentação é imprescindível para que se compreendam as razões de facto e de direito, que estão subjacentes ao ato praticado. Estando em causa um conjunto de despesas com os imóveis arrendados, as quais constituem deduções específicas da categoria F, não basta dizer que não se encontram comprovados. Era necessário que a documentação junta fosse criticamente analisada e o destinatário do ato devidamente esclarecido sobre qual foi a situação de facto ponderada, qual o direito interpretado e aplicado. Por isso mesmo, também não basta a mera indicação de uma norma legal (o que no caso nem sequer ocorreu), acrescentando que a situação de facto não cabe na sua previsão. Mesmo este tipo de fundamentação se considera incompleta, pois que se trata de uma conclusão não precedida de uma explicação consequente e lógica que a suporte. Mesmo depois de analisar a documentação entregue em sede de audição prévia (convolada em reclamação graciosa) nada disse em concreto sobre os elementos documentais juntos de novo com essa pronúncia. Não demonstrou que, face aos normativos de referência (que nem sequer indica), os elementos juntos pelo requerente não fossem suficientes ou adequados para suportar as deduções dessas despesas. E não se diga que anteriormente havia notificado de modo mais esclarecido as razões subjacentes, pois que não se extrai isso dos elementos documentais juntos aos autos, e, de todo modo, sempre se teria de inserir a fundamentação devida no ato final a notificar ao sujeito passivo. Convém ter em conta que esta notificação ocorreu após uma vicissitude relevante, dado que a AT já havia notificado a decisão final anteriormente, mesmo sem esperar que o prazo para o requerente exercer o seu direito de audição terminasse, e bem sabendo que daí resultava um vício de forma procedimental invalidante, decidiu, então, convolar a resposta apresentada em reclamação graciosa. Certo é que, curiosamente, a determinação ou decisão da AT estava tomada, irremediavelmente e independentemente do que o requerente viesse a argumentar ou dos documentos juntos para a comprovação das despesas. absolutamente evidenciado, pela forma precipitada que levou à decisão final, sem respeito pelo prazo fixado para a audição prévia. É evidente que o propósito da AT com a iniciativa de convolar a resposta em sede de audição em reclamação graciosa foi, unicamente, o de corrigir o vício de forma por preterição de formalidade essencial. Nenhuma análise crítica fez dos documentos entregues pelo sujeito passivo.
35. O que releva, sem sombra de dúvida, é que a fundamentação contida na decisão que conduziu à liquidação impugnada não se afigura bastante para satisfazer a obrigação de fundamentar, sendo certo que o regime legal aplicável e que se encontra previsto do artigo 41.º do Código do IRS, carece de esforço interpretativo, cabendo à AT revelar os parâmetros que a conduziram na sua aplicação. No caso dos autos essa revelação não foi realizada, nem sequer aflorada, sendo inexistente, ou pelo menos insuficiente a fundamentação do ato. O requerente ficou sem saber qual a fundamentação concreta da sua situação de facto e de direito, pelo que foi obrigado a contrariar o que supôs ser a motivação do ato. Efetivamente, a simples menção de que algumas despesas apresentadas pelo requerente “não foram comprovados” consubstancia um discurso conclusivo e não fundamentador, o qual não permite dar a conhecer a um contribuinte médio e com uma capacidade de entendimento normal, as razões que justificaram as correções e a liquidação impugnada. Não se diga que pelo facto do requerente ao longo do pedido de pronúncia arbitral não se ter limitado a invocar a falta de fundamentação dos atos tributários e ter invocado violação de lei, desenvolvendo um certo entendimento a propósito das despesas por si apresentadas e sobre a interpretação que considera correta das normas legais aplicáveis, que com isso ela demonstrou ter tido perfeito conhecimento da fundamentação da liquidação impugnada. Tudo o que invoca é, isso sim, um conjunto de argumentos para demonstrar que as despesas deviam ter sido consideradas dedutíveis.
36. Por tudo o que se deixa exposto, conclui-se que a liquidação impugnada padece de vício de falta de fundamentação, pelo que é ilegal e deve ser anulada.
37. Atento o decidido quanto ao arguido vício de forma por falta de fundamentação, fica prejudicado o conhecimento do vício de violação de lei que a Requerente invoca, embora seja manifesto que padecendo o ato de falta de fundamentação, não se encontram evidenciados os pressupostos de facto nem de direito em que o mesmo se ancorou.
C - Quanto ao pedido de indemnização pelo custo com aprestação de garantia por hipoteca voluntária
38. O requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida, pelo custo suportado com a prestação de garantia através de constituição de hipoteca voluntária, no montante de €700,00. A AT pugna pelo indeferimento deste pedido, mas não contesta o valor indicado pelo requerente a título de custos com a prestação de garantia. Porém, como resulta da matéria de facto assente (vd. alínea p) - Factos Provados), a Requerente apenas juntou aos autos prova documental que atesta o pagamento do valor de €225,00 (vd. Doc. nº 1, anexo ao pedido arbitral) como custo pela constituição de hipoteca unilateral voluntária para garantia e suspensão dos efeitos executivos da liquidação impugnada.
39. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º da LGT, o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida. Acrescenta o nº2 deste mesmo artigo que o prazo referido no nº1 não se aplica caso se conclua que houve erro imputável aos serviços. Dispõe, por seu turno, o n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, que a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada prevista no referido preceito será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, devendo no mesmo ser solicitada, de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, se o fundamento for superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.
