Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 441/2017-T
Data da decisão: 2017-12-20  Selo  
Valor do pedido: € 100.107,89
Tema: Imposto do Selo - Instituições financeiras. Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões – Comissões.
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Decisão Arbitral

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira e Dr.ª Ana Teixeira de Sousa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-09-2017, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

            A…, S.A., portadora do número de identificação de pessoa colectiva…, sedeada na Rua … n.º…, ... em Lisboa (doravante designada como «Requerente»), veio, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou ”RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a anulação das liquidações adicionais de Imposto do Selo n.º 2015…, no montante de € 12.891,12; n.º 2015…, no montante de € 24.868,31; n.º 2015…, no montante de €27.030,55; e n.º 2015…., no montante de € 26.514,07 referentes, respetivamente, aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014; bem como das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 2.008,72, referentes ao ano de 2011; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 3.162,86, referentes ao ano de 2012; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 2.362,61, referentes ao ano de 2013; e, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 1.269,65, referentes ao ano de 2014.

            A Requerente pede ainda indemnização por garantias indevidamente prestadas.

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 25-07-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 12-09-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 27-09-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 02-11-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não há excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente é uma sociedade gestora de fundos de pensões (doravante “SGFP”);

b)     Entre os anos de 2011 e 2014, a Requerente exerceu, enquanto SGFP, a sua atividade de gestão dos seguintes fundos de pensões: Fundo de Pensões B…, Fundo de Pensões C…, Fundo de Pensões D…, Fundo de Pensões E…, Fundo de Pensões F…, Fundo de Pensões G…, Fundo de Pensões H…, Fundo de Pensões I…, Fundo de Pensões J…, Fundo de Pensões K…, Fundo de Pensões L…, Fundo de Pensões M…, Fundo de Pensões N…, Fundo de Pensões O…, Fundo de Pensões P…, Fundo de Pensões Q…, Fundo de Pensões R… e Fundo de Pensões S… (doravante conjuntamente designados “fundos de pensões”).

c)      Ao longo dos anos, a Requerente cobrou, mensalmente, comissões aos fundos de pensões, como contrapartida pela prestação dos seus serviços de gestão;

d)      Aquando da cobrança destas comissões, a Requerente entendeu que, nos termos do Código do Imposto do Selo (doravante, “CIS”) e da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, “TGIS”), não tinha de liquidar Imposto do Selo sobre as mesmas;

e)       Ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2015…, OI2015…, OI2015… e OI2015…, todas de 30-03-2015, os Serviços de Inspeção Tributária efectuaram uma ação inspetiva para analisar o enquadramento fiscal das comissões de gestão cobradas pela Requerente aos fundos de pensões, nos períodos de tributação de 2011, 2012, 2013 e 2014, à luz do disposto no CIS e do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 20/86, de 13 de Fevereiro;

f)      Através do Ofício n.º … de 14-08-15, foi a Requerente notificada para se pronunciar sobre o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária;

g)     Em 02-10-2015, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, cuja cópia consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, que se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS A MATÉRIA TRIBUTÁVEL E IMPOSTO

III-1. Enquadramento Fiscal das Comissões recebidas pela Sociedade Gestora

 

Da análise efetuada aos elementos apresentados pelo sujeito passivo verificou-se que a sociedade gestora de fundos de pensões não procedeu a liquidação de IVA ou Imposto do Selo sobre as comissões cobradas no âmbito da prestação de serviços de gestão e administração de fundos de pensões.

No que concerne ao enquadramento destas comissões, é consensual que as mesmas estão isentas de IVA nos termos da alínea g) do nº 27 do art. 9º do CIVA, quer a gestão aos fundos de pensões seja efetuada pelas companhias de seguro do ramo “Vida”, quer por sociedades constituídas exclusivamente com essa finalidade.

Este entendimento assenta na interpretação de que a isenção de IVA consagrada na alínea g) do n.º 27 do art. 9.º do CIVA, para as operações de "administração ou gestão de fundos de Investimento", na linha da redação da alínea g) do n.º 1 do artigo 136.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA, é aplicável a qualquer fundo comum de Investimento", Independentemente da sua natureza e finalidade.

A isenção em IVA é uma condição "sine qua non" para a incidência do Imposto do Selo (cfr. n.º 2 do artigo 1.º do CIS).

Com o objetivo de esclarecer se as comissões de gestão dos Fundos de Pensões pagas és Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões preenchem os requisitos de natureza objetiva e subjetiva para a sujeição ao Imposto do Selo com enquadramento na Verba 17.3.4 da TGIS - outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, foi omitida a Informação I2014… da DS do IMT (Anexo 1), de 10-11-2014, a qual fui sancionada com despacho concordante da Diretora de Serviços (em substituição) em 12-11-2014:

“(...) As comissões cobradas a um Fundo por uma SGFP preenchem cumulativamente os elementos da natureza objetiva e subjetiva contidos na Verba 17.3.4 da TGIS, e, estão nessa conformidade sujeitas ao Imposto do Selo, por força do disposto no nº 1 do art 1º do CIS”.

A A… não liquida Imposto do Selo sobre as comissões de gestão e as comissões de subscrição porque entende que se encontram isentas de Imposto do Selo ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do art.º 7º do CIS.

Importa assim averiguar se a Isenção prevista na alínea e) do nº1 do artº 7 do CIS é aplicável à situação em análise. Relativamente a esta matéria foi oportunamente emitido pelo Centra de Estudos Fiscais e Aduaneiros (CEF), o Parecer nº 25/2013 (anexo 2). A Isenção prevista no referido preceito legal não é aplicável a todas as comissões abrangidas pela Verba 17.3.4 mas, tão só, as que diretamente estejam ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito de atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo, o que não se verifica no caso em apreço.

As isenções fiscais tem uma natureza excecional, contrária aos princípios da capacidade contributiva e da generalidade da tributação, devendo, por esse facto, ser caraterística da atividade legislativa criadora daquelas a observância de uma tipicidade fechada.

A alínea e) do artigo 7.º do CIS encontra-se assim redigida:

"e) Os Juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bom assim, e utilização de crédito concedido por Instituições de credita, sociedades financeiras e Instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bom como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de Instituições de crédito, sociedades financeiras e Instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças; (Redacção da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro)"

Deve entender-se que quando o legislador diz, “e, bem assim a utilização do crédito concedido”, identifica e delimita a relação intrínseca existente entre aquelas realidades perfeitamente identificadas e o crédito, e fá-lo no sentido de que este deva ser considerado como o elemento essencial e prévio em relação aos demais; o fundamento utilizado pelo legislador para justificar o reconhecimento da isenção em relação aos juros, comissões cobrados e às garantias prestadas será o mesmo para o crédito, por e quando aqueles sejam acessórias deste, ou seja, só os juros, comissões e garantias que resultam da existência prévia de um crédito concedido que com aqueles se encontra direta e intrinsecamente relacionado cabem na previsão legal. Não há juros sem uma concessão prévia de um crédito; juros "e, bem assim, a utilização do crédito concedido". O mesmo raciocínio deverá ser feito relativamente às outras operações: comissões, garantias, e, bem assim, a utilização do crédito concedido" de que aqueles tenham resultado.

O artigo 37º da Lei 30-C, de 29 de Dezembro de 2000-1 Série A - Orçamento do Estado para o Ano 2001, veio introduzir algumas novidades:

Artigo 37.º

 Imposto do selo

1 -O artigo 1.º da Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção. «Artigo 1.º

1 - ...

2 - Os modelos de impressos exigidos para dar cumprimento às obrigações impostas pelo Código serão aprovados por portaria do Ministro das Finanças.»

2 - Os artigos 4.º, n.º 2, 6.º, n.ºs 1, alíneas e) e f), 2 e 3, 8.º, 13.º, alínea g), 14.º, alíneas a), f) e i), 15.º, 17.º, 18.º 20.º, 22.º, 26.º 27.º, n.º 1, 30.º, n.ºs 8 a 9, 32.º e 34.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, passam a ter a seguinte redacção: [...]

Artigo 6.º

[...]

1 - [...]

e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças.

2 - O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas.

(...)”

 

Observa-se a preocupação do legislador, que mais não faz do que fazer uma interpretação autêntica das alíneas e) e f), em precisar que as isenções previstas nestas duas alíneas se restringem "às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito".

Ao invés do referido no Parecer do CEF, não é o n.º 2 do artigo 37º da Lei n.º 30-C/2000 que prevê a delimitação da isenção, mas sim o próprio n.º 2 do artigo 6.º do CIS.

Para todos os efeitos o que se propunha esclarecer no Parecer, e deve ter-se como alcançado, quando é invocada a Lei do Orçamento para 2001, era demonstrar que, na realidade, a vontade do legislador sempre foi, e deve entender-se que assim permanece, no sentido de limitar a aplicação da norma de isenção precisamente à concessão de crédito e aos juros e comissões que lhe estão associados. O n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000 introduz um preceito novo e renumera o anterior nº 2 do artigo 6.º que passou a n.º 3. E por se entender que sempre foi esta a vontade do legislador, a técnica legislativa empregue manteve-se na Lei de Orçamento para 2002 que não tocou nos preceitos indicados. Decorridos dois anos sobre e alteração Introduzida ao artigo 6.º entendeu o legislador que o sentido interpretativo a dar às alíneas e) e f) estava clarificado, tendo, através da Lei de Orçamento para 2003, reposto no n.º 2 o texto inicial introduzido com Lei n.º 150/99 que aprovou o Código do Imposto do Selo; o legislador acabara por fazer a interpretação autêntica da norma de forma a precisar qual foi a sua vontade, e que só uma interpretação extensiva admitida pelo artigo 10.º do EBF conseguiria desvirtuar.

O fio condutor na evolução da norma de isenção estaria, assim, definido:

• Num primeiro momento, os juros (que pressupõem sempre a existência do crédito);

• Depois, juros e crédito de que aqueles resultem;

• E, por último, o crédito, e os Juros e comissões decorrentes daquele.

Deve, assim, manter-se o entendimento proposto de que a isenção em apreço só é aplicável às comissões previstas na verba 17 quando estejam diretamente ligadas a operações da concessão de crédito, no âmbito da atividade exarada pelas instituições e entidades referidas naquele normativo.

Na realidade, apesar das sucessivas alterações da redação da norma de alínea e) do n.º 1 do artigo 7º do CIS (anterior artigo 6º do CIS) e da leitura à mesma, sã poderemos concluir que esta isenção não se pode aplicar a qualquer comissão cobrada, mas apenas aquelas que tenham subjacentes operações destinadas à concessão de crédito.

A isenção concedida na alínea e) do n.º 1 do artigo 7º (anterior artigo 6º) do CIS com a redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, tem como elemento catalisador o crédito concedido nos termos mencionados em tal normativo.

Este mesmo entendimento é confirmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.º 02764/08, de 21-09-2010, que refere:

 

«[…]

Toda a norma jurídica encerra em si uma estatuição e uma previsão, e a transcrita», isto é, o referido art.º 7.º, n.º 1, al. e), «não foge a esta regra.

Decompondo a norma na óptica da estrutura referida, obtemos o seguinte resultado, por um lado, o âmbito de aplicação da isenção nela corporizada não é toda e qualquer comissão mas apenas as que se referem à concessão de crédito e operações financeiras, por outro lado o universo dos sujeitos envolvidos encontra-se limitado às instituições financeiras, instituições de crédito e sociedades financeiras.»

- De facto, não se nos afigura fazer qualquer sentido estabelecer uma autonomia entre os juros, as comissões cobradas e as garantias prestadas, de um lado e a utilização do crédito concedido, por outro, sendo que, apenas relativamente a este, se poderia conexioná-lo dependentemente, das instituições de crédito e sociedades ou instituições financeiras concedentes e das sociedades ou entidades observadoras, na forma e no objecto, dos tipos de instituições de crédito e sociedades e instituições financeiras beneficiárias.

- Na realidade, afigura-se-nos incompreensível que, desde logo, o legislador se reportasse aos juros, comissões cobradas e garantias prestadas, pretendendo referir-se a realidades com existência «a se», para efeitos de isenção de imposto, o que redundaria, a ter o alcance pretendido pela recorrente, que todas e quaisquer que elas fossem, desde que reportadas a operações entre sociedade com localização observadora do, ali determinado, estariam isentas.

- Mas mais relevantemente do que isto é que se tornaria ainda mais incompreensível que assim se passassem as coisas no que concerne aos referidos juros, comissões e garantias e já no que toca à utilização do crédito se restringisse, apenas aqui, a isenção às operações financeiras celebradas entre aquelas aludidas instituições.

- Antes, a única leitura que se nos afigura legítima, por coerente, do preceito em questão é que o mesmo se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo em análise».

(...)

“à partida, se tem de concluir que não se tratando, no caso, da concessão de qualquer tipo de crédito, nem, muito menos, o tipo de instituições elencadas na lei, não estavam as comissões aqui em causa isentas de ISelo, a coberto do mencionado art.º 7.º, n.º 1, al. e), do CISelo”

 

Relativamente à questão da eventual aplicação da isenção que tem origem numa interpretação extensiva da art.º 4º do DL n.º 20/88, de 13/2 "Ficam isentos do imposto do selo (...) as operações sobre certificados representativos de unidades de participação de investimentos mobiliários”, vem a referida informação do IMT (anexo 1) alegar que '(...) no cotejo de sentido da lei, o intérprete não se deve cingir apenas ao sentido literal, devendo antes perscrutar o seu sentido actual numa perspectiva sistemática, no entanto não pode prescindir da encontrar no texto legal um mínimo de correspondência verbal.