40. Sendo de proceder o pedido de anulação do ato tributário impugnado, ao qual respeita a dívida garantida, e verificando-se que a mesma foi prestada em resultado de erro imputável aos serviços, deverá proceder igualmente o pedido de indemnização pela prestação da respetiva garantia, fixando-se o quantum da mesma, observado o n.º 3 do artigo 53.º da LGT, no valor de €225,00, comprovadamente pagos pela constituição da garantia, conforme prova documental junta aos autos. (Vd. Doc. nº 1 em anexo ao pedido arbitral)
V. DECISÃO
Nos termos supra expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade da liquidação impugnada, por vício de forma por falta de fundamentação;
b) Declarar a anulação do ato impugnado com as consequências legais;
c) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização pelo custo com a prestação de garantia indevida, que se fixa em €225,00 e condenar a Requerida no pagamento deste valor;
d) Condenar as partes no pagamento das custas do processo na proporção de decaimento, ou seja, 3% para da Requerente e 97% para a Autoridade Tributária e Aduaneira.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €15.926,35 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 29 de dezembro de 2017
O Tribunal Arbitral,
___________________________
(Maria do Rosário Anjos)
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 336/2016-T
Tema: IRS – Dedução de Despesas Categoria F; artigo 41º CIRS; Vícios de forma e violação de lei.
* Substituída pela decisão de 29-12-2017
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Requerente: A…
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. A…, contribuinte fiscal n.º…, com domicílio fiscal na Avenida … nº…, …, …-…, Lisboa (doravante designada por “Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral coletivo, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração da ilegalidade da liquidação adicional de IRS respeitante ao ano de 2014, com o nº 2016…, emitida em 06-02-2016, no valor de €17.291,63, com um saldo apurado em dívida de €15.296,35 e data limite de pagamento até 06-04-2016, pretendendo a sua anulação.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 22-06-2016, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 23-06-2016 e de imediato notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 25-08-2016, a ora signatária como árbitro para constituição do Tribunal Arbitral singular. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 12-09-2016.
Em 14-09-2016 foi proferido despacho arbitral, para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.
3. Em 13-10-2016 a Requerida veio juntar aos autos o Processo Administrativo (PA) e em 17-10-2016 a sua resposta, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Na sua resposta, a Requerida invoca a exceção de extemporaneidade do pedido arbitral, a incompetência do Tribunal e, por mera cautela, impugna os argumentos da Requerente. Por último, entende que as questões em discussão nos autos são exclusivamente de direito e, por isso, requer a dispensa a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.
4. Em 26-10-2016 foi proferido despacho arbitral no qual se dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, porquanto analisado o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, devidamente documentado, a Resposta e o PA juntos aos autos pela AT, verifica-se que que a prova documental junta aos autos é suficiente para a decisão a proferir. As questões a decidir, considerando a posição das partes intervenientes no processo, consubstanciada nos respetivos articulados juntos aos autos, são exclusivamente de direito. Acresce que, na resposta apresentada veio a AT, expressamente requerer dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT. Nesta conformidade, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e fixado o prazo, igual e sucessivo de 10 dias, para apresentação de alegações escritas, facultativas, prosseguindo o processo, seguidamente, para decisão final a proferir até 20 de dezembro de 2016. Nesta data, foi proferido novo despacho arbitral para prorrogação do prazo por mais 15 dias, por não ter sido possível ultimar a decisão arbitral até ao prazo inicialmente fixado.
Foram as partes convidadas a enviar aos autos as respetivas peças processuais em formato word e a Requerente notificada para, até 10 dias antes da data fixada para decisão final efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente.
As partes não apresentaram alegações.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
6. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral, pretendendo a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2014, invocando os seguintes fundamentos:
a) Vício de forma, por preterição de formalidade essencial de audição do Requerente, porquanto, alega o Requerente, a liquidação (ato final) foi emitida ainda antes de decorrido o prazo para o sujeito passivo exercer o seu direito de audição, o que vale por dizer que não foi respeitado o princípio da audição prévia, previsto na lei;
b) Vício de forma por falta de fundamentação, porquanto a AT promoveu a liquidação adicional sem indicar uma fundamentação mínima para as correções que efetuou;
c) Vício de violação de lei por violação material do disposto nos artigos 41º e 55º do CIRS, dado que a desconsideração das despesas apresentadas pelo Requerente, referentes a obras realizadas nos imóveis arrendados, consubstancia uma violação clara do disposto nestes dispositivos legais.
Termos em que conclui pela ilegalidade da liquidação impugnada, pedindo a sua anulação, com as consequências legais e, ainda, o reembolso dos custos suportados com a hipoteca voluntária para suspender o processo de execução fiscal, que fixou em €700,00.
C – A RESPOSTA DA REQUERIDA
7. Na sua resposta a AT vem pugnar pela legalidade da liquidação e pela improcedência do pedido.
Alega em síntese, quanto ao vício de forma, que embora a liquidação tenha sido emitida antes de recebida a pronúncia da Requerente em sede audição prévia, a verdade é que face a esta situação os serviços não desconsideraram os argumentos do sujeito passivo, pois convolaram a resposta em reclamação graciosa, como consta do PA. Assim, no âmbito do processo de reclamação graciosa repetiram a notificação para audição prévia do sujeito passivo, e este optou por não se pronunciar.
Quanto ao vício de fundamentação alega que, como resulta de toda a exposição de motivos que fundamentam o pedido arbitral deduzido, a Requerente entendeu muito bem quais os motivos das correções. Convoca alguma doutrina e jurisprudência para concluir que o ato de liquidação se encontra devidamente fundamentado.