Assim, sem fazer tábua rasa do disposto nos artigos 11º da Lei Geral Tributária (LGT) e 9.º do Código Civil (CC), retirando-lhe o seu sentido útil, há que presumir que no artigo 4º do Decreto Lei nº 20/86, de 13/2, o legislador, sobre esta matéria, consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados ao estabelecer que a isenção da Imposto de Selo só operasse para os fundos mobiliários”.

De facto, (...) se percorrermos a legislação relevante sobre Fundos de Pensões - desde o Decreto Lei 323/85 de 6 de agosto até ao Decreto Lei 12/2006, da 20 de janeiro, passando pelo próprio Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e culminando no Código do Imposto do Selo (CIS) não se constata ou vislumbra que o legislador tenha querido isentar de IS as comissões de gestão pagas pelos Fundos às respetivas SGFP.

Se aceitarmos como válido este argumento mais que a fazer uma interpretação extensiva, estaremos a integrar uma lacuna por interpretação analógica do art. 4.º do citado normativo, desconsiderando as regras da exegese jurídico-tributária e violando a lei fiscal em matéria de benefícios fiscais.

Da natureza excepcional, visto que afastam alguns dos princípios fundamentais do direito tributário - da capacidade contributiva, da igualdade e da generalidade - as isenções, enquanto benefícios fiscais, são insuscetíveis de integração analógica, estando incluídas na reserva da de lei relativa da Assembleia de República e sujeitas ao princípio da legalidade tributaria, na sua variante da tipicidade; isto é, a sua criação, alteração ou extinção resultam diretamente da Constituição e da lei

Não é, pois, constitucionalmente nem legalmente admitido ao intérprete ou à Administração Tributaria integrar uma aparente lacuna numa norma tributária de Isenção, como tem feito a SGFP (...).

(...) Face ao exposto, é da concluir pela não aplicabilidade da isenção prevista no artigo 4º do Decreto Lei nº 20/86, de 13/2, às comissões de gestão e administração cobradas pelas Entidades Gestoras aos respetivos Fundos. (...).

Face à fundamentação expendida no Parecer emitido pela DSIMT, são avançadas as seguintes conclusões:

a) É Inequívoco que as SGFP preencham o tipo de “quaisquer outras Instituições financeiras” previsto na vertia 17.3 da TGIS;

b) Deste modo as comissões de gestão pagas pelos Fundos às SGFP preenchem os requisitos de natureza objetiva e subjetiva para a sujeição ao IS com enquadramento na verba 17.3.4 da TGIS - 'Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros';

c) É inaplicável a isenção da IS prevista no artº 4º do Decreto-Lei 2006, de 13 de fevereiro, às comissões de gestão e administração cobradas pelas Entidades Gestoras aos respectivos Fundos;

d) Do mesmo modo e de acordo com o Parecer 25/2013 do CEF, esta isenção não é aplicável a todas as comissões abrangidas pala Verba 17.3.4 mas, tão só, às que diretamente estejam ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito de atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo".

Conclui a DSIMT que, "nos termos do nº1 do artigo 1.º do CIS e da verba 17.3.4 da TGIS, as comissões de gestão e administração cobradas pelas Entidades Gestoras aos respetivos Fundos estão sujeitas a IS, não beneficiando, portanto, nem da isenção prevista no artigo 4º do Decreto-lei 20/86, de 13 de fevereiro, nem da isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 7 do CIS.”

O conceito de comissão a que se refere este normativo engloba não apenas as comissões de gestão cobradas pelas Sociedades Gestoras de Fundos aos Fundos, mas todas as outras comissões, desde que não relacionadas com operações ligadas a operações de concessão de crédito, nomeadamente as comissões de subscrição.

A A…, enquanto credora da comissão de gestão e de comissão de subscrição, é o sujeito passivo de Imposto do Selo [art. 2 nº 1 alínea b) do CIS]. Nos termos do nº 1 conjugado com a alínea g) do nº 3 do artº 3º o Imposto constitui encargo de cada um dos Fundos gerido pela A…, enquanto titulares do Interesse económico, sendo o valor tributável o valor da respetiva comissão, conforme n.º 1 do artº 9º e n.º 1 do art. 22º, ambos do CIS conjugados com a Verba 17.3.4 da TGIS.

 

 

h)     Na sequência das correções efectuadas no Relatório da Inspecção Tributária, a Requerente notificada das liquidações e Imposto do Selo e de juros compensatórios (conforme documento n.º 7 que se junta), sintetizadas no quadro infra:

 

i)       A Requerente prestou garantia nos valores fixados pelo Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de Lisboa…, conforme apólice de seguro de caução que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

j)       A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações no dia 17-03-2016 documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), que veio a ter o n.º …2016…;

k)     Após ter sido notificada para se pronunciar acerca do projeto de decisão da reclamação graciosa, veio a Requerente a ser notificada, através do ofício n.º…, de 18.05.2017, do despacho de 15.05.2017, proferido, por subdelegação de competências, pela Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, do qual resultou o indeferimento da reclamação graciosa apresentada (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

l)        Em 24-07-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente.

A Administração Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente é uma sociedade gestora de fundos de pensões (SGFP).

As correcções efectuadas na sequência das acções inspectivas relacionam-se com o facto de a Requerente, enquanto sociedade gestora de fundos de pensões, não ter procedido a liquidação de Imposto do Selo sobre as comissões que remuneram a prestação de serviços de gestão e administração prestada aos respectivos Fundos.

A Administração Tributária e Aduaneira entendeu que, face ao disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS) e da verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), estão sujeitas a Imposto do Selo as comissões de gestão e administração cobradas pelas entidades gestoras aos respectivos fundos, não beneficiando nem da isenção prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 20/86, de 13 de Fevereiro, nem da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

A verba 17.3. da TGIS reporta-se a «operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras».

Na verba 17.3.4. da TGIS prevê-se, relativamente a «instituições financeiras» a aplicação da taxa de 4% a «outras comissões e contraprestações por serviços financeiros».

A primeira questão essencial que é colocada no presente processo é a de saber se as Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões são consideradas «instituições financeiras» para efeitos daquela verba 17.3. da TGIS.

O artigo 7.º n.º 1, alínea e), do CIS estabelece na redacção da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, o seguinte:

 

1 – São também isentos do imposto:

(...)

 

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;

 

A segunda questão essencial que é colocada no presente processo é a de saber se todas as comissões são abrangidas pela Verba 17.3.4, ou apenas que diretamente estejam ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito de atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo, sendo esta a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

3.1. Questão da incidência subjectiva

 

A Requerente defende que as SGFP não podem ser consideradas, para efeitos de incidência de Imposto do Selo, como “instituições financeiras”, sob pena de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade.

 A Requerente formula as segs conclusões, sobre esta questão:

A. Tal como a Requerida reconheceu na sua Resposta, o âmbito de incidência subjetiva da verba 17.3, da TGIS, depende de determinadas entidades serem legalmente qualificados como “instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras” para que possam revestir a qualidade de sujeitos passivos de imposto em relação, nomeadamente, às comissões que cobrem a terceiros.

B. Ora, conforme decorre das amplas explicações carreadas pela Requerente na sua p.i. (para as quais se remete por uma questão de economia) e até (por comparação) das fracas, desprovidas de sentido e ilegais justificações da Requerida na sua contestação, não há uma única norma em vigor em Portugal proveniente do ramo do Direito Bancário e Financeiro que permita a qualquer intérprete e aplicador da lei qualificar a Requerente como “instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas [ou] quaisquer outras instituições financeiras”.

C. Com efeito, de acordo com o RGICSF, mormente o artigo 3.º, nem as sociedades gestoras de fundos de pensões (como a Requerente), nem os fundos de pensões são qualificáveis de “instituições de crédito”.

D. De igual modo, decorre do RGICSF, nomeadamente o seu artigo 6.º, que as sociedades gestoras de fundos de pensões não se subsumem ao conceito de “sociedades financeiras” nem são a estas equiparáveis.

E. Também em função das previsões normativas constantes designadamente do RGICSF (e.g. artigo 2.º), do CVM, do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20.01, e da Lei n.º 147/2015, de 09.09 (a qual nomeadamente aprovou o Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora), e devidamente clarificadas na p.i., é possível excluir – sem dificuldade – as sociedades gestoras de fundos de pensões do âmbito da definição legal de “instituições financeiras” e de entidades a estas equiparáveis.

F. Aliás, sempre é reveladora a circunstância de a Requerida admitir expressamente na sua Resposta que o RGICSF exclui do sistema bancário e financeiro nacional as entidades do setor segurador e os fundos de pensões.

G. Daí que, não se possa aceitar – por ser ilegal – que a Requerida decida “à viva força” qualificar a Requerente como “instituição financeira” com recurso a argumentos tão desconexos como a sua sujeição à supervisão da atual ASF (antigo ISP), a obrigatoriedade de respeitar regras associadas ao branqueamento de capitais e ao terrorismo (!), a existência de um “considerando” (que não é lei nem contém qualquer definição legal) de uma diretiva comunitária que refere, com inexatidão técnica, a expressão “instituições financeiras” em conexão com os fundos de pensões, a sua caracterização como “investidor qualificado” ao abrigo do Código dos Valores Mobiliários (!!) e/ou a sua inserção no âmbito de determinados campos estatísticos da autoria do Banco de Portugal (!!!).

H. A Requerente entende que esta panóplia de argumentos, despejados ao longo do procedimento inspetivo e repetidos na Resposta da Requerida não é inocente: com efeito, o “emaranhado” permite que esta indique os mesmos supostos “argumentos” (independentemente da sua força intrínseca e da sua falta de coerência interna) várias vezes, como se fossem diferentes “argumentos”.

I. Sucede porém que este “método” argumentativo, em vez de demonstrar o pretendido pela Requerida, mostra precisamente o contrário (i.e. a ilegalidade da sua atuação), atendendo a que, está em causa uma norma de incidência de imposto, cujo caráter definidor tem de ser certo, objetivo e estar “desenhado na lei de forma suficientemente determinada”, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira.

J. Note-se também que a interpretação da AT é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade fiscal e do princípio da tipicidade e, também, dos princípios da igualdade e da segurança jurídica, pois permite à AT uma amplitude inaceitável de passar a decidir incluir ou não, de acordo com os seus critérios, uma multitude de entidades distintas, no âmbito da incidência da norma tributária.

K. Desta forma, a interpretação efetuada pela AT da norma de incidência subjetiva constante da Verba 17.3, para além de ilegal, é também inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais acima mencionados.

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a questão da qualificação, ou não, das entidades que gerem fundos de pensões como instituições financeiras foi já tratada em várias decisões arbitrais (designadamente as proferidas nos processos 348/2016-T, 633/2016-T, 667/2016-T e 9/2017-T), no sentido que defende de que lhes é aplicável esta qualificação.

            A fórmula utilizada na verba 17.3. da TGIS abrange a generalidade das «instituições financeiras», como se conclui do facto de na sua parte final se aludir a «quaisquer outras instituições financeiras», além das que expressamente se indicam que são as «instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas».

            Não sendo esses conceitos definidos na legislação fiscal terá de fazer-se apelo aos utilizados noutros ramos do direito, como decorre do n.º 2 do artigo 11.º da LGT, que estabelece que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».

            Os conceitos de «instituições de crédito» e de «sociedades financeiras» são definidos no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

            Nos termos do artigo 2.º deste diploma, «são instituições de crédito as empresas cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, a fim de os aplicarem por conta própria mediante a concessão de crédito».

            O artigo 5.º do mesmo diploma define «sociedades financeiras» como «as empresas que não sejam instituições de crédito e cuja actividade principal consista em exercer uma ou mais das actividades referidas nas alíneas b) a i) do n.º 1 do artigo anterior, excepto locação financeira e factoring».

            Entre as actividades para que remete este artigo 5.º inclui-se a gestão de patrimónios, quer os que se consubstanciem em carteiras de valores mobiliários [alínea h) do n.º 1 do artigo 4.º] quer «outros patrimónios» alínea i) do n.º 1 do artigo 4.º do mesmo RGICSF].

            O Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, é o diploma que «regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, relativa às actividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais».

            Para efeitos deste diploma, considera-se como «'Fundo de pensões', o património autónomo exclusivamente afeto à realização de um ou mais planos de pensões e ou planos de benefícios de saúde, podendo ainda simultaneamente estar afeto ao financiamento de um mecanismo equivalente nos termos da Lei n.º 70/2013, de 30 de agosto» [artigo 2.º, alínea c), deste Decreto-Lei n.º 12/2006].

            Nos termos do artigo 32.º deste diploma, «os fundos de pensões podem ser geridos quer por sociedades constituídas exclusivamente para esse fim, designadas no presente decreto-lei por sociedades gestoras» que «realizam todos os seus actos em nome e por conta comum dos associados, participantes, contribuintes e beneficiários e, na qualidade de administradoras dos fundos, podem negociar valores mobiliários ou imobiliários, fazer depósitos bancários na titularidade do fundo e exercer todos os direitos ou praticar todos os actos que directa ou indirectamente estejam relacionados com o património do fundo».

            Esta actividade de gestão de património do fundo é uma das actividades típicas das «sociedades financeiras», como se infere do artigo 5.º do RGICSF, com remissão para a alínea i) do n.º 1 do seu artigo 4.º.

            Assim, afigura-se que há suporte normativo consistente para concluir que a Requerente, gestora de patrimónios de fundos, se engloba no conceito de «sociedade financeira» à face da definição que é fornecida pelo RGICSF.