Por último, quanto ao vício de violação de lei, entende também que este não se verifica, dado que as correções efetuadas respeitam a despesas que não estão, no entendimento da AT, devidamente documentadas e que não podem considerar-se como relevantes ou dedutíveis à luz do disposto no artigo 41º do CIRS. Assim, com toda a argumentação que desenvolve ao longo da última parte da sua resposta e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a Requerida conclui que as correções efetuadas são adequadas e correspondem à correta interpretação da lei.
8. Requerente e Requerida divergem, pois, quanto às questões enunciadas, as quais são exclusivamente de direito e sobre as quais cumpre decidir.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
9. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.
10. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
11. O processo não padece de vícios que o invalidem.
III – Matéria de facto
A) Factos Provados
12. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
-
O requerente submeteu a sua declaração de IRS referente ao ano de 2014, em 31-05-2015, por submissão através do site da ATA;
-
Em conformidade foi emitida liquidação de imposto (IRS), com o valor a pagar de 631,77, que o requerente pagou;
-
Em 07-07-2015 o requerente foi notificada da necessidade de comprovação dos elementos constantes da declaração de IRS, referente ao ano de 2014, designadamente das despesas com prédios arrendados;
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Em 03-08-2015 o requerente, por carta registada, enviou uma explicação detalhada dos valores de despesa apresentados e das razões que os determinaram tais despesas, entre as quais, algumas obras de beneficiação sobre imóveis herdados em mau estado de conservação, de modo a permitir o seu arrendamento;
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Explicou a razão de ser de cada uma das despesas apresentadas e juntou nove documentos;
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Juntou ainda declaração de substituição, com uma correção que assumiu como devida;
-
Em 06-08-2015, foi processada uma liquidação adicional de IRS, por força da declaração de substituição entregue pelo sujeito passivo, no valor de €1.365,28, a qual foi integralmente paga;
-
Em 09-12-2015 o requerente foi notificado por correio registado, para no prazo de 15 dias exercer o seu direito de audição prévia sobre o projeto de decisão de correção aos valores inscritos na Modelo 3, anexo F;
-
As correções a efetuar eram as seguintes:
Anexo
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Quadro
|
Campo
|
Valor Declarado
|
Valor a Corrigir
|
Valor Final
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F
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04
|
402
|
€691,04
|
€500,00
|
191,04
|
F
|
04
|
408
|
€41.086,68
|
€40.985,27
|
101,41
|
-
Em 29-12-2015, no último dia do prazo fixado, o requerente enviou a sua resposta em sede de audição prévia, por correio registado e junta mais três documentos;
-
Na mesma data, ou seja, em 29-12-2015, foi emitida e enviada ao requerente a notificação da decisão definitiva de proceder às correções efetuadas;
-
A AT, convolou a pronúncia do requerente, em sede de audiência prévia, em procedimento de reclamação graciosa, no âmbito do qual notificou o requerente para exercer o seu direito de audição;
-
A AT manteve as correções inicialmente anunciadas, por considerar que, mesmo após os elementos juntos pelo requerente em sede de audição prévia, “não foram comprovados os elementos declarados”;
-
Manteve as correções inicialmente anunciadas e constantes do quadro supra referenciado em i);
-
Em 06-02-2016 foi emitida a liquidação adicional de IRS, com o nº 2016…, pelo valor de €17.291,63, com um saldo apurado em dívida de €15.926,35 e com data limite de pagamento até 06-04-2016;
p. O Requerente constituiu hipoteca voluntária para suspensão do processo de execução fiscal, tendo suportado um custo de €700,00;
q. O presente pedido arbitral, para anulação das liquidações de imposto, foi apresentado em 22-06-2016.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
13. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
14. Os factos, supra descritos, foram dados como provados com base na prova documental que as partes juntaram ao presente processo, o Requerente juntamente com o pedido arbitral deduzido e a Requerida com a junção do respetivo processo administrativo. De salientar que, relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, conforme resulta do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e no art.º 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.
IV – DO DIREITO
15. Fixada a matéria de facto, nos termos sobreditos, importa conhecer das questões de direito suscitadas pelas partes, começando, obrigatoriamente, pelos vícios de forma invocados pelo Requerente.
O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatui o seguinte:
“1. Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
-
Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
16. Este preceito legal estabelece uma prioridade para o conhecimento dos vícios do ato impugnado. Assim, devem ser conhecidos, em primeiro lugar, os vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, o que nos leva a questionar o entendimento a dar a este critério. Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), este princípio conduzirá a dar prioridade ao conhecimento dos vícios substanciais do ato sobre os vícios formais, porquanto estes últimos não impedem a renovação do ato, sendo certo que este parece ser o entendimento que privilegia a tutela mais eficaz dos interesses ofendidos.
17. Citando expressamente alguma jurisprudência do STA, que sintetiza o entendimento deste Tribunal superior, resulta, entre outros, do acórdão proferido em 17.11.2010,[8] o seguinte: “(…) a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo reiteradamente a explicar, no âmbito da interpretação do conteúdo normativo da regra análoga vertida no artigo 57.º da LPTA, que apesar de a mais eficaz tutela dos interesses do recorrente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios substanciais ou de fundo em relação aos vícios de forma, designadamente do vício de falta de fundamentação (dado que a verificação deste não impede a renovação do acto com igual configuração jurídica, expurgado, naturalmente, do vício que conduziu à anulação). “
Mas, resulta ainda desta jurisprudência do STA, reafirmada em muitos outros Acórdãos, que esta regra não é absoluta, porquanto pode acontecer que, por exemplo, só a fundamentação do ato possa revelar vícios de fundo mediante a clarificação do enquadramento factual e jurídico em que assentou o ato impugnado. O que vale por dizer que, invocado o vício de falta de fundamentação, no caso deste se verificar efetivamente, pode o Tribunal não estar em condições de prosseguir com o conhecimento dos vícios de fundo, por não ter todos os elementos disponíveis e essenciais para o fazer. Pode justificar-se a precedência do vício de forma quando a indagação acerca da concreta motivação do ato se mostrar indispensável ao controlo dos vícios de fundo (substanciais) do ato.