            A esta luz, o facto de no n.º 3 do artigo 6.º do RGICSF estabelecer que «para os efeitos deste diploma, não se consideram sociedades financeiras as seguradoras e as sociedades gestoras de fundos de pensões», não pode ser visto como uma exclusão destas sociedades do âmbito do conceito referido, mas sim como uma confirmação, pois esta expressa exclusão da aplicação do regime previsto no RGICSF só pode ser logicamente explicável pelo facto de estas sociedades se integrarem no conceito de «sociedades financeiras», definido no seu artigo 5.º com remissão para a alínea i) do n.º 1 do artigo 4.º, o que, aliás, é evidente pois são sociedades gestoras de patrimónios.

            Assim, a interpretação adequada deste n.º 3 do artigo 6.º do RGICSF é a de que, apesar de as sociedades gestoras de fundos de pensões, como sociedades gestoras de patrimónios que são, se integrarem no conceito de «sociedades financeiras», optou-se por não lhes aplicar o regime previsto nesse diploma, mas antes um regime especial, que está concretizado na Directiva n.º 2003/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho de 2003 e no Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro.

            Aliás, essa opção legislativa pela opção de regulamentação especial dos fundos de pensões é claramente revelada pelo Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 298/92, em que se refere que procedeu-se «à reforma da regulamentação geral do sistema financeiro português, com exclusão do sector seguros e de fundos de pensões». É uma opção legislativa que se compreende, por o regime de constituição de fundos de pensões e de acesso e exercício da actividade de gestão desses fundos por parte de seguradoras ou de sociedades gestoras de fundos de pensões ter sido especialmente revisto pelo Decreto-Lei n.º 415/91, de 25 de Outubro, pouco tempo antes do Decreto-Lei n.º 298/92.

            Assim, é por as entidades gestoras de fundos de pensões que assumam a forma de sociedades serem «sociedades financeiras» com um regime especial, e não por não serem sociedades financeiras, que se prevê no n.º 3 do artigo 6.º do RGICSF a não aplicação deste regime geral, sendo por esta razão que nesta norma se refere que o nela estatuído se restringe ao previsto nesse mesmo diploma.

Com efeito, como se refere no acórdão arbitral proferido no processo n- 348/2016-T, na esteira de CARLOS COSTA PINA (Instituições e Mercados Financeiros, Coimbra, 2005, página249) «essa limitação do conceito de sociedades financeiras é meramente formal, apenas para efeito da aplicação do RGICSF: na verdade, as sociedades seguradoras e as sociedades gestoras dos fundos de pensões são materialmente instituições financeiras, compondo, enquanto tais, dois relevantes subsectores institucionais do sector financeiro: o sector segurador e o sector dos fundos de pensões, uma vez o seu objeto consistir na realização de operações material e formalmente financeiras. Situação que não é alheia à tendência verificada do “progressivo desaparecimento das barreiras e das distinções entre os três setores financeiros tradicionais (banca, valores mobiliários e seguros)”, com a consequente fusão de interesses e atividades entre os diversos tipos de instituições da área financeira, em especial, entre as instituições financeiras monetárias e não monetárias, e o aparecimento de novos conceitos como os da banca universal, bancassurance, ou de assurfinance, etc., que tendem a exprimir fórmulas de colaboração entre instituições financeiras de objetos distintos mas similares concorrendo entre si».

            De qualquer forma, mesmo que se interprete o n.º 3 do artigo 6.º do RGICSF como estabelecendo uma delimitação negativa do conceito de «sociedades financeiras», sempre se terá de concluir que as Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões se englobam no conceito mais abrangente de «instituições financeiras», utilizado na verba n.º 17.3. da TGIS, pois, para além de fazerem parte do «sistema financeiro português» (como se confirma pelo referido preâmbulo do Decreto-Lei n.º 298/92), é evidente a adequação desta designação a empresas que desenvolvem primacialmente actividades de natureza financeira, como são, nomeadamente, as que se indicam no n.º 4 do artigo 32.º (negociar valores mobiliários ou imobiliários, fazer depósitos bancários na titularidade do fundo e exercer todos os direitos ou praticar todos os actos que directa ou indirectamente estejam relacionados com o património do fundo) e no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro (proceder à cobrança das contribuições previstas e garantir, directa ou indirectamente, os pagamentos devidos aos beneficiários e seleccionar e negociar os valores, mobiliários ou imobiliários, que devem constituir o fundo, de acordo com a política de investimento).

            Os conceitos jurídicos, no âmbito do direito fiscal e fora dele, quando não são explicitamente definidos na lei, têm de ser definidos por via jurisprudencial e doutrinal e, mesmo quando são fornecidas definições legais, as normas definidoras carecem de interpretação, com todas as normas jurídicas.

            «Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas». ( [1] )

            Desta perspectiva, a designação de «instituições financeiras» atribuída a entidades que se englobam no «sistema financeiro» e cuja actividade primacial se consubstancia em operações de natureza financeira é, decerto, a mais adequada.

            Por outro lado, no âmbito da actividade interpretativa, devem ser observados os princípios gerais da interpretação jurídica definidos no artigo 9.º do Código Civil, entre os quais assume relevância primacial a «unidade do sistema jurídico». ( [2] ) É por a interpretação jurídica dever ser efectuada sob a perspectiva de um legislador único e coerente que para o preenchimento daquele conceito de instituições financeiras é pertinente fazer apelo à globalidade dos diplomas legislativos, inclusivamente aqueles que regulam outros ramos do direito ou às considerações que constam de preâmbulos e considerandos que explicitamente utilizem aquele conceito.

            Assim, o facto de a as entidades que gerem fundos de pensões serem expressamente referidas como «instituições financeiras» na Directiva n.º 2003/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho de 2003, relativa às actividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais (considerandos 2, 4 e 12) é uma confirmação de que a estas entidades é adequada essa designação, adequação esta que, decerto por se considerar evidente e desnecessário, nem sequer é explicada nesse diploma. Isto é, ter-se-á partido do pressuposto de que nem sequer há dúvidas de que as entidades que gerem fundos de pensões sejam «instituições financeiras».

            Por outro lado, para este efeito de interpretação, que se traduz em «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), não importa o valor normativo dos considerandos, pois não está em causa aplicar uma estatuição daquela Directiva, mas sim o seu valor interpretativo que tem a constatação de que, num diploma de natureza legislativa de valor supranacional, a designação de «instituições financeiras» é considerada adequada para designar as entidades gestoras de fundos de pensões, sem manifestar qualquer dúvida.

Por outro lado, o artigo 30.º do Código dos Valores Mobiliários confirma que os «fundos de pensões e respectivas sociedades gestoras» se inserem na designação de «instituições financeiras» ao indicá-los como «investidores qualificados» a par de «outras instituições financeiras» [alíneas e) e f) do n.º 1].

            Assim, é de concluir que tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao considerar as Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões como entidades abrangidas na previsão da verba n.º 17.3. da TGIS, que se estende a todas as «instituições financeiras».

            Em face do exposto, não se vê fundamento para considerar esta interpretação inconstitucional, por violação do princípio da legalidade fiscal ou do princípio da tipicidade, ou da igualdade ou da segurança jurídica, pois, tratando-se de conceito que, como todos os conceitos jurídicos, carece de interpretação, não se apresenta como insuficientemente definido e, pelo contrário, tem mesmo suporte textual explícito na legislação específica deste sector da actividade económica.

            Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto ao primeiro vício imputado às liquidações impugnadas.

 

3.2. Questão da incidência objectiva

 

A segunda questão colocada é a do enquadramento ou não das comissões de gestão e administração cobradas pelas entidades gestoras aos respectivos fundos, na isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

Esta norma, na redacção vigente nos anos de 2011 a 2014, estabelece que são isentos do imposto «os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças».

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a isenção abrange apenas as comissões «que diretamente estejam ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito de atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo, o que não se verifica no caso em apreço».

A Requerente apresentou as seguintes conclusões, sobre esta questão:

 

L.   Por outro lado, mesmo que se quisesse (o que apenas se admite à cautela mas sem conceder) equacionar a hipótese de as comissões cobradas pela Requerente cumprirem os requisitos de incidência subjetiva constantes da verba 17.3, da TGIS, ainda assim as liquidações adicionais de imposto e juros seriam ilegais, atendendo a que se aplicaria a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS.

M.           A Requerida começou por justificar a não aplicação da isenção com fundamento num Parecer do CEF que faz uma totalmente errada interpretação histórica da norma em causa, em especial das alterações introduzidas, sucessivamente, pelas LOE 2001 e LOE 2003 (apesar de admitir o erro no Relatório de Inspeção, a Requerida a Requerida mantém de forma injustificada e incompreensível as suas conclusões, não tecendo qualquer comentário quanto aos mesmos na Resposta).

N.            Posteriormente, a Requerida optou por lançar mão de um suposto “argumento gramatical” através do qual a expressão “e, bem assim” constante daquela norma impunha inelutavelmente uma relação entre a concessão de crédito, por um lado, e os juros, comissões e garantias, por outro.

O.  Ora, de um ponto de vista da análise linguística, o “argumento gramatical” enunciado pela Requerida é claramente rejeitado por tão relevante doutrina fiscal como sejam Joaquim Silvério Mateus, Vasco Branco Guimarães, Vasco Valdez Matias (in “Parecer MVGA” junto à p.i.) e Maria Angelina Tibúrcio da Silva (in “Consulta” junta à p.i.), mas, em particular (e talvez mesmo, mais decisivamente), pelo Professor Doutor António Manuel dos Santos Avelar, professor auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e um verdadeiro especialista e estudioso em matérias da linguística, em Parecer oportunamente junto à p.i. (e para o qual se remete por uma questão de economia), e por António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás na sua douta obra (in “Tributação do Património”, IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados), Almedina, 2015, pág. 579).

P.   Nesse sentido, a interpretação gramatical NUNCA ADMITE que a parte que refere a “utilização de crédito” seja utilizada como condição para excluir da isenção os juros, comissões e garantias.

 

Q.  Conforme, de resto, é passível de ser atestado por Vasco Valdez Matias, enquanto responsável máximo pela redação da norma objeto de análise.

R.            Adicionalmente, também considerou a Requerida que, através de uma nova redação dada pela LOE 2001 ao então vigente n.º 2 do artigo 6.º (atual 7.º) do CIS, o legislador havia introduzido uma regra através da qual “esclareceria” – qual interpretação autêntica – o sentido da isenção de imposto aplicável às comissões, limitando-a às que tivessem uma ligação direta à concessão de crédito.

S.             Contudo, o que se observa é que o n.º 2 do artigo 6.º do CIS introduzido pela LOE 2001 não efetuou qualquer “interpretação autêntica” (inexistia lacuna na lei que justificasse o recurso a esta figura), mas antes constituiu uma mera e normal delimitação efetuada pelo legislador (seguindo livremente a sua conceção de política fiscal) do âmbito material das isenções previstas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do então artigo 6.º (atual 7.º) do CIS.

T.             Segundo a Requerida, o “espírito da norma interpretativa” havia permanecido inalterado ao longo dos anos e, com isso, não haveria nenhum impedimento a que tal “espírito” fosse igualmente aplicável, mais de uma década depois, ao caso da ora Requerente (mesmo que nada na letra da lei o previsse expressamente).

U.           Porém, não sendo conhecida qualquer lacuna que justificasse integração (e portanto, não se estando na presença de uma lei interpretativa), à revogação, pela LOE 2003, da redação do n.º 2 do então artigo 6.º do CIS que havia sido introduzida pela LOE 2001, terá de ser atribuído um concreto efeito jurídico e querer afirmar o contrário (como o faz a Requerida) é, para além de descabido, revelador de um desconhecimento do Direito e de como as diferentes normas se relacionam entre si, nomeadamente do ponto de vista sistemático e temporal.

V.            Adicionalmente, de um ponto de vista racional, teleológico e sistemático e, em particular, atento ao pensamento que presidiu à atuação do legislador fiscal na criação e regulação de um certo número de isenções previstas no CIS, designadamente a que se encontra assinalada na alínea e) do n.º 1 do seu artigo 7.º, apenas é possível retirar uma única conclusão (partilhada, de resto, por toda a ilustre doutrina e de que Joaquim Silvério Mateus, Vasco Branco Guimarães, Vasco Valdez Matias, Maria Angelina Tibúrcio da Silva, António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás são exemplos): as comissões que são cobradas entre entidades financeiras devem estar isentas de Imposto do Selo, na medida em que nenhuma das entidades se encontra posicionada no final do circuito económico.

W.           Como tal, a interpretação pugnada pela Requerida no que respeita à alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS é violadora do princípio constitucional da igualdade e do princípio da tipicidade da lei fiscal, pois restringe a aplicação de uma isenção legalmente prevista, com fundamento na aplicação de uma norma revogada em 31.12.2002.

 

 

À face das redacções iniciais do Regulamento do Imposto do Selo, aprovado pelo Decreto n.º 12.700, de 20-11-1926, e da Tabela Geral do Imposto do Selo aprovada pelo Decreto n.º 21.916, de 28-11-1932, não estava prevista isenção para comissões cobradas pela prestação de serviços financeiros.

Com o Decreto-Lei n.º 119-B/83, de 28 de Fevereiro, passara a ficar «isentos do imposto os juros dos empréstimos concedidos para aquisição de habitação própria» (artigo 120.º-A, n.º 2, da TGIS).

O Decreto-Lei n.º 154/84, de 16 de Maio, alargou o âmbito desta isenção, estabelecendo que «ficam isentos do imposto os juros dos empréstimos concedidos para aquisição de habitação própria, bem como os devidos por instituições de crédito ou parabancárias a instituições da mesma natureza».

Com o Decreto-Lei n.º 205/90, de 25 de Junho, foram aditadas isenções para «os seguros-caução, as comissões incidentes sobre garantias bancárias e as fianças constituídas para garantir direitos aduaneiros e outras imposições relativamente a mercadorias importadas sob regimes aduaneiros suspensivos» (artigo 4.º, § único da TGIS), para «as transferências bancárias efectuadas pela Nunciatura Apostólica a favor da Santa Sé» (artigo 120.º-A, n.º 5, da TGIS), e para operações de crédito ao consumo (artigo 120.º-B, n.º 4, da TGIS).