Conclui-se, pois, que a tutela mais eficaz dos interesses do recorrente pode passar pelo conhecimento prioritário dos vícios de forma, concretamente do vício de falta de fundamentação, sempre que a descoberta da motivação do ato possa oferecer elementos necessários ao juízo de verificação dos vícios de fundo, o que acontece sempre que ocorra uma absoluta falta de fundamentação (de facto e/ou de direito), por isso implicar a impossibilidade de conhecimento dos factos em que assentou o ato e/ou o seu enquadramento jurídico, inviabilizando o controlo jurisdicional dos vícios de fundo.
Dito de outro modo, deixará de se impor o conhecimento prioritário do vício de forma, sempre que a alegada falta ou insuficiência de fundamentação se revele, no caso concreto (e a apreciação tem, obviamente, que ser casuística) irrelevante para a apreciação e eventual procedência do vício ou vícios de fundo que tenham sido concretamente alegados.
18. No caso concreto dos presentes autos, conclui-se que nenhum dos vícios invocados pelo requerente é suscetível de gerar nulidade do ato. Quanto aos invocados vícios de violação do direito de audição e de falta de fundamentação, independentemente de serem suscetíveis de gerar anulação do ato, seguindo a jurisprudência supracitada, somos confrontados com a questão de saber se a máxima eficácia na tutela dos interesses do requerente imporia, em princípio, o conhecimento prioritário do vício de violação de lei em relação ao vício de forma por falta de fundamentação. Porém, no caso em apreciação, a decisão dos vícios de forma, mormente do vício de falta de fundamentação impõe-se, obrigatoriamente, como prévia ao conhecimento da alegada violação de lei, como se demonstrará.
A) Quanto à alegada preterição de formalidade essencial por violação do direito de audição
19. Começando, pois, pelo conhecimento dos vícios de forma, seguiremos a ordem indicada pelo requerente, conhecendo primeiramente da alegada preterição de formalidade essencial, por violação do direito de audição.
20. Como consta da matéria de facto assente, consubstanciada na análise documental constante do PA e dos documentos juntos com o pedido arbitral, constata-se que a AT proferiu a sua decisão final de promover as correções anunciadas, mesmo antes de decorrido o prazo que fixara, por notificação que enviou ao requerente, para que este se pronunciasse em sede de audição prévia. Ou seja, esta primeira decisão foi proferida sem audição, efetiva, do requerente. Andou mal a AT ao proceder desta forma, violando as regras procedimentais estabelecidas e desconsiderando, com certa sobranceria, o direito de audição do requerente e a oportunidade deste poder, ainda, juntar outra documentação, porventura mais esclarecedora, para superar as dúvidas da administração. Foi, precisamente, isso que sucedeu, ou seja, o requerente enviou a sua pronúncia e respetivos documentos no último dia do prazo (mas em prazo) e nesse mesmo dia já a AT havia tomado a decisão final.
21. Porém, apesar de ter conduzido o procedimento de forma inadequada, não parece, contudo, que estejamos perante uma autêntica violação do direito de audição, face ao sucedido posteriormente. Após ter recebido a resposta do requerente em sede de audição prévia, consciente do erro cometido, a AT veio corrigir esse erro convolando a resposta em sede de audição prévia em Reclamação Graciosa, no âmbito da qual notificou o ora requerente para se pronunciar em sede de direito de audição e, por fim, decidiu manter as correções inalteradas, bem assim como a liquidação. É óbvio que o procedimento não decorreu de forma regular.
22. Já no âmbito deste processo arbitral veio invocar o princípio do aproveitamento do ato, por entender que dessa forma foi proporcionada ao requerente a oportunidade de se pronunciar. É inegável, que teve essa oportunidade e é, igualmente, certo que essa oportunidade foi apenas concedida no interesse da própria administração, para tentar aproveitar o procedimento de liquidação. Mera formalidade sem qualquer relevância, porquanto a AT manteve a decisão anterior sem tão pouco apreciar os elementos documentai e os argumentos alegados pelo requerente nos eu direito de audição. Certo é que, a decisão agora impugnada faz expressa referência à audição prévia e mantem a decisão anteriormente notificada por considerar que não foram comprovados os elementos declarados. Por isso, no entendimento deste tribunal deve considerar-se esta preterição de formalidade essencial superada embora, saliente-se, se considere que a AT andou mal ao conduzir o procedimento deste modo.
23. Ainda, a este propósito, se têm pronunciado os nossos tribunais superiores considerando que a violação do direito de audiência prévia em matéria tributária é suscetível de gerar anulação do ato e que os direitos de reclamação e/ou de impugnação do ato não podem por em causa essa exigência. Trata-se, assim, de um direito cumulável com o direito de impugnação de atos lesivos, pelo que o facto de este existir não inviabiliza aquele vício procedimental. Mas em todos os arestos compulsados que, de algum modo, abordam esta questão, verificou-se violação do direito de audição sem que posteriormente a administração fizesse qualquer diligência no sentido de emendar o erro e retomar a audição do interessado, como sucedeu no caso em apreciação.