O Decreto-Lei n.º 223/91, de 18 de Junho, efectuou uma revisão das isenções relativas a operações bancárias, alterando o n.º 2 do artigo 120.º-A da TGIS, mas não incluiu qualquer referência a comissões:

2 - São isentos do imposto:

a) Os juros dos empréstimos concedidos para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria;

b) Os juros devidos por instituições de crédito ou parabancárias a instituições da mesma natureza, uma e outras domiciliadas em território português, bem como as operações cambiais realizadas entre as mesmas instituições;

c) Os juros das operações do Crédito Agrícola de Emergência, criado pelo Decreto-Lei n.º 251/75, de 28 de Maio, cuja responsabilidade directa venha a ser assumida pelo Estado, quer como utilizador directo, quer como avalista;

d) As operações sobre certificados de depósito;

e) As transferências bancárias efectuadas pela Nunciatura Apostólica a favor da Santa Sé;

f) As operações bancárias realizadas entre sucursais financeiras exteriores instaladas nas Zonas Francas da Madeira e da ilha de Santa Maria e não residentes no território nacional;

g) As operações de venda com garantia de recompra que tenham por objecto bilhetes do Tesouro (BT) ou créditos em sistema de leilão ao investimento público (CLIP).

 

 

Com a Lei n.º 2/92, de 9 de Março, foi aditada uma alínea h) ao n.º 2 do artigo 120.º-A, com a seguinte redacção:

 

h) As comissões relativas a garantias de financiamento à exportação;

 

Como Decreto-Lei n.º 162/94, de 4 de Junho, foi alterada esta alínea b) do artigo 120.º-A que ficou com a seguinte redacção:

 

b) Os juros devidos por instituições de crédito ou sociedades financeiras a entidades da mesma natureza e, bem assim, as operações cambiais realizadas entre as mesmas, umas e outras domiciliadas em território português;

 

A Lei n.º 24/94, de 18 de Julho, alterou o n.º 2 do artigo 120.º-A da TGIS, passando a referir na alínea b):

b) os juros devidos por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas a instituições, sociedades ou a entidades da mesma natureza, umas e outras domiciliadas em território português.

De igual isenção beneficiam as operações cambiais realizadas entre as mesmas entidades ou entre estas e outras da mesma natureza domiciliadas no estrangeiro, bem como a venda de moeda estrangeira a sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, a empresas públicas e a empresários em nome individual com contabilidade organizada, destinadas ao pagamento de bens e serviços importados, no âmbito da sua actividade»;

 

Como resulta da evolução legislativa que se reproduziu em matéria de isenções relativas a operações financeiras, até à Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, a que aprovou o primeiro Código do Imposto do Selo (sem substituição do anterior Regulamento do Imposto do Selo, aprovado pelo Decreto n.º 12700, de 20 de Novembro de 1926), relativamente a comissões, apenas se previam isenções para as «incidentes sobre garantias bancárias e as fianças constituídas para garantir direitos aduaneiros e outras imposições relativamente a mercadorias importadas sob regimes aduaneiros suspensivo» (§ único do artigo 4.º da TGIS) e as «relativas a garantias de financiamento à exportação» [alínea h) do n.º 2 do artigo 120.º-A, aditada pela Lei n.º 2/92, de 9 de Março.

Com o Código do Imposto do Selo de 1999, as isenções relativas comissões relacionadas com operações financeiras passou a estar prevista nas alíneas e) e f) do artigo 6.º, nestes termos:

 

 

Artigo 6.º

 

Outras isenções

 

1 - Ficam também isentos do imposto:

(...)

e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997;

 

            Houve, assim, uma ampliação da isenção relativa a comissões cobradas pelas instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza e entidades previstas nesta alínea f) que passou a abranger quaisquer comissões, independentemente de estarem ou não relacionadas com a concessão de crédito.

            A Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, veio alterar aquelas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º e alterar o seu n.º 2, nestes termos:

 

Artigo 6.º

Outras isenções

 

1 - Ficam também isentos do imposto:

 

e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças.

 

2 - O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas.

 

            Este n.º 2 veio, assim, introduzir uma explícita restrição do âmbito da isenção referida na alínea f), pois passou a aplicar-se apenas aplica «às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito», no âmbito da actividade exercida pelas instituições de crédito e outras instituições e entidades aí referidas.

            Na verdade, a natureza interpretativa que a Autoridade Tributária e Aduaneira defende ter este n.º 2 não tem qualquer suporte normativo, pois o texto da alínea f) na redacção da Lei n.º 150/99 não dava margem para qualquer interpretação restritiva.

            Por outro lado, para além de a Lei n.º 30-C/2000 não aludir a qualquer intenção de atribuir natureza interpretativa nem ser conhecida qualquer controvérsia jurisprudencial sobre o alcance daquela alínea f) na redacção inicial, o Relatório do Orçamento para 2001 ( [3] ), explica o alcance destas alterações de forma a afastar qualquer intenção de clarificação, quanto ao âmbito das comissões abrangidas:

Em matéria de isenções, procura-se clarificar o alcance das normas do artigo 6º, nº1, alíneas e) e f), revendo a identificação dos Estados onde se encontrem domiciliadas tais entidades para uma portaria do Ministro das Finanças, à semelhança, aliás, da redacção proposta para o art.º 57º- A do Código do IRC. Tendo havido dificuldades por parte dos operadores económicos em apurar quais os Estados cumpridores dos princípios decorrentes do Código de Conduta, e havendo consenso em que a isenção deve abranger todos os Estados, com excepção daqueles que vulgarmente são designados como “paraísos fiscais”, afigura-se esta a melhor solução

Exclui-se ainda de isenção os juros e as comissões cobrados, bem como o crédito concedido, nas situações em que o crédito em causa não se destine directamente a novas concessões de crédito. Sendo o crédito obtido por instituições de crédito junto de outras instituições da mesma natureza destinado a novas concessões de crédito, justifica-se a isenção para tais operações financeiras pois que de outra maneira ocorreria uma dupla tributação económica, com reflexos negativos, designadamente, ao nível da concorrência. Tal justificação já não colhe, porém, nas situações em que tais instituições recorram ao crédito para outros fins. ( [4] )

 

Como se vê por esta exposição de motivos, apenas quanto à «identificação dos Estados onde se encontrem domiciliadas tais entidades» se afirma a intenção de clarificação.

Quanto às comissões abrangidas não se refere qualquer intenção de clarificação, mas sim de excluir «de isenção os juros e as comissões cobrados, bem como o crédito concedido, nas situações em que o crédito em causa não se destine directamente a novas concessões de crédito», o que, obviamente, tem ínsito que estas comissões que passam a estar excluídas não estavam excluídas anteriormente.

 Por isso, o contributo interpretativo deste Orçamento do Estado para 2000 é precisamente no sentido contrário ao defendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pois ficou esclarecido, antes, a isenção relativa a comissões, não se aplicava apenas «às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito».

A Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, veio alterar a alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º, que foi reformulada de forma a abranger as isenções anteriormente previstas nas alíneas e) e f) e eliminou o n.º 2, que havia sido introduzido pela Lei n.º 30-C/2000, passando os nºs 3 e 4 da anterior redação a ser os nºs 2 e 3 da nova redacção:

 

e) Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças;

             

2 - (Anterior n.º 3)

3 - (Anterior n.º 4)

 

            Assim, como bem se conclui no acórdão proferido no processo arbitral n.º 348/2016-T:

– «a referida nova alínea e), resultante da fusão das anteriores alíneas e) e f) passou a isentar de imposto os juros e comissões cobradas, bem como a utilização do crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças»;

– «tal norma legal ampliaria, assim, em primeiro lugar, a isenção do imposto do selo, então limitada ao crédito, incluindo os respetivos juros, concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a entidades da mesma natureza ao crédito, incluindo os respetivos juros concedidos por instituições de crédito e sociedades financeiras às sociedades de capital de risco, então reguladas pelo Decreto-Lei nº 319/2002, de 29 de Dezembro»;

– «a isenção seria ampliada, em segundo lugar, às comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades financeiras e sociedades de capital de risco»;

– «foi, assim, expressamente e não apenas tacitamente eliminada a limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras».

 

No pressuposto, que se tem de presumir por forma do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, é óbvio que a eliminação do n.º 2 da redacção anterior tem o alcance de eliminar a restrição e não de a manter.

A letra da nova alínea e) também aponta neste sentido, por como se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 348/2016-T, «a expressão “bem como”, que quer dizer “igualmente”, “também” e “do mesmo modo”, utilizada na nova redação da alínea e) quer dizer claramente a isenção dos juros e comissões cobradas se aplicar em termos idênticos à utilização do crédito. Chama a atenção para a uniformidade dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados com o das comissões cobradas, em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras, não tendo qualquer alcance restritivo».

Com o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, o regime daquela alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º, passou a constar da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

A Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, alterou a redacção desta alínea e), estendendo a isenção às garantias prestadas:

 

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;

 

Não houve qualquer alteração legislativa desta isenção até 2016, pelo que é este o regime aplicável nos anos de 2011 a 2015 a que se reportam as liquidações impugnadas.

Os fundos de pensões também são considerados instituições financeiras, a par das respectivas sociedades gestoras, como se infere do artigo 30.º do Código dos Valores Mobiliários [que, nas alíneas e) e f) do n.º 1 indica os «fundos de pensões e respectivas sociedades gestoras» como «investidores qualificados» a par de «outras instituições financeiras», como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 68.º da sua Resposta]) e da citada Directiva 2003/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho de 2003.

Assim, à face do regime legal vigente nos anos de 2011 a 2015 é de concluir que as comissões cobradas pelas sociedades gestoras de fundos de pensões aos respectivos fundos se enquadram no âmbito da isenção prevista na alínea e) do n- 1 do artigo 7.º do CIS.

É certo que, posteriormente, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, veio aditar ao artigo 7.º do CIS um n.º 7 com a seguinte redacção:

 

7 - O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.

 

O artigo 154.º desta Lei n.º 7-A/2016 atribuiu a este n.º 7 do artigo 7.º do CIS natureza interpretativa.

Porém, pelo que se referiu esta restrição não constava nem consta da redacção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, pelo que se está perante uma norma de natureza inovadora.

Assim, este artigo 154.º manifesta uma interpretação de aplicação retroactiva a nova restrição à referida isenção, que é incompaginável com proibição constitucional da retroactividade das normas criadoras de impostos, que consta do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, como vem entendendo reiteradamente o Tribunal Constitucional, relativamente àquele artigo 154.º ( [5] ) e à norma semelhante do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016. ( [6] )

Por isso, tem de ser recusada a aplicação desta norma do artigo 154.º da º 7-A/2016 (artigo 204.º da CRP) a factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, designadamente nos anos de 2011 a 2015 a que se reportam as liquidações impugnadas.

Assim, verificam-se todos os pressupostos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, pelo que todas as comissões em causa nas liquidações impugnadas, cobradas por uma sociedade gestora de fundos de pensões aos fundos que gerem, são abrangidas pela isenção.

Consequentemente, as liquidações impugnadas são ilegais, por violação da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, o que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

A decisão de indeferimento da reclamação graciosa enferma do mesmo vício, elo que também se justifica a sua anulação.

 

 

3.3. Liquidações de juros compensatórios

 

As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as liquidações de Imposto do Selo, pelo que, tendo-se concluído pela ilegalidade destas, aquelas liquidações enfermam dos mesmos vícios, pelo que também se justifica a sua anulação.

 

 

3.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício de violação de lei, que assegura estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fia prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), a apreciação das restantes questões colocadas.

 

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

                        1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

                        2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                        3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                        4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, o erro de direito que afecta as liquidações impugnadas são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que o erro de direito que as afecta fosse praticado.

Assim, a Requerente tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos que advieram da prestação de garantia para suspender os processos de execução fiscal n.ºs …2015…, …2015…, …2015… e … … (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 609.º no Código de Processo Civil e artigo 565.º do Código Civil).

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)      anular as liquidações adicionais de Imposto do Selo n.º 2015…, no montante de € 12.891,12; n.º 2015…, no montante de € 24.868,31; n.º 2015…, no montante de €27.030,55; e n.º 2015…, no montante de € 26.514,07 referentes, respetivamente, aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014; bem como das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 2.008,72, referentes ao ano de 2011; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 3.162,86, referentes ao ano de 2012; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 2.362,61, referentes ao ano de 2013; e, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante total de € 1.269,65, referentes ao ano de 2014;

c)      Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…;

d)      Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que vier a ser determinada em execução do presente acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 100 107,89.

 

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Notificação ao Ministério Público

 

     Sendo o Ministério Público representado nos demais tribunais nos termos da lei [artigo 4.º, n.º 1, alínea d), do Estatuto do Ministério Público] e não estando prevista na lei a representação do Ministério Público junto dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, notifique-se o presente acórdão à Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral da República, atendo o disposto no n.º 3 do artigo 280.º da CRP.

 

 

 

Lisboa, 20 de Dezembro de 2017

 

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)

 

 

(Ana Teixeira de Sousa)

 



[1]             BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.

[2]             BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, páginas 191-192, na esteira de LARENZ.

[4] Páginas 141-142.

[5]              Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 644/2017, de 4-10-2017, proferido no processo n.º 519/17, que confirmou a Decisão Sumária n.º 404/2017, de 14-07-2017.

[6]              Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 466/16, e n.º 395/2017, de 12-7-2017, proferido no processo n.º 751/16.