Como consta da decisão proferida pelo TCAS, de 23-10-2012, no processo nº05791/12, face à falta absoluta de notificação do interessado para exercer o seu direito, e à comprovada violação do direito de audição, “o princípio do aproveitamento do acto administrativo não tem expressão legal própria na nossa ordem jurídica, mas tem sido acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, por razões de economia processual, assim consubstanciando uma das dimensões da eficiência indispensável à realização do interesse público. Trata-se, pois, de reconhecer ao Tribunal o poder de não anular um acto inválido quando for seguro que a decisão administrativa não podia ser outra, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe “alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o acto inválido, embora sem o vício que determinou a anulação. No domínio dos actos praticados no exercício de poderes vinculados (como é o acto tributário por excelência, a liquidação) o Juiz só poderá aplicar o princípio do aproveitamento dos actos administrativos quando lhe seja possível concluir, sem margem para dúvidas, que o acto em causa não poderia ter outro conteúdo decisório. Nestes casos, somente se pode aplicar o referido princípio do aproveitamento do acto, quando se estiver perante uma situação de solução legal evidente e em que não se vislumbra qualquer possibilidade de a omitida audição do sujeito passivo, antes do acto de liquidação, poder influenciar o conteúdo desta.” [9]
24. No caso dos autos, a requerida AT veio, posteriormente, a “emendar” o erro convolando a pronuncia do requerente em reclamação graciosa de modo a promover uma segunda decisão, exatamente igual à primeira, mas agora após ter dado nova possibilidade de audição prévia. Na verdade, a requerida andou mal, mas afigura-se que não haverá ainda assim violação do direito de audição. Dir-se-á que o procedimento que antecedeu a liquidação não correu com total conformidade à lei, andou de forma irregular, houve precipitação na decisão, por não esperar que expirasse o prazo para a audição prévia do sujeito passivo. Porém, posteriormente, a Administração ao convolar a resposta em reclamação graciosa teve o cuidado, pelo menos formalmente, de considerar a resposta apresentada em sede de audição prévia. É certo que todo o procedimento descrito revela uma certa pré-disposição para a não aceitação das despesas declaradas e para manter a decisão anterior, que já havia sido notificada, mas não se pode dizer que tenha havido violação absoluta do direito de audição. A AT emendou o erro pela convolação da resposta (e respetivos documentos anexos) em reclamação graciosa, aproveitou o processado anteriormente, proferiu decisão na qual, expressamente, menciona que “da análise efectuada aos documentos /alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação da(s) divergências identificada(s) na declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2014 com a identificação …/99, não foram comprovados os elementos declarados pelo que a minha decisão de 2015-12-29foi determinada a efetivação das seguintes correções: (…)”
Posto isto, não se verifica absoluta violação do direito de audição. Importará, agora, saber se esta decisão contém fundamentação bastante para o ato de liquidação processado e aqui impugnado.
B) Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação:
25. Alega o requerente que, do teor da decisão definitiva que lhe foi comunicada, resulta evidenciado que o ato de liquidação padece de absoluta falta de fundamentação, porquanto ela teria, no mínimo, que justificar as correções efetuadas, com base na lei em vigor, dando a sua interpretação da mesma, o que não fez. Em virtude de não ter sido feita qualquer referência aos pressupostos factuais e legais em que assentou a decisão da AT, a qual desconsiderou os elementos de prova apresentados pelo requerente em sede de audição prévia, já que decidiu e emitiu a liquidação adicional de imposto mesmo antes de rececionar a resposta enviada no exercício do direito de audição, sendo certo que mesmo após a convolação da audição em reclamação graciosa, nada diz em concreto quanto aos factos invocados e comprovados documentalmente pelo requerente, limitando-se a notificá-lo de que mantém a decisão de proceder às correções já anteriormente anunciadas por falta de comprovação dos elementos declarados. Apesar de todos os documentos adicionais juntos pelo requerente, a verdade é que nenhuma apreciação recaiu sobre os mesmos, o que leva a concluir que a decisão esta tomada de qualquer modo e independentemente do que o sujeito passivo viesse a juntar aos autos. Conclui o requerente que foram violados os normativos contidos nos artigos 77º e 99º, alínea c) da LGT.
A requerida, por seu turno, alega que não subsiste qualquer de vício de forma por falta de fundamentação, porquanto do que vem alegado no pedido arbitral resulta que o requerente compreendeu perfeitamente o itinerário cognoscitivo que levou a requerida a decidir da forma que decidiu. Tanto assim é que a requerente demonstrou, ao longo do pedido de pronúncia arbitral, ter compreendido inteiramente o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, uma vez que tentou ali rebater toda a atuação da AT.
Resulta do supra exposto, que no caso concreto se impõe agora a ferir se o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação, porquanto, deste depende de saber se estão ou não preenchidos os pressupostos de facto e de direito que conduziu a AT à liquidação impugnada. Há, pois, uma dependência lógica no conhecimento das questões, de forma e de substância, colocadas ao Tribunal, necessariamente interligadas, uma vez que a ilegalidade apontada aos atos tributários impugnados, tal como vem alegado no pedido arbitral, decorre de erro sobre os pressupostos de direito, em virtude da errónea interpretação do disposto no artigo 41.º do Código do IRS, o conhecimento deste vício substancial depende da prévia determinação da base fundamentadora do ato.
26. É pacífico que a fundamentação é uma exigência legal, que se impõe para qualquer ato administrativo ou tributário, sendo a liquidação de imposto um tipo de ato tributário em relação ao qual esta exigência se impõe com máximo rigor, atendendo aos efeitos que produz na esfera jurídica do sujeito passivo. Acresce recordar que é uma imposição constitucional por força do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), reafirmada no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT).[10] Deste último normativo decorre, aliás, que embora o dever de fundamentação não se restrinja apenas aos atos desfavoráveis ao contribuinte, em relação a estes é exigida uma maior densidade. É hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais, incluindo a arbitral,[11] que a fundamentação legalmente exigível tem de reunir as seguintes características:
a. Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
b. Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas ou a pedido;
c. Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;
d. Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada, sendo que esta característica se desdobra no dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e no dever de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
27. O dever de fundamentação visa permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa ou tributária a agir ou a decidir, de modo a convencer o seu destinatário da legalidade que lhe está subjacente, permitindo-lhe entender a sua razão de ser e possa, conscientemente, aferir sobre a sua a aceitação ou a sua impugnação. Isso mesmo tem sido afirmado incessantemente pela jurisprudência dos tribunais superiores, reiterando que a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade que praticou o ato, de forma a revelar claramente as razões que a conduziram àquela decisão concreta. Tem vindo a ser reconhecido, igualmente pela doutrina e pela jurisprudência, que esta exigência de fundamentação deve ser equilibrada e moderada, considerando-se cumprida pela exposição sucinta e clara dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, podendo consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas (fundamentação per relationem ou per remissionem), desde que estes integrem a decisão final, devidamente notificada ao destinatário.[12] O incumprimento desta exigência (falta absoluta de fundamentação) ou dos requisitos enunciados (fundamentação incongruente, confusa ou contraditória, incompleta, obscura ou meramente remissiva) constitui ilegalidade, suscetível de conduzir à anulação do ato.[13]
Também no plano do procedimento de fiscalização interna ou de inspeção, desencadeado pela AT, também o artigo 63.º, n.º 1, do RCPIT prevê que os atos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório. A importância da motivação de facto e de direito constante do procedimento de inspeção tributária, é de fundamental importância, dado que esse percurso vai influenciar, posteriormente, a decisão tributária. Essa é a razão de ser da exigência do procedimento inspetivo e as garantias nele previstas, entre as quais sobressai o exercício do direito de audição, que deve anteceder a tomada de decisão final do procedimento.
28. Retomemos o caso concreto, dado que a fundamentação exigível reporta-se sempre a um ato tributário concreto e deve ser aquela que funcionalmente se revele necessária e adequada para que um contribuinte normal, com um conhecimento comum e normalmente diligente, compreenda o sentido do mesmo (embora possa discordar do seu sentido) e perceba que não está perante uma pura demonstração de arbítrio. Impõe-se, assim, aferir se no caso dos presentes autos, a Administração deu a conhecer os motivos que a levaram a desconsiderar as despesas apresentadas e declaradas pelo contribuinte da sua declaração de IRS referente ao ano de 2014 e se, no caso, se percebem as razões em que se fundou a liquidação emitida com base nas correções efetuadas.
29. Compulsados os autos constata-se que a decisão final que determinou as correções e, em consequência, a liquidação impugnada tem o seguinte conteúdo: “da análise efectuada aos documentos/alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação da(s) divergência(s) na declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2014 com a identificação …/99, não foram comprovados os elementos declarados pelo que por minha decisão de 2015-12-29 foi determinada a efectivação das seguintes correcções:
Anexo
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Quadro
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Campo
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Valor Declarado
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Valor a Corrigir
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Valor Final
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F
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04
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402
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€691,04
|
€500,00
|
191,04
|
F
|
04
|
408
|
€41.086,68
|
€40.985,27
|
101,41
|
Esta é toda a fundamentação contida na notificação, após ter sido, alegadamente, considerada a resposta do sujeito passivo em sede de audição prévia.
Será esta fundamentação suficiente?
30. Entende-se que a fundamentação é insuficiente, o que equivale a falta de fundamentação, se o seu conteúdo não for bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, e só o é se da decisão se consegue perceber quais os factos e as normas legais que explicam e suportam a decisão final. [14] As razões de facto e os fundamentos de direito da decisão devem ser percetíveis, claros e entendíveis à luz dos preceitos legais mencionados e/ou dos princípios invocados. Tem sido entendimento do STA, quanto à fundamentação de direito, que esta se considera suficiente, com a referência aos normativos legais concretamente aplicáveis, aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou ao quadro legal bem determinado. Mesmo admitindo, excecionalmente e em casos muito atípicos (dificilmente compatíveis com a natureza da obrigação jurídica tributária de origem estritamente legal), que na fundamentação do ato não sejam mencionados os normativos legais em concreto subjacentes à decisão, sempre se terá de indicar o quadro legal que conduziu ao ato ou decisão, e este deve ser perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, de modo que sejam perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram.
31. Ora, no caso em concreto, tratando-se de uma liquidação oficiosa emitida após as correções efetuadas, as quais desconsideraram um conjunto de deduções específicas da categoria F, com impacto direto na determinação do rendimento líquido desta categoria e, por consequência, no rendimento tributável, não se compreende nem pode aceitar como fundamentação suficiente a lacónica conclusão segundo a qual “não foram comprovados os elementos declarados ...”. Não há uma única norma legal mencionada, um princípio ou interpretação extraída da lei que sustente tal conclusão. Acresce que, da documentação junta aos autos em anexo ao pedido arbitral, bem assim como do processo administrativo junto pela AT, é possível concluir que foi junta uma vasta documentação de suporte para as deduções específicas efetuadas pelo sujeito passivo em sede de categoria F. Assim, a AT devia, sem dúvida, fundamentar especificadamente, de modo claro e inequívoco porque razão essa documentação não era suficiente, ou não podia ser aceite ou quais as razões de direito que não permitiam ao sujeito passivo deduzir tais despesas, que suportou (o que não é questionado pela AT) e cuja expectativa seria deduzir para determinação do rendimento tributável em sede de IRS. A AT até poderia ter boas razões para concluir desta forma, mas tinha de as evidenciar, concreta, clara e de modo suficiente, para que entendêssemos as razões de facto e de direito que a conduziram até à decisão concreta.
32. Face aos elementos juntos aos autos, tal fundamentação é claramente insuficiente, tocando de perto uma situação que podemos designar de falta absoluta de fundamentação. Porém, como já deixamos bem claro ao longo da exposição que antecede, a fundamentação insuficiente equivale a falta de fundamentação para todos os efeitos legais. Ainda a este propósito, diga-se que, mesmo que outro fosse o entendimento quanto ao alegado vício de falta de fundamentação, sempre estaríamos perante uma situação de violação de lei, por ausência de demonstração dos pressupostos de facto e de direito subjacentes ao ato praticado, consubstanciado nas correções efetuadas e na emissão da liquidação adicional de IRS aqui impugnada.
33. Acresce que, a alegação da AT para afastar o vício de falta de fundamentação, não colhe. Pois, não pode vir dizer que o facto de no seu pedido arbitral o requerente ter revelado conhecer ou alcançar as razões que determinaram a liquidação impugnada, sob pena de se subverter todo o quadro de vinculação legal e constitucional em vigor. O destinatário não se pode substituir ao autor do ato, nem o exercício das suas garantias de impugnação o podem prejudicar. A fundamentação é um requisito do próprio ato, cabendo ao seu autor cumprir a lei e as obrigações funcionais a que está vinculado, entre as quais, a obrigação de o fundamentar, de facto e de direito, de modo claro e suficiente.
34. E, não subsiste qualquer dúvida, que o destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do ato praticá-lo, quais as normas legais e qual a interpretação que o levou a concluir como concluiu, ou seja, que “não foram comprovados os elementos declarados.” Apesar de toda a documentação junta pelo requerente, reforçada com a que juntou em sede de audição prévia (que a requerida convolou em reclamação graciosa), a requerida conclui que os elementos declarados (as despesas) não se encontram comprovadas. A questão é porquê?
A requerida, na sua resposta, não questiona o dever de fundamentar as correções, nem poderia ser de outra forma, mas tudo o que agora possa dizer está totalmente fora do conteúdo do ato e até demonstra, com bastante evidencia, a ausência de fundamentação da liquidação impugnada. A Administração tributária está vinculada à lei, não podendo agir senão nos casos em que ela lho permite, nem de modo diverso do que ela impõe, pelo que a fundamentação é imprescindível para que se compreendam as razões de facto e de direito, que estão subjacentes ao ato praticado. Estando em causa um conjunto de despesas com os imóveis arrendados, as quais constituem deduções específicas da categoria F, não basta dizer que não se encontram comprovados. Era necessário que a documentação junta fosse criticamente analisada e o destinatário do ato devidamente esclarecido sobre qual foi a situação de facto ponderada, qual o direito interpretado e aplicado. Por isso mesmo, também não basta a mera indicação de uma norma legal (o que no caso nem sequer ocorreu), acrescentando que a situação de facto não cabe na sua previsão. Mesmo este tipo de fundamentação se considera incompleta, pois que se trata de uma conclusão não precedida de uma explicação consequente e lógica que a suporte. Mesmo depois de analisar a documentação entregue em sede de audição prévia (convolada em reclamação graciosa) nada disse em concreto sobre os elementos documentais juntos de novo com essa pronúncia. Não demonstrou que, face aos normativos de referência (que nem sequer indica), os elementos juntos pelo requerente não fossem suficientes ou adequados para suportar as deduções dessas despesas. E não se diga que anteriormente havia notificado de modo mais esclarecido as razões subjacentes, pois que não se extrai isso dos elementos documentais juntos aos autos, e, de todo modo, sempre se teria de inserir a fundamentação devida no ato final a notificar ao sujeito passivo. Convém ter em conta que esta notificação ocorreu após uma vicissitude relevante, dado que a AT já havia notificado a decisão final anteriormente, mesmo sem esperar que o prazo para o requerente exercer o seu direito de audição terminasse, e bem sabendo que daí resultava um vício de forma procedimental invalidante, decidiu, então, convolar a resposta apresentada em reclamação graciosa. Certo é que, curiosamente, a determinação ou decisão da AT estava tomada, irremediavelmente e independentemente do que o requerente viesse a argumentar ou dos documentos juntos para a comprovação das despesas. absolutamente evidenciado, pela forma precipitada que levou à decisão final, sem respeito pelo prazo fixado para a audição prévia. É evidente que o propósito da AT com a iniciativa de convolar a resposta em sede de audição em reclamação graciosa foi, unicamente, o de corrigir o vício de forma por preterição de formalidade essencial. Nenhuma análise crítica fez dos documentos entregues pelo sujeito passivo.
35. O que releva, sem sombra de dúvida, é que a fundamentação contida na decisão que conduziu à liquidação impugnada não se afigura bastante para satisfazer a obrigação de fundamentar, sendo certo que o regime legal aplicável e que se encontra previsto do artigo 41.º do Código do IRS, carece de esforço interpretativo, cabendo à AT revelar os parâmetros que a conduziram na sua aplicação. No caso dos autos essa revelação não foi realizada, nem sequer aflorada, sendo inexistente, ou pelo menos insuficiente a fundamentação do ato. O requerente ficou sem saber qual a fundamentação concreta da sua situação de facto e de direito, pelo que foi obrigado a contrariar o que supôs ser a motivação do ato. Efetivamente, a simples menção de que algumas despesas apresentadas pelo requerente “não foram comprovados” consubstancia um discurso conclusivo e não fundamentador, o qual não permite dar a conhecer a um contribuinte médio e com uma capacidade de entendimento normal, as razões que justificaram as correções e a liquidação impugnada. Não se diga que pelo facto do requerente ao longo do pedido de pronúncia arbitral não se ter limitado a invocar a falta de fundamentação dos atos tributários e ter invocado violação de lei, desenvolvendo um certo entendimento a propósito das despesas por si apresentadas e sobre a interpretação que considera correta das normas legais aplicáveis, que com isso ela demonstrou ter tido perfeito conhecimento da fundamentação da liquidação impugnada. Tudo o que invoca é, isso sim, um conjunto de argumentos para demonstrar que as despesas deviam ter sido consideradas dedutíveis.
36. Por tudo o que se deixa exposto, conclui-se que a liquidação impugnada padece de vício de falta de fundamentação, pelo que é ilegal e deve ser anulada.
37. Atento o decidido quanto ao arguido vício de forma por falta de fundamentação, fica prejudicado o conhecimento do vício de violação de lei que a Requerente invoca, embora seja manifesto que padecendo o ato de falta de fundamentação, não se encontram evidenciados os pressupostos de facto nem de direito em que o mesmo se ancorou.
C - Quanto ao pedido de indemnização pelo custo com a prestação de garantia por hipoteca voluntária
38. O requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida, pelo custo suportado com a prestação de garantia através de constituição de hipoteca voluntária, no montante de €700,00. A AT pugna pelo indeferimento deste pedido mas não contesta o valor indicado pelo requerente a título de custos com a prestação de garantia.
39. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º da LGT, o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida. Dispõe, por seu turno, o n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, que a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada prevista no referido preceito será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, devendo no mesmo ser solicitada, de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, se o fundamento for superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.
40. Sendo de proceder o pedido de anulação do ato tributário impugnado, ao qual respeita a dívida garantida, e verificando-se que a mesma foi mantida por prazo muito superior a três anos, deverá proceder igualmente o pedido de indemnização pela prestação da respetiva garantia, fixando-se o quantum da mesma, observado o n.º 3 do artigo 53.º da LGT, no valor de €700,00.
V. DECISÃO
Nos termos supra expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade da liquidação impugnada, por vício de forma por falta de fundamentação;
b) Declarar a anulação do ato impugnado com as consequências legais;
c) Condenar a Requerida AT no pagamento da indemnização pelo custo com a prestação de garantia indevida que se fixa em €700,00;
d) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €15.926,35 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 04 de janeiro de 2017
O Tribunal Arbitral,
___________________________
(Maria do Rosário Anjos)
[1] Cfr. Ac. STA de 17-11-2010, in processo n.º 01051/09; vd., no mesmo sentido, Ac. STA de 23.04.97, in processo n.º 35.367, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, cfr. Acórdão do TCAS de 23-10-2012, proc. nº 05791/12 e Ac. STA de 24-10-2012, proc. nº 0548/12, disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido vd. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (2012) Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Editora Encontro da Escrita, Lisboa, pp. 675 e ss.
[4] A este propósito, vd., entre outras, as decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 30/2012-T e 109/2013 proferidas em 1-08-2012 e 07-01-2014, respetivamente.
[5] Neste sentido, vd., entre outros, Joaquim Freitas da Rocha (2009) Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 113 e ss.
[6] Ainda neste sentido, cfr. Ac. TCAS, proferido em 04-12-2012, in processo nº 06134/12; com sentido idêntico, vd., ainda, Ac. S.T.A. de 13/7/2011, in recurso nº 656/11 e Ac. TCAS, de 19/6/2012, in processo nº 3096/09, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Neste sentido, vd. Diogo Leite de Campos e outros, ob. cit., pág. 381 e ss.; neste mesmo sentido vd., entre outros, Ac. TCAS, de 19-06-2012, proc. nº 3096/09, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Ac. STA de 17-11-2010, in processo n.º 01051/09; vd., no mesmo sentido, Ac. STA de 23.04.97, in processo n.º 35.367, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, cfr. Acórdão do TCAS de 23-10-2012, proc. nº 05791/12 e Ac. STA de 24-10-2012, proc. nº 0548/12, disponíveis in www.dgsi.pt.
[10] Neste sentido vd. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (2012) Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Editora Encontro da Escrita, Lisboa, pp. 675 e ss.
[11] A este propósito, vd., entre outras, as decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 30/2012-T e 109/2013 proferidas em 1-08-2012 e 07-01-2014, respetivamente.
[12] Neste sentido, vd., entre outros, Joaquim Freitas da Rocha (2009) Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 113 e ss.
[13] Ainda neste sentido, cfr. Ac. TCAS, proferido em 04-12-2012, in processo nº 06134/12; com sentido idêntico, vd., ainda, Ac. S.T.A. de 13/7/2011, in recurso nº 656/11 e Ac. TCAS, de 19/6/2012, in processo nº 3096/09, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[14] Neste sentido, vd. Diogo Leite de Campos e outros, ob. cit., pág. 381 e ss.; neste mesmo sentido vd., entre outros, Ac. TCAS, de 19-06-2012, proc. nº 3096/09, disponível in www.dgsi.pt